A História da Ciência - Parte III

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Terceiro episódio da série que mostra como a ciência chegou onde chegou.

Terceiro episódio da série que mostra como a ciência chegou onde chegou.



Há algumas grandes questões que nos intrigam e perseguem desde o surgimento da humanidade.
O que há lá fora?
Como chegamos até aqui?
Do que o mundo é feito?



A história de nossa busca para responder tais questões é a história da ciência.
De todos os empreendimentos humanos, a ciência teve o maior impacto em nossas vidas, sobre como vemos o mundo, sobre como vemos nós mesmos.
Suas ideias, feitos e resultados estão ao nosso redor.
Como chegamos ao mundo moderno?
Isso é ainda mais surpreendente e humano do que possam imaginar.
A história da ciência habitualmente é contada como uma série de momentos de revelação.
O triunfo final da mente racional.
Mas a verdade é que o poder e a paixão, a disputa e o acaso tiveram papéis igualmente importantes.
Nesta série, oferecerei uma visão diferente sobre como a ciência acontece.
Ela foi definida tanto pelo que está fora como dentro do laboratório.
Esta é a história de como a história fez a ciência e de como a ciência fez a história, e de como as ideias produzidas mudaram nosso mundo.
É uma história de poder...
prova...
...e paixão.

A HISTÓRIA DA CIÊNCIA Episódio 3
Desta vez, a questão mais pessoal que fazemos...
Como chegamos até aqui?
Como chegamos até aqui?
Pergunta que provoca discussões ardentes e muita polêmica.
Isso porque atinge o centro de nossa origem humana, nossa importância.
E, no entanto, até há pouco tempo, não era uma pergunta que as pessoas achavam que tinham de fazer.
Muitos acreditavam já saber a resposta, contida em textos religiosos ou histórias da criação.
Nós e tudo o mais na Terra havíamos sido postos aqui por algum tipo de poder sobrenatural.
O que há de especial nessa pergunta não foi o tempo que levou para ser respondida, mas o tempo levado para ser feita como uma pergunta científica.
Um história que começa bem aqui.
Os grandes descobrimentos do século XV
anunciaram o início da idade moderna.
Avanços na navegação e na construção naval permitiram aos aventureiros europeus estudar e explorar o resto do mundo.
Estamos navegando rapidamente, impulsionados pelos ventos alísios.
E ali está a ilha caribenha da Jamaica.
Em 1494, Cristóvão Colombo chegou até aqui.
Era uma parte completamente desconhecida do mundo, pelo menos para os europeus. As Américas.
A descoberta das Américas afetou a civilização europeia.
Novos povos, plantas e animais.
Os primeiros exploradores chegaram totalmente convencidos de que eram especiais, dissociados do resto da natureza.
O ápice da criação de Deus.
Mas o que eles descobriram aqui iria começar a desafiar isso.
E, para mim, a história começa com um homem chamado Hans Sloane.
Um médico irlandês que chegou à Jamaica em 1687
para assumir o lucrativo cargo de médico pessoal do governador da ilha.
Para ser justo com Sloane, ele foi mais que um simples aventureiro atrás de dinheiro fácil.
Ele também era um botânico apaixonado que adorava explorar a ilha a cavalo com um guia.
Marlin! Você está pronto?
Ótimo.
Montei com elegância.
Não quero ficar para trás.
Meu guia, Marlin Beale, é um botânico.
E juntos estamos indo às Montanhas Azuis onde Sloane ficou cara a cara com o que descreveu como:
"tudo que há de extraordinário na natureza."
Sei que Sloane era médico e interessado em plantas, - com propriedades medicinais. - Isso.
- Se vir alguma, me avise. - Com certeza.
Como a maioria dos remédios do século XVII vinha das plantas, não é surpresa que descobrir novas espécies fosse prioridade de Sloane.
Aqui está.
- Cheire. - Muito bonita.
- Coma, se quiser. - Que parte posso morder?
A do corte.
É gengibre, não é? Gengibre selvagem.
Sloane escreveu muito sobre o gengibre selvagem.
Ele achava que era muito bom para o estômago.
Não sei disso. É muito bom para o enjoo marítimo.
Se fizesse uma viagem de 2 meses pelo Atlântico, isto seria útil.
Sloane alegava também que o gengibre era bom para tratar cânceres.
Também desconheço isso. Mas é muito saboroso.
O interesse na natureza não estava restrito a colecionadores como Sloane.
Pois na natureza, sobretudo nas plantas, estava a base do poder imperial europeu.
Navios mercantes cruzavam o mundo, trazendo todos os tipos de produtos naturais.
Tabaco, especiarias, chá e madeira.
O despojo botânico era quase ilimitado.
Até os navios, que carregavam as mercadorias, eram feitos de plantas.
As árvores para a estrutura, cânhamo fornecia as velas e cordas e usavam resina de pinheiro para produzir piche, utilizado para impermeabilizar os navios.
O que diferia Sloane dos comerciantes e donos de plantações era o interesse em toda a natureza.
Não apenas plantas, mas animais.
Esse interesse abriria os olhos do mundo para a beleza da criação de Deus e principalmente para o enigma da sua incrível diversidade.
Há poucos animais de grande porte na Jamaica, mas há uma enorme quantidade de lagartos e Marlin está fazendo um laço, creio, certo?
Isso mesmo.
Com sorte, pegaremos uns lagartos.
É o tipo de coisa que Sloane teria usado?
Provavelmente, pois este seria o método mais convencional à época.
Vou apertar.
Agora teremos de persuadir o lagarto a enfiar a cabeça aí dentro.
- O laço está pronto. - Muito bom.
Um belo laço para pegar lagartos à Hans Sloane.
Onde poderemos achá-los, Marlin?
Podemos achar alguns no chão ou nas árvores.
Então é melhor procurarmos no chão e nas árvores.
Uma espécie de abordagem ativa...
Acho que tem um ali.
...que permitiu que Sloane coletasse tantos espécimes diferentes da fauna jamaicana.
Ele pulou. Acho que fugiu.
Michael!
- Você viu algo? - Vi.
Tem um bem ali, está vendo?
Vamos tentar.
Brilhante!
- Posso segurá-lo? - Pode.
Talvez um pouco arredio.
Vou tirar o laço dele.
Quantas espécies de lagartos existem?
Muitas. Mas de 20 espécies diferentes.
Acho que nos saímos muito bem.
Este livro tem ilustrações de algumas das coisas que Sloane capturou na Jamaica.
Uma cobra aqui.
Tem nossos amigos, os lagartos.
Creio que o que capturei seja este aqui do meio.
O livro é repleto de belos desenhos.
Aves, peixes...
A questão é que Hans Sloane não veio à Jamaica apenas para revelar a sua beleza, mas para registrar o que viu, o que ele fez em grande detalhe, para que quem não pudesse vir aqui apreciasse e aprendesse com o que ele descobrira.
Após 15 meses na ilha, Sloane voltou à Inglaterra.
Ele trouxe consigo cerca de 800 amostras da flora e fauna, um crocodilo adulto e uma receita de bebida de chocolate.
Ao contrário de muitos exploradores que voltaram das Américas com contos de serpentes marinhas gigantes e homens com cabeças embaixo dos ombros, Sloane voltou com dados e espécimes reais.
Ainda não havia nenhuma razão para achar que toda essa diversidade tivesse algo a ver conosco.
Mas ela abalou as ideias tradicionais da criação divina da natureza.
Para quem acreditava que Deus havia criado o mundo e tudo dentro dele, imutável e perfeito, isto também era totalmente desconcertante.
Por que Deus dar-se-ia ao trabalho de criar tantas pequenas variações, aparentemente inúteis, de algo?
Por que tantos lagartos?
Por que tantos besouros?
As perguntas começaram a surgir rapidamente.
Quando Hans Sloane morreu em 1753, ele havia reunido a maior coleção de objetos naturais do mundo.
A maior parte dela ainda existe atualmente.
À minha frente temos parte do herbário de Sloane.
Há milhares de objetos, cerca de 14 mil de substâncias vegetais.
Flores, frutas, objetos secos, que não podemos forçar.
E com eles há cerca de 270 volumes encadernados com milhares de espécimes.
O tesouro de maravilhas de Sloane era tão vasto que foi transferido para um novo tipo de instituição que começava a surgir pela Europa.
O Museu Nacional.
Coleções particulares, como a de Sloane, podiam agora ser vistas por um público bem maior.
Tirando a natureza da selva e inserindo-a no mundo cotidiano.
Esta nova curiosidade sobre a vida na Terra nos aproximaria da questão...
Como chegamos até aqui?
Ela foi fomentada pelos descobrimentos e pelo dinheiro a ser ganho com a natureza, por colecionadores obcecados, como Hans Sloane, que começou a registrar a diversidade da natureza.
E por museus, onde gente comum podia vê-la pessoalmente.
E agora descobria-se que toda essa vida também tinha uma história, uma bem rica.
Paris. Logo após a Revolução Francesa.
Onde a crença de que a criação divina era fixa e imutável estava prestes a ser ainda mais abalada por um brilhante anatomista e pelo gosto por novo edifícios.
Paris é uma cidade apaixonada por sua própria beleza.
Sejam quais forem as manchetes dominantes...
a queda da bastilha, a execução do rei, algo permaneceu constante...
a determinação da cidade em construir sobre a sua rica herança arquitetônica.
Prédios começaram a surgir, tão magníficos como seus antecessores.
Enquanto outros receberam acréscimos.
Por exemplo, o Louvre.
Nos anos seguintes à Revolução, foi transformado do palácio de Bourbon num museu grande o bastante para abrigar a coleção de arte francesa em rápida expansão.
Mas tenho menos interesse no que há ali dentro do que no que há aqui fora.
E sobretudo neste material, o calcário.
Um rocha que durante séculos foi o sustentáculo da arquitetura parisiense.
Este calcário foi extraído de uma pedreira bem perto de onde estou agora.
Uma escondida, e que está aqui embaixo.
Nas profundezas de Paris encontra-se uma antiga rede de pedreiras ligadas por centenas de quilômetros de túneis.
Juntos eles reproduzem a imagem da cidade acima, até nos nomes das ruas.
A extração de rocha embaixo de Paris começou na Idade Média.
E continuou durante centenas de anos.
Deve haver uma anotação bem aqui.
Aqui, "3R."
Este é o antigo calendário revolucionário e quer dizer 3 anos após o início da Revolução Francesa.
À época, as casas que eram erguidas acima da minha cabeça continham calcário de pedreiras como esta.
Olá.
- Sou Gilles. Prazer conhecê-lo. - Digo o mesmo.
Creio que extrair rochas aqui embaixo era muito perigoso.
Podia ser perigoso.
A razão pela qual os pedreiros usavam este pilar artesanal para protegê-los do desabamento do teto.
Quem escavou estas áreas?
É algo específico da França, quando se é dono da superfície, também se é dono do subsolo até o centro da Terra.
Ao centro da Terra segundo a lei?
- Isso mesmo. - Que interessante.
À medida que mais pedreiras eram escavadas, as pessoas começaram a ter maior interesse por objetos misteriosos que encontravam encravados na rocha.
É mágico, não?
Dá para ver uma concha aqui.
Deve ter sido estranho para os operários que chegaram aqui, verem algo que devia estar no fundo do oceano.
Eles estavam vendo fósseis.
Durante muito tempo, as pessoas não sabiam o que eram os fósseis.
Alguns diziam que tinham vindo da lua.
Outros que eram uma tentativa frustrada da lama para ganhar vida.
Foi apenas no século XVIII
que entenderam que eles outrora foram seres vivos.
E essa percepção abriu uma nova janela para o passado.
Um passado antigo e inimaginavelmente diferente.
Na França, muitos desses fósseis acabaram nas mãos de um cientista brilhante.
Um homem obcecado por ossos antigos.
Chamava-se Georges Cuvier, considerado o maior especialista mundial em anatomia animal.
Deve haver poucos animais cujos restos não tenham passado por ele.
Tem uma história que gosto sobre Cuvier, que o resume bem.
Era tarde da noite e Cuvier tinha ido dormir...
quando um dos seus alunos fantasiado de demônio entrou no seu quarto e gritou:
"Cuvier, Cuvier, eu vim te comer!"
Cuvier abriu um olho, olhou calmamente o aluno de cima a baixo, e disse:
"Todos os animais que têm cascos e chifres são herbívoros, "não pode me comer."
A questão é que Cuvier percebera que a partir de algumas características, podia-se determinar a natureza de qualquer animal.
Essa percepção levaria Cuvier a propor uma nova, e, para muitos, impensável história da vida na Terra.
Não sou Cuvier, mas estudei medicina e vi muitos ossos, embora humanos.
Tenho alguns fósseis aqui. Tentarei dizer sua origem.
Certo. Acho que isto é a extremidade do dedo.
Mas neste caso ligado a uma enorme garra.
Creio que seja de um carnívoro. Irei caçar carnívoros.
Ao examinar a forma de qualquer parte do corpo, Cuvier afirmava que podia descobrir tudo que havia sobre sua função.
Parece um pouco com a garra de um crocodilo, mas não o suficiente.
E a partir de sua função, a sua provável origem.
Maior, mas nada mal. É um cão.
Creio que esteja certo.
Creio que seja de uma hiena.
Vejamos se acertei.
Não, cheguei perto.
É de um lobo. Um lobo.
Cuvier com certeza era melhor nisto do que eu e isso o fez identificar muitos fósseis desconhecidos que surgiam do solo.
Mas também alguns que teriam implicações perturbadoras.
Um dos fósseis que Cuvier recebeu foi este aqui.
Isto é, acredite ou não, um dente gigante.
Pode se afirmar devido ao esmalte ou da área de mordedura aqui.
Quem achou este fóssil achava que era de um elefante.
Mas Cuvier não pensava assim.
O fóssil que tenho é bem maior que o dente de elefante que você tem.
Que outras características diferentes Cuvier notou?
Claro, você já percebeu o tamanho.
Mas neste dente de elefante africano pode ver que o esmalte é bem diferente na superfície de trituração.
Tem a lâmina do esmalte dentário.
Aqui a lâmina é paralela e são mais numerosas que no elefante africano.
É uma diferença muito importante.
Sabemos que este dente veio da Rússia e era chamado por eles de "mamute".
- Um mamute. - Isso mesmo.
Ele pôde ver isto e afirmar que era um elefante, mas um bem maior, e de uma terceira espécie bem diferente.
Isso mesmo.
A revelação de que o mamute era uma espécie totalmente distinta de qualquer elefante vivo não foi nada comparada à próxima bomba de Cuvier.
Cuvier ponderou muito sobre os mamutes e chegou a uma conclusão surpreendente e radical.
Os mamutes eram animais enormes embora ninguém tivesse visto um, o que sugeria que em algum momento no passado os mamutes, todos eles, foram extintos.
E não foram apenas os mamutes.
Pouco depois, centenas de outros fósseis de aparência estranha começaram a ser identificados como seres que desapareceram misteriosamente da face da Terra.
A alegação de que alguns animais outrora vivos foram extintos suscitou algumas questões incômodas.
Se cada ser no universo fixo divino tinha um lugar e propósito, por que alguns desapareceram?
A sugestão de que a maioria dos seres que outrora viveram, estavam agora extintos, era desconcertante e perturbadora.
O único consolo era de que essa ainda era a história da vida, da qual nós estávamos dissociados.
Por ora, a questão mais premente suscitada pela extinção, era a do tempo.
E se tal registro fóssil de espécies perdidas era prova de que a Terra seria mais velha, bem mais velha do que se pensava.
O século XVIII foi a era das experiências.
Havia experiências sobre a luz, líquidos, gases, mas também uma experiência para definir a idade precisa da Terra.
O homem por trás da experiência foi o conde de Buffon.
Aristocrata francês extremamente rico, Buffon foi o primeiro a tentar medir seriamente a idade da Terra, e ele o fez usando algumas bolas metálicas, um relógio de bolso e uma forja de ferreiro.
- Bom dia, Brian. - Bom dia.
- Sou Michael Mosley. - Oi, Michael.
Tenho um presente. 2 bolas metálicas.
Creio que sabe o que fazer com elas.
Devem imaginar que à época de Buffon, a maioria acreditava que o mundo fora criado em 6 dias e tinha 6 mil anos de idade.
De fato, muitas pessoas, incluindo muitos clérigos, não interpretavam a Bíblia tão literalmente.
Buffon não foi incomum em suspeitar que a Terra podia ser muito antiga.
O incomum foi ele se preparar para realizar uma experiência para descobrir tal idade.
Posso ajudar?
Faça movimentos longos, lentos e para baixo.
Quanto tempo para o aquecimento máximo?
Talvez cerca de uma hora a julgar pelo tamanho da bola.
A experiência foi baseada numa sugestão de Sir Isaac Newton.
Ele disse, "imaginem que o mundo começou "como um pedaço de ferro quente.
"Se pudesse determinar quanto tempo ele leva "para esfriar desse estado para o atual, "então poderia definir a idade da Terra."
Ao medir quanto tempo leva para as bolas de tamanhos distintos esfriarem, Buffon estava confiante que poderia extrapolar os números e definir o tempo que a Terra levou para atingir estado idêntico.
Acha que estão prontas, Brian?
Estão bem acima da temperatura.
Está quente, não?
Vou tentar evitar largá-la sobre meus pés.
Pô-la aqui embaixo.
Ótimo. Estou com o relógio de bolso.
Quanto tempo até podermos tocá-las?
Estimo que aos menos 25 minutos ou mais para a menor.
A maior, com mais massa, talvez uma hora.
Um pouco depois e finalmente podia começar a esboçar meu gráfico, extrapolando os tempos das duas bolas, para abarcar o diâmetro bem maior da Terra.
Agora a idade da Terra usando o método de Buffon.
Calculo a idade da Terra em 92 mil anos.
E Buffon, ele disse que eram suspeitos e precisos 74.832 anos.
Como sabemos hoje, ambos estes números estão errados.
Por mais impreciso que fosse o método de Buffon, seria rude deixá-lo diminuir seu legado.
O importante é que, ao fazer experiências e publicar os resultados, Buffon iniciou um debate.
Não apenas acerca da idade da Terra, mas como e por que todos os seres da Terra surgiram.
Um debate que seria intensificado por uma nova forma de ver o mundo.
Entre o norte e o sul da Europa está uma das barreiras naturais mais formidáveis do mundo.
Os Alpes.
Mesmo em meados do século XVIII, ninguém ainda havia escalado o pico mais alto da região.
O Mont Blanc.
Em 1760, um jovem aristocrata suíço chamado Horace Benedict de Saussure chegou à pequena vila alpina de Chamonix, no sopé do Mont Blanc.
Ele veio para colher plantas.
Mas logo encantou-se pela montanha que ofereceu um prêmio para o primeiro que a escalasse.
Apesar de muitas tentativas, foram necessários 26 anos para alguém alcançar o pico.
O próprio de Saussure chegou ao topo um ano após.
Mas de Saussure era bem mais que um ricaço com paixão por esportes radicais.
Após escalar o Mont Blanc, ele partiu para realizar uma série de experiências para descobrir mais sobre a montanha.
Ir a lugares remotos e arregaçar as mangas era uma nova forma de tentar entender os processos que moldaram a Terra.
E de Saussure batizou-lhe...
Geologia.
Com sua ênfase na observação direta, esse novo jeito de ver a Terra desempenharia papel vital em revelar não só os mistérios do planeta, mas também toda a história da vida na Terra, incluindo a nossa.
Por toda a Europa, homens vestidos de forma prática e munidos de pequenos martelos partiram para o interior à procura dos segredos ocultos da Terra.
Impelidos por uma curiosidade intensa que teria surpreendido seus antecessores, começaram a notar uma série de anomalias na paisagem.
Vim ao litoral leste da Escócia a um lugar chamado Siccar Point.
É selvagem, ventoso e muito belo.
E lá embaixo há algo extraordinário, algo que um dos primeiros geólogos que vieram aqui descreveu como olhar para o abismo do tempo.
Foi isto que vim ver e é realmente estranho.
Chama-se discordância.
Temos ali camadas de rochas que parecem ter sido depositadas verticalmente.
E logo acima delas uma camada de arenito vermelho, que parece ter sido depositada horizontalmente.
Mas por mais estranho que isso pareça, para alguns, parecia haver uma explicação surpreendente.
Esta camada de rocha parece ter sido depositada verticalmente.
Mas no passado ela devia estar no fundo do oceano e formou-se horizontalmente camada após camada de sedimento.
Então tudo ascendeu à superfície, girou 90 graus e afundou de novo no fundo do mar.
Ali, outra camada formou-se, até que finalmente tudo ascendeu à superfície outra vez.
Todos esses processos são muito lentos e isso implica que a Terra é extremamente antiga, quase eterna.
E não é apenas Siccar Point.
A prova dessa mudança lenta estava em toda parte.
Geólogos observavam cachoeiras e viam como o fluxo constante da água tinha erodido gradualmente as rochas próximas.
Viram como a chuva tinha desgastado os topos das montanhas.
E como o movimento lento das geleiras havia escavado vales inteiros.
Perceberam que o fator isolado mais importante para justificar a aparência do mundo era o tempo, e muito tempo.
O momento que as pessoas começaram a pensar em termos de tempo profundo é um dos mais importantes na história da ciência.
Seguiria até afetar profundamente a forma que as pessoas se viam.
Tentar entender o tempo profundo é muito difícil, pois é muito diferente do tempo humano.
Assim, teríamos de depender de analogias.
Uma das minhas favoritas é pensar na idade da Terra como a distância entre meu ombro a ponta dos meus dedos.
Nessa escala, toda a história humana, tudo que alcançamos nos últimos milhares de anos seria destruído por uma única lixada de unha.
Por que esse conceito de tempo profundo agora se firmava?
Havia a expansão das pedreiras e minas expondo mais a terra oculta.
Os fósseis de seres extintos que eram descobertos.
E o surgimento da Geologia, uma nova visão científica do planeta.
Finalmente, tudo convergia para tentar responder à questão...
Como chegamos até aqui?
A revolução industrial foi uma época de mudanças rápidas e vertiginosas.
Grandes cidades industriais espalharam-se pela Grã-Bretanha vitoriana, suas fábricas atraíam trabalhadores de longe.
Novas ferrovias cortavam a paisagem economizando tempo de viagem e trazendo produtos baratos para as massas.
Era um turbilhão de novas ideias e métodos, tudo isso em nome do progresso.
A crença no progresso foi uma das características marcantes da era vitoriana.
Donos de fábricas de origem humilde tinham casas de campo, e até assentos no Parlamento.
A Grã-Bretanha era o principal país industrial do mundo, graças à engenhosidade do seu povo.
Foi a partir dessa crença no progresso que uma teoria radical para como chegamos até aqui, surgiu em cena.
A teoria propunha que não apenas as sociedades e nações eram capazes de mudança progressiva, mas também a natureza.
Em 1844, este livro fino e de aparência comum foi publicado e logo virou um dos mais polêmicos da era vitoriana.
Foi um sucesso literário, vendendo milhares de exemplares e foi lido por todos com influência, da rainha para baixo.
Aumentando o seu mistério havia o fato de o autor ter esforçado-se durante toda a sua vida para permanecer anônimo.
O autor era escocês.
Robert Chambers.
Robert Chambers nasceu com 6 dedos nas mãos e nos pés.
Quando jovem, foi operado para livrar-se dos dedos extras, mas infelizmente deu errado.
Cônscio, Robert agora mergulhava no mundo da impressão.
Poucas mudanças corporificam o ideal vitoriano de progresso como a transformação da indústria gráfica no século XIX.
A prensa a vapor inaugurou a era dos livros baratos produzidos em massa, criando uma fome por conhecimento na sociedade.
Em reposta a essa demanda, Robert Chambers ajudou o irmão a criar uma editora bem-sucedida, e ainda deixando tempo suficiente para dedicar-se à sua maior paixão.
Escrever.
Robert Chambers não foi um pensador original, mas era facilmente lido.
Sua escrita era clara, vívida e, sobretudo, instigadora.
Foram essas qualidades além do fato de conhecer amiúde a indústria editorial, que asseguraram o êxito do seu livro.
Chambers o chamou de "Vestígios da História Natural da Criação"
no qual apresentava um argumento convincente para a tese de que as espécies não são fixas.
Elas mudam.
Que tudo se desenvolveu a partir de uma forma primitiva.
Ele batizou este conceito de "transmutação".
Nós chamamos de evolução.
A evolução surgiu do mundo do progresso, a convicção de que todas as coisas podem mudar, melhorar.
Uma história da vida que era tão diversificada como desconcertante.
E a percepção de que a Terra era quase imensuravelmente antiga.
Mas a real importância da evolução para esta história é que ela agora obrigava as pessoas a enfrentar a incômoda questão.
Como chegamos até aqui?
Chambers não foi o primeiro a escrever sobre a evolução, mas ele foi mais longe em seu argumento que os demais.
Em vez de sermos dissociados do resto da criação, Chambers dizia que éramos apenas uma extensão dela.
Dá para entender por que queria permanecer anônimo.
Para uma sociedade em que se acreditava fervorosamente que o homem tinha um lugar especial na criação divina, a alegação que descendíamos dos animais era muito chocante.
E assim, começou a reação.
Houve ataques da comunidade científica quanto à precisão do livro.
E do clero, por enfraquecer a moral e ordem social.
Certa crítica mordaz o descreveu como:
"não é só frívolo e superficial, mas completamente falso."
Severa. Mas apesar da polêmica, ou, sejamos francos, talvez devido a ela, o público não se cansava deste livro.
Apesar de todo o sucesso, o livro de Chambers não tinha uma explicação para como a evolução ocorre.
O homem que respondeu a tal questão foi, claro, Charles Darwin.
Um geólogo sagaz e fervoroso defensor da antiguidade da Terra, Darwin trabalhava na sua teoria da evolução há vários anos quando "Vestígios" apareceu.
Mas, passariam mais 15 anos, quando muito do estardalhaço acerca da evolução havia acabado, até Darwin sentir-se pronto para publicá-la.
A ORIGEM DAS ESPÉCIES
Sua explicação para como os animais evoluíram tinha raízes na mesma paisagem industrial da qual o livro de Chambers surgiu.
Segundo Darwin, a vida era uma longa luta pela sobrevivência.
E assim como no setor algodoeiro, havia competição entre os produtores, na natureza havia competição dentro e fora das espécies.
Assim como uma nova tecnologia podia propiciar vantagem de uma fábrica sobre a outra, o mesmo ocorria na natureza.
Qualquer característica que propiciasse vantagem de um ser sobre seu rival, prevaleceria e tornar-se-ia mais comum nas gerações posteriores.
Aos poucos, dando origem ao surgimento de novas espécies.
Um mecanismo de mudança que Darwin chamou de "seleção natural".
Os seguidores de Darwin deviam esperar que sua teoria de seleção natural ajudasse a responder a questão de como chegamos até aqui.
Mas havia falhas na teoria. Embora Darwin reconhecesse a importância crítica do meio ambiente na condução da evolução, ele não compreendeu totalmente até que ponto a vida na Terra é definida por mudanças em nosso violento planeta.
Algo que só recentemente veio à luz.
Enquanto a Biologia disparava à frente no século XX, a Geologia havia caído mais ou menos numa rotina.
Rochas eram datadas, fósseis examinados, coleções ampliadas.
Mas, como costuma ocorrer na história da ciência, são os não especialistas, os entusiastas que agitam as coisas.
Um desses entusiastas foi Alfred Wegener.
Foi um meteorologista alemão, um homem do tempo, e, junto com o irmão, detinha o recorde mundial de balonismo.
Ele não era, entretanto, um geólogo de formação.
Mas isso não o impediu de propor uma nova teoria radical e polêmica sobre as forças que moldaram a Terra.
Forças tão poderosas que teriam moldado a própria vida.
Segundo a história, Wegner observava um atlas quando notou algo peculiar.
Pegue um mapa múndi, uma tesoura.
Corte até a Groenlândia até chegar ao litoral da América do Sul.
Depois precisará de um pouco mais de sutileza para contornar o Brasil.
No final, basta cortar direto.
Se puser o litoral da América do Sul contra o litoral da África, notará que eles parecem encaixar-se.
Quase como se outrora estivessem unidos.
Wegner notou isso, mas não fez nada a respeito por cerca de 1 ano, até ele se deparar com alguns achados fósseis interessantes.
Deem uma olhada nisto.
É uma folha fossilizada que tem cerca de 250 milhões de anos.
Proveio de uma samambaia extinta.
O estranho é que tais samambaias crescem nos trópicos mas estes fósseis foram achados em lugares remotos e frios como este.
Em lugares até mais frios que aqui, na Islândia.
Como isso era possível?
E havia os répteis.
Sobretudo, as espécies de répteis achadas na América do Sul que misteriosamente condiziam às mesmas espécies africanas, a mais de 7 mil km de distância.
Ao tentar explicar esses mistérios, Wegner transformaria a Geologia.
A ciência teria de aceitar uma nova e bem diferente história da vida na Terra.
Wegner criou uma teoria que era lógica, mas também, aparentemente, completamente ridícula.
Ele sugeriu que todos os grandes 7 continentes outrora estiveram unidos num único supercontinente chamado Pangeia, significando "toda a terra".
Pangeia havia simplesmente se separado.
Um processo que Wegner tentou ilustrar.
Wegner comparou os continentes em movimento aos imensos icebergues à deriva que ele observara em suas diversas viagens à Groenlândia.
Mas ao invés de blocos de gelo pesando centenas de toneladas, ele falava de imensas placas de rocha pesando trilhões de toneladas.
O problema de Wegner era que ninguém acreditava em sua ideia.
Para sua frustração eterna, Wegner não tinha como explicar como as placas se moveram, sem provas concretas para convencer os céticos.
Um dos muitos críticos de Wegner descreveu sua ideia como "uma tolice absurda." E dá para entender por quê.
A ideia de que estamos à deriva parece absurda.
E não ajudava o fato de Wegner ser um geólogo amador, para muitos, um meteorologista arrogante.
Wegner voltou à meteorologia e sua teoria foi esquecida até uma série de descobertas inesperadas ocorridas no auge da Guerra Fria.
Nos anos 50, conforme a Guerra Fria intensificava-se, os EUA e a União Soviética estavam envolvidos num jogo de gato e rato nas profundezas do oceano.
Jogo que exigia maior conhecimento da paisagem subaquática.
Assim os oceanógrafos começaram a trabalhar.
Começaram tirando milhares de fotos do piso oceânico.
Ecossondagens mapearam a ascensão e depressão das cristas oceânicas...
...enquanto sondas determinavam a composição do leito oceânico.
Mas, ao mapear os oceanos, os cientistas descobriram algo completamente inesperado.
Descobriram que o piso oceânico não consistia de uma única densa placa uniforme, como se pensava, mas de uma série de finas placas interligadas.
E nos limites destas placas ficavam cadeias de montanhas...
...vales profundos...
...e até vulcões.
E toda esta paisagem flutuava sobre um leito de rocha derretida em constante movimento.
E também podemos ver provas disso em terra firme.
Vim a Thingvellir, Islândia, uma das maravilhas do mundo.
Um dos poucos lugares na Terra onde se pode ver com os próprios olhos as junções da colcha de retalhos do nosso planeta.
Pode parecer a borda de um penhasco comum, mas é o início de uma enorme placa de rocha que se estende desde aqui da Islândia, ao longo do oceano Atlântico e América do Norte até o Pacífico.
Chama-se a Placa Norte-americana.
E bem ali, é o início de outra grande placa.
Chama-se Placa Euro-asiática, que se estende daqui até Xangai.
Se eu ficasse tempo suficiente por aqui, digamos, alguns milhares de anos, notaria que a fenda entre mim e a Placa Euro-asiática aumentaria.
Os cientistas calcularam este movimento.
Ele varia de graduais 7 mm ao ano aqui em Thingvellir, a quase 10 cm ao ano em outro ponto.
Durante centenas de milhões de anos, essa alteração das placas terrestres transformou a face do nosso planeta, um ciclo constante de mudança que Wegner nominou "deriva continental."
Infelizmente, Wegner não viveu o suficiente para ver confirmada sua teoria.
Em 1930, ele partiu numa expedição rumo à Groenlândia.
Ali, numa temperatura de -60ºC, ele morreu de frio e exaustão.
Foi enterrado no gelo.
Devido à deriva continental, seu corpo está agora 2m mais longe de casa.
Mas a deriva continental fez bem mais que moldar a Terra.
Ao mostrar como uma samambaia fossilizada podia viajar dos trópicos ao gelo, ou porque uma única espécie de réptil pode ser achada em 2 continentes distantes, a teoria nos aproximou de resolver o mistério de como chegamos até aqui.
E isso porque quando a Terra se move dessa forma, os resultados também podem ser extremamente violentos.
Quando as placas terrestres colidem...
...podem desencadear erupções vulcânicas tão poderosas que podem bloquear o sol durante meses a fio.
Quando deslocam-se lateralmente uma contra a outra, causam terremotos devastadores...
...que por sua vez podem originar mega tsunamis, que destroem tudo em seu caminho.
Embora seja fácil imaginar que todo esse violento movimento traga consigo nada além de morte e destruição, a verdade é bem diferente.
Hoje sabe-se que ao longo dos 4,5 bilhões de anos de história, o equilíbrio do nosso planeta foi essencial à criação de novas vidas.
Pois, toda vez que nosso planeta vivencia mudança violenta, surge uma nova oportunidade de vida...
...tornando a deriva continental um dos maiores fomentadores da evolução.
E eis algumas das formas que ela mudou a vida na Terra.
Há cerca de 30 milhões de anos, o limite de placa que separa a África da Arábia começou a distanciar-se, fazendo a terra situada entre elas afundar.
Um corte de 5 mil km na crosta terrestre, que conhecemos como Vale da Grande Fenda da África Oriental.
À medida que a nova paisagem de savana se formou, permitiu que ancestrais de muitos dos animais atuais firmarem-se e prosperarem.
E há alterações climáticas, nas quais a deriva continental tem papel importante...
...não apenas acelerando o início das eras glaciais, mas empurrando a terra rumo ao polos e alterando o curso das correntes oceânicas.
Mudanças que forçaram os animais a adaptarem-se das mais extraordinárias formas.
E, ocasionalmente, estamos sujeitos à violência...
...além do nosso planeta, tão extrema, que muitas espécies são extintas por completo...
...apenas para outras tomarem o seu lugar.
E quanto a nós?
Como chegamos até aqui?
Bem. Somos apenas os últimos de uma longa linhagem de sobreviventes, nascidos da morte, da destruição e da imensidão do tempo profundo.
E se esta grande experiência que é a vida na Terra recomeçasse...
...possa ser que nós nunca surgíssemos.
Está claro que a história da vida e a do nosso planeta, outrora vistas como dissociadas, estão intrinsecamente relacionadas.
A evolução de novas vidas foi impulsionada por mudança climática, por impactos de asteroides e pela lenta colisão dos continentes.
Ocorre que nós e todos os outros seres vivos marchamos ao ritmo violento do nosso planeta.
No próximo episódio, uma antiga ambição humana...
a busca pelo poder ilimitado.

[Via BBA]

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Brasil Acadêmico: A História da Ciência - Parte III
A História da Ciência - Parte III
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