A História da Ciência - Parte IV

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No quarto episódio da série uma questão é levantada: Podemos ter energia ilimitada?

No quarto episódio da série uma questão é levantada: Podemos ter energia ilimitada?


Há algumas grandes questões que nos intrigam e perseguem desde o surgimento da humanidade.
O que há lá fora?
Como chegamos até aqui?
Do que o mundo é feito?



A história de nossa busca para responder tais questões é a história da ciência.
De todos os empreendimentos humanos, a ciência teve o maior impacto em nossas vidas, sobre como vemos o mundo, sobre como vemos nós mesmos.
Suas ideias, feitos e resultados estão ao nosso redor.
Como chegamos ao mundo moderno?
Isso é ainda mais surpreendente e humano do que possam imaginar.
A história da ciência habitualmente é contada como uma série de momentos de revelação.
O triunfo final da mente racional.
Mas a verdade é que o poder e a paixão, a disputa e o acaso tiveram papéis igualmente importantes.
Nesta série, oferecerei uma visão diferente sobre como a ciência acontece.
Ela foi definida tanto pelo que está fora como dentro do laboratório.
Esta é a história de como a história fez a ciência e de como a ciência fez a história, e de como as ideias produzidas mudaram nosso mundo.
É uma história de poder...
prova...
...e paixão.

A HISTÓRIA DA CIÊNCIA Episódio 4

Desta vez, uma antiga ambição humana.
A busca por energia ilimitada.
PODEMOS TER ENERGIA ILIMITADA?
Somos a geração com maior ânsia por energia que já existiu.
A energia é o coração de nossa civilização.
A busca por energia criou e destruiu fortunas.
Ergueu e arrasou nações.
E tem transformado completamente como vivemos nossas vidas.
Mas essa incansável busca por mais energia tem uma importância bem maior do que descobrir o que ela pode fazer por nós.
Quando nos perguntamos, "O que é energia?"
ao contrário de, "Onde podemos obter mais?"
Isso levou a algumas das maiores ideias da história da ciência.
O século XVII foi um momento fundamental, quando o equilíbrio entre o homem e a natureza começou a mudar para sempre.
Não havia eletricidade.
Nem carros, ou trens.
As fontes mais comuns de energia tinham de ser alimentadas e beber água.
O "cavalo de força" representava justamente isso.
Mas uma praia remota da Holanda forneceria uma amostra do que estava por vir.
Se estivessem andando numa praia do noroeste da Holanda há 400 anos, teriam visto uma versão bem maior de um destes "windcar".
Era chamado carro a vela.
Projetado para transportar soldados fortemente armados pela costa...
...igualmente surpreendia e assustava.
Aí estava o poder do vento dominado para produzir movimento sobre a terra.
Deve ter sido uma visão extraordinária.
As pessoas tinham medo e o chamavam de a vela do Diabo.
A "vela do Diabo". Bem dramático.
- Qual a velocidade? - Ultrapassaria um cavalo correndo.
Um cavalo? Devia ser uma das coisas mais rápidas do mundo à época.
- Talvez uma das mais rápidas... - Usando energia eólica.
- Apenas o vento. - Impressionante.
O carro a vela foi criado pelo engenheiro e matemático chamado Simon Stevin, um homem notável que literalmente mudaria a cara da Holanda e ajudaria a transformá-la num grande império comercial.
As ambições de Stevin pela energia eólica foram além dos carros.
Ele queria transformar o país usando a matemática.
A matemática estava mudando.
Por centenas de anos, nas universidades, a geometria e a aritmética foram importantes atividades teóricas.
Aplicações práticas, como a construção de pontes e canhões, eram limitadas.
Mas agora, homens como Simon Stevin usariam a teoria matemática para criar algo bem maior.
Uma nova ciência baseada na matemática.
E isso ajudaria a resolver uma série de problemas complexos.
Stevin era um matemático que não se importava em pôr a mão na massa.
Ele viu a importância de aplicar o conhecimento matemático na solução de problemas práticos.
O problema ao qual Stevin dedicou a sua matemática era crucial para a plana e baixa Holanda.
Como manter o país seco.
Durante mais de um século, os moinhos holandeses extraíram água de fossos de drenagem, despejando-a em canais que a transportavam.
Mas Stevin estava convencido que a matemática podia tornar os moinhos mais eficientes.
Estamos no topo do moinho e este é o sistema de engrenagem.
Era o coração do que Stevin fez.
Matematicamente é interessante pois o que ele fez não mantém uma relação de números inteiros.
Não é como 2:1, 3:1 entre isto e aquilo.
Não há relação regular.
Talvez também possam ver que estas coisas são angulares.
Não é um simples plano vertical encontrando um horizontal.
Há um ângulo.
E também é muito difícil lidar com isso matematicamente.
Parece grosseiro, mas é fantasticamente refinado.
É impressionante. Espero vê-lo funcionando.
Magnífico, não?
É como estar dentro de um enorme relógio.
Ao estar aqui, tem-se a impressão da força imensa e inexorável para girar em círculo.
O que me surpreende é que seja tão silencioso.
Isso é um tributo à matemática de Stevin pois ele, claro, a acertou.
Todas a interações funcionam. Há pouco barulho.
Se toda a energia fosse desperdiçada em som e calor, todo este lugar estaria vibrando, mas é muito tranquilo.
Este novo moinho matematicamente projetado era três vezes mais eficiente do que aquele que ele substituiu.
É quase poético.
Este é um modelo matemático concebido numa realidade física.
Stevin criou novas rodas em forma de pás, comportas, inclusive uma cadeia de moinhos que podia ser usada para drenar não apenas campos, mas um lago.
Ademais, ele patenteou muitas de suas invenções para assegurar que seu trabalho seria bem recompensado.
A matemática enriqueceu Stevin.
E não demorou muito para ela começar a mudar o país inteiro.
Simon Stevin mostrou do que moinhos bem projetados eram capazes.
E agora as pessoas se indagavam, "Se podemos drenar lagos, o que mais podemos fazer?"
A Holanda já era uma potência europeia emergente.
A energia dos moinhos ajudou a transformá-la numa potência industrial.
Sementes e frutos secos eram moídos para extrair o valioso óleo.
As fábricas de papel tornaram-se mecanizadas.
A lenha podia ser cortada 30 vezes mais rápido e com maior precisão que manualmente...
...ajudando a transformar este pequeno país no maior construtor naval da Europa ocidental.
Ao som dos moinhos matematicamente projetados girando ao vento a Holanda tornou-se uma nação comercial mais dinâmica...
e Amsterdã, uma das mais ricas e cosmopolitas cidades da Terra.
Aqui, podia-se comprar quase tudo.
Diamantes, peles, especiarias exóticas.
Amsterdã vivenciava uma idade de ouro.
A cidade criou o 1º banco central, a 1ª bolsa de valores e a 1ª crise econômica.
O crescimento da Holanda mudou o mapa do poder da Europa.
Auxiliado por avanços no projeto dos moinhos, pela nova ciência baseada na matemática e pela crença entre homens como Simon Stevin de que a ciência devia ser útil.
Era óbvio o que a energia podia fazer.
Mas o que faltava era uma compreensão científica do que era a energia.
Isso só surgiria mais tarde, no outro lado do Canal da Mancha.
As mansões inglesas do século XVIII
eram um lugar de intriga, romance e fofoca.
Mas, entre as visitas de elegantes oficiais da cavalaria, estes bastiões da alta sociedade também acolhiam ocasionais visitantes pesquisadores.
O lar de uma improvável aliança que marcou o surgimento de uma nova fonte de energia que mudou o mundo.
A ciência tornou-se entretenimento popular para a sala de visitas.
Muitas dessas engenhocas foram criadas para explorar as maravilhas da época, como a carga estática e o magnetismo.
É impressionante.
Isto contentava a plateia.
O truque do vácuo.
Pegue um despertador...
programe para despertar...
coloque-o aqui...
e retire o ar.
Certo. O alarme irá disparar...
e não se ouvirá absolutamente nada.
Ninguém entendia totalmente a ciência por trás destas demonstrações.
Mas a habilidade de surpreender e intrigar ajudou a levar novas ideias a um público novo e atencioso.
Matthew Boulton foi um empresário que pertencia à Sociedade Lunar, assim chamada pois as reuniões ocorriam em noite de lua cheia.
Eram industriais, pesquisadores e filósofos naturais que compartilhavam a paixão pelo conhecimento prático.
Um dos seus líderes foi o engenheiro escocês, James Watt.
Há anos Watt vinha trabalhando com protótipos de motores a vapor.
Isso levou Matthew Boulton a convidá-lo a participar de um empreendimento comercial.
Ele soube que Watt tentava criar um novo tipo de motor a vapor.
Como escreveu mais tarde a Watt, havia duas razões para o apoio.
"O amor por você e pelo dinheiro gerado por um projeto engenhoso."
O plano estava claro.
Boulton tinha o capital, Watt, a ideia.
Juntos eles iriam enriquecer.
Era o capitalismo em ação.
O motor a vapor teve enorme impacto mundial.
E o surpreendente é que mal havia uma teoria científica por trás dele.
Isso surgiria mais tarde.
Este é o motor a vapor de Boulton e Watt.
E esta é a parte conhecida. Homem, carvão e fornalha.
Mas não era de esperar que ele fosse imóvel e grande.
Esta única máquina ocupa um prédio inteiro.
Este motor é tão grande, originalmente construído para manter o canal cheio d'água, que precisa do seu próprio operador.
- Olá. - Oi. Bom vê-lo.
- É o operador? - Sim, sou o operador dessa máquina.
Estou impressionado. Ainda funciona, certo?
Neste momento, ela mantém o canal.
As bombas elétricas usadas pela British Waterways estão desligadas e fazemos essa função.
- Posso tentar operá-la? - Claro que sim.
Desvie desta alavanca.
Sempre quis operar um motor a vapor.
Não é bem como eu imaginava. Certo.
Gire aquela manivela para esquerda, cerca de um quarto.
Há uma espécie de abertura estreita entre...
Sim. Há.
O que compelia o motor não era tanto a energia do vapor, mas uma versão daquele truque da mansão.
O vácuo.
O vapor é injetado, depois resfriado, criando um vácuo.
Isso empurra o pistão para baixo, fornecendo ao motor sua capacidade de elevação.
Feche-a por um quarto.
- O que houve? - Fechou demais. Ele parou.
Isso não foi legal.
Pensei que fosse simples e após 30 segundos no comando desta máquina eu consegui pará-la, o que é muito ruim.
Parece bom.
James Watt não inventou o motor a vapor ou a ideia de usar o vácuo.
Motores assim eram usados há décadas.
O que tornou Watt famoso, bem como sua máquina, foi uma pequena modificação localizada aqui, bem na base do motor.
Pode não parecer, mas ali embaixo está a singular contribuição de James Watt para a história da energia.
Chamada condensador separado.
É onde o vapor era resfriado para criar o importante vácuo.
Bem longe dos cilindros quentes.
Uma inovação técnica pequena, mas engenhosa, com grandes benefícios.
Os motores a vapor de Boulton e Watt eram bem mais eficientes que os rivais.
Usavam um quarto da quantidade de carvão.
O potencial de economia era enorme.
Algo que qualquer empresário podia entender.
Assuma. Obrigado.
A razão pela qual algumas ideias mudam o mundo, enquanto outras somem, odiadas e ignoradas, raramente se deve ao seu mérito intrínseco.
O êxito do motor de Boulton e Watt não se deveu só à nova tecnologia, mas também a uma inteligente obra de engenharia financeira.
As máquinas eram complicadas e exigiam alguém para instalá-las.
Ninguém menos que o próprio James Watt.
Nas cartas, ele reclamava amargurado das viagens que tinha de fazer.
Andem.
Vamos, rapazes. Andem.
Dá para entender por quê, não é?
Muitos solavancos. Isto é suportável...
Viagem curta, em pleno verão.
Mas imaginem que esteja frio, seja inverno, um martírio. Uma experiência bem diferente.
Mas o desconforto de viajar no século XVIII
era um preço que valia pagar pois quando instalados os motores, o dinheiro começava a entrar.
Este documento de 3 páginas era a chave da riqueza de Boulton e Watt.
É a patente. Abrange as adaptações de Watt para o motor a vapor.
Tinha-se de pagar royalties ano após ano, muito tempo após a instalação da máquina.
Para qualquer economia feita com a máquina, uma parte ia direto para eles.
Isso revela como a descoberta científica raramente se distancia do dinheiro, e isso é sobretudo verdadeiro na busca por energia.
Mas, apesar das riquezas oferecidas, ainda não havia base científica para explicar o que era a energia.
A ciência teria de esperar até que o motor a vapor virasse uma força em toda a terra.
A grande demanda por motores a vapor estava no oeste do país, para bombear água das minas.
Logo seus donos ficaram dependentes das máquinas mais eficientes de Boulton e Watt.
Alguns donos de minas, cansados dos royalties, pararam de pagar.
Boulton e Watt endureceram e responderam com ações judiciais.
Dizem que um oficial de justiça que veio a uma destas minas foi pego pelos tornozelos, pendurado no fosso da mina e indagado se ainda queria entregar o mandado.
O homem por trás dessa história foi Richard Trevithick.
Para livrar-se da patente de Watt, Trevithick começou a fabricar seus próprios motores.
Este foi seu maior feito, o Sopro do Diabo, com seus 8 cavalos de força.
E diferente do motor de Boulton e Watt, ele se movia.
A genialidade de Trevithick foi criar motores a vapor de alta pressão onde o vapor impulsionasse o pistão.
Assim, ele não precisava do vácuo nem de condensadores.
Ao invés de terem o tamanho de casas, seus motores eram pequenos, poderosos e móveis.
Sem falar que produziam esse maravilhoso som de "piui", que é o barulho do vapor de alta pressão escapando.
Li que as pessoas os achavam muito perigosos, e logicamente, que explodiriam, o sistema de alta pressão.
Está certo. Não tinham o conhecimento da metalurgia que temos hoje, e as caldeiras explodiam.
- Há perigo deste aqui explodir? - De jeito nenhum.
Este novo motor indicava uma melhor forma de transportar produtos e pessoas.
Mas Trevithick não entrou para a história como o pai da ferrovia moderna.
Sei que, certa vez, eles pôs, digamos, o carro a vapor num trilho, numa ferrovia.
Por que não funcionou?
O motor pesava cerca de 5 toneladas. Os trilhos quebraram com esse peso.
O problema não foi o trem. Foi o trilho sobre o qual estava.
Isso mesmo. O motor funcionava perfeitamente.
- Isso é muito irônico, não? - É.
A história da ciência está repleta de momentos assim.
Grandes ideias têm de surgir no lugar e hora certos.
Infelizmente para Trevithick, o lugar e a hora foram errados.
Por que ele não morreu rico e famoso?
Em parte porque não tinha um Matthew Boulton para divulgar suas invenções e assegurar que ganhasse dinheiro.
Mas também porque suas ideias estavam bem à frente do seu tempo.
No início do século XIX, se quisesse ir de um lugar a outro, era melhor comprar um cavalo.
Os motores a vapor acabariam trazendo uma mudança sem precedente nascida da combinação de diferentes forças.
A Sociedade Lunar, onde cientistas e empresários podiam se encontrar e trocar ideias.
Inovações técnicas, como o vapor de alta pressão.
A promessa de dinheiro e a proteção das patentes.
Disso surgiu uma nova fonte de energia anteriormente inimaginável ...o equivalente mecânico a inúmeros cavalos para trabalhar nas fábricas e usinas da paisagem do século XIX.
Os motores a vapor, seus lucros, seus donos, essas foram as forças que moldaram a Inglaterra vitoriana.
Mas os efeitos de toda essa energia foram sentidos muito além do mundo da indústria pesada.
A nova aristocracia de donos de fábricas e empresários sabia como queria usar sua influência recém-descoberta.
Alguns usaram sua riqueza para lutar por mudanças sociais, com a abolição da escravatura ou a educação das mulheres.
A busca por energia deu poder político a um novo grupo social, a classe média.
A procura por energia produziu muito, mas com o mesmo conhecimento científico de um século antes.
Só que agora, tardiamente, surgiam os teóricos.
Os vitorianos estavam totalmente fascinados pelo poder do vapor.
Mas a ciência por trás disso suscitou algumas das maiores questões da época.
Exigia numa nova teoria, uma nova forma de ver a natureza.
Felizmente, a ajuda estava à mão.
Este é o livro de Administração Doméstica da Sra. Beeton.
Um clássico vitoriano que contém tudo que se precisa saber sobre como administrar uma casa bem e com eficiência, incluindo como demitir seus empregados.
"Moderação e economia são virtudes, sem as quais nenhum lar prospera."
A Sra. Beeton, como muitos na sociedade vitoriana, era obcecada por eficiência.
O desperdício não era só antieconômico.
Era também anticristão.
Na cozinha, se havia ossos velhos, fazia-se sopa.
Se houvesse pão velho, fazia-se pudim.
E tal obsessão era comungada pela comunidade científica.
Isso levou ao desenvolvimento de um novo conceito.
O da energia.
Conforme os motores a vapor se firmavam, as pessoas ficaram interessadas em comparar quais eram mais eficientes.
Uma nova teoria da energia as ajudaria a tomar esse tipo de decisão.
Ninguém sabia o que era a energia.
Alguns achavam que era um fluido que corria de um lugar para outro.
Mas ficava cada vez mais claro que ela podia ser transferida.
O motor a vapor, como a chaleira, podia ser explicado cientificamente.
Conforme queima, a energia química do carvão vira calor.
Essa energia aquece a chaleira e a água dentro...
Que vira vapor, que pode ser então usado para executar trabalho.
Parece muito simples, mas esse foi um momento decisivo para a ciência.
Pela 1ª vez, coisas diversas como a queima do carvão, aquecimento da água, produção de vapor, e o giro dos moinhos podiam ser unidos em um único conceito.
O da energia.
Isso levou à formulação de uma nova lei da física, uma absolutamente fundamental.
Chamada de a primeira lei da termodinâmica.
A primeira lei da termodinâmica é a descrição matemática da energia, conhecida como conservação da energia.
Ela afirma que a energia não pode ser criada ou destruída.
Não se obtém mais do que aquilo contido no combustível empregado.
E isso se aplica a todas as fontes de energia existentes.
A chaleiras, motores a vapor e a moinhos.
A tudo.
A termodinâmica foi uma das glórias da ciência do século XIX, em parte inspirada pela necessidade de explicar a maravilha da época, o motor a vapor.
E pela obsessão por economia e eficiência.
Mas a termodinâmica foi apenas um componente do que viria a ser uma teoria mais abrangente da energia e força.
Em junho de 1772, uma pequena expedição partiu para a costa francesa numa viagem que direcionaria a ciência rumo à idade moderna.
Foi liderada por John Walsh, recém-aposentado da Companhia Britânica das Índias Orientais.
Walsh era fascinado pela eletricidade encontrada na natureza.
Ele a procurava, não nos céus, mas embaixo d'água...
...em um peixe ...o torpedo ...que usa choques elétricos para capturar sua presa.
Walsh queria descobrir se a energia emitida por esse peixe estranho era a mesma liberada por um raio...
...ou um gerador de centelhas.
Após fazer inúmeras experiências em si e em sua tripulação, Walsh voltava a Londres para tentar descobrir como o peixe torpedo produzia choques elétricos.
Alguns dos peixes que Walsh trouxe ainda estão preservados no Museu Hunteriano de Londres.
Eles foram dissecados pelo renomado cirurgião John Hunter para revelar alguns órgãos peculiares.
Está vendo estes dois trechos de tecido branco, um acima e um abaixo, em ambos os lados do peixe?
São coisas que Hunter não viu em outros peixes, outras arraias que ele dissecou.
Certo. Este parece bem diferente.
É uma dissecação mais detalhada, mas Hunter fez algo diferente nela.
Ele injetou corante vermelho para mostrar os vasos sanguíneos.
A carga elétrica parecia surgir destas minúsculas células, hoje chamadas eletrócitos, achadas dentro dos órgãos elétricos.
É extraordinário pois começava-se a ver de onde vinha a carga.
Dá para ver cada uma das células. É linda, não?
- Uma obra de arte. - Uma obra de arte, não é?
Walsh estava convencido que a eletricidade do torpedo não era apenas a mesma da do raio, mas que devia ser possível reproduzi-la usando uma máquina.
Mas muitos discordavam de Walsh.
Parecia quase um sacrilégio afirmar que a eletricidade de uma máquina feita pelo homem era a mesma de um peixe criado por Deus.
E a prova de que isso era verdade não estava longe.
Nos arquivos da Sociedade Real de Londres está uma carta que remonta a 1800.
Escrita por um cientista italiano, Alessandro Volta, basicamente ela contém instruções de como construir seu próprio peixe torpedo.
Esta é uma cópia da carta que Volta enviou à Sociedade Real.
Está em francês, tem um diagrama útil na lateral.
Também tenho aqui uma caixa de bugigangas.
Certo. Primeiro, preciso de um pouco de zinco e cobre.
Também preciso de papelão ou tecido capaz de absorver uma solução salina.
É difícil acreditar que isto produzirá algo.
Veremos.
Um pedaço de cobre no topo e ponho chumbo sobre ele.
Se observarem com atenção, realmente assemelha-se aos órgãos, digamos, de um peixe torpedo.
Ele sugeriu chamá-lo de órgão elétrico artificial.
A "pilha voltaica", com ficou conhecida, podia gerar uma corrente elétrica significativa.
Volta não podia medi-la, mas podia demonstrar que produzia um choque, assim como o peixe torpedo.
O interessante é que quando Volta escreveu à Sociedade Real, ele entregou todos os seus segredos, o que foi um pouco embaraçoso para ele pois esta viria a ser uma das maiores descobertas tecnológicas de todos os tempos.
A bateria, é claro.
O surpreendente, olhando pela perspectiva moderna, é que por muito tempo não se soube o que fazer com ela.
Ela não tinha aplicação prática.
Não havia ao que ligá-la.
Levaria uma geração para alguém conseguir descobrir uma utilização prática realmente importante.
Uma resposta engenhosa a um problema bastante urgente.
Em 18 de junho de 1815, os exércitos do Duque de Wellington e do Imperador Napoleão encontraram-se em Waterloo.
Foi uma batalha cujo resultado dependia o destino da Europa.
Ao fim do dia, a batalha acabara. Os franceses perderam.
Wellington ansiava dar a boa nova a Londres o mais rápido possível.
O major Henry Percy foi encarregado de levar a mensagem.
Ele montou no seu cavalo cansado de guerra e cruzou a Bélgica até chegar ao litoral.
Quando chegou, ele teve de esperar pelo vento e maré adequados antes de finalmente partir para a Inglaterra.
Ao todo, ele levou 4 dias para chegar a Londres, período durante o qual o pessoal do gabinete de guerra roía as unhas de ansiedade pois muitos esperavam a vitória francesa.
Se pudessem levar uma mensagem secreta de Waterloo a Londres mais rápido que o major Percy, podiam ter ganhado uma fortuna, apostando na improvável vitória inglesa.
Havia necessidade de comunicação mais rápida.
A pilha de Volta estava prestes a ser ligada a algo útil.
Desta vez foi a ciência que indicou o caminho, graças a um homem chamado Hans Christian Oersted.
Segundo a história, ele ia dar uma palestra e preparava o equipamento.
No meio dele, havia uma pilha voltaica e um fio.
Quando ele conectou o fio, algo surpreendente ocorreu.
A agulha de uma bússola próxima agitou-se, e toda vez que ele conectava o fio ou desconectava, ela se movia de novo.
Sabia-se há séculos que as agulhas da bússola eram afetadas por ímãs.
De alguma forma a corrente elétrica no fio estava agindo como um ímã, afetando a agulha, o que deixou Oersted perplexo.
Por óbvio, ele sabia que isso era importante pois fez mais pesquisa e publicou suas descobertas.
Mas creio que é pouco provável que ele imaginasse o imenso impacto que sua descoberta teria no mundo.
Em poucos anos, aquela agulha de bússola agitada virou o telégrafo elétrico.
O poder da eletricidade agora podia ser usado para levar mensagens de um canto a outro quase instantaneamente.
Cabos de telégrafos logo estavam operando pelo mundo.
E quando o telégrafo juntou-se a outra grande invenção, o motor a vapor, a combinação foi irreversível.
O motor a vapor fazia o trabalho pesado.
Drenando minas, fiando algodão, alimentando uma nova rede ferroviária.
E junto ao telégrafo que corria ao largo dessas mesmas ferrovias, a bateria possibilitou controle, político e financeiro.
Juntos, eles ajudaram a erguer os impérios europeus do século XIX.
O cenário estava preparado para o próximo passo no conhecimento científico da energia.
A minúscula agulha agitada do telégrafo mostrara como a eletricidade de uma bateria podia ser útil.
Mas que estava ocorrendo também era bem mais profundo.
A junção de duas grandes forças que anteriormente eram consideradas dissociadas.
E abranger o elo entre duas coisas tão díspares como a corrente elétrica e a bússola magnética foi um dos maiores feitos da ciência, um passo importante rumo a um conceito unificado de energia.
A eletricidade dominava o público.
Clarões, faíscas, choques elétricos.
O magnetismo era bem mais calmo, algo que interessava mais aos navegadores.
Mas quando os dois se juntaram, criaram a ciência do eletromagnetismo que dominaria o século XIX.
O eletromagnetismo não apenas explicava a relação entre eletricidade e magnetismo.
Ele iria explicar a natureza da luz...
...das ondas de rádio ...dos raios-X.
E ajudou a convencer os físicos do século XIX
que eles tinham descoberto todas as leis fundamentais da natureza.
Como sabemos, essa cômoda presunção estava equivocada.
ELIXIR DA VIDA
Na virada do século XX, a descoberta de um novo elemento estava estampada nas capas dos jornais em todo mundo.
O MISTÉRIO DO RÁDIO
Um motivo para toda essa agitação era a forma como o rádio agia.
Ele brilhava espontaneamente no escuro...
...e criava padrões fantasmagóricos em chapas fotográficas.
Ele parecia criar energia a partir do nada.
As propriedades misteriosas do rádio atraíram a imaginação do público, ajudando a vender uma nova gama de produtos de consumo...
...que foi uma infelicidade, pois o rádio é radioativo.
- Obrigado. - Dê uma olhada.
O que estou vendo?
Está vendo uma variedade de produtos de consumo radioativos, a maioria dos anos 20, produzidos nos EUA.
Este aqui, por exemplo, - Pode pôr água nele. - Pôr água nele?
Essa é a mais famosa das falsas curas radioativas, ao menos nos EUA. Foram vendidos 1,5 milhão destes.
Este é um dispositivo similar, exceto que em vez de pôr água nele, ele era posto na água.
Não está mais radioativo hoje? Ou está brando?
Ainda é radioativo, mas está brando.
Devo dizer que é bastante assustador.
Ainda está ativo depois de todos esses anos.
O sucesso foi tão grande que pequenas quantias eram colocadas em pasta de dente, almofadas térmicas, brinquedos.
Bastava o nome rádio para vender um produto.
Camisinhas... de rádio!
A caixa está vazia. Queria ver uma camisinha de rádio.
Os cientistas que primeiro isolaram o rádio foram Marie Curie e seu marido, Pierre.
Eles não demoraram a identificar seu potencial extraordinário.
Um das coisas que sobressaíam à mente de Marie e atraiu sua curiosidade e interesse foi a grande quantidade de energia liberada pelo rádio.
Eles viram o rádio como uma fonte potencialmente ilimitada de energia?
Isso mesmo.
O PODER DO RÁDIO
Um grama continha energia suficiente para transformar uma tonelada de água fria em vapor.
Enquanto uma tonelada de rádio podia fazer o trabalho de 1,5 milhão de toneladas de carvão.
O problema enfrentado pelos cientistas era que tudo isso parecia divergir completamente das leis estabelecidas da física.
A radioatividade apresentou um sério problema para os cientistas.
Eles sabiam que a energia não podia ser criada ou destruída.
A primeira lei da termodinâmica.
Mas também sabiam que essas substâncias radioativas liberavam grande quantia de energia.
De onde ela vinha?
Pelo mundo, os cientistas estudavam intensamente a radioatividade.
Notaram algo peculiar.
Quando as substâncias radioativas emitem energia, elas se transformam. Viram outra coisa.
O rádio, por exemplo, vira chumbo.
E quando se transformam, ficam mais leves.
Ou seja, quando emitem energia, também perdem massa.
A ligação entre energia e massa acabou explicada pela famosa equação de Albert Einstein.
A energia é igual a massa vezes a velocidade da luz ao quadrado.
A energia do rádio não vinha de uma fonte mágica, mas da própria massa.
As pessoas já haviam percebido que se podia descrever o calor e o movimento em termos de energia.
Agora, parecia que a massa também podia ser descrita assim.
A energia que sequer existia como conceito era agora usada para explicar a natureza da matéria em si.
Havia pouca coisa que não podia ser explicada em termos de energia.
Não apenas os motores a vapor...
e moinhos, mas os seres vivos.
Estrelas, mesmo as galáxias eram todas regidas pelas leis da energia.
Na sua busca de entender o que é a energia, a ciência tinha descoberto segredos que ficam no centro do universo.
A teoria incutida em e=mc2
acabaria levando ao surgimento da energia nuclear e da bomba atômica.
Mas as consequências disso pertencem a outra história.
Em vez disso, para concluir a história da energia, quero voltar ao século XIX.
À época, as teorias da energia podiam estar iluminando as mentes dos homens, mas não iluminavam as casas. Ainda não, pelo menos.
A vida doméstica da maioria das pessoas não foi afetada pelos avanços na termodinâmica ou eletromagnetismo.
Do lado de fora, havia telégrafos e trens a vapor, mas, em casa, lâmpadas a gás, velas e lareiras.
O que mudou nossa relação pessoal com a energia foi a descoberta que a relação entre eletricidade e magnetismo funcionava nos dois sentidos.
Oersted mostrara que uma corrente elétrica podia agir como um ímã.
O cientista inglês Michael Faraday foi o primeiro a mostrar o oposto, que o movimento do ímã podia produzir uma corrente elétrica.
Ele usou a ideia que ligar uma corrente elétrica poderia movimentar um pedaço de metal magnetizado para construir o primeiro motor elétrico do mundo.
Mas ele também mostrou que o inverso é verdadeiro.
Pegue um ímã, empurre-o através de alguns fios de cobre e produzirá eletricidade.
Lindo, não é?
Chama-se indução eletromagnética e ela foi essencial à era elétrica.
Se pudesse manter o ímã movendo-se rápido o suficiente, podia-se produzir uma corrente elétrica contínua.
Precisava-se de algo para manter o ímã se movendo.
Algo como isto.
Cataratas do Niágara, uma das quedas d'águas mais poderosas do mundo.
Isto é o mais perto que posso chegar da catarata. É magnífico.
Há cerca de 150 milhões de litros de água descendo as cataratas por minuto.
Dá para sentir a força.
O desafio era achar um meio de converter essa massa de energia numa forma mais útil.
Eletricidade.
Até pouco tempo, eu não poderia estar aqui pois haveria milhões de litros d'água descendo por aqui, levando tudo embora.
Ali em cima, a cerca de 1 km, está a usina elétrica.
O projeto começou no subsolo.
Túneis foram escavados manualmente na rocha para desviar parte da água para um gerador elétrico.
Os envolvidos pressentiram o nascimento de uma nova era.
Quando foi construída, foi descrita como um feito para rivalizar com as pirâmides, com os templos gregos, com as grandes catedrais europeias.
Um monumento à era científica.
E, pessoalmente, acho que estavam certos.
Pois estas turbinas gigantes são a expressão definitiva do que é a energia e do que ela pode fazer.
Imensos ímãs girando pela força da queda d'água, criando eletricidade para abastecer 750 mil lâmpadas.
Mas para a eletricidade virar uma verdadeira mercadoria, algo que fosse comprado e vendido, havia um último óbice a superar.
Como levar a eletricidade de Niágara aos lugares aos quais queria vendê-la.
Cidades como Búfalo, a 39 km de distância, ou a sedenta por energia, Nova York, a 644 km.
O problema era a perda de energia à medida que a corrente viajava pelo cabo.
Se morasse perto de uma usina como esta, não havia problema.
Mas à medida que se distanciava, menos energia se obtinha.
Depois de apenas 1,6 km, começaria a notar a diferença.
Após 3,2 km, praticamente nenhuma corrente passaria.
Mas em Niágara, esse problema foi superado.
Seus geradores produziam a chamada corrente alternada.
Alta voltagem, pouca perda de energia...
...significava que a eletricidade podia finalmente viajar.
Quando, em 1896, esta nova forma de corrente foi ligada, levou menos de um segundo para chegar Búfalo, a mais de 30 km.
Naquele momento nascia a era elétrica.
A descoberta do que a energia pode fazer por nós transformou nossas vidas e nos pôs numa incansável busca por novas fontes de energia.
Das profundezas da Terra a dentro do menor átomo, ao próprio sol, uma sede por mais energia que conhece poucos limites.
Não é de se admirar que nosso planeta sozinho no sistema solar brilha no escuro.
Mas a busca para descobrir o que é a energia teve efeito igualmente profundo.
Usando a linguagem da matemática, mostramos que a energia é uma propriedade básica do universo.
É a união das abordagens prática e teórica da energia que sustenta o mundo moderno.
Durante muito tempo, a busca por energia foi liderada por homens práticos.
Então os teóricos recuperaram o terreno.
E à indagação lamuriosa, "Podemos ter energia ilimitada?"
eles responderam com um sonoro "Não".
Mas essa busca também levou à descoberta das leis fundamentais da natureza que hoje nos dizem como funciona tudo no universo.
No próximo episódio, o grande enigma da existência...
Qual é o segredo da vida?
[Via BBA]

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Brasil Acadêmico: A História da Ciência - Parte IV
A História da Ciência - Parte IV
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