A onipresença da palavra informação, em uma diversidade de áreas e de contextos, justifica a existência de um compêndio de mais de 500 págin...
A onipresença da palavra informação, em uma diversidade de áreas e de contextos, justifica a existência de um compêndio de mais de 500 páginas para explicá-la. O autor é James Gleick, jornalista, editor, biógrafo e escritor.
No final dos anos 1980, época em que a teoria do caos determinista corria de boca em boca no mundo acadêmico e nos suplementos especializados dos jornais, Gleick foi finalista do prêmio Pulitzer e provocou algum furor editorial com seu livro Caos: A Criação de Uma Nova Ciência, assunto que se vulgarizou a ponto de se ver transformado em uma sequência de filmes sem qualidade sobre o "efeito borboleta".
Depois de uma série de obras bem sucedidas, traduzidas para mais de vinte idiomas, seu mais novo título, publicado no Brasil pela Companhia das Letras e traduzido por Augusto Calil, A informação, recebeu em 2012, o Pen/ E. O. Wilson Literary Science Writing Award. O prêmio não poderia ser mais específico, pois, de fato se trata de um livro de sofisticada divulgação científica numa escritura com qualidade e estilo literários.
A obra poderia se enquadrar na tendência atual da arqueologia das tecnologias ou das mídias, no caso, a computacional, caso sua ênfase não estivesse voltada com prioridade para a teoria da informação e o discurso não fosse tão inegavelmente narrativo. A par de sua erudição e de sua preocupação com as fontes, própria de um repórter detetivesco, Gleick esbanja o admirável talento de perscrutar as histórias subjacentes às invenções, realizando um raro amálgama entre a vida e a obra dos inventores.
No prólogo, o autor apela para a adesão do leitor ao seu tema por meio de frases belas, mas bombásticas:
ou
Felizmente, com a entrada dos capítulos, o discurso engaja-se em seus propósitos de relatar a história da informação e dos gradativos avanços que levaram à elaboração da teoria da informação pari passu com o advento das máquinas computacionais, nas quais a informação faz morada.
Na perspectiva de Gleick, os processos de codificação começaram com o sistema de transmissão de mensagem dos tambores da África, com as primeiras inscrições nas pedras, as primeiras tabelas alfabéticas, os primeiros dicionários até se dar a emergência da eletricidade que criou um "sistema nervoso para a Terra", correndo pelos fios do telégrafo.
Protagonistas
Toda narrativa que se preze deve apoiar-se em personagens à sua altura. Entre vários outros, no caminho da informação e seus suportes, personagens em destaque são Charles Babbage (1791-1871), considerado pai da computação, tendo dedicado toda a vida à idealização e desenvolvimento de máquinas analíticas, cuja execução ficou presa nos limites mecânicos da época. Um século se passou entre Babbage e Alan Turing (1912-1954). Cem anos que levaram da traquitana engenhosa, mas imensa e desajeitada, de Babbage à abstração elegante e imaterial de Turing que continua ainda viva nas máquinas computacionais atuais.
No elenco não faltam figuras magnas da matemática como George Boole (1815-1964), Bertrand Russell (1972-1970), Kurt Gödel (1906-1978), mas a personagem principal que atravessa todo o livro de Gleick, como fio condutor da informação, é o norte-americano Claude Shannon (1916-2001). Não é para menos, já que Shannon é o criador da teoria matemática da informação.
Por seu criador, ela é considerada um ramo da matemática. Ela nasceu e se desenvolveu por meio da cabal erradicação e implacável sacrifício do significado. Shannon deixou de lado os fatores psicológicos para se concentrar nos físicos. Vem daí sua intransigência e a de outros matemáticos quando psicólogos, antropólogos, linguistas, economistas e demais cientistas sociais embarcaram no bonde da teoria da informação, "atraídos pela fanfarra e pelas novas avenidas abertas à análise científica". Para Shannon, seus conceitos poderiam ser úteis a outros campos, mas, para isso, sua adaptação não seria coisa fácil.
Embora mantenha uma fidelidade ao sentido científico da informação como coluna dorsal do seu livro, Gleick também se deixa levar pela vulgata do termo informação, escorregando, como muitos outros, até na aceitação acrítica do simplório conceito dos memes do biólogo Richard Dawkins e no sensacionalismo acerca do insustentável transbordamento da informação provocado pelas redes digitais.
De todo modo, essas e outras exigências conceituais só cabem até certo ponto para um livro de divulgação da ciência que, aliás, cumpre seu papel no topo da excelência. Além disso, se a fidelidade à assepsia teórica tivesse sido mantida, o livro não seria capaz de dar ao leitor o prazer de seguir, com o mesmo apetite com que se lê um romance, essa história quase épica das grandes invenções científicas e tecnológicas que, desde as inscrições nas pedras até o computador, sob a égide da informação, vêm estendendo a inteligência e as contradições humanas.
Por Lucia Santaella em 30/07/2013 na edição 757
***
Fonte: Observatório da Imprensa
[Via BBA]
A informação, de James Gleick, tradução de Augusto Calil, 528 pp., Companhia das Letras, São Paulo, 2013 # reproduzido do Estado de S.Paulo, 27/7/2013
No final dos anos 1980, época em que a teoria do caos determinista corria de boca em boca no mundo acadêmico e nos suplementos especializados dos jornais, Gleick foi finalista do prêmio Pulitzer e provocou algum furor editorial com seu livro Caos: A Criação de Uma Nova Ciência, assunto que se vulgarizou a ponto de se ver transformado em uma sequência de filmes sem qualidade sobre o "efeito borboleta".
Depois de uma série de obras bem sucedidas, traduzidas para mais de vinte idiomas, seu mais novo título, publicado no Brasil pela Companhia das Letras e traduzido por Augusto Calil, A informação, recebeu em 2012, o Pen/ E. O. Wilson Literary Science Writing Award. O prêmio não poderia ser mais específico, pois, de fato se trata de um livro de sofisticada divulgação científica numa escritura com qualidade e estilo literários.
A obra poderia se enquadrar na tendência atual da arqueologia das tecnologias ou das mídias, no caso, a computacional, caso sua ênfase não estivesse voltada com prioridade para a teoria da informação e o discurso não fosse tão inegavelmente narrativo. A par de sua erudição e de sua preocupação com as fontes, própria de um repórter detetivesco, Gleick esbanja o admirável talento de perscrutar as histórias subjacentes às invenções, realizando um raro amálgama entre a vida e a obra dos inventores.
No prólogo, o autor apela para a adesão do leitor ao seu tema por meio de frases belas, mas bombásticas:
A informação é aquilo que alimenta o funcionamento do nosso mundo: o sangue e o combustível, o princípio vital.
ou
Todo o universo é visto como um computador (...) uma máquina cósmica de processamento de informação.
Felizmente, com a entrada dos capítulos, o discurso engaja-se em seus propósitos de relatar a história da informação e dos gradativos avanços que levaram à elaboração da teoria da informação pari passu com o advento das máquinas computacionais, nas quais a informação faz morada.
Na perspectiva de Gleick, os processos de codificação começaram com o sistema de transmissão de mensagem dos tambores da África, com as primeiras inscrições nas pedras, as primeiras tabelas alfabéticas, os primeiros dicionários até se dar a emergência da eletricidade que criou um "sistema nervoso para a Terra", correndo pelos fios do telégrafo.
Protagonistas
Toda narrativa que se preze deve apoiar-se em personagens à sua altura. Entre vários outros, no caminho da informação e seus suportes, personagens em destaque são Charles Babbage (1791-1871), considerado pai da computação, tendo dedicado toda a vida à idealização e desenvolvimento de máquinas analíticas, cuja execução ficou presa nos limites mecânicos da época. Um século se passou entre Babbage e Alan Turing (1912-1954). Cem anos que levaram da traquitana engenhosa, mas imensa e desajeitada, de Babbage à abstração elegante e imaterial de Turing que continua ainda viva nas máquinas computacionais atuais.
No elenco não faltam figuras magnas da matemática como George Boole (1815-1964), Bertrand Russell (1972-1970), Kurt Gödel (1906-1978), mas a personagem principal que atravessa todo o livro de Gleick, como fio condutor da informação, é o norte-americano Claude Shannon (1916-2001). Não é para menos, já que Shannon é o criador da teoria matemática da informação.
Por seu criador, ela é considerada um ramo da matemática. Ela nasceu e se desenvolveu por meio da cabal erradicação e implacável sacrifício do significado. Shannon deixou de lado os fatores psicológicos para se concentrar nos físicos. Vem daí sua intransigência e a de outros matemáticos quando psicólogos, antropólogos, linguistas, economistas e demais cientistas sociais embarcaram no bonde da teoria da informação, "atraídos pela fanfarra e pelas novas avenidas abertas à análise científica". Para Shannon, seus conceitos poderiam ser úteis a outros campos, mas, para isso, sua adaptação não seria coisa fácil.
Embora mantenha uma fidelidade ao sentido científico da informação como coluna dorsal do seu livro, Gleick também se deixa levar pela vulgata do termo informação, escorregando, como muitos outros, até na aceitação acrítica do simplório conceito dos memes do biólogo Richard Dawkins e no sensacionalismo acerca do insustentável transbordamento da informação provocado pelas redes digitais.
De todo modo, essas e outras exigências conceituais só cabem até certo ponto para um livro de divulgação da ciência que, aliás, cumpre seu papel no topo da excelência. Além disso, se a fidelidade à assepsia teórica tivesse sido mantida, o livro não seria capaz de dar ao leitor o prazer de seguir, com o mesmo apetite com que se lê um romance, essa história quase épica das grandes invenções científicas e tecnológicas que, desde as inscrições nas pedras até o computador, sob a égide da informação, vêm estendendo a inteligência e as contradições humanas.
Por Lucia Santaella em 30/07/2013 na edição 757
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Lucia Santaella é coordenadora da pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP e autora, entre outros, de Comunicação ubíqua. Repercussões na cultura e na educação (Paulus)
Fonte: Observatório da Imprensa
[Via BBA]
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