Por que você acha que está certo, mesmo quando está errado?

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Perspectiva é tudo, especialmente quando se trata de avaliarmos nossas crenças.

Perspectiva é tudo, especialmente quando se trata de avaliarmos nossas crenças. Será que você é um soldado, disposto a defender seu ponto de vista a todo custo, ou um escoteiro, estimulado pela curiosidade? Julia Galef examina as motivações por trás dessas duas formas de pensar e o modo como elas moldam a maneira pela qual interpretamos informações novas, através de uma lição histórica convincente, que ocorreu na França do século 19. "Quando suas firmes opiniões são postas à prova", Galef diz, "qual é a coisa pela qual você mais anseia? Por defender suas próprias crenças, ou por ver o mundo da forma mais clara possível?"

Peço que, por um instante, você imagine que você é um soldado em pleno combate, talvez um soldado romano, um arqueiro medieval, ou quem sabe um guerreiro zulu. Independentemente do lugar e da época, algumas coisas não mudam. Seu nível de adrenalina fica elevado e suas ações são decorrentes de reflexos profundamente arraigados, reflexos que vêm de uma necessidade de proteger a si mesmo e aos seus, e de derrotar o inimigo.



Agora, peço que você se imagine numa função bem diferente, a de um escoteiro. A função do escoteiro não é atacar nem defender. Sua função é tentar entender. É ele quem sai, mapeia o terreno e identifica possíveis obstáculos. O escoteiro procura saber, por exemplo, se existe uma ponte num local conveniente, para atravessar um rio, mas, acima de tudo, o escoteiro procura sondar o ambiente, com o máximo de precisão. Num exército de verdade, tanto o soldado quanto o escoteiro são essenciais, mas você também pode imaginar essas funções como tipos de mentalidade, metáforas de como todos nós processamos informações e ideias no nosso dia a dia. Hoje, o que quero discutir é o fato de que ter bom senso, calcular com precisão e tomar boas decisões têm basicamente a ver com o seu tipo de mentalidade.

Para ilustrar essas mentalidades em ação, vamos voltar à França do século 19, onde este pedaço de papel aparentemente inofensivo trouxe à tona uma dos maiores escândalos políticos da história. Foi descoberto em 1894 por oficiais das forças armadas francesas. Ele foi rasgado e jogado em um cesto de papel, mas, quando seus pedaços foram juntados, descobriu-se que alguém entre os soldados estava vendendo segredos militares à Alemanha.

Uma grande investigação foi iniciada e as suspeitas rapidamente se voltaram para um homem: Albert Dreyfus. Ele tinha um histórico impecável, sem qualquer histórico de infrações e sem motivo, até onde se sabia. Porém, Dreyfus era o único oficial judeu naquele grupo militar e, infelizmente, naquela época, o exército francês era extremamente antissemita. A caligrafia de Dreyfus foi comparada à do documento e concluiu-se que eram compatíveis, embora especialistas civis em comparação de caligrafias não tivessem tanta certeza, mas deixa isso pra lá. O apartamento de Dreyfus foi vasculhado em busca de evidências de espionagem, vasculharam os arquivos dele, mas não encontraram nada.

Ficaram ainda mais convencidos de que Dreyfus era não só culpado, mas também sorrateiro, por obviamente ter escondido todas as provas antes que eles pudessem encontrá-las.

Depois, investigaram a vida pessoal dele, tentando encontrar qualquer detalhe incriminador. Falaram com os professores dele e descobriram que ele estudara línguas estrangeiras na escola, o que "obviamente" mostrava um desejo de conspirar junto a governos estrangeiros depois de adulto. Os professores também disseram que Dreyfus era bom de memória, o que era "muito" suspeito, não? Afinal, um espião precisa se lembrar de muitas coisas.

O caso foi a julgamento e Dreyfus foi considerado culpado. Ele foi levado a uma praça pública, a insígnia do uniforme dele foi solenemente rasgada e sua espada foi partida em duas. Foi a chamada "degradação de Dreyfus". Ele foi sentenciado à prisão perpétua na ilha apropriadamente chamada de "Ilha do Diabo", um pedaço de rocha estéril, próxima à costa da América do Sul. Ele foi mandado pra lá e lá permaneceu sozinho, escrevendo cartas e mais cartas ao governo francês, implorando que reabrisse seu caso para que se provasse sua inocência, mas a França basicamente considerou o caso dele encerrado.

Uma coisa que acho muito interessante no "caso Dreyfus" é por que os oficiais ficaram tão convencidos de que Dreyfus era culpado. Podemos até achar que "armaram" pra ele, que o consideraram culpado intencionalmente, mas os historiadores não acham que foi isso. Até onde se sabe, os oficiais realmente acreditavam que o caso contra Dreyfus era legítimo, o que nos faz pensar: o que isso revela a respeito da mente humana, a ponto de acharmos evidências tão insignificantes convincentes o bastante para condenar um homem?
Esse é um exemplo do que os cientistas chamam de "tendência cognitiva". É o fenômeno no qual nossas tendências inconscientes, nossos desejos e medos, moldam a forma como interpretamos informações. 
Algumas informações, algumas ideias, parecem ser nossas aliadas, e queremos que elas vençam, queremos defendê-las. Outras informações e ideias são nossas inimigas, e queremos acabar com elas. É por isso que chamo a tendência cognitiva de "mentalidade do soldado".

A maioria de vocês provavelmente nunca perseguiu um oficial franco-judeu por traição capital, eu suponho, mas talvez tenham acompanhado esportes ou política e devem ter notado que, quando o juiz diz que o seu time cometeu falta, você tem grande tendência a buscar razões pra ele estar errado. Se ele disser, porém, que o outro time cometeu falta... ótimo! Perfeito! Deixa quieto. Talvez você tenha lido um artigo ou estudo que tratava de alguma política controversa, como a pena de morte. Como pesquisadores já demonstraram, se você apoiar a pena de morte e o estudo mostrar que ela não é eficaz, você terá uma forte tendência a buscar todos os argumentos para afirmar que o estudo não foi bem realizado. Se ele mostrar que a pena de morte funciona, o estudo é perfeito. E vice-versa: se você não apoia a pena de morte, o mesmo se aplica.

Nosso julgamento é inconsciente e fortemente influenciado dependendo do lado que queremos que vença. Isso influencia tudo. Isso molda nossa forma de pensar sobre nossa saúde, nossas relações, a forma como decidimos votar, o que consideramos justo ou ético. O que acho mais assustador na tendência cognitiva, ou mentalidade do soldado, é o quanto ela é inconsciente. Podemos achar que estamos sendo objetivos e justos e, ainda assim, acabarmos arruinando a vida de um homem inocente.

Entretanto, para Dreyfus, felizmente, sua história não acaba aí. Este é o coronel Picquart. Ele também era oficial de alta patente do exército francês. Como a maioria das pessoas, ele achou que Dreyfus fosse culpado e, como a maioria das pessoas no exército, ele era no mínimo um pouco antissemita, mas, em certo momento, Picquart começou a pensar:

"E se todos estivermos enganados quanto a Dreyfus?"

Ele havia descoberto evidências de que a espionagem tinha continuado, mesmo após a prisão de Dreyfus. Ele também descobriu que outro oficial do exército tinha uma caligrafia perfeitamente compatível, bem mais até que a caligrafia de Dreyfus. Ele levou suas descobertas aos seus superiores, mas, para seu espanto, eles não se importaram e às vezes tinham explicações lógicas para aquelas descobertas, tais como:

"Bem, Picquart, você só mostrou que existe outro espião que aprendeu a imitar a caligrafia de Dreyfus, e assumiu a tarefa de espionagem depois que ele foi preso. Mesmo assim, Dreyfus é culpado".

No fim, Picquart conseguiu que Dreyfus fosse dispensado, mas ele levou dez anos pra isso e, em parte desse tempo, ele mesmo esteve na prisão pelo crime de deslealdade para com o exército.

Muitas pessoas acham que Picquart não pode ser o herói dessa história porque ele era antissemita, e isso é ruim, eu concordo, mas, pessoalmente, acho que o fato de Picquart ser antissemita, na verdade, torna suas ações ainda mais admiráveis, porque ele tinha os mesmos preconceitos, a mesma tendenciosidade, de seus colegas oficiais, mas sua inclinação por encontrar a verdade e sustentá-la superou tudo isso.

Então, para mim, Picquart é o "garoto propaganda" do que eu chamo de "mentalidade do escoteiro", a vontade não de ver uma ideia ganhar ou perder, mas apenas entender a realidade, da forma mais franca e precisa possível, mesmo que ela não seja bonita, conveniente ou agradável. É essa mentalidade que me fascina. Passei os últimos anos estudando e tentando entender de onde vem a mentalidade do escoteiro. Por que algumas pessoas, pelos menos às vezes, conseguem vencer seus próprios preconceitos e tendenciosidades e tentar ver os fatos e as evidências da forma mais objetiva possível?

E a resposta é emocional. Assim como a origem da mentalidade do soldado são as emoções, tais como defesa ou tribalismo, a do escoteiro também. São apenas emoções diferentes. Por exemplo, os escoteiros são curiosos. É mais provável que digam que sentem prazer ao receberem novas informações ou uma ânsia por resolver uma charada. É mais provável que se sintam curiosos ao descobrirem alguma coisa que contradiga suas expectativas. Os escoteiros também têm valores diferentes. Eles tendem mais a dizer que acham virtuoso testar suas próprias crenças, e tendem menos a dizer que alguém que mude de ideia demonstra fraqueza. Acima de tudo, os escoteiros são pé no chão. Sua autoestima, enquanto pessoa, não está ligada ao quanto estão certos ou errados sobre determinado assunto. Assim, eles podem acreditar que a pena de morte funcione, mas se estudos mostrarem o contrário, eles dizem:

"Hum, acho que me enganei, mas não quer dizer que eu seja mau ou idiota".

Esse conjunto de características é o que os pesquisadores descobriram, e que também descobri informalmente, que é indicativo de um bom senso. O que quero que vocês entendam sobre essas características é que elas não têm fundamentalmente a ver com o quanto você é inteligente, ou com o quanto você sabe. Na verdade, elas não têm correlação alguma com QI. A questão é como você se sente. Existe uma citação que sempre utilizo, uma citação de Saint-Exupéry. Ele é o autor de "O Pequeno Príncipe". Ele disse:

"Se você quer construir um navio, não chame as pessoas para juntar madeira, ou atribua-lhes tarefas e trabalho, mas sim ensine-as a desejar a infinita imensidão do oceano".

Em outras palavras, eu afirmo, se realmente quisermos melhorar nosso bom senso, enquanto indivíduos e enquanto sociedade, o que mais precisamos não é de mais instrução em lógica, retórica, probabilidade ou economia, embora essas coisas sejam muito valiosas. O que mais precisamos para usar bem esses princípios é da mentalidade do escoteiro. Precisamos mudar nossa forma de sentir. Precisamos aprender a termos orgulho em vez de vergonha, ao percebermos que podemos estar errados. Precisamos aprender a nos sentirmos curiosos em vez de defensivos, ao nos depararmos com informações que contradigam nossas crenças.

Então, a pergunta com a qual quero encerrar é: qual é a coisa pela qual você mais anseia? Você anseia por defender suas próprias crenças, ou por ver o mundo da forma mais clara possível?

Obrigada.

(Aplausos)

Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]

Comentários

BLOGGER: 2
  1. O que vc acabou de expor é exatamente a tática marxista: acuse, invente, destrua seu inimigo e, principalmente: MINTA!!! MINTA MUITO!!!

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