O que une o apoio à guerra do Iraque e à legalização das drogas, a condenação do WikiLeaks e do “Leviatã estatal”, a celebração do liberalis...
O que une o apoio à guerra do Iraque e à legalização das drogas, a condenação do WikiLeaks e do “Leviatã estatal”, a celebração do liberalismo e o chamado ao resgate dos bancos? Essas posições foram defendidas pela mesma publicação: The Economist. A qual, a cada semana, exibe um espelho lisonjeiro às classes dominantes
por Alexandre Zevin
Assolada pelo desmoronamento contínuo de suas vendas, de seus assinantes e de seus contratos publicitários, a imprensa escrita atravessa um período de crise no qual os lucros da internet não trouxeram o remédio esperado. The Economist é a exceção. Apesar de uma diminuição recente de suas vendas, o semanário britânico continua dando mostras de uma saúde esplêndida, principalmente nos Estados Unidos, onde se concentra agora a maior parte de seus leitores.
Tamanho sucesso intriga. A National Public Radio (NPR) norte-americana se perguntava em 2006 como um jornal dotado de um “título soporífero” e de um “conteúdo por vezes esotérico” tinha conseguido ganhar 13% de leitores em relação ao ano precedente. Mais recentemente, seus números de difusão em 2010 – 1,42 milhão de exemplares rodados por edição, dos quais 820 mil nos Estados Unidos, onde as vendas foram multiplicadas por dez desde 1982 – deram espaço para uma nova salva de comentários invejosos.
Para o New York Times, essas performances se explicariam por um senso afiado de marketing: a elegante austeridade do logo – letras brancas em um retângulo vermelho –, acrescida de um preço de venda relativamente elevado constituiriam uma espécie de marcador social, um meio para o leitor afortunado, ou que se pretende como tal, afirmar seu pertencimento à elite.1 O semanário busca alimentar essa identificação, como na campanha publicitária de 2007:
Por lisonjear o perfil do consumidor, The Economist já atraiu para si em 1991 os sarcasmos do Washington Post. O jornalista James Fallows acusava ali a revista londrina de buscar se adequar a um público de privilegiados, facilmente enganados pelo sotaque britânico e o “estilo pomposo de Oxbrigde [contração das palavras Oxford e Cambridge]”.2
A alusão a certo elitismo não era desmerecida. Segundo seus próprios números, The Economist dispõe dos leitores norte-americanos mais ricos (US$ 166.626 de salário anual em média, contra apenas US$ 156.162 para o leitor do Wall Street Journale US$ 45.800 do salário médio de uma família). The Economist age como signo distintivo de uma comunidade impressionantemente ampla. Sua aptidão para crescer até mesmo em tempos de crise repousa sobretudo em uma política editorial claramente assumida: promover a “sabedoria dos mercados” e combater toda e qualquer intervenção dos poderes públicos.
“Bom senso econômico”
As mídias norte-americanas tendem a dar crédito à imagem que The Economist dá de si mesmo, a de um partidário do “extremo centro” e do bom senso econômico. Num editorial recente, o semanário afirmava “nunca ter sido subserviente a nenhum partido”, ao mesmo tempo que reivindicava sua “ligação de longa data com o liberalismo” – uma posição nunca traída desde sua criação em 1843, quando a Grã-Bretanha ainda era a maior potência econômica mundial.
Os acionistas do jornal consolidam seu caráter institucional. Metade de suas ações é detida pelo The Financial Times Limited (a empresa editora do jornal diário britânico Financial Times, uma filial do grupo Pearson). O resto pertence a acionistas independentes: as famílias Cadbury, Rothschild e Schroder, assim como diversos membros (e antigos membros) da redação.
Em 169 anos, dezesseis homens apenas se sucederam na chefia da revista. Desde os anos 1900, quase todos são oriundos de Oxford ou de Cambridge. Uma característica contribui à coerência da linha editorial: os artigos não são assinados. Fora algumas contribuições externas, os setenta jornalistas (dos quais cerca de cinquenta estão instalados na sede londrina) trabalham no anonimato. O sucesso de seus blogs não alterou essa capa de invisibilidade. “O resultado é que nossas escolhas editoriais seguem um percurso excepcionalmente democrático”, explica-nos o diretor atual, John Micklethwait. “A ausência de assinatura também favorece a cooperação entre jornalistas”,3 salienta o chefe de redação Bill Emmott. A precisão não carece de uma alfinetada: devotado há um século e meio à promoção da concorrência universal, o semanário se apoia sobre o princípio inverso – a cooperação – para organizar sua própria produção.
Como demonstra a reação do semanário à crise financeira de 2008, o jornal não perdeu sua fleuma. Enquanto o ministro norte-americano da Economia Henry (“Hank”) Paulson implorava para seu presidente socorrer Wall Street, The Economist apontava com erudição suas soluções para remendar o mercado imobiliário, desencalhar os créditos e os investimentos, interromper o aumento do desemprego e acalmar o mercado das dívidas soberanas. O tom tranquilo com o qual administrava suas receitas valia um certificado de honra: ele tinha visto outras crises.
Ao longo de seu primeiro século de existência, o semanário foi testemunha de diversas depressões mundiais (de 1873 a 1890 e os anos 1930), de um pânico bancário (1907), de um desmoronamento dos mercados (1929) e de uma desvalorização histórica da libra esterlina (1931), para citar apenas os casos mais notórios de deslocamento econômico. O século seguinte também não foi dos mais calmos, com o fim do sistema monetário de Bretton Woods, os choques petroleiros e as diversas convulsões regionais que acompanharam a baixa do crescimento ao longo dos anos 1970. Diante da crise financeira, The Economistadotou então a postura soberana de quem já viveu de tudo. Suas recomendações, no entanto, não brilharam nem por sua clareza nem por sua constância.
Enquanto guardião do templo liberal, o jornal mostrou uma falta espantosa de firmeza doutrinária. Com apenas algumas reservas morais, ele primeiro aplaudiu os planos de salvação em favor dos bancos. “Chegou a hora de colocar de lado os dogmas e a política para se concentrar em respostas pragmáticas”, explicava. “Isso significa, a curto prazo, uma intervenção governamental mais firme do que a que os contribuintes, os políticos e os jornais partidários da livre-troca gostariam numa época normal.” Os eleitores podem encontrar algo a dizer diante das centenas de bilhões doados para especuladores sem escrúpulos; ainda assim, estima The Economist, o poder público agiu com sabedoria: sua intervenção poupou aos cidadãos o pesadelo dos anos 1930, com suas falências bancárias e filas de espera pela sopa popular. “Nenhum país, nenhuma indústria sairia incólume de uma crise cardíaca financeira”, afirmou em 11 de outubro de 2008.
Três meses depois, o semanário julgava que a intervenção pública já havia durado tempo demais. E lançou o aviso: nacionalizar os bancos “seria um atentado à propriedade privada”, encorajaria os favores políticos, desperdiçaria uma fortuna e puniria o setor privado (24 jan. 2009).
Sua única proposta realmente coerente – fora, é claro, os chamados rituais para um maior rigor orçamentário e salarial – concerne no agrupamento das dívidas europeias via os eurobonds, apresentados como uma solução milagrosa. Mas a ideia é tomada por empréstimo de Bruegel, um think tankde Bruxelas presidido até 2008 por Mario Monti, o atual primeiro-ministro italiano. O jornal tinha acostumado seus leitores a mais audácia.
Presunção liberal
No entanto, as causas da crise continuam amplamente impenetráveis. “São as pessoas que dirigem o sistema que devem ser culpadas, não o sistema em si”, proclamou o jornal em 20 de setembro de 2010. Alguns meses antes, comentando o impasse político norte-americano, ele convidava seus leitores a “culparem Obama, e não o sistema” (18 fev. 2010). A partir do momento em que as estruturas nunca são a causa e que apenas os indivíduos devem prestar contas, a distribuição dos bons e dos maus se torna assunto para análise: repreendemos o presidente do conselho italiano Silvio Berlusconi por sua corrupção e o chefe de Estado francês Nicolas Sarkozy por suas reformas tímidas demais, mas saudamos as competências carrancudas da chanceler alemã Angela Merkel.
Aprendemos muito lendo The Economist. James Wilson, seu fundador, estimava que a função de um jornal consistia em fornecer informações confiáveis e claras para permitir aos industriais e aos ministros agir com conhecimento de causa. Ele foi o primeiro título de imprensa a publicar listas de preços. Ainda hoje, o semanário consagra diversas páginas a todos os tipos de indicadores econômicos e financeiros: volume das transações internacionais, previsões de crescimento do PIB, emissões de gás de efeito estufa...
A revista londrina se distingue também pela envergadura de sua capa internacional. Talvez seja o único semanário no mundo capaz de se dedicar em um mesmo número ao comércio pela internet na China, à bomba de dólares de Las Vegas, às “negociações de paz” no Oriente Médio, à pesquisa sobre vida em Marte, a um novo museu de arte no Catar e a um obscuro explorador sul-africano devorado por um crocodilo. A abundância de assuntos anda junto, evidentemente, com um tratamento cursivo: com exceção de algumas pesquisas especiais, os artigos são impressionantemente curtos.
Econômica nas palavras, a prosa do jornal não deixa transparecer menor presunção, principalmente com relação àqueles que não partilham seu afeto pelo liberalismo nu e cru. O célebre economista Paul Krugman é um caso. Mesmo sendo pouco suspeito de uma cruzada anticapitalista, ele é frequentemente alvo de epítetos floridos: “keynesiano grosseiro”, “militante feroz”, “herói popular da esquerda norte-americana na sua torre de marfim”, “Michael Moore das pessoas que pensam” (13 nov. 2003).
Parênteses pluralista
The Economist encarna realmente essa mistura ideal de liberalismo econômico, social e político que seu diretor, John Micklethwait, não cessa de elogiar ao público norte-americano? O jornal não parece ter percebido que a liberdade do comércio vinha precedida das liberdades sociais e democráticas, pela conquista das quais os povos por vezes pagaram um alto preço. E a livre-troca, que ele prega, nem sempre tornou a economia mais eficaz e humana, longe disso.
A despeito de algumas torções no seu credo liberal, The Economist se manteve fiel ao longo do século XIX a três princípios-chave: impor o livre-comércio, aceitar algumas reformas sociais para conter a febre revolucionária e garantir a paz no continente.
A partir da Segunda Guerra Mundial, o semanário consentiu em reatualizar seu corpo ideológico. Em 1940, diversos artigos davam a entender que ele poderia aceitar um Estado de bem-estar social; uma maneira de admitir que o liberalismo à laWilson não funcionava mais. Em uma coletânea de ensaios publicada no centenário do jornal, em 1943, o diretor da época, Geoffrey Crowther, se mostrava conciliador: o laissez-faireeconômico, dizia, provoca desigualdades e uma insegurança que apenas a intervenção pública consegue corrigir. Mas The Economistrecusava, no entanto, se alinhar aos socialistas. Não “por causa de seus objetivos, mas em razão dos meios pelos quais eles esperam atingi-los”.4 Essa magnanimidade doutrinária permitiu que ele se enriquecesse com um amplo leque de talentos e opiniões. Diversos refugiados antinazistas se uniram à redação, entre os quais – o cúmulo – dois intelectuais marxistas: o historiador Isaac Deutscher e o escritor Daniel Singer. O parêntese pluralista se fechou nos anos 1960, e o jornal retomou seu curso direitista. Durante a campanha presidencial francesa deste ano, The Economistdescreveu o candidato François Hollande como um “homem perigoso”, movido por uma “hostilidade profunda contra o mundo empresarial”, enquanto o Partido Socialista, ainda “não reformado”, sonharia em conduzir o país a uma “ruptura” com a Alemanha (28 abr.).
Hoje, o modelo social herdado do pós-guerra é visto como um obstáculo ao crescimento e, portanto, como um inimigo a ser abatido. Os sindicatos são os primeiros visados. Em 2011, The Economist explicava que, para reduzir o déficit orçamentário do Reino Unido, não bastava aumentar a idade para a aposentadoria dos funcionários e reduzir suas pensões: a “guerra contra os sindicatos da função pública” impunha também ganhos de produtividade suplementares e a generalização dos contratos flexíveis ou temporários (6 jan. 2011). Há cinquenta anos, um discurso desse tipo era inconcebível.
A partir dos anos 1950, o alinhamento com Washington constituiu o novo fio condutor. Um após o outro, os responsáveis pelo jornal aclamaram cada operação militar empreendida pela Casa Branca, tanto no Vietnã como no Iraque, na ex-Iugoslávia e no Afeganistão. Mesmo com relação aos arquivos iranianos e norte-coreanos, ele se posicionou na linha dura da administração norte-americana, irritando-se contra uma ONU necessariamente pusilânime e burocrática.
A cobertura da América Latina sofre da mesma perspectiva de análise, principalmente nos países governados pela esquerda, mais particularmente na Venezuela. Desde 1998, seu presidente, Hugo Chávez, ganhou treze das catorze eleições nacionais em condições consideradas satisfatórias pelos observadores; no entanto, The Economistnão cansa de agitar o “medo de que a Venezuela caia cada vez mais em uma ditadura” (23 set. 2010 e 5 jan. 2012). Suas fontes? A mesma oposição e as mesmas mídias que, com o apoio dos Estados Unidos, fomentaram o golpe de Estado fracassado de 2002.
De certa maneira, o jornal renovou ligações com o liberalismo de sua juventude. No que diz respeito ao papel do Estado, à sabedoria infalível dos mercados e aos perigos da contestação, suas posições nunca diferiram realmente das que já martelavam seus grandes editorialistas vitorianos. Com a pequena diferença que, atualmente, elas são expressas mais indiretamente. Seu diretor atual, formado nas escolas norte-americanas, é puro produto dessa nova cultura editorial onde se misturam o liberalismo dos dias tranquilos e sua variante contemporânea. Com mais de um século e meio de existência, o porta-estandarte da economia dominante colhe as conquistas nos quatro cantos do globo - salvo na África. Um império infinitamente mais vasto do que o de seus ancestrais ingleses.
Alexandre Zevin
Historiador da Universidade da Califórnia
Ilustração: Daniel Kondo
1 “The Economist tends its sophisticated garden” [The Economist nos jardins mais sofisticados], Jeremy W. Peters, The New York Times, 8 ago. 2010. Na França, The Economist é vendido por 5,80 euros, contra 3,50 euros para as revistas semelhantes.
2 “The economics of the colonial cringe” [A economia do servilismo colonial], The Washington Post, 6 out. 1991.
3 Citado por Libération, Paris, 8 ago. 2003.
4 The Economist, 1843-1943: a centenary volume [The Economist, 1843-1943: um volume centenário], Oxford University Press, Londres, 1943, p.13-15.
A edição eletrônica de Le Monde Diplomatique é regida pelos princípios do conhecimento compartilhado (copyleft), que visam estimular a ampla circulação de idéias e produtos culturais. A leitura e reprodução dos textos é livre, no caso de publicações não-comerciais. A única exceção são os artigos da edição mensal mais recente. A citação da fonte é bem-vinda. Mais informações sobre as licenças de conhecimento compartilhado podem ser obtidas na página brasileira da Creative Commons
[Via BBA]
por Alexandre Zevin
Assolada pelo desmoronamento contínuo de suas vendas, de seus assinantes e de seus contratos publicitários, a imprensa escrita atravessa um período de crise no qual os lucros da internet não trouxeram o remédio esperado. The Economist é a exceção. Apesar de uma diminuição recente de suas vendas, o semanário britânico continua dando mostras de uma saúde esplêndida, principalmente nos Estados Unidos, onde se concentra agora a maior parte de seus leitores.
Tamanho sucesso intriga. A National Public Radio (NPR) norte-americana se perguntava em 2006 como um jornal dotado de um “título soporífero” e de um “conteúdo por vezes esotérico” tinha conseguido ganhar 13% de leitores em relação ao ano precedente. Mais recentemente, seus números de difusão em 2010 – 1,42 milhão de exemplares rodados por edição, dos quais 820 mil nos Estados Unidos, onde as vendas foram multiplicadas por dez desde 1982 – deram espaço para uma nova salva de comentários invejosos.
Para o New York Times, essas performances se explicariam por um senso afiado de marketing: a elegante austeridade do logo – letras brancas em um retângulo vermelho –, acrescida de um preço de venda relativamente elevado constituiriam uma espécie de marcador social, um meio para o leitor afortunado, ou que se pretende como tal, afirmar seu pertencimento à elite.1 O semanário busca alimentar essa identificação, como na campanha publicitária de 2007:
Estamos sozinhos no topo, mas pelo menos temos o que ler.
Por lisonjear o perfil do consumidor, The Economist já atraiu para si em 1991 os sarcasmos do Washington Post. O jornalista James Fallows acusava ali a revista londrina de buscar se adequar a um público de privilegiados, facilmente enganados pelo sotaque britânico e o “estilo pomposo de Oxbrigde [contração das palavras Oxford e Cambridge]”.2
A alusão a certo elitismo não era desmerecida. Segundo seus próprios números, The Economist dispõe dos leitores norte-americanos mais ricos (US$ 166.626 de salário anual em média, contra apenas US$ 156.162 para o leitor do Wall Street Journale US$ 45.800 do salário médio de uma família). The Economist age como signo distintivo de uma comunidade impressionantemente ampla. Sua aptidão para crescer até mesmo em tempos de crise repousa sobretudo em uma política editorial claramente assumida: promover a “sabedoria dos mercados” e combater toda e qualquer intervenção dos poderes públicos.
“Bom senso econômico”
As mídias norte-americanas tendem a dar crédito à imagem que The Economist dá de si mesmo, a de um partidário do “extremo centro” e do bom senso econômico. Num editorial recente, o semanário afirmava “nunca ter sido subserviente a nenhum partido”, ao mesmo tempo que reivindicava sua “ligação de longa data com o liberalismo” – uma posição nunca traída desde sua criação em 1843, quando a Grã-Bretanha ainda era a maior potência econômica mundial.
Os acionistas do jornal consolidam seu caráter institucional. Metade de suas ações é detida pelo The Financial Times Limited (a empresa editora do jornal diário britânico Financial Times, uma filial do grupo Pearson). O resto pertence a acionistas independentes: as famílias Cadbury, Rothschild e Schroder, assim como diversos membros (e antigos membros) da redação.
Em 169 anos, dezesseis homens apenas se sucederam na chefia da revista. Desde os anos 1900, quase todos são oriundos de Oxford ou de Cambridge. Uma característica contribui à coerência da linha editorial: os artigos não são assinados. Fora algumas contribuições externas, os setenta jornalistas (dos quais cerca de cinquenta estão instalados na sede londrina) trabalham no anonimato. O sucesso de seus blogs não alterou essa capa de invisibilidade. “O resultado é que nossas escolhas editoriais seguem um percurso excepcionalmente democrático”, explica-nos o diretor atual, John Micklethwait. “A ausência de assinatura também favorece a cooperação entre jornalistas”,3 salienta o chefe de redação Bill Emmott. A precisão não carece de uma alfinetada: devotado há um século e meio à promoção da concorrência universal, o semanário se apoia sobre o princípio inverso – a cooperação – para organizar sua própria produção.
Como demonstra a reação do semanário à crise financeira de 2008, o jornal não perdeu sua fleuma. Enquanto o ministro norte-americano da Economia Henry (“Hank”) Paulson implorava para seu presidente socorrer Wall Street, The Economist apontava com erudição suas soluções para remendar o mercado imobiliário, desencalhar os créditos e os investimentos, interromper o aumento do desemprego e acalmar o mercado das dívidas soberanas. O tom tranquilo com o qual administrava suas receitas valia um certificado de honra: ele tinha visto outras crises.
Ao longo de seu primeiro século de existência, o semanário foi testemunha de diversas depressões mundiais (de 1873 a 1890 e os anos 1930), de um pânico bancário (1907), de um desmoronamento dos mercados (1929) e de uma desvalorização histórica da libra esterlina (1931), para citar apenas os casos mais notórios de deslocamento econômico. O século seguinte também não foi dos mais calmos, com o fim do sistema monetário de Bretton Woods, os choques petroleiros e as diversas convulsões regionais que acompanharam a baixa do crescimento ao longo dos anos 1970. Diante da crise financeira, The Economistadotou então a postura soberana de quem já viveu de tudo. Suas recomendações, no entanto, não brilharam nem por sua clareza nem por sua constância.
Enquanto guardião do templo liberal, o jornal mostrou uma falta espantosa de firmeza doutrinária. Com apenas algumas reservas morais, ele primeiro aplaudiu os planos de salvação em favor dos bancos. “Chegou a hora de colocar de lado os dogmas e a política para se concentrar em respostas pragmáticas”, explicava. “Isso significa, a curto prazo, uma intervenção governamental mais firme do que a que os contribuintes, os políticos e os jornais partidários da livre-troca gostariam numa época normal.” Os eleitores podem encontrar algo a dizer diante das centenas de bilhões doados para especuladores sem escrúpulos; ainda assim, estima The Economist, o poder público agiu com sabedoria: sua intervenção poupou aos cidadãos o pesadelo dos anos 1930, com suas falências bancárias e filas de espera pela sopa popular. “Nenhum país, nenhuma indústria sairia incólume de uma crise cardíaca financeira”, afirmou em 11 de outubro de 2008.
Três meses depois, o semanário julgava que a intervenção pública já havia durado tempo demais. E lançou o aviso: nacionalizar os bancos “seria um atentado à propriedade privada”, encorajaria os favores políticos, desperdiçaria uma fortuna e puniria o setor privado (24 jan. 2009).
Sua única proposta realmente coerente – fora, é claro, os chamados rituais para um maior rigor orçamentário e salarial – concerne no agrupamento das dívidas europeias via os eurobonds, apresentados como uma solução milagrosa. Mas a ideia é tomada por empréstimo de Bruegel, um think tankde Bruxelas presidido até 2008 por Mario Monti, o atual primeiro-ministro italiano. O jornal tinha acostumado seus leitores a mais audácia.
Presunção liberal
No entanto, as causas da crise continuam amplamente impenetráveis. “São as pessoas que dirigem o sistema que devem ser culpadas, não o sistema em si”, proclamou o jornal em 20 de setembro de 2010. Alguns meses antes, comentando o impasse político norte-americano, ele convidava seus leitores a “culparem Obama, e não o sistema” (18 fev. 2010). A partir do momento em que as estruturas nunca são a causa e que apenas os indivíduos devem prestar contas, a distribuição dos bons e dos maus se torna assunto para análise: repreendemos o presidente do conselho italiano Silvio Berlusconi por sua corrupção e o chefe de Estado francês Nicolas Sarkozy por suas reformas tímidas demais, mas saudamos as competências carrancudas da chanceler alemã Angela Merkel.
Aprendemos muito lendo The Economist. James Wilson, seu fundador, estimava que a função de um jornal consistia em fornecer informações confiáveis e claras para permitir aos industriais e aos ministros agir com conhecimento de causa. Ele foi o primeiro título de imprensa a publicar listas de preços. Ainda hoje, o semanário consagra diversas páginas a todos os tipos de indicadores econômicos e financeiros: volume das transações internacionais, previsões de crescimento do PIB, emissões de gás de efeito estufa...
A revista londrina se distingue também pela envergadura de sua capa internacional. Talvez seja o único semanário no mundo capaz de se dedicar em um mesmo número ao comércio pela internet na China, à bomba de dólares de Las Vegas, às “negociações de paz” no Oriente Médio, à pesquisa sobre vida em Marte, a um novo museu de arte no Catar e a um obscuro explorador sul-africano devorado por um crocodilo. A abundância de assuntos anda junto, evidentemente, com um tratamento cursivo: com exceção de algumas pesquisas especiais, os artigos são impressionantemente curtos.
Econômica nas palavras, a prosa do jornal não deixa transparecer menor presunção, principalmente com relação àqueles que não partilham seu afeto pelo liberalismo nu e cru. O célebre economista Paul Krugman é um caso. Mesmo sendo pouco suspeito de uma cruzada anticapitalista, ele é frequentemente alvo de epítetos floridos: “keynesiano grosseiro”, “militante feroz”, “herói popular da esquerda norte-americana na sua torre de marfim”, “Michael Moore das pessoas que pensam” (13 nov. 2003).
Parênteses pluralista
The Economist encarna realmente essa mistura ideal de liberalismo econômico, social e político que seu diretor, John Micklethwait, não cessa de elogiar ao público norte-americano? O jornal não parece ter percebido que a liberdade do comércio vinha precedida das liberdades sociais e democráticas, pela conquista das quais os povos por vezes pagaram um alto preço. E a livre-troca, que ele prega, nem sempre tornou a economia mais eficaz e humana, longe disso.
A despeito de algumas torções no seu credo liberal, The Economist se manteve fiel ao longo do século XIX a três princípios-chave: impor o livre-comércio, aceitar algumas reformas sociais para conter a febre revolucionária e garantir a paz no continente.
A partir da Segunda Guerra Mundial, o semanário consentiu em reatualizar seu corpo ideológico. Em 1940, diversos artigos davam a entender que ele poderia aceitar um Estado de bem-estar social; uma maneira de admitir que o liberalismo à laWilson não funcionava mais. Em uma coletânea de ensaios publicada no centenário do jornal, em 1943, o diretor da época, Geoffrey Crowther, se mostrava conciliador: o laissez-faireeconômico, dizia, provoca desigualdades e uma insegurança que apenas a intervenção pública consegue corrigir. Mas The Economistrecusava, no entanto, se alinhar aos socialistas. Não “por causa de seus objetivos, mas em razão dos meios pelos quais eles esperam atingi-los”.4 Essa magnanimidade doutrinária permitiu que ele se enriquecesse com um amplo leque de talentos e opiniões. Diversos refugiados antinazistas se uniram à redação, entre os quais – o cúmulo – dois intelectuais marxistas: o historiador Isaac Deutscher e o escritor Daniel Singer. O parêntese pluralista se fechou nos anos 1960, e o jornal retomou seu curso direitista. Durante a campanha presidencial francesa deste ano, The Economistdescreveu o candidato François Hollande como um “homem perigoso”, movido por uma “hostilidade profunda contra o mundo empresarial”, enquanto o Partido Socialista, ainda “não reformado”, sonharia em conduzir o país a uma “ruptura” com a Alemanha (28 abr.).
Hoje, o modelo social herdado do pós-guerra é visto como um obstáculo ao crescimento e, portanto, como um inimigo a ser abatido. Os sindicatos são os primeiros visados. Em 2011, The Economist explicava que, para reduzir o déficit orçamentário do Reino Unido, não bastava aumentar a idade para a aposentadoria dos funcionários e reduzir suas pensões: a “guerra contra os sindicatos da função pública” impunha também ganhos de produtividade suplementares e a generalização dos contratos flexíveis ou temporários (6 jan. 2011). Há cinquenta anos, um discurso desse tipo era inconcebível.
A partir dos anos 1950, o alinhamento com Washington constituiu o novo fio condutor. Um após o outro, os responsáveis pelo jornal aclamaram cada operação militar empreendida pela Casa Branca, tanto no Vietnã como no Iraque, na ex-Iugoslávia e no Afeganistão. Mesmo com relação aos arquivos iranianos e norte-coreanos, ele se posicionou na linha dura da administração norte-americana, irritando-se contra uma ONU necessariamente pusilânime e burocrática.
A cobertura da América Latina sofre da mesma perspectiva de análise, principalmente nos países governados pela esquerda, mais particularmente na Venezuela. Desde 1998, seu presidente, Hugo Chávez, ganhou treze das catorze eleições nacionais em condições consideradas satisfatórias pelos observadores; no entanto, The Economistnão cansa de agitar o “medo de que a Venezuela caia cada vez mais em uma ditadura” (23 set. 2010 e 5 jan. 2012). Suas fontes? A mesma oposição e as mesmas mídias que, com o apoio dos Estados Unidos, fomentaram o golpe de Estado fracassado de 2002.
De certa maneira, o jornal renovou ligações com o liberalismo de sua juventude. No que diz respeito ao papel do Estado, à sabedoria infalível dos mercados e aos perigos da contestação, suas posições nunca diferiram realmente das que já martelavam seus grandes editorialistas vitorianos. Com a pequena diferença que, atualmente, elas são expressas mais indiretamente. Seu diretor atual, formado nas escolas norte-americanas, é puro produto dessa nova cultura editorial onde se misturam o liberalismo dos dias tranquilos e sua variante contemporânea. Com mais de um século e meio de existência, o porta-estandarte da economia dominante colhe as conquistas nos quatro cantos do globo - salvo na África. Um império infinitamente mais vasto do que o de seus ancestrais ingleses.
Alexandre Zevin
Historiador da Universidade da Califórnia
Ilustração: Daniel Kondo
1 “The Economist tends its sophisticated garden” [The Economist nos jardins mais sofisticados], Jeremy W. Peters, The New York Times, 8 ago. 2010. Na França, The Economist é vendido por 5,80 euros, contra 3,50 euros para as revistas semelhantes.
2 “The economics of the colonial cringe” [A economia do servilismo colonial], The Washington Post, 6 out. 1991.
3 Citado por Libération, Paris, 8 ago. 2003.
4 The Economist, 1843-1943: a centenary volume [The Economist, 1843-1943: um volume centenário], Oxford University Press, Londres, 1943, p.13-15.
A edição eletrônica de Le Monde Diplomatique é regida pelos princípios do conhecimento compartilhado (copyleft), que visam estimular a ampla circulação de idéias e produtos culturais. A leitura e reprodução dos textos é livre, no caso de publicações não-comerciais. A única exceção são os artigos da edição mensal mais recente. A citação da fonte é bem-vinda. Mais informações sobre as licenças de conhecimento compartilhado podem ser obtidas na página brasileira da Creative Commons
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