A história do dia em que um desempregado sequestrou um avião comercial e ordenou que partisse para Brasília para atentar contra o então pres...
A história do dia em que um desempregado sequestrou um avião comercial e ordenou que partisse para Brasília para atentar contra o então presidente Sarney. Postado em 29/09/2018 e atualizado em 10/12/2023.
Era 29 de setembro de 1988. O Brasil vivendo um cenário de crise econômica, inflação alta e acelerada, recessão, desemprego e um presidente extremamente impopular, José Sarney. Nesse clima, Raimundo Nonato Alves da Conceição, 28 anos, solteiro e sem filhos, natural de Vitorino Freire, interior do Maranhão, frequentemente conseguia trabalho por intermédio da Construtora Mendes Júnior, incluindo atuação em obras da empresa no Iraque. Mas acabou demitido devido à complicada conjuntura econômica e estava tendo dificuldade em se recolocar. Para Raimundo o presidente, que também era seu conterrâneo, era o único responsável por sua desgraça.
No entanto, levou o comandante Murilo como refém.
Fonte: EM, Wikipedia, G1, Diário do Rio Claro.
[Visto no Brasil Acadêmico]
Hóspede contumaz da Pensão Paulista, hospedaria localizada no centro de Belo Horizonte - atualmente Hotel Miranda -, que também servia de ponto para recrutamento e alojamento de empreiteiras, naquele 29 de setembro, uma quinta-feira, Raimundo saiu da pensão e foi até ao aeroporto de Confins.
Naquele dia, o voo VP-375 da VASP, foi realizado por uma aeronave Boeing 737-300, que partiu de Porto Velho rumo ao Rio de Janeiro, fazendo escalas em Brasília, Goiânia e Belo Horizonte. Na etapa final do voo, entre a capital mineira e o Rio de Janeiro, foi sequestrado.
Raimundo comprou um revólver calibre 32 e embarcou no voo. Na época, aparelhos de raios-X e detectores de metal não eram utilizados para verificar bagagens no Aeroporto de Confins, o que permitiu o embarque do passageiro com a arma em uma mochila, afinal, foram 13 anos antes do infame ataque do 11 de setembro em Nova York (e o caso brasileiro parece ter inspirado o ataque). Além dele, outros 59 passageiros embarcaram, se juntando aos 38 que já estavam a bordo. Além das seis pessoas da tripulação, Gilberto Renhe, um piloto extra também da Vasp, pegou carona e foi se sentar na cabine atrás do comandante Murilo.
O voo decolou às 10h42 e cerca de 20 minutos após a decolagem, com o avião já no espaço aéreo do Rio de Janeiro, Raimundo percebeu que o avião ia começar os procedimentos de pouso. Ele então se levantou e foi em direção à cabine. O comissário Ronaldo Dias achou que o passageiro queria ir ao banheiro e o alertou de que a porta era outra. Raimundo insistiu e o membro da tripulação o informou que ali ele não poderia entrar. Raimundo então sacou a arma da mochila e atirou no comissário, acertando sua orelha. Como a cabine não era aberta, disparou várias vezes contra a porta, a arrombou e entrou. Ao entrar, Raimundo baleou o tripulante extra, Gilberto Renhe, que teve a perna fraturada pelo tiro.
O piloto Fernando Murilo de Lima e Silva acionou pelo transponder o código 7500, que na linguagem da aeronáutica, indica interferência ilicita (sequestro), sem que Raimundo notasse. Mas ao tentar atender à resposta do Cindacta pelo rádio, o co-piloto Salvador Evangelista foi baleado pelo sequestrador e morreu na hora. Em seguida, Raimundo apontou o revólver para o piloto e exigiu que o avião fosse imediatamente desviado para Brasília.
A essa altura, o caso já era considerado como um assunto de Estado. Francisco de Assis Couto, irmão de Ronaldo Costa Couto, ministro-chefe da Casa Civil na época, era um dos passageiros do voo. Autoridades como o ministro da Aeronáutica e o diretor da Polícia Federal foram informados do assassinato e do sequestro. Então um caça da FAB (Mirage III) foi enviado de Anápolis para acompanhar o Boeing.
Quando estava sobrevoando Brasília, Fernando Murilo se deparou com algumas nuvens e informou ao sequestrador que não havia como pousar na capital federal. Raimundo mandou seguir para Anápolis e logo depois, mudou o destino: Goiânia.
“Foi aí que mostrei para ele o marcador de combustível e falei que o avião ia parar de funcionar e a gente ia cair. Ele nem quis saber. Eu continuei sobrevoando a pista de Goiânia e aí ele soltou: 'Vamos para São Paulo'. Comecei a ficar desesperado porque se a gente mal tinha combustível para ali perto, que diria São Paulo.”
Fernando Murilo de Lima e Silva. Piloto
Foi então que Murilo fez uma ação que foi crucial para o desfecho da história. Ele tirou o avião do piloto automático e executou um tonneau (manobra em que o avião dá uma volta completa ao redor de seu eixo longitudinal) para ver se o sequestrador perdia o equilíbrio.
Como o sequestrador continuava em pé, Murilo resolveu fazer uma manobra ainda mais arriscada, um parafuso - o avião perde a sustentação e cai de bico, girando as asas como um pião; a aeronave gira descendo. Murilo já tinha executado a manobra algumas vezes durante o período que foi aviador militar. Mas nunca tinha feito um parafuso com um boeing.
“Um dos motores havia parado e eu pensei, como vou morrer mesmo, vou arriscar. Parti para o tudo ou nada. Já que vou morrer, vou morrer brigando porque, pelo visto, ele não ia me deixar pousar.”
Pois essa incrível manobra de Murilo, no entanto, não é reconhecida pela Boeing. Mesmo com testemunhas dentro e fora do avião, a empresa nunca homologou o feito. Além disso, o gravador de bordo parou de funcionar e não registrou o feito.
Quando concluiu o parafuso, o piloto percebeu que Raimundo estava caído e a pista estava logo à frente de Murilo que sem pestanejar aterrissou. O pouso em Goiânia, no Aeroporto Internacional Santa Genoveva aconteceu às 13h45. Em
Raimundo recuperou a pistola e continuou com as ameaças.
Ele queria ir para Brasília de qualquer jeito e eu expliquei que aquele avião não teria como decolar de novo", frisa Murilo. Depois de muita negociação, envolvendo Polícia Federal, Secretaria de Segurança Pública de Goiás e a própria Vasp, Raimundo aceitou embarcar em um Bandeirante da Força Aérea Brasileira.
No entanto, levou o comandante Murilo como refém.
“Antes disso, eu pedi a ele que liberasse o corpo do Vângelis e os feridos para fora da aeronave. Foi só ai que a tripulação e os passageiros se deram conta da tragédia. Foi uma comoção.”
Quando desceram do boeing, Murilo e o sequestrador se dirigiram para o Bandeirante que não tinha escada e nem porta. Era uma armadilha para Raimundo Nonato Alves da Conceição. Como Raimundo era baixinho, Murilo teve que fazer um apoio com as mãos para ajudá-lo a subir no avião menor.
De repente veio um tiro na nossa direção e quase me pegou. Tinha um atirador de elite escondido na aeronave. Eu soltei o Raimundo e sai correndo em zigue-zague. Nem sei porque eu corri daquele jeito. Na mesma hora, ele pegou o revólver e começou a tirar em mim.
Durante o tiroteio na pista, Raimundo Nonato levou três tiros, mas não corria risco de morrer, de acordo com os médicos do hospital em Goiânia. Morreu dias depois, misteriosamente, vítima de anemia falciforme, sem relação com os tiros, segundo o legista Fortunato Badan Palhares.
Fernando Murilo de Lima e Silva, o piloto que evitou a tragédia, foi homenageado em outubro de 2001 pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas e recebeu o troféu Destaque Aeronauta por ter evitado a morte dos quase cem passageiros que estavam a bordo do Boeing 737.
A História Virou Filme
Ainda que essa fantástica história tenha tido seus detalhes vazados em uma época que a censura ainda era uma prática regular (basta lembrar que a Constituição Cidadã seria promulgada poucos dias depois do sequestro) de fato ela não se fixou no imaginário coletivo como grandes feitos heroicos e desfechos trágicos costumam se colocar: como uma lenda para muito além dos fatos. Talvez faltasse um storyteller para que sua relevância pudesse ser registrada de forma mais perene, como o acidente que matou Ayrton Senna. Tendo vários herois e um terrorista improvável saído diretamente de nossas mazelas. Será que dessa vez a história será contada do jeito merecido?
Com essa dúvida, grande curiosidade e pouca expectativa, assistimos ao filme “O Sequestro do Voo 375”, lançado em 07/12/2023, e então resolvemos revisitar esse post. Uma ótima reconstituição da época tornando a película uma aula de história de um período conturbado da transição da ditadura militar para a democracia (Sarney era vice na chapa de Tancredo Neves que ganhou a presidência no colégio eleitoral, mas morreu antes de tomar posse por complicações intestinais, o que levava a todo tipo de teoria conspiratória e o receio da volta dos militares, conforme foi mostrado resumidamente no início do filme).
A equipe contou com o relato de testemunhas e especialistas. Assim, alguns detalhes que foram mostrados no filme, mas que não detectamos em 2018, não passaram despercebidos. Nele, o sequestrador dita uma carta para a negociadora que espera que encontre sua filha, caso morra. Nela teria dito que esperava que a filha enconrasse “um país melhor” no futuro.
No post original, a ótima reportagem do jornal O Estado de Minas, assinada pela jornalista Ana Clara Brant, citou que Nonato não tinha filhos. No filme, ficamos sabendo ser ele o pai da pequena Tereza. Vivida pela pequena rio-clarense Anna Beatriz Emygdio Menezes, atriz mirim de 7 anos que participou do filme realizado por meio de parceria da Disney com a produtora Estúdio Escarlate. O qual recomendamos assistir, especialmente, no cinema. Uma vez que esse filme é considerado por muitos uma superprodução e, em especial, houve muito empenho em reproduzir as cenas aéreas (como o detalhe dos círculos concêntricos no solo, formados pelas ruas de Goiânia levando à Praça Cívica indicando que houve sim muita pesquisa para achar os melhores ângulos da fotografia) merecendo uma telona.
Reportagem de O Estado de Minas de 28/09/2018
Do ponto de vista econômico e social, talvez possamos dizer que sim, Terezinha encontrou um país melhor no futuro. Basta compararmos com a vizinha Argentina. Após o governo Sarney, disparando gatilhos salariais contra a hiperinflação e o sequestro da poupança de Collor (uma tentativa traumática de controlar a inflação enxugando a liquidez), os governos Itamar/FHC conseguiram controlar a inflação com o Plano Real e, nos governos Lula I e II, o Maranhão, estado onde Nonato a deixou, e o país como um todo, melhorou seu IDH. Mas a história ainda está sendo escrita, e revisitada. Nos lembrando sempre que nenhuma realidade é mais líquida do que o passado.
Imagem meramente ilustrativa.
[Visto no Brasil Acadêmico]
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