Prever o fim do mundo é um passo clássico de seitas e igrejas. Mas, diferentemente dos milenaristas, os preppers não esperam um desastre esp...
Prever o fim do mundo é um passo clássico de seitas e igrejas. Mas, diferentemente dos milenaristas, os preppers não esperam um desastre específico em determinada data. Tudo pode acontecer, a qualquer hora: meteorito gigante se chocando com a Terra, erupção vulcânica, combinação de desastres ecológicos, pandemia...
por Denis Duclos
Aprender a cultivar feijão, couve-flor e nabo, fazer pão (ou bolinhos de urtiga), criar galinhas ou fazer geleias, conservar pacotes de sementes, curar-se com Aloe vera, tricotar uma camisola, fazer um motor a óleo diesel funcionar com óleo de cozinha, recuperar a água da chuva e de poço, tornar sua casa autônoma em termos de energia etc.
Essa “subcultura de norte-americanos que se preparam para o colapso da civilização”1 desenha uma vasta constelação de preocupações. Ela combina a ideia de “se preparar”, geralmente aplicada a emergências como furacões ou terremotos, com o conjunto das crises, locais ou sistêmicas.
Eles estão se tornando cada vez mais numerosos – pelo menos 3 milhões –, trabalhando em planos detalhados para sobreviver ao “fim do mundo como o conhecemos”.2 O famoso canal de televisão da National Geographic lhes dedica um reality show muito visto; a cada mês, 300 mil pessoas visitam o portal Survivalblog.com, e várias redes têm se desenvolvido nos Estados Unidos e no Canadá (Viking Preparedness, The Survival Mom, Ready Nutrition, Pioneer Living Survival Magazine, Prepper, The Suburban Prepper, The Prepper E-Book READY – Prepare / Plan / Stay Informed…), na América Latina e agora na Europa e na Ásia.
Figuras emblemáticas surgiram a partir de blogs, livros de grande tiragem ou programas de rádio. Assim, o papa dos preppers, James Wesley Rawles, um ex-oficial de inteligência e cristão conservador, vende várias centenas de milhares de cópias de suas obras. Ele se cerca de mistério ao não revelar o ranch secret onde instalou sua família para sobreviver ao momento fatídico.
Prever o fim do mundo é um passo clássico de seitas e igrejas. Mas, diferentemente dos milenaristas, os preppers não esperam um desastre específico em uma determinada data. Tudo pode acontecer, a qualquer hora: meteorito gigante ou planeta se chocando com a Terra, erupção vulcânica, combinação de desastres ecológicos, pandemia, guerra nuclear entre o Ocidente e a China, hiperinflação, colapso do sistema bancário mundial, distúrbios revolucionários, lei marcial.
Assim, os preppers interpelam tanto paranoicos teóricos da conspiração quanto urbanos burgueses boêmios; tanto populistas isolacionistas quanto ambientalistas. Eles sensibilizam aqueles que gostariam simplesmente de saber o que fazer em caso de corte de água ou de eletricidade. Em suma, considerando todos os cenários possíveis, eles conduzem o rebanho de ovelhas “materialistas” ao modelo de predestinação calvinista que separa os eleitos (ou winners), identificáveis por sua vigilância ativa, dos condenados (ou losers), vítimas de sua culposa frivolidade. Enfrentando a dura concorrência, as várias igrejas se irritam com esse fenômeno, argumentando que o treinamento material para sobreviver em meio ao caos não pode substituir o esforço espiritual para a salvação da alma.
Ao contrário dos hippies e dos sobrevivencialistas dos anos 1990, os preppers não professam particularmente a rejeição de um estilo de vida ou a desconfiança em relação a um governo suspeito de traição em favor das elites da chamada nova ordem mundial. Eles se consideram simples cidadãos que buscam reunir informações úteis. Observa-se, entre as contribuições para blogs preppers, a recorrência de dois temas que vão muito além: a fuga para o isolamento e a desconfiança armada em relação aos “não preparados”, que se tornam suspeitos porque poderiam se transformar em saqueadores.
O medo do outro
“Como preparar seu recolhimento durante o colapso geral?”, pergunta-se Joel Skousen, ex-piloto de caça convertido em cientista político e especialista em “relocalização estratégica” (strategic relocation). E, quando for a hora de deixar as grandes cidades – especialmente as mais perigosas, infestadas de “zumbis desempregados” –, o que colocar em sua bug out bag(“bolsa para a grande pane”)? Como escolher um porto seguro no coração do reduto norte-americano, rico em vizinhos cristãos que se supõe serem moralmente seguros? Como se manter seis meses em uma “residência autônoma durável” ou mesmo em um tubo de concreto colocado no fundo do jardim? Um casal se orgulha de manter víveres para cinquenta anos e 25 mil munições. Outro interlocutor explica como alimenta mil tilápias em sua piscina.
Para a vida “pós-apocalipse”, dizem em tom sério, talvez precisemos nos tornar caçadores-coletores. De qualquer forma, deve-se manter o conhecimento necessário para “reconstruir a civilização” (tecer, curar, reciclar, ter água pura, soldar etc.), de acordo com o modelo dos futuros exploradores do espaço.
O segundo tema favorito dos prepperspode ser deduzido disso: o medo do outro. Eles oferecem mapas das “atividades terroristas suspeitas” no mundo e nos Estados Unidos, bem como métodos para criar rapidamente seu condomínio bunker (gated community) e ali organizar torres de vigília armadas, esperando a irrupção das hordas de miseráveis que não tardarão a tentar violar seu santuário.
Mas o delírio de alguns não deve obscurecer o fato de que a maioria permanece como consumidora tão compulsiva quanto aqueles que esvaziam os supermercados na véspera das festas. Ao comprarem armas para se prevenir de invasões, produtos de “primeira necessidade” ou medicamentos (os três “Bs”: bullets, beans, band-aids – balas, feijão, band-aids), esses clientes desesperados substituem um produto por outro.
É claro que o bom prepper vai se virar como o escoteiro “sempre alerta” de outrora: ele saberá fazer um candeeiro com uma batata, uma toalha com um tecido, uma colher com papelão, acender fogo sem fósforos etc. Mas isso ainda apela para o serviço remunerado de professores, e aí se trata de um trabalho “de consumidor”: faça você mesmo seu sabão, mas com ingredientes do comércio – borato, carbonato de sódio, ralador de queijo, tudo vendido numa loja nas proximidades.
A espera do desastre e do socorro evita pensar no que nos acontece agora. Percebem-se nos preppers constatações sobre a ganância financeira, mas sua representação individualista da autonomia e seu reflexo de fuga oferecem poucas perspectivas de ação socializada e política fora dos quadros atuais do sistema.
O prepper não supõe que a civilização possa corrigir sua trajetória. Mergulhado na ideologia neodarwiniana da luta de todos contra todos, ele não poderia imaginar que uma simples redistribuição da riqueza seria mais eficaz do que a deslocação estratégica para evitar os horrores da depressão. Em suma, ele se recusa a se preparar para... a continuação do mundo após o capitalismo.
Denis Duclos
Antropólogo, é diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS, na França. Autor de Éloge de la pluralité - Conversion entre cultures et continuation de l'humanité, Bibliothéque de la Revue du Mass permanente, Paris, 2012
Ilustração: Alves
1 “Subculture of Americans prepares for civilization’s collapse” [Subcultura de norte-americanos que se preparam para o colapso da civilização], Reuters, 21 jan. 2012.
2 “The End Of The World As We Know It” [O fim do mundo como o conhecemos], ou, para os iniciados,“Teotwawki”.
3 Por exemplo: Survivors: a novel of the coming collapse [Sobreviventes: uma novela do colapso que está por vir], Simon & Schuster, Atria Books, Nova York, 2011; e How to survive the end of the world as we know it [Como sobreviver ao fim do mundo como o conhecemos], Plume, Nova York, 2009.
A edição eletrônica de Le Monde Diplomatique é regida pelos princípios do conhecimento compartilhado (copyleft), que visam estimular a ampla circulação de idéias e produtos culturais. A leitura e reprodução dos textos é livre, no caso de publicações não-comerciais. A única exceção são os artigos da edição mensal mais recente. A citação da fonte é bem-vinda. Mais informações sobre as licenças de conhecimento compartilhado podem ser obtidas na página brasileira da Creative Commons
[Via BBA]
Preppers: Esperando o apocalipse. |
Aprender a cultivar feijão, couve-flor e nabo, fazer pão (ou bolinhos de urtiga), criar galinhas ou fazer geleias, conservar pacotes de sementes, curar-se com Aloe vera, tricotar uma camisola, fazer um motor a óleo diesel funcionar com óleo de cozinha, recuperar a água da chuva e de poço, tornar sua casa autônoma em termos de energia etc.
Tudo isso pode parecer inocente ou mesmo divertido. Para os preppers – ou seguidores do prepping, “preparação” , no entanto, isso não se trata de um simples hobby, mas de um treinamento para um futuro provável.
Essa “subcultura de norte-americanos que se preparam para o colapso da civilização”1 desenha uma vasta constelação de preocupações. Ela combina a ideia de “se preparar”, geralmente aplicada a emergências como furacões ou terremotos, com o conjunto das crises, locais ou sistêmicas.
Eles estão se tornando cada vez mais numerosos – pelo menos 3 milhões –, trabalhando em planos detalhados para sobreviver ao “fim do mundo como o conhecemos”.2 O famoso canal de televisão da National Geographic lhes dedica um reality show muito visto; a cada mês, 300 mil pessoas visitam o portal Survivalblog.com, e várias redes têm se desenvolvido nos Estados Unidos e no Canadá (Viking Preparedness, The Survival Mom, Ready Nutrition, Pioneer Living Survival Magazine, Prepper, The Suburban Prepper, The Prepper E-Book READY – Prepare / Plan / Stay Informed…), na América Latina e agora na Europa e na Ásia.
Cena do filme Redentor. |
Prever o fim do mundo é um passo clássico de seitas e igrejas. Mas, diferentemente dos milenaristas, os preppers não esperam um desastre específico em uma determinada data. Tudo pode acontecer, a qualquer hora: meteorito gigante ou planeta se chocando com a Terra, erupção vulcânica, combinação de desastres ecológicos, pandemia, guerra nuclear entre o Ocidente e a China, hiperinflação, colapso do sistema bancário mundial, distúrbios revolucionários, lei marcial.
Assim, os preppers interpelam tanto paranoicos teóricos da conspiração quanto urbanos burgueses boêmios; tanto populistas isolacionistas quanto ambientalistas. Eles sensibilizam aqueles que gostariam simplesmente de saber o que fazer em caso de corte de água ou de eletricidade. Em suma, considerando todos os cenários possíveis, eles conduzem o rebanho de ovelhas “materialistas” ao modelo de predestinação calvinista que separa os eleitos (ou winners), identificáveis por sua vigilância ativa, dos condenados (ou losers), vítimas de sua culposa frivolidade. Enfrentando a dura concorrência, as várias igrejas se irritam com esse fenômeno, argumentando que o treinamento material para sobreviver em meio ao caos não pode substituir o esforço espiritual para a salvação da alma.
Ao contrário dos hippies e dos sobrevivencialistas dos anos 1990, os preppers não professam particularmente a rejeição de um estilo de vida ou a desconfiança em relação a um governo suspeito de traição em favor das elites da chamada nova ordem mundial. Eles se consideram simples cidadãos que buscam reunir informações úteis. Observa-se, entre as contribuições para blogs preppers, a recorrência de dois temas que vão muito além: a fuga para o isolamento e a desconfiança armada em relação aos “não preparados”, que se tornam suspeitos porque poderiam se transformar em saqueadores.
O medo do outro
“Como preparar seu recolhimento durante o colapso geral?”, pergunta-se Joel Skousen, ex-piloto de caça convertido em cientista político e especialista em “relocalização estratégica” (strategic relocation). E, quando for a hora de deixar as grandes cidades – especialmente as mais perigosas, infestadas de “zumbis desempregados” –, o que colocar em sua bug out bag(“bolsa para a grande pane”)? Como escolher um porto seguro no coração do reduto norte-americano, rico em vizinhos cristãos que se supõe serem moralmente seguros? Como se manter seis meses em uma “residência autônoma durável” ou mesmo em um tubo de concreto colocado no fundo do jardim? Um casal se orgulha de manter víveres para cinquenta anos e 25 mil munições. Outro interlocutor explica como alimenta mil tilápias em sua piscina.
Para a vida “pós-apocalipse”, dizem em tom sério, talvez precisemos nos tornar caçadores-coletores. De qualquer forma, deve-se manter o conhecimento necessário para “reconstruir a civilização” (tecer, curar, reciclar, ter água pura, soldar etc.), de acordo com o modelo dos futuros exploradores do espaço.
O segundo tema favorito dos prepperspode ser deduzido disso: o medo do outro. Eles oferecem mapas das “atividades terroristas suspeitas” no mundo e nos Estados Unidos, bem como métodos para criar rapidamente seu condomínio bunker (gated community) e ali organizar torres de vigília armadas, esperando a irrupção das hordas de miseráveis que não tardarão a tentar violar seu santuário.
Mas o delírio de alguns não deve obscurecer o fato de que a maioria permanece como consumidora tão compulsiva quanto aqueles que esvaziam os supermercados na véspera das festas. Ao comprarem armas para se prevenir de invasões, produtos de “primeira necessidade” ou medicamentos (os três “Bs”: bullets, beans, band-aids – balas, feijão, band-aids), esses clientes desesperados substituem um produto por outro.
É claro que o bom prepper vai se virar como o escoteiro “sempre alerta” de outrora: ele saberá fazer um candeeiro com uma batata, uma toalha com um tecido, uma colher com papelão, acender fogo sem fósforos etc. Mas isso ainda apela para o serviço remunerado de professores, e aí se trata de um trabalho “de consumidor”: faça você mesmo seu sabão, mas com ingredientes do comércio – borato, carbonato de sódio, ralador de queijo, tudo vendido numa loja nas proximidades.
A espera do desastre e do socorro evita pensar no que nos acontece agora. Percebem-se nos preppers constatações sobre a ganância financeira, mas sua representação individualista da autonomia e seu reflexo de fuga oferecem poucas perspectivas de ação socializada e política fora dos quadros atuais do sistema.
O prepper não supõe que a civilização possa corrigir sua trajetória. Mergulhado na ideologia neodarwiniana da luta de todos contra todos, ele não poderia imaginar que uma simples redistribuição da riqueza seria mais eficaz do que a deslocação estratégica para evitar os horrores da depressão. Em suma, ele se recusa a se preparar para... a continuação do mundo após o capitalismo.
Denis Duclos
Antropólogo, é diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS, na França. Autor de Éloge de la pluralité - Conversion entre cultures et continuation de l'humanité, Bibliothéque de la Revue du Mass permanente, Paris, 2012
Ilustração: Alves
1 “Subculture of Americans prepares for civilization’s collapse” [Subcultura de norte-americanos que se preparam para o colapso da civilização], Reuters, 21 jan. 2012.
2 “The End Of The World As We Know It” [O fim do mundo como o conhecemos], ou, para os iniciados,“Teotwawki”.
3 Por exemplo: Survivors: a novel of the coming collapse [Sobreviventes: uma novela do colapso que está por vir], Simon & Schuster, Atria Books, Nova York, 2011; e How to survive the end of the world as we know it [Como sobreviver ao fim do mundo como o conhecemos], Plume, Nova York, 2009.
A edição eletrônica de Le Monde Diplomatique é regida pelos princípios do conhecimento compartilhado (copyleft), que visam estimular a ampla circulação de idéias e produtos culturais. A leitura e reprodução dos textos é livre, no caso de publicações não-comerciais. A única exceção são os artigos da edição mensal mais recente. A citação da fonte é bem-vinda. Mais informações sobre as licenças de conhecimento compartilhado podem ser obtidas na página brasileira da Creative Commons
[Via BBA]
O pessimista sempre se dá bem. Ou por estar certo, e com isso poder dizer que tinha razão, ou por estar errado, e gozar do fato da realidade ser melhor do que ele esperava.
ResponderExcluirO autor do texto é mais um idiota que ainda acredita nas baboseiras do socialismo/comunismo. Mais de 100 milhões de vidas já foram perdidas para que ideólogos ingênuos e ridículos que vivem nas nuvens pudessem fazer seus experimentos sociais. Ainda hoje em Cuba e na coréria do Norte o comunismo fracassa berrantemente, mas para essas pessoas não adianta mostrar história, fatos, evidencias ou mesmo expanca-las com a realidade, tudo o que suas cabeças vazias e doutrinadas conseguem ver é a ideologia utópica que nunca funcionou e nunca vai funcionar.
ResponderExcluirNão apoio os loucos do fim do mundo, mas percebo claramente que assim como todo comunista/socialista o autor não entendeu nada sobre o assunto que fala e tenta passar tudo pelo prisma ideológico que é a única coisa que existe dentro de sua cabeça vazia.
Um texto mediocre fruto de um autor patético e ignorante.
Para o anônimo aí de cima: Em nenhum momento do texto o autor se mostrou pró-comunista/socialista. Ninguém discute que a utopia comunista falhou. Ele apenas cita a redistribuição de riqueza perante a brutal desigualdade do mundo capitalista atual, onde 1% da população detém 99% da riqueza do mundo. Fala-se apenas em lucrar um pouco menos e distribuir um pouco mais, apenas isso. Sua ira talvez signifique que a carapuça serviu... pois se o comunismo falhou, a farsa do capitalismo neoliberal aos poucos entra em colapso. Afinal, como já dizia o velho ditado "Se o Comunismo é o homem escravo do homem, o capitalismo é o oposto".
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