Hugo Chávez em entrevista no Roda Viva

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Em meio às notícias desencontradas sobre o estado terminal do líder venezuelano e a crise constitucional que está se criou em torno da quest...

Em meio às notícias desencontradas sobre o estado terminal do líder venezuelano e a crise constitucional que está se criou em torno da questão de sua sucessão, reveja a entrevista que Hugo Chávez deu ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2005.



Após tentativa frustrada de golpe, em 1992, o coronel Hugo Chávez foi eleito, pelo voto popular, presidente da Venezuela, em 1998, com um discurso inspirado em Simón Bolívar, de combate à pobreza e à corrupção.



Paulo Markun: Boa noite! Ao ser eleito, ele disse que o seu governo representaria a ressurreição de seu país e o renascimento de seu povo. Para a América Latina, ele passou a representar uma ponta de lança contra o pensamento conservador e uma nova frente em busca da integração regional. O Roda Viva se deslocou de novo a Brasília, desta vez para encontrar e entrevistar o coronel Hugo Chávez, presidente da República Bolivariana da Venezuela. Ele veio ao Brasil para a Cúpula Sul-Americana, que reúne 12 países da região.

Comentarista: Hugo Chávez foi eleito pelo voto popular em dezembro de 1998. Ele já havia tentado chegar ao poder em 92, através de um golpe militar que não deu certo e o levou à prisão por dois anos. Libertado, criou seu movimento Quinta República, e com o apoio de pequenos partidos de esquerda, venceu a eleição presidencial. De origem humilde, sonhava em ser jogador de beisebol, mas foi para o exército com dezoito anos e fez carreira militar. Chegou ao posto de coronel e se lançou numa ação política inspirada em Simón Bolívar, o herói da independência sul-americana, que buscava uma América Latina livre e unificada. Com um discurso popular de combate à corrupção e à pobreza, Hugo Chávez está no governo há seis anos, e sobreviveu a várias crises. Em 2002, sofreu uma tentativa de golpe militar que fracassou, depois enfrentou duas greves gerais com saques e conflitos de rua entre opositores, partidários e polícias, que deixaram dezenas de mortos e centenas de feridos. A oposição, incluindo alas militares, setores empresariais, e a classe média e alta acusou Chávez de querer impor à Venezuela um regime autoritário à moda de Fidel Castro, mesma linha de pensamento do governo dos Estados Unidos, e conseguiu convocar um plebiscito com a idéia de abreviar o mandato do presidente. O povo foi às urnas, mas disse sim a Hugo Chávez. Fortalecido e apoiado por governos do continente, especialmente Argentina e Brasil, o presidente dá seqüência à sua anunciada revolução política – reformou o Congresso, mudou a Constituição, e com o dinheiro farto, obtido com a alta do preço do petróleo, começou a investir pesado em programas sociais, que só fizeram aumentar sua popularidade e, na opinião de muitos analistas, sua chance de reeleição no ano que vem.

Paulo Markun: Para entrevistar o presidente venezuelano, Hugo Chávez, nós convidamos Lourival Sant'Anna, repórter especial do jornal O Estado de S. Paulo; Bob Fernandes, jornalista e escritor; Eliane Cantanhêde, colunista do jornal Folha de S. Paulo; Ricardo Amaral, repórter da agência de notícias Reuters; Fernando Morais, escritor; Luiz Carlos Azedo, repórter do jornal Correio Brasiliense; e Vicente Adorno, editor de política da TV Cultura. [...] Boa noite, presidente!

Hugo Chávez: Boa noite, Paulo!

Paulo Markun: É um prazer ter o senhor aqui! Eu sei que como o senhor gosta de pelear - como se diz no castelhano - de combater, o bom combate da entrevista, eu começo com uma pergunta bastante objetiva, sobre a realidade atual da...

Hugo Chávez: Veja bem que eu não gosto de brigar!

Paulo Markun: Ah, não?

Hugo Chávez: Não! Eu gosto da paz! [Chávez sorri]

Paulo Markun: Ah, mas digo na discussão de idéias [Markun também sorri]. Pelo menos era o que nós tínhamos...

Hugo Chávez: Ah, o debate...

Paulo Markun: Sim!

Hugo Chávez: Maravilhoso o debate! [Chávez sorri]

Paulo Markun: Recentemente, o governo do senhor expropriou parte de uma empresa chamada Polar, grande empresa privada na Venezuela. E algumas interpretações indicam que isso é o início de um processo maciço de expropriações. A pergunta é: muda alguma coisa no que toca o conceito de propriedade privada na Venezuela nessa atitude?

Hugo Chávez: Veja, há uma Constituição na Venezuela. Não há propriedade privada que seja sagrada, como até João Paulo II [papa de 1978 até sua morte, em 2005] disse. Recentemente na Venezuela, um governo local, depois de seguir – estou certo disso – todo o processo constitucional legal, expropriou uma usina que foi abandonada em quase sua totalidade: os equipamentos foram levados para outros lugares, muitos trabalhadores ficaram desempregados, a região sofreu um impacto econômico negativo. A usina processava o milho, o que é importante para nós, pelo fato de comermos muito arepa, que é um bolinho de milho, consumido pela manhã. Há instituições do poder legislativo local, que declarou um bem de autoridade pública. Essa parte é muito pequena comparando-se com o grande império que é a empresa Polar. Logo o governador, seguindo a Constituição, decretou a expropriação. Nós reconhecemos que existe um dono. Está expropriado agora, mas os donos têm todos os recursos constitucionais para irem com seus advogados por via legal até que se tome uma decisão final. Mas, ainda quando ratificada a expropriação em outros níveis superiores constitucionais, o dono será reconhecido e receberá indenização pelo valor do bem para produzir e gerar empregos, trabalho e melhor qualidade de vida daquela região. Assim, muitos produtores de milho podem trabalhar ali.

Paulo Markun: Agora, recentemente também, a Fecomercio, que é um...

Hugo Chávez: Fedecamara!

Paulo Markun: Fedecamara, perdão, que é uma espécie de – para os brasileiros entenderem – de Confederação das Indústrias na Venezuela, criticou essa decisão e o embaixador norte-americano disse que essa decisão vai reduzir o investimento estrangeiro na Venezuela. O senhor não teme que isso possa acontecer?

Hugo Chávez: Não. Estou conversando com o presidente da Fedecamara. Lembremos que a Fedecamara deu um golpe na Venezuela, e lembremos que os Estados Unidos e o embaixador anterior deram um golpe na Venezuela. Assim mesmo eles têm o direito de se expressar livremente. O governo venezuelano garante, assim como o Estado, o cumprimento das leis e o respeito ao estado de direito. Na Venezuela, todos são livres para se expressar. Duvido que haja outro país com a liberdade de expressão que se tem na Venezuela. Mas isso não é uma ameaça para nada; pelo contrário! Hoje veio de Madri, chamado há dois dias, o presidente mundial da Repsol [empresa internacional de petróleo e gás], para – cheguei da embaixada da Venezuela, em Brasília – assinar um acordo de milhões de dólares. Assinei, com Lula, um investimento da Petrobrás para a Venezuela e logo depois com a Argentina.

Lourival Sant´Anna: Presidente, o senhor não é um entusiasta da iniciativa privada; não é? O senhor está, inclusive, citando investimentos estatais. Por que o contribuinte venezuelano, brasileiro, têm que bancar empresas petrolíferas, televisões? Não era melhor criar um ambiente macroeconômico favorável para o investimento privado, mesmo das empresas nacionais?

Hugo Chávez: Criou-se um ambiente favorável ao investimento privado. Sabe quanto tivemos de aumento do investimento privado? Mais de 200%! Dificilmente há um país neste continente que tenha hoje a nossa estabilidade macroeconômica. Reservas internacionais de 33 bilhões de dólares – um recorde histórico! O risco-país desceu 75% de fevereiro até hoje. Absoluto fortalecimento fiscal, monetária, cambial, investimentos. Há uma absoluta... se você fosse empresário, eu diria: “Invista na Venezuela!” [Chávez sorri]

Ricardo Amaral: Perdão por interromper, presidente, mas a inflação, nas indicações, parece que está a patamares até superiores ao de antes da eleição do senhor, da primeira eleição.

Hugo Chávez: A inflação da Venezuela, quando chegamos há sete anos, era de 100% em 1996. O país explodira economicamente, socialmente e politicamente.

Ricardo Amaral: Hoje - conferimos uns dados há pouco, ali no estúdio - estaria na casa dos 50%.

Paulo Markun: É, 49,5%.

Ricardo Amaral: 49,5%. É um índice não muito confortável, o senhor há de convir.

Hugo Chávez: Eu dizia que vinha caindo. No último ano do governo anterior, foi de 30%, e nós chegamos a 20% no primeiro ano, em 1999. No 2º ano, em 2000, para 15%. Em 2001, terminou cerca de 12%. Descemos substancialmente. Em 2002, vieram o golpe e a sabotagem petroleira, que arrebentaram a estrutura macroeconômica. A inflação disparou de novo, aos 30% em 2003. E em 2004 e 2005 há a recuperação. Este ano terminará perto dos 15%, que é a meta fixada. E nos próximos anos deve cair para 10%.

Bob Fernandes: Presidente, ainda nessa questão inicial do Paulo Markun, se eu não me engano, há eleições para a Assembléia em breve. E há quem tema um aprofundamento do que o senhor chama de processo revolucionário, inclusive em relação a questões como desapropriação ou não. Esse risco existe? O seu pensamento sobre essa questão do processo revolucionário inclui uma ampliação disso ou os investidores sabem que já há um limite estabelecido e até onde isso pode ir?

Hugo Chávez: Nós explicamos que a expropriação na Venezuela é o último recurso. Quando não há outra forma de agir. Porém, o que fazemos com os empresários... Há pouco tempo firmamos um acordo com 111 empresários de pequenas e médias empresas. Um compromisso de co-gestão com os trabalhadores. Estamos propondo ao empresário venezuelano que avance para outro modelo de relação com os trabalhadores, que acabem os modelos de exploração perversos do capitalismo.

Bob Fernandes: Isso irá entrar na Constituição? Isso também será lei ou é só um acordo?

Hugo Chávez: Não, é um acordo baseado nas leis. Baseado na Constituição e nas leis para impulsionar o desenvolvimento e a recuperação. Qual é o fundo disso tudo? Nós temos petróleo há um século, muito petróleo. Desde 1905 exploramos petróleo. Durante muitos anos fomos o primeiro exportador do mundo. Tiraram tanto petróleo da Venezuela que uma parte da costa de Maracaibo afundou. Abandonou-se o setor industrial e passou-se a uma economia monoprodutora. Empenhamo-nos para diversificar a economia e não podemos aceitar o abandono de empresas. Em 2002, muitos médios e grandes empresários juntaram-se à sabotagem econômica e ao golpe, e muitos se foram do país, fecharam as empresas, não pagaram os trabalhadores e os bancos. Assim, reordenamos a economia e o processo social. É uma democracia. Não se deve temer a Venezuela. Respeitamos totalmente o investimento e a propriedade privada. Isso sim se aplica na lei, há um Estado, há um governo.

Bob Fernandes: As reservas de petróleo são para 270 anos na Venezuela, sim? São 250 anos... acho que são as mais longevas reservas do mundo. É isso mesmo, presidente?

Hugo Chávez: Sim. Hoje temos a primeira reserva mundial como país. Temos 330 bilhões de barris de petróleo, já aprovado. Os Estados Unidos têm apenas 20 bilhões; a Venezuela, 330 bilhões. Temos a oitava reserva de gás do mundo, 150 trilhões de pés cúbicos. O que nos dá poder para dinamizar a economia interna e a integração sul-americana que estamos fazendo com o Brasil, Argentina, Uruguai...

Fernando Morais: Mas isso antes não era essa aplicação dos recursos advindos do petróleo... Até muito pouco tempo atrás não era investido em projetos sociais, em infra-estrutura, não é? Inclusive o senhor tem sido muito criticado pelos seus adversários por estar usando recursos advindos do petróleo para a Saúde, para a Educação, para obras de infra-estrutura. É uma coisa que não entra muito na cabeça dos brasileiros entender como é que a PDVSA, que é a Petrobrás venezuelana. Passou durante tanto tempo, com tanto petróleo, com tanto poder, sem que o Estado tivesse autoridade sobre a empresa. Era um mandarinato que se sucedia, como é que funcionava isso? A Constituição é que garantia essa autonomia da PDVSA?

Hugo Chávez: Não. Primeiro foram as transnacionais, as Sete Irmãs [cartel formado por sete companhias petrolíferas]. Chegaram na Venezuela na primeira década do século XX. Nesses 100 anos não há governo nacional que não tenha pensado em lidar soberanamente com a questão do petróleo e que não tenha sido derrubado. Inclusive eu. Por apenas dois dias, mas fui derrubado. A Venezuela foi uma colônia petrolífera dos Estados Unidos. Agora, chegamos para recuperar a soberania e estamos com um plano em andamento chamado plena soberania petroleira. Nos falta ainda um pedaço, mas como se explica um país que tirou tanto petróleo em um século e terminar o século XX com 60% de pobreza? Claro, o que ocorreu? Uma nacionalização...

Fernando Morais: Onde está esse dinheiro?

Hugo Chávez: Foi levado pela elite venezuelana e pelo imperialismo. As ruas de Washington e Nova Iorque estão asfaltadas com asfalto venezuelano.

Eliana Cantanhêde: Presidente, pegando uma carona na pergunta do Fernando Morais, aqui no Brasil se repete uma sensação que existe na Venezuela: que metade das pessoas acham que o senhor é o demônio e metade das pessoas acham que o senhor é santo. Metade das pessoas acha que o senhor vai enterrar a Venezuela, e metade acha que o senhor vai transformar a Venezuela num paraíso social, que vai ser parâmetro para o resto do mundo. Afinal das contas, o senhor é demônio ou é santo? [Risos] E em quê o senhor é demônio e em quê o senhor é santo?

Hugo Chávez: Nem demônio, nem santo. Acho que temos todos um pouco de cada coisa, não? [Chávez ri] Eu sou apenas um homem, um soldado, patriota, um revolucionário, e estou ao lado de muitos venezuelanos impulsionando um projeto. Deixe-me dizer que não é tão certo que metade creia que sou demônio e a outra que eu sou um santo. Não, não é isso. Os índices de apoio ao nosso governo cresceram muito nos últimos anos. Pesquisas de poucos meses atrás – não são do governo, são internacionais, inclusive – nos dão 70% de apoio. E os que saíram para protestar contra nós são grupos muito pequenos, que saem agora porque a classe média percebeu a loucura que houve no país. Tentaram destruir o país para derrubar um presidente. Porém, nem demônio, nem santo; um homem.

Luiz Carlos Azedo: Presidente, o senhor tem falado que governa com os pobres, para os pobres e pelos pobres. E tem feito uma administração que se destaca, na América Latina, de outros governos de esquerda - porque os governos de esquerda hoje são a maioria na América Latina. Só que eles estão fazendo a velha política que herdaram dos governos anteriores, mais conservadores ou mais moderados. O senhor não. O senhor está fazendo uma política que destoa da política que é feita no Brasil, na Argentina, no Chile. E, de certa maneira, se aproxima, no plano das relações latino-americanas, muito mais das posições cubanas e do Fidel Castro [ver entrevista com Fidel no Roda Viva] do que, por exemplo, das posições do presidente da Argentina ou do governo argentino. Para onde o senhor quer levar a Venezuela e, atrás da Venezuela, a América Latina


Hugo Chávez: Este é o projeto nacional venezuelano [Chávez torna a retirar do bolso interno do paletó a Constituição] e foi a única Constituição em toda a história venezuelana – creio que em toda a história latino-americana - que foi primeiro elaborada por uma Constituinte e submetida à aprovação por referendo, com campanha livre. Uns disseram sim, outros não, e a maioria ganhou. Sim, e a Constituição foi aprovada. Eu jurei sobre essa Constituição. [Chávez envolve a Constituição com as duas mãos, em sinal de oração] Nasceu aqui a Venezuela.

Luiz Carlos Azedo: Mas o senhor tem clareza que se posiciona para, de certa maneira, herdar a liderança de Fidel Castro na América Latina, junto a essas organizações de esquerda latino-americana, que pensam numa América Latina independente, fora da órbita de influência dos Estados Unidos. O discurso do senhor é nessa direção. Agora, do ponto de vista do projeto nacional, o que seria a base física, material, para essa ambição “bolivariana” [o entrevistador desenha o sinal de aspas no ar, com as mãos], de uma América Latina fora da órbita de influência dos Estados Unidos?

Hugo Chávez: Exatamente. Você disse bolivariana, adiantou parte da minha resposta. É bolivariana a missão que temos. É Sanmartiniana [referência a San Martín]. Quer dizer, tem o sangue daqueles homens – e de muitas mulheres também – que lutaram por um continente de liberdade e igualdade. Sucre, O'Higgins, Abreu e Lima, o pernambucano [líderes de movimentos separatistas da América espanhola]. É um projeto que tem 200 anos. Retomamos a idéia dele. Não é um projeto que tiramos do nada. Convido toda a América Latina para que retomemos o projeto. Esse é o caminho da liberdade e da salvação de nossos povos. Outro caminho é o do Consenso de Washington, é o caminho do inferno, está mais do que demonstrado, inclusive matematicamente. Agora, o projeto nacional da Venezuela é democrático. Eu venci as eleições e logo foi aprovada a Constituição, fomos à legitimação, venci outras eleições, e a única Constituição que tem um referendo presidencial no mundo [Chávez abre discretamente o paletó do lado em que a Constituição está guardada] é a venezuelana. Foi um referendo vencido por 60%. Existem eleições para a Assembléia Nacional. É uma democracia vigorosa, agora redistribuindo a renda nacional.

Luiz Carlos Azedo: O senhor transformou a Venezuela no principal parceiro do Brasil na América Latina, em conseqüência das relações do Brasil com a Argentina, com o Mercosul. Isso foi uma coisa combinada com o Lula ou foi acontecendo?

Hugo Chávez: Não, trata-se de uma nova era. Os povos da América Latina apontam para outra direção. A direita está fadada ao fracasso mais rotundo na América Latina. Surgem de novo as esquerdas e os movimentos do povo, surgem projetos transformadores, revolucionários. Você vai ver que, à medida que os anos passam, essa corrente para a esquerda vai tomar força no continente. Porque os povos se dão conta de que esse é o caminho. Nós, os líderes individuais, somos apenas conjunturais. Somos conseqüência, não causa.

Paulo Markun: Temos uma pergunta do economista Gilberto Dupas, coordenador do Grupo de Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo e presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internações.

[Exibição da gravação com Gilberto Dupas]

Gilberto Dupas: Senhor presidente, após o fracasso das políticas neoliberais dos anos 90, apelidadas de Consenso de Washington, e a ascensão de W. Bush [George W. Bush, atual presidente dos EUA, eleito em 2000 e reeleito em 2004] baixaram suas expectativas em relação à América Latina, e os americanos parecem não ter maiores propostas a fazer na área econômica. Suas preocupações, agora, concentram-se em democracia - traduza-se: medos de regimes que eles chamam “tipo Hugo Chávez” - e segurança, quer dizer, combate ao tráfico de drogas. Mas, no caso da Venezuela, há o petróleo. Isto torna obviamente muito importante, tanto para os Estados Unidos como para o seu país, manterem entre si canais abertos, afinal são 70 bilhões de barris de reservas de petróleo em território venezuelano e 50% das exportações venezuelanas aos Estados Unidos são petróleo. Senhor presidente, como se faz para governar tendo que lidar com o permanente conflito entre grandes interesses comerciais e fortes hostilidades políticas com os Estados Unidos, especialmente quando este país é a maior potência do planeta e detém sozinho 32% do PIB mundial e mais de 50% do poder militar?

Hugo Chávez: Meus cumprimentos, amigo, e obrigado pela pergunta. Os Estados Unidos, acredito – o governo, a elite, não o povo, que é outra coisa – entrou em uma fase de desespero. Desespero pelas crises internas que ocorrem, crises econômicas que crescem e são modelos imperialistas e eles se debilitam. Deveriam ser chamados de tigres de papel. O imperialismo vai se transformar em tigre de papel. Acho que essa é a razão do desespero dos Estados Unidos e da agressão contra a Venezuela, porque eles não têm razão. Olha só um tema, a Alca [Área de Livre Comércio das Américas], tentaram impor, colocaram pressão, em 1º de janeiro de 2005 teríamos que amanhecer com a Alca. A Alca morreu e agora surgem novos mecanismos de integração, uma nova consciência. Como fazer para governar? Simplesmente e fundamentalmente com o apoio do povo. Se algo nos dá força no governo, é o apoio popular, o apoio forte de um povo, o apoio dos militares venezuelanos, o apoio das grandes maiorias venezuelanas, para debater com o Império e enfrentar as agressões, vencer golpes de Estado e sabotagens econômicas. Além disso, temos que saber manter os canais de comunicação abertos, nunca abandoná-los. Temos muitas relações comerciais e investimentos dos Estados Unidos na Venezuela, e acho que somos os primeiros investidores latino-americanos nos Estados Unidos. Oito refinarias, 14 mil postos de combustível, centenas de sistemas de distribuição de combustível que servem ao povo dos Estados Unidos.

Paulo Markun: E nós retomamos o programa com a pergunta de Roberto Dias, diretor da construtora Norberto Odebrecht.

[Exibição da gravação com Roberto Dias]

Roberto Dias: Presidente Hugo Chávez, boa noite. Em 2006, o senhor deverá inaugurar um complexo rodoferroviário e a ponte sobre o rio Orenoco, que é a obra mais emblemática em termos de integração sul-americana. Este projeto, adicionado aos estudos que estão sendo desenvolvidos para a construção da infra-estrutura energética através de um gasoduto ligando Argentina, Brasil e Venezuela, não virão a significar aquela auto-estima que nós tanto precisamos para começarmos o caminho da independência sul-americana?

Hugo Chávez: Obrigado, Roberto. Essa ponte a que você se refere – eu lembro que fomos com o presidente FHC [Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil por dois mandatos consecutivos, de 1995 a 2002] – e lançamos a primeira pedra há três anos. Devemos estar inaugurando no próximo ano. É uma das grandes obras. Veja, Paulo, e todos vocês: isso é outra coisa de que pouco se fala da Venezuela na mídia internacional. Há pouco me dizia um empresário investidor que foi a Caracas: “Presidente, o senhor tem que falar a todos do conjunto de obras que vocês estão fazendo”, que, segundo ele, não viu em nenhum país da América Latina. Pelo menos não na América Latina. Estamos fazendo a ponte que é de mais de 4 km, com via férrea incluída É uma maravilhosa obra de engenharia sobre o grande rio Orenoco, a segunda ponte sobre o rio Orenoco. Agora vamos construir a terceira ponte sobre o rio. Estamos construindo vários sistemas de metros, ampliando o de Caracas, Valência, construindo o de Los Teques, o de Maracaibo, vias férreas de milhares de quilômetros. E represas hidrelétricas. Estamos terminando Carvache e começando Tocoma, outra represa. Sistemas de irrigação gigantescos no ocidente, hidrelétricas, investimentos em gás, fenomenais! Eu dizia a Lula: “Temos que começar a construção de 12 petroleiros para os próximos anos”. A Venezuela anunciou um investimento para os próximos dez anos; só da PDVSA [Petróleos de Venezuela S.A., empresa petrolífera do Estado venezuelano], de 75 bilhões de dólares. É um investimento pesado. E estão chegando muitos investidores ao país.

Vicente Adorno: Presidente, fala-se muito em integração da América Latina, e o senhor é uma das pessoas que tem, digamos assim, feito mais propaganda – digamos até que o senhor se tornou quase um garoto propaganda – dessa integração da América Latina. E, aqui no Brasil, talvez o senhor seja a pessoa que mais personifique esse ideal. Mas, como existe uma - digamos - desconfiança entre Brasil e Argentina, que vai desde o jogo de futebol até a política, a gente tem a impressão que sempre que alguém faz um esforço nesse sentido, a Argentina meio que faz aquele gestinho de “a namorada que foi rejeitada” e não aparece. E, às vezes, até o presidente da Argentina, Néstor Kirchner [presidente da Argentina, mandato de 2003-2007], vem quase encostado no paredão e depois sai da festa antes de terminar ou antes de se chegar a uma conclusão objetiva, como o senhor queria e tentou fazer na última reunião da Cúpula Latino-Americana. Como vai se dar essa integração se, por exemplo, a Argentina continuar fazendo esse papel assim, um pouco estranho?

Hugo Chávez: Olhe, Vicente, com todo respeito, eu não me juntaria à crítica ao presidente argentino. Eu veria do ponto de vista positivo. Tenho sete anos como presidente. Muitas vezes eu me sentia como uma voz fora de tom. Sim, como o diabo [Chávez se vira para um dos entrevistadores, não mostrado no vídeo; ouvem-se risos] no jogo! A Argentina tem que entender, vocês brasileiros compreendem. Eu lendo uma frase de Duhalde [Eduardo Duhalde, vice-presidente da Argentina no primeiro mandato de Carlos Menem, 1989-1995, e presidente entre 2002 e 2003], um bom amigo... Eu estava lá. A Argentina foi afundada, o menemismo [referência à política de Carlos Menem, presidente da Argentina em dois mandatos, de 1989 a 1999] acabou com esse grande país. Agora, uma rebelião popular: saiu o de la Rua [Fernando de la Rua, sucessor de Carlos Menem, presidiu a Argentina entre 1999 e 2001], o Duhalde, e agora o Néstor Kirchner. Eu tenho o melhor dos afetos por ele, é um homem firme e trabalho muito bem com ele, como trabalho com Lula. Na América do Sul, estão fazendo um eixo, que não é do mal. Essa palavra foi satanizada, mas é um eixo geográfico. Caracas, Brasília e Buenos Aires são um eixo. E acho que é o eixo do futuro para a América do Sul e temos que apostar numa integração e compreender essas coisas pessoais. Hoje marcamos uma reunião, a três. Possivelmente será em Caracas, com Kirchner, Lula e eu.

Eliane Cantanhêde: Presidente, todo esse processo de que o senhor falou, da América Latina, tem muita gente que chama de esquerdização, porque tem o Fidel, o senhor, o Lula, o Tabaré Vázquez [presidente do Uruguai, mandato 2005-2010] agora, e tem até o próprio Kirchner. Isso é um processo de esquerdização? E o quê significa esse processo de esquerdização, por exemplo, em relação aos Estados Unidos?

Hugo Chávez: Se vemos do ponto de vista da ideologia política, é um processo de esquerdização, com certeza. Mas no fundo, creio que haja outras razões. Cai a União Soviética, impõe-nos o Consenso de Washington e o fim da história e a era da tecnotrônica. Mas, em apenas poucos meses, começou a rebelião popular, o Caracaço, em 1989, até a rebelião nas ruas na Argentina, em 2001. Existem rebeliões no México, na América Central... Quer dizer, o povo da América Latina, como há 200 anos, rebela-se agora contra a conservação da mesma ordem. É o ressurgir de correntes populares que vão tomando a via da esquerda, porque entre a esquerda e a direita a única via de transformação é a esquerda, a direita é a conservação.

Eliane Cantanhêde: Mas o que é esquerda para o senhor? Hoje, o que significa esquerda e um processo de esquerdização?

Hugo Chávez: A esquerda, podemos trazê-la desde a Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, democracia verdadeira. A direita é a tirania das elites, disfarçada, muitas vezes, de democracia. A direita justifica a desigualdade. Ela diz que a pobreza é inevitável, que é natural e que temos que dar pão aos mendigos para que comam. Nós, revolucionários de esquerda, dizemos não. É a igualdade de esquerda...

Eliane Cantanhêde: No Brasil, o governo é de esquerda? O governo do presidente Lula?

Hugo Chávez: [Pausa] Sim, eu não tenho dúvida.

[Entrevistadores falam juntos]

Hugo Chávez: Deve existir a esquerda moderada, centro-esquerda, a esquerda mais à esquerda. Mas estamos em um rumo estratégico de esquerda. Acredito que o caminho é esse.

Lourival Sant'Anna: Mas o regime cubano que o senhor apóia significa liberdade e democracia, na sua opinião?

[Pausa]

Hugo Chávez: Acredito que Cuba fez um regime revolucionário. Cuba tem de ser entendida em seu contexto. Cuba levou uma revolução depois de uma ditadura, e depois veio o bloqueio. Logo aconteceu a invasão da Baía dos Porcos. E não cessou a pressão do império mais poderoso da história. Nesse contexto é que deve ser vista Cuba. Eu vou a Cuba, é um povo culto, livre. Quem diz que em Cuba existe ditadura está por fora da verdade.

[Entrevistadores falam juntos]

Lourival Sant'Anna: Eu não sei se o senhor viu a Cuba do povo realmente [Sant´Anna e Chávez mantêm um sorriso durante a pergunta]. Talvez o senhor tenha passeado com o presidente Fidel por lá, mas há muita miséria e muita perseguição política. Lá não se pode falar contra o governo, lá não há mudança, alternância política há quase 5 décadas. Isso não é democracia, presidente.

Hugo Chávez: Há pouco estive no Bronx [um dos cinco condados que constituem a cidade de Nova Iorque], e como há pobreza no Bronx! Como há pobreza nos Estados Unidos!

Lourival Sant´Anna: Mas a cada quatro anos eles escolhem...

Hugo Chávez: Como há miséria nos Estados Unidos! Você viu o Katrina [furacão ocorrido em agosto de 2005, na região litorânea do sul dos Estado Unidos]? Deixaram os pobres se afogar. Em Cuba, evacuam até as galinhas quando há furacão. Nos Estados Unidos, eles deixam que os pobres se afoguem.

Lourival Sant'Anna: Mas a cada quatro anos o pobre vai lá e diz o que pensa sobre o governo. Em Cuba, não. [Sant´Anna sorri]

Hugo Chávez: [Pausa] A maioria não vota, sabe? Nos Estado Unidos, vota só uma elite. Faça uma pesquisa no Bronx para ver quantos votam! Não viu a fraude feita aos negros quando Bush ganhou por fraude as primeiras eleições? A segunda parece que ele ganhou limpamente. É uma minoria que vota. É mentira o que está dizendo. Eu convido você para abrir os olhos.

Vicente Adorno: O senhor se disse revolucionário. O senhor é um revolucionário como Fidel Castro? O senhor disse também que “Fidel Castro é comunista, eu não sou”. [Adorno sorri]

Hugo Chávez: Ele é, eu não sou comunista. [Chávez sorri]

Vicente Adorno: Então o que o senhor é?

Hugo Chávez: Somos revolucionários! Sim?

Vicente Adorno: Que tipo de revolucionários?

Hugo Chávez: Eu sou um revolucionário no sentido que expressou... Esse foi um grande revolucionário, eu sou apenas um revolucionário... o Che Guevara. O revolucionário é o escalão mais alto da espécie humana. Cristo é um dos maiores revolucionários da história: “Você tem que morrer pelos demais! Sim, aceito.” [Chávez abre os braços e pisca com um dos olhos, fazendo um sinal afirmativo com a cabeça]

Bob Fernandes: Presidente, há um espectro que acompanha o senhor quando se fala de revolucionário de esquerda, etc., porque isso lembra as guerrilhas dos anos 60. Parece-me que os instrumentos de que se dispõe hoje, que o senhor está atuando, tentando fazer acordos energéticos, Petrosul, Telesul, todos... Na verdade, é uma transposição de fronteiras sem a necessidade de outro... Esse é o projeto? É tentar fazer sem que se perceba o chamado bolivarianismo? É esse o projeto final?

Hugo Chávez: São duas visões do que chamam agora de integração. Se você ler discursos de nossos libertadores, eles falavam da união. Bolívar falava da união perpétua. Nosso projeto...

Bob Fernandes: Pacífico e Atlântico.

Hugo Chávez: Sim, sim, nós falamos da união. Por isso eu prefiro falar da união de nações sul-americanas. Nós preferimos na Venezuela. Agora, nós não nos conformamos com a crítica. A proposta de integração neoliberal fracassou, e por aí não chegaremos nem mesmo à esquina. Nós estamos propondo um novo modelo de integração que chamamos de ALBA - Alternativa Bolivariana para a América. A Petrosul é uma das linhas estratégicas de integração. E está avançando. A Telesul é outra linha de integração da cultura, das comunicações. O Banco do Sul, um tremendo projeto. Hoje, o Lula gostou muito, e pediu a criação de uma comissão técnica para fazer um Banco do Sul. Eu falei para tomarmos uma decisão. A Venezuela está disposta a trazer já, se decidirmos, cinco bilhões de dólares da reserva internacional a um banco que pode ficar aqui em Brasília, para nós.

Ricardo Amaral: Presidente, o senhor mencionou essa disposição de investimento de cinco bilhões de dólares. A Venezuela está fazendo investimentos no Brasil, na Argentina, em muitos países. Agora, a par desses investimentos de integração, há quem no seu país o critique por investir fora recursos que alguns supõem que poderia investir melhor dentro. Esta é uma crítica interna. Eu gostaria de saber se, ao lado disso, nós vemos crescer, em toda a América Latina, e fora, em outros países, os chamados círculos bolivarianos. Eu vejo relações muito íntimas do governo da Venezuela, do seu partido político, seu movimento, com movimentos sociais de outros países, com o MST, especificamente aqui no Brasil, o Movimento dos Sem Terra. Vocês têm acordos aí inclusive de cooperação técnica com o MST. Eu lhe pergunto: o senhor está exportando integração, promovendo integração, quer exportar petróleo, ou está exportando um modelo político?

Bob Fernandes: Ou o conjunto da obra?

Ricardo Amaral: O senhor quer exportar um modelo político e dentro dessa exportação do modelo político existe uma competição? O senhor compete pela liderança da esquerda com o modelo petista, com o Modelo Tabaré?

Hugo Chávez: Veja bem que, quanto a investimento, devo dizer que o primeiro grande investimento que fazemos é internamente, na Venezuela. E é no social, antes de tudo. Em infra-estrutura, saúde, educação, obras...

Ricardo Amaral: Mas o senhor reconhece que há setores que o criticam?

[Pausa de Chávez]

Ricardo Amaral: Há setores que fazem essa crítica!

[Entrevistadores falam simultaneamente]

Hugo Chávez: Eu mesmo me critico. [Chávez ri] Uma das características de um revolucionário é a autocrítica. A crítica não me afeta, me alimenta. Agora, quanto às relações dos movimentos sociais, são fundamentais.

Ricardo Amaral: De outros países, inclusive?

Hugo Chávez: Claro, nós colocamos que a integração tem de começar desde a base, desde as raízes dos povos. A integração não pode ser entre governos, entre empresários. Então devem ser unificados os movimentos camponeses deste continente, os movimentos de trabalhadores, os movimentos estudantis, das mulheres que lutam por sua libertação... devem ser unificados na base neste continente.

Ricardo Amaral: É uma exportação de um modelo esse?

Hugo Chávez: Como?

Ricardo Amaral: O senhor está exportando um modelo? O que se dizia nos anos 60...

Hugo Chávez: Não, não!

Ricardo Amaral: Dizia-se que os cubanos exportavam a revolução!

Hugo Chávez: Não, não!

Ricardo Amaral: O senhor está exportando o bolivarianismo?

Hugo Chávez: Veja, é uma resposta à globalização. Os que exportaram um modelo, inclusive de balas, canhões, invasões, são os Estados Unidos. Eles exportaram na linha da invasão: Panamá, Brasil... Aqui derrubaram João Goulart [presidente do Brasil entre 1961 e 1964].

Eliane Cantanhêde: Paraguai!

Hugo Chávez: Allende [Salvador Allende, presidente do Chile entre 1970 e 1973]!

Eliane Cantanhêde: Paraguai, presidente...

Hugo Chávez: Eles exportaram o seu modelo e trataram de implantá-lo com violência. Nós estamos chamando para a integração livre e democrática.

Paulo Markun: Mas o senhor não acha que isso é justamente o que faz com que o senhor seja uma pedra no sapato do presidente Bush? Não é isso que faz com que haja tanta oposição ao senhor, inclusive na Venezuela, no que toca às elites venezuelanas, aos meios de comunicação, etc.? O senhor não acha que essa oposição é natural? Se alguém se dispunha a reunir os movimentos oficiais da América Latina como um todo, para lutar contra a globalização, quem é a favor da globalização, é contra o senhor.

Hugo Chávez: [Pausa] Sim, não acho estranho! [Risos] Não acho estranho, não acho estranho! O golpe de Estado na Venezuela não me pareceu estranho. A reação violenta da oligarquia venezuelana que se apossou do país desde que derrubaram Simón Bolívar... Você sabia, Paulo, que Simón Bolívar, após ajudar a libertar o Peru e fundar a Bolívia, chegou à Venezuela e foi expulso? A oligarquia venezuelana traiu o povo. Desde então o povo busca o seu próprio destino. E eu cheguei a presidente. Veja, no dia em que me fizeram prisioneiro, iam me fuzilar. E estava um bispo golpista ali ao lado, que me perguntou: “Como se sente, Chávez? “Eu me sinto bem, monsenhor. Muito preocupado... houve mortos, muita violência. Foi um golpe lançado pelos Estados Unidos e a oligarquia venezuelana”. Eu digo: “Mas se tenho que morrer, morro tranqüilo porque estou aqui preso por ter sido fiel ao meu povo. Se eu tivesse me entregado à oligarquia eles estariam me aplaudindo. Que os cães ladrem! Significa que progredimos.

Eliane Cantanhêde: Presidente, aqui no Brasil, o Lula está sendo aplaudido pelas elites e pelas oligarquias. Nesse sentido, o seu projeto é bastante diferente do Lula, não é?

Hugo Chávez: Eu não posso vir aqui me pronunciar sobre a questão dos brasileiros...

Eliane Cantanhêde: Mas o senhor sabe, o senhor conhece...

Hugo Chávez: [Chávez sorri] Seria uma falta de respeito ao Brasil!

Eliane Cantanhêde: O senhor não quis responder? [Cantanhêde sorri]

Hugo Chávez: Como?

Eliane Cantanhêde: O senhor não quis responder?

Hugo Chávez: Não é que eu não queira responder, é que eu não posso responder.

[Todos falam juntos]

Hugo Chávez: Esse tipo de pergunta que você faz a um presidente é impossível que ele, a não ser que seja desrespeitoso para com o seu colega e o país que visita, responderia. Eu não posso responder essa pergunta. Mas acredito no Lula, sabe? É um grande homem, um grande companheiro. E creio no povo do Brasil.

Fernando Morais: Eu queria fazer uma pergunta a respeito de um presidente que está longe, a gente pode falar mal dele.

[...] Ou falar bem dele!

[Risos]

Fernando Morais: Há uma preocupação generalizada. Não é com o presidente, mas há uma preocupação generalizada na América Latina – o nosso chanceler, inclusive, Celso Amorim [ministro das Relações Exteriores desde 2003], manifestou isso há poucos dias – que é uma paulatina aproximação do Paraguai com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Os americanos colocaram 400 marines [fuzileiros navais norte-americanos] em Assunción. Não deixa de ser curioso que isso aconteça a poucos quilômetros de distância da tríplice fronteira, que os Estados Unidos acusam de ser um santuário palestino. Um santuário de militantes palestinos e a poucos quilômetros do chamado aqüífero Guarani, que é a maior concentração de água doce de todo o continente e é disputada – ou vai ser disputada – em muito tempo, por todos os países. Como é que o senhor, que defende uma integração independente e contra-hegemônica, vê essa aproximação do Paraguai com os Estados Unidos?

Hugo Chávez: Faz parte da arremetida imperialista, sem dúvida. Os Estados Unidos, no tabuleiro geopolítico da América Latina, estão atacando duramente, pressionando duramente, exigindo duramente, jogando duramente. E isso está aí, como você disse. É um signo. Pela Guiana também está aumentando, e pelo nosso flanco direito. Na Colômbia, em que há o Plano Patriota [operação militar dos governos colombiano e norte-americano contra as Farc], agora aumentaram o orçamento da ajuda militar. Quer dizer, os Estados Unidos estão movendo peças. A base de Manta, no Equador, como pressionou Lucio Gutierrez – que terminou de joelhos – agora anda dizendo que eu o derrubei. Ele mesmo se derrubou. Eu só disse ao Lucio, em Cuzco, naquela pedra eterna onde Bolívar disse “É aqui a Roma da América” : “Lucio, Lucio, Lucio. Olha como você chegou à presidência! Quem o trouxe à presidência? Não dê as costas”. Olha como ele terminou! Estão dizendo que eu o derrubei. Então nós, por isso, na Venezuela... acendo uma vela para Deus, outra para o diabo. Não queremos guerra, mas nos preparamos para resistir ao que os gringos chamam de guerra de 4ª geração, que é a ofensiva midiática, a satanização de um país, de um líder ou de um povo, para logo justificar qualquer tipo de coisa, inclusive o magnicídio. Pat Roberston [polêmico apresentador de TV norte-americano] acaba de sugerir que me assassinem. Ele deveria ser preso. Isso é terrorismo pelas leis internacionais. Todo presidente é uma pessoa internacionalmente protegida. Conclamar ao magnicídio, só sugerir a agressão é terrorismo. Ele deveria estar preso. Agora Bush deu a ele preferência nos contratos de reconstrução de Nova Orleans. Na Venezuela, estamos preparando as forças armadas, fortalecendo nossas forças armadas e acudindo ao conceito de guerra simétrica. Estamos convocando a reserva militar, em milhão de pessoas são treinadas para defesa, e há uma semana aprovamos a lei nova de forças armadas, criando a terceira figura, que é a guarda territorial. O povo está se preparando para a defesa, palmo a palmo do nosso território.

[Todos falam juntos]

Fernando Morais: Os 100 mil AK [fuzis russos] que você comprou...

Hugo Chávez: Vão chegar da Rússia! 100 mil fuzis muito modernos. E estamos aparelhando nossas armas...

Eliane Cantanhêde: E as suas relações com as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia], presidente?

Hugo Chávez: Eu termino com isso, já responderei! Se os Estados Unidos decidissem invadir a Venezuela, começaria aí uma guerra dos 100 anos. Mas a Venezuela nunca seria uma colônia dos Estados Unidos. Foi Evita Perón [esposa do militar Juan Domingos Perón, presidente da Argentina nos períodos de 1946 a 1955 e 1973 a 1974] que disse isso, não? Como disse Evita Perón?... “Ou a pátria é livre ou a bandeira tremulará sobre suas ruínas”.

Paulo Markun: Presidente, a pergunta agora é da cantora Beth Carvalho.

[Exibição da gravação com Beth Carvalho]

Beth Carvalho: Bom, em primeiro lugar, eu quero dizer que é um prazer muito grande lhe fazer uma pergunta, presidente Chávez, pois lhe admiro muito. Presidente, o senhor tem denunciado constantemente o colonialismo informativo cultural e tem proposto ações concretas para que a integração soberana dos povos do sul do continente não deixem de lado a sua integração comunicacional. E é por isso que surgiu a Telesul. Outra ação importante foi a que o governo Lula fez recentemente, que é o ensino obrigatório do espanhol nas escolas de nível médio no Brasil. A pergunta é: como que o senhor crê que a Telesul pode atuar para apagar essa imensa dívida informativo-cultural que se avolumou contra os povos explorados, para que nós possamos finalmente conhecer a nossa música, o nosso cinema, as nossas histórias, as nossas lendas infantis, a nossa dança, a nossa culinária, para que a informação e a cultura sejam instrumentos realmente de libertação?

Hugo Chávez: [Chávez manda um beijo em direção à câmera]. Beth, te adoro. Lembra aquela viagem pela Mangueira? É uma lembrança... e milhões de beijos! Veja, a integração cultural, a Telesul é um esforço, um esforço modesto. A Telesul está no ar já há alguns meses, através da informação, do cinema, do teatro, através da notícia mais profunda, contextualizada, faz um esforço. Faz documentários. Acho que está começando a fazer algum efeito, e por isso tem alguns setores nos atacando. Mas não basta a Telesul, você sabe, Beth. Na Venezuela, nós estamos trabalhando com a Missão Cultura. São grupos de jovens, um exército de jovens, que vão pelos bairros da Venezuela resgatando a memória histórica de cada bairro, de cada aldeia e registrando-a. Existem pessoas que vivem aqui no território e não sabem porque se chama El Manguito. Não sabem de onde vêm. Nossas aldeias estão sem memória. Temos que recuperar a memória. Isso é fundamental para voltarmos a ser nós mesmos. E para essa integração, por meio da cultura, a Telesul ajuda muito. Outro âmbito que deve ajudar em cada país, e deve ser também fonte de integração, são as emissoras comunitárias. Rádio, TV, imprensa, vocês falando com todos os meios de comunicação. Esta emissora. Vocês jornalistas têm muito o que fazer. Eu chamo todos à reflexão, para que coloquemos um grão de areia na recuperação da memória histórica, e para dar um impulso na integração cultural.

Paulo Markun: Mas há sempre um risco, presidente, e eu digo isso com o orgulho de trabalhar na TV Cultura, que é uma TV pública, efetivamente. Há sempre um risco de se confundir o que é público com o que é estatal. O público, em alguns casos - isso acontece - é aquilo que permite a absoluta liberdade, e o estatal é aquilo que se determina, o que um determinado governo, um determinado governante, uma corrente política, acham que é melhor para o seu povo. Não há esse risco nessa proposta de ser uma coisa estatal e não pública?

Hugo Chávez: Não, não! Não existe. E se você, em primeiro lugar, se coloca para avaliar quem está à frente do projeto pode tirar conclusões, não há dirigentes políticos de nenhum partido. Um jornalista uruguaio, bem crítico, criativo, Aram Aharonian, está à frente, como gerente geral deste projeto. E estou certo que jamais se colocarão a serviço de governo algum.

Bob Fernandes: Presidente, a gente ia conversar a noite inteira aqui, porque esta é uma questão que o senhor viveu, um episódio extraordinário, que é voltar de um golpe de Estado 48 horas depois. O que é que o senhor se recorda – objetivamente, não do ponto de vista retórico – daquelas noites, daquelas duas noites? O que aconteceu, o quê que se passou, como é que as televisões, como é que a mídia se portaram factualmente? O senhor se lembra do quê? González González [Néstor González González, general golpista], como é que foram as coisas?

Hugo Chávez: Golpe militar e golpe midiático. O que me lembro disso? Na tarde de 11 de abril, tarde terrível. A televisão. E eu, no Palácio do Governo, tentando conter aquela loucura. Os canais de televisão convocando aquela marcha – que era uma grande passeata – desviando-a para o Palácio Miraflores, onde havia 20 mil pessoas. Eu disse: “Ficaram loucos. Vai ser um choque sangrento”. Os canais incentivando aquilo. Começamos a ligar para os donos dos canais privados. Chamei o vice-presidente, que vocês sabem que é jornalista, que trabalhou na televisão muitos anos, José Vicente Rangel, e eu disse a ele: “Ligue para eles e peça que nos ajudem a parar com esta loucura”. Mas, ao contrário, estavam incentivando isso. Depois convoquei rede nacional para dirigir-me ao país e pedir calma. Sabotaram-me, cortaram o sinal. Ordenei, cumprindo a Constituição, que fossem tirados do ar. Porque estavam fazendo terrorismo midiático. Já tinham todo um plano apoiado pelos Estados Unidos, inclusive por satélite, nós os tiramos do ar e eles já tinham uma conexão por satélite e assim continuaram no ar. Depois, eu convoquei a rede para falar ao país. Nenhum jornalista dos meios privados apareceu. Eles estavam proibidos de transmitir a fala do presidente da República. Logo cortaram o canal do Estado e a rádio.

Bob Fernandes: E, no sábado, 13, quando o senhor volta do golpe, quem transmitiu?

Hugo Chávez: [Pausa] Os canais de televisão privados apareceram nos quartéis. Não queriam por no ar nem o presidente, nem funcionário algum do Estado. Mas apareceram nos quartéis, inclusive com flyaways [estações móveis de transmissão] e toda a tecnologia para garantir a saída dos generais golpistas, chamando a cada meia hora a população ao golpe, à desobediência, à renúncia do presidente. E logo quando eu já estava preso... Ah, outra grande mentira: na manhã em que eu estava preso, quando vejo à televisão, um jovem oficial me trouxe um televisor, eu disse: “Olha, filho, me traga um televisor, porque do que está acontecendo agora depende a paz do nosso país. Isso pode terminar numa guerra civil”. O jovem capitão me trouxe um televisor e eu vejo. Estão os canais de televisão privados dizendo: “Bom dia, Venezuela, renunciou o presidente”. Eu me neguei mil e uma vezes a assinar a renúncia. Podem me matar, mas eu não assino a renúncia. Isso é um golpe de Estado. E eles disseram ao mundo que eu tinha renunciado. Mas como eles podem ter feito isso? E quando a população saiu às ruas aos milhões e os militares, começando pelo atual embaixador da Venezuela aqui no Brasil, o general de divisão Garcia Montoya, que se nomeou o chefe do Comando da Recuperação da Dignidade Nacional, se negaram a disparar contra o povo, se juntaram a ele e os canais começaram a passar Tom e Jerry.

[Risos]

Lourival Sant'Anna: Tudo isso é verdade. Mas é verdade também que os seus apoiadores atacaram a imprensa naqueles dias, atacaram as redações dos jornais, assediaram os jornalistas, quebraram vidraças dos canais de televisão. Ser jornalista naqueles dias em Caracas, lá na rua, pressupunha explicar para a massa ali que você não era venezuelano, que sendo estrangeiro você tinha um certo salvo conduto. E tudo isso o senhor não acha que é resultado dessa polarização que existe hoje na Venezuela? O senhor não inventou a divisão social da Venezuela, mas o senhor agudizou uma polarização, com essa retórica inclusive contra a elite, essa divisão que o senhor faz: a elite de um lado, o povo de outro. No mundo real, existem realmente os bons, que são o povo, e os maus, que são a elite? Será que é papel de um presidente polarizar um país?

Hugo Chávez: Acredito que você e eu tenhamos diferenças radicais na forma de ver o mundo, Lourival [Chávez sorri de forma desafiadora]. Eu gostaria muito de conversar com você, sabe? Mas acho que você está totalmente equivocado sobre a visão do mundo e é uma pena que um jovem como você veja o mundo dessa forma, como estou entendendo. Isso que você tira da lixeira é a desculpa que a mídia deu depois, sobretudo para tentar justificar porque não deram a informação. Você sabe... você é jornalista?

Lourival Sant´Anna: Sim, sim!

Hugo Chávez: Você sabe que, até na guerra, os verdadeiros jornalistas estão com a câmera levantando informação, no Iraque, em plena guerra. Isso é uma mentira.

Lourival Sant'Anna: Eu não estou defendendo a imprensa venezuelana. Eu não faria isso, eu conheço a imprensa venezuelana [Sant´Anna sorri]. Agora, o senhor também desempenhou um papel de polarizar, de agudizar a polarização. A oposição fez isso, a imprensa fez isso, mas o senhor também fez isso. Não estava também no seu poder amenizar um pouco essas contradições, ao invés de agudizá-las?

Hugo Chávez: Você não conhece, quem diz isso não conhece a realidade. Você está falando com um homem venezuelano que viveu intensamente a sua vida. Eu era um soldado, sabe? Eu era um soldado e o que eu mais queria – permita-me terminar essa resposta, porque ela tem muito sentimento [Chávez aponta para o centro de seu peito]. Eu sou um soldado. Tinha minha mulher e três filhos pequenos. E os amava, amo-os! Minha casinha, meu cachorrinho, tudo muito simples, um carrinho velho, uma bicicleta, beisebol, meus amigos, a cerveja... Eu gostava de cantar, dançar, fim de semana, praia, um rapaz normal, até que eu comecei a ver a verdade. Um povo pobre explorado, que quando saía a protestar vinham os soldados para detê-lo. O Caracaço, por exemplo, milhares de mortos. Eu liderei uma rebelião da Juventude Militar Venezuelana. Não sou golpista. Foi uma rebelião vinda de baixo, dos jovens militares da tradição bolivariana do exército. Fui para a prisão, nunca fugi à responsabilidade e dois anos e meio na prisão e logo a realidade, um partido, ganhei as eleições, ganhamos. A primeira coisa que fiz foi chamar a unidade. Nomeei ministros que hoje são furiosos opositores. Chamei empresários, começando por Gustavo Cisneros, magnata da TV. Ele me acompanhou a Washington, a Madri... Eu ia no avião presidencial e ele vinha logo atrás. Mas queriam o poder. E me pediam que nomeasse ministro das Finanças tal pessoa; que nomeasse Chefe das Telecomunicações tal pessoa, para não pagar impostos; que nomeasse... uma lista deles! O presidente do banco do Estado, porque queriam melhores negócios. Ofereceram-me mundos e fundos. Eu disse: “Não. Estou aqui para ajudar o povo. E vocês têm de me ajudar. Eles não entenderam e se voltaram contra mim”. Um dia veio um comissário deles e disse: “Chávez, se você não der um passo atrás, vem um golpe”. “Venham então atrás de mim, porque eu prefiro morrer”. E isto eu repito aqui: prefiro morrer a ter que trair o povo”. Essa é a verdade da Venezuela.

Luiz Carlos Azedo: Presidente, o senhor é um militar, um militar nacionalista, de uma tradição latino-americana de militares nacionalistas. Pelo que o senhor está falando, o senhor está militarizando o regime venezuelano? Para enfrentar tanto essa oposição interna da elite venezuelana e a ameaça norte-americana? Porque o senhor está comprando novos armamentos, armando a população para defender o território da Venezuela, tem uma indiscutível liderança junto à jovem oficialidade venezuelana – pelo que o senhor está falando, foi graças a isso que foi possível enfrentar o golpe, porque senão seria um golpe contra o povo, como a maioria dos golpes, teria dado certo. Como esta questão militar está colocada para o futuro da Venezuela e para o futuro da América Latina também? Porque essa é a diferença do regime do governo de esquerda da Venezuela dos demais governos de esquerda da América Latina. Vamos dizer assim, a simbiose da nova elite política com a elite militar, que lhe dá sustentação.

Hugo Chávez: Na Venezuela, o que está em andamento é um processo de, como dizer, de civilização - vamos usar o termo dos militares venezuelanos. Mantiveram-nos à margem de uma realidade. Impuseram-nos a doutrina prussiana, afastando-nos das raízes populares do nosso exército, um exército que nasceu para a liberdade, junto com o povo. Simón Bolívar disse: “A Venezuela nasceu com um bivaque”. Estamos conseguindo a união cívico-militar. Os militares hoje trabalham em missões educativas, em missões de saúde, construindo casas, consertando estradas, e também ajudando o povo a se preparar para a defesa. Israel e Estados Unidos... As despesas militares dos Estados Unidos, no ano passado, chegaram a 500 bilhões de dólares. Temos a obrigação de nos preparar para a defesa. Mas não acho que estejamos militarizando a sociedade. É um processo de união, um conceito de unidade nacional.

Ricardo Amaral: O senhor leva o seu trabalho, os seus atos, para a preparação militar do seu governo. E pela sua retórica, o senhor aponta uma ameaça norte-americana. O senhor trabalha de fato com esse horizonte, de chegarmos a um conflito armado aqui na América Latina, contra os Estados Unidos? É isso o que o senhor vê, de fato?

Hugo Chávez: Não, não. Nós estamos fazendo esforços para evitar um conflito.

Ricardo Amaral: Sim, mas se prepara para a guerra, porque há, vê o horizonte. É claro que quer evitá-la, mas é porque vê, de fato, essa possibilidade no horizonte. O senhor acha que chegaremos a esse ponto?

Hugo Chávez: Existe um velho pensamento que diz: “se quer a paz, prepare-se para a guerra”. Estamos nos preparando para a defesa, é um direito de todo povo, e é uma obrigação, além disso. Agora, estou certo: tenho a convicção de que vamos evitar conflitos violentos na América Latina. Estou certo de que, com as alianças Venezuela-Brasil, Venezuela-Brasil-Argentina e América do Sul, o aumento dos investimentos internacionais na Venezuela... As alianças com a China, Europa, Índia, com o mundo... Vamos alcançar o que Simón Bolívar chamava de “equilíbrio do universo”.

Ricardo Amaral: Ou todos contra os Estados Unidos. Pelo que o senhor mencionou, todos contra os Estados Unidos? Poderíamos resumir o mundo assim? Uma bipolaridade: os Estados Unidos de um lado...

Hugo Chávez: Eu tenho fé que o povo dos Estados Unidos vai nos livrar da ameaça que temos. É o povo que deve refletir e levar ao governo verdadeiros líderes desse grande país, que tudo o que puderem fazer. Em vez de ficarem invadindo países e gastando 500 bilhões com despesas militares, em vez de inventarem bombas inteligentes, vamos lutar contra a fome, a miséria, a AIDS, que está acabando com o mundo.

Eliane Cantanhêde: Deixa eu lhe perguntar duas coisas: primeiro, neste contexto de defesa, quais são as suas relações com as Farc? Aqui no Brasil há muita dúvida de como o seu governo se relaciona com as Farc. E, segundo, no ano passado, na reunião de defesa, no Equador, da América Latina, discutiu-se muito o embrião de exército sul-americano. O senhor endossa essa idéia? Então, Farc e o exército sul-americano.

Hugo Chávez: Entre as Farc e o exército sul-americano?

Eliane Cantanhêde: Não, não. São duas coisas.

Hugo Chávez: Você me perguntou sobre as Farc. Primeiro, nós não temos nenhuma relação com as Farc. Se tivemos alguma relação de aproximação, em algum momento, foi a pedido do governo colombiano. Eu enviei um representante pessoal a Alcaguán, como muitos outros países fizeram tentando buscar a paz, a pedido do governo de Pastrana [Andrés Pastrana, presidente colombiano entre 1998 e 2002]. Eu recebi no palácio, em Caracas, emissários e líderes das Farc e do ELN [Exército de Libertação Nacional da Colômbia], a pedido de Pastrana, para buscar a paz, como outros governos também fizeram. Ultimamente, as relações com as Farc têm sido de conflito. No ano passado, mataram um soldado nosso e uma jovem engenheira do Petróleo da Venezuela. Num encontro, matamos alguns guerrilheiros, detivemos alguns dirigentes das Farc e os entregamos ao governo da Colômbia, porque exigimos que respeitem nossa soberania, que não passem para o nosso território. Quanto ao Sul, uma vez falamos da OTAS. Se existe a OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte], por que não podemos ter os sul-americanos e os africanos uma Organização do Tratado do Atlântico Sul? Principalmente os países atlânticos, Venezuela, Brasil, Argentina, e os países da África. Me parece bem um conceito de segurança rumo à busca desse equilíbrio. Para não continuarmos dependentes do Pentágono, do Departamento de Estado.

Eliane Cantanhêde: E quem é a favor? E quem impede essa idéia de avançar?

Hugo Chávez: [Pausa] Creio que é uma questão de tempo. À medida que ressurjam esses movimentos políticos alternativos e que nos livremos da dependência colonialista de Washington. Nossas forças armadas, nossos militares - que durante muitos anos foram preparados no Pentágono - foram “cachorros” do Pentágono. Os grandes ditadores da América Latina se formaram no Pentágono. A CIA [Agência Central de Inteligência] ainda está presente em boa parte da oficialidade latino-americana. Mas, ao poucos, temos de libertar também os militares venezuelanos e latino-americanos da influência nefasta do Pentágono.

Paulo Markun: Presidente, uma pergunta do ex-ministro da Educação, Cristóvam Buarque, presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, do Senado.

[Exibição da gravação com Cristóvam Buarque]

Cristóvam Buarque: Presidente Chávez, na semana passada eu estive em Caracas, com o ministro Aristódolo, da Educação, e ele me disse que, no dia 28 de outubro, o senhor vai estar mostrando para o mundo inteiro que a Venezuela é um território livre do analfabetismo. Eu gostaria que o senhor explicasse para todos nós brasileiros como foi a sua Missão Robinson 1, que conseguiu, em tão pouco tempo, fazer esse ato heróico, de erradicar o analfabetismo de todo um país do continente latino-americano.

Hugo Chávez: Obrigado pela pergunta, amigo e irmão. Bom, a Missão Robinson é parte da resposta da revolução. Foi Leon Trotsky quem disse: “A toda revolução falta o chicote da contra-revolução”. Fomos duramente chicoteados, e como respondemos? Aprofundamos a ofensiva. A melhor defesa é o ataque. Criamos um conjunto de programas extraordinários. Chamamos de missões. Uma foi a Missão Robinson, que está sendo concluída a Robinson 1. Há três dias diplomamos mais de 30 mil compatriotas que aprenderam a ler e a escrever graças ao método cubano, em sete semanas, com televisores, vídeos e folhetos. Um exército de jovens facilitadores. Em um ano e meio, 1,5 milhão de venezuelanos aprenderam a ler e escrever. Somos 25 milhões. Em 28 de outubro, dia de São Simão, aniversário de Simon Rodriguez, grande pedagogo, vamos oficializar esses dados com a aprovação da Unesco [Organização das Nações Unidas - para a Educação, a Ciência e a Cultura], que avaliou como fizemos isso. Em um ano e meio acabamos com um flagelo de 200 anos. Mas não nos conformamos. Dissemos: “Agora é o Robinson 2, todos para a 6ª série”. Também com TV, vídeo, método pedagógico. E agora estudam matemática, informática, idiomas - como português, que colocamos no currículo - geografia, história. Para em dois anos concluir a 6ª série. Entreguei diplomas a homens de 90 anos e a mulheres de mais de 80 anos, que aprenderam depois de toda uma vida. É parte da ação social de justiça e igualdade.

Paulo Markun: Mas os dados estatísticos do Instituto Nacional de Estatísticas da Venezuela, indicam que a pobreza, o nível de pobreza, que em 1999 era de 42,8% subiu para 53%, em 2004. O que é que explica isso, se foi tão fácil erradicar o analfabetismo? Por que é tão difícil combater a pobreza?

Eliane Cantanhêde: Markun, eu posso acrescentar um dado na sua pergunta? Porque a Comissão Econômica para a América Latina - que é a Cepal - também tem dados ruins para o senhor, porque diz que em 17 países da região, a Venezuela ficou em penúltimo lugar na questão do combate à pobreza.

Hugo Chávez: Duvido desses dados, inclusive dos do nosso instituto.

Paulo Markun: Inclusive do...

Hugo Chávez: Sim! Eu disse publicamente que na Venezuela há uma revolução. Esse é o mesmo instituto... Se você ler tudo – é bom contextualizar sempre e não tirar com uma pinça, podemos nos equivocar... No informe da Linea Estatística, no final, inclusive dizem: “Este relatório não leva em consideração as missões Robinson, Riba e outra missão, que é a missão Bairro Adentro”. Na Venezuela, pela primeira vez, estamos assegurando atendimento médico e remédios gratuitos a 17 milhões de pessoas. Instalamos um sistema de distribuição de alimentos para 15 milhões de pessoas, vendendo pela metade do preço no mercado livre. Um plano de bolsas para pobres de 100 dólares diários. Sabe quanto? 500 mil pobres que estudam recebem uma bolsa. Aumentamos os salários todos os anos, acima da inflação. O que aconteceu no fundo? Tanto os dados da Cepal, quanto os da Línea, não estão medindo uma situação que é extraordinária, com instrumentos adequados. Não medem em profundidade e, além disso, há outras coisas. Na Venezuela, há muita pobreza, mas nos Estados Unidos também aumentou. Na América Latina, a pobreza aumentou nos últimos anos. Há muita pobreza na Venezuela. Agora, veja o que acontece nos bairros pobres: têm médico perto, pela primeira vez. Gratuito. Assim como medicamentos e centro de exames cardiológicos, endoscopia, oftalmologia. Pela primeira vez os pobres têm bolsas de estudo, alimentação acessível. Os pobres estão elevando sua condição.

Fernando Morais: Presidente, o senhor falou primeiro da contribuição que Cuba deu para a campanha contra o analfabetismo, e agora falou um pouco dos médicos que atendem aos pobres, na Venezuela. Em fevereiro deste ano, eu estive em Cuba com o ex-ministro, então ministro José Dirceu, e almoçamos. Tivemos a oportunidade de almoçar com o presidente Fidel Castro e, ao invés dele falar das conquistas da Revolução Cubana para nós, abriu um monumental mapa da Venezuela e começou a contar as coisas que o senhor está fazendo. Disse uma coisa que me chamou muito a atenção. Que em Caracas, nas favelas de Caracas - o senhor chama de bários - há 18 mil médicos cubanos trabalhando, vivendo lá dentro. É verdade, isso? Em uma cidade, 18 mil médicos vivendo dentro das favelas?

Hugo Chávez: Em todo o país há 20 mil médicos cubanos, e agora somaram-se a eles mais dois mil venezuelanos. Fidel e eu nos comprometemos e já anunciamos à América Latina: queremos, e já começamos, formar entre Cuba e Venezuela – ajudar a formar – 220 mil médicos entre 2005 e 2015. Médicos para os pobres, médicos sociais. Queremos atender - e já começamos entre Cuba e Venezuela - a seis milhões de latino-americanos e caribenhos com problemas de visão. Há crianças que nascem com catarata congênita, que se não forem operadas a tempo, ficarão cegas. Ou homens e mulheres com catarata, e em Cuba há equipamentos muito modernos. Enquanto em Cuba há 40 equipamentos moderníssimos, na Venezuela há apenas um, em uma clínica privada. Agora estamos comprando, vamos trazer para Caracas: tiram o cristalino, arrumam uma lente intra-ocular e voltam a enxergar, como uma criança, um jovem. Então, isso é parte do processo revolucionário da justiça pública. Cuba e Venezuela, Fidel e eu estamos trabalhando muito diretamente à frente desse projeto.

Paulo Markun: O senhor acha que a Venezuela vai ser a Cuba do século XXI?

Hugo Chávez: [Pausa] Não, nem Cuba nem a Venezuela podem se repetir. Alguns dizem que a Venezuela exporta revolução. É mentira. Nenhum país é repetível. Nenhum modelo é repetível. Cada um tem sua própria característica [Chávez sorri].

Ricardo Amaral: Presidente, em quanto tempo sustentará... O senhor mencionou aqui os grandes investimentos sociais que tem feito e eu acredito que, além da questão que o senhor mencionou, da crise de 2002, também esteja aí um pouco da raiz da inflação que ainda não está confortável... Mas quando o senhor assumiu, os preços do barril de petróleo, os preços internacionais, estavam cerca de um terço do que eles são hoje.

[...] Menos!

Eliane Cantanhêde: Menos que isso.

Ricardo Amaral: Às vezes até menos. É porque eu não dirijo, eu não consumo. [Risos]

Eliane Cantanhêde: Estava um quarto.

Ricardo Amaral: Estava um quarto. O senhor adota uma política fiscal que é diferente de outros governos, inclusive de outros que o senhor considera de esquerda, como o do Brasil. Até que ponto essa política de justiça social que o senhor faz, por meio de uma política fiscal, sustenta-se baseada quase que exclusivamente – como é no caso da Venezuela – nessa situação, digamos, extraordinária, excepcional, dos preços internacionais do petróleo? Até que ponto a revolução bolivariana depende da pressão, da imposição da OPEP sobre os países consumidores?

Hugo Chávez: Sobre os preços do petróleo, existem muitas lendas e mitos, muitas coisas obscuras.

Ricardo Amaral: Eu não dirijo, mas o senhor dirige e vende petróleo, deve saber disso.

Hugo Chávez: Não, eu ia dizer uma coisa. Em 1974, 1975, os preços do petróleo - e também nos anos 80 - chegaram acima dos 30 dólares por barril.

Ricardo Amaral: Em 1974, a Venezuela era aquilo que nós chamávamos de a Venezuela Saudita, do governo CAP [Carlos Andrés Pérez, presidente da Venezuela nos períodos de 1974 a 1979 e 1989 a 1993], também baseada no petróleo.

Hugo Chávez: Sim, sim, sim. Os ricos viajavam para Miami: “Está barato, me dê dois”. E os pobres ficando mais pobres.

Ricardo Amaral: Sim, sim, três carros, troca de... [o entrevistador gesticula com as mãos, mas não conclui o comentário]

Hugo Chávez: O preço do petróleo, quero dizer que há 30 anos o preço do petróleo chegou acima dos 30 dólares. 30 dólares há 30 anos equivalem a 100 dólares hoje.

Ricardo Amaral: Eu estou falando de 1999. Eram 22 dólares o barril, e hoje está cotado - fechou hoje, quando gravamos essa entrevista - em 66 dólares.

Hugo Chávez: O preço era sete dólares quando chegamos, em 1999. Dizem que o preço está muito alto, mas temos de lembrar que em 74 estava por cerca de 30. Logo, veio Ronald Reagan [presidente dos EUA entre 1981 e 1989] e disse: “vamos botar a OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] de joelhos”. Entre outras coisas, os Estados Unidos impulsionaram Saddam Hussein [presidente do Iraque entre 1979 e 2003] contra o Irã – a guerra de Irã e Iraque – e a OPEP começou a desconhecer os acordos. Houve uma superprodução de petróleo, que está causando problemas hoje porque estão acabando as jazidas. Houve um abuso nos últimos 20 anos.

Vicente Adorno: Presidente, essa questão do petróleo é realmente muito importante. Será por isso que George W. Bush também é de uma família tradicionalmente ligada ao petróleo? Será por isso que o senhor disse: ”vamos ver quem dura mais, ele na Casa Branca ou eu no Miraflores” ?

Hugo Chávez: É uma aposta que fiz com o Sr. Bush e, claro, eles me disseram muitas vezes que iam me tirar dali, que sou uma ameaça. Mas foi uma forma de responder. A melhor defesa é o ataque...

Vicente Adorno: Mas isto não está relacionado só com o petróleo...

Hugo Chávez: Mas o problema é o petróleo. O problema básico é o petróleo. Como disse, a Venezuela foi colônia petrolífera americana até 2002, com o golpe. Você vai saber que a PDVSA não prestava contas ao meu governo...

Paulo Markun: E o senhor vai vender as refinarias?

Hugo Chávez: Eles obedeciam ordens de Washington, e agora a Venezuela se libertou e estamos dirigindo os grandes recursos do petróleo para investimento social produtivo. Eles queriam ter a Venezuela porque ela tem a primeira reserva de petróleo do mundo.

Paulo Markun: Presidente, e o senhor pretende vender as refinarias norte-americanas, fazer negócios com a China e oferecer petróleo direto para os pobres norte-americanos. Ou estou errado nessa informação?

Hugo Chávez: Temos nos Estados Unidos a Silgo, oito refinarias. Nunca deram lucro à Venezuela, nem um dólar. Nem um dólar retornava à Venezuela com um investimento de dez bilhões de dólares. Isso não é possível, estão nos roubando! Agora, fizemos mudanças nos Estados Unidos e, pela primeira vez na história dessa empresa, este ano nos deram 400 milhões de dólares de dividendos, dirigidos ao gasto social. Disse que queremos fazer negócios com vários países para fazer uma aliança estratégica nos Estados Unidos com essa empresa. Não temos intenção de vendê-la, talvez compartilhar essa situação com outro sócio.


Bob Fernandes: Um dos objetivos desse programa é as pessoas conhecerem o senhor melhor. O senhor se referiu a ela hoje três vezes, hoje à noite. Seus amigos próximos, como o general Perez Arcaico, que tem uma sala próxima a sua, teme porque o senhor fala constantemente nisso. Por que o senhor fala tanto na morte?

Hugo Chávez: Certa vez falei muito da morte e esse general, filósofo, mestre que tive e continuo tendo, uma vez me chamou e disse: “Hugo, não fale muito da morte”, e me lembrou um velho ditado que diz: “Abyssus abyssum invocat, o abismo chama o abismo. Não fale da morte” e agora quase não falo da morte. Não tenho medo dela. Uma vez, contei a um jornalista argentino um sonho que tive, sobre a morte. Uma mulher muito bonita, que tinha unhas vermelhas compridas, me chamava. Eu sabia que ela vinha atrás de mim. Dizia: “aqui estou, o que tenho que fazer?”. E, de repente, quando vem me buscar, saio correndo. Ela vem atrás de mim, consigo escapar e acho que escapo. Saio e a vejo na esquina. Mas ela já não tinha as unhas pintadas. E então ela sorri e me diz: “Chávez, venha cá. Venha conhecer meu filho”. E assim acaba o sonho. Como se ela tivesse ido embora. [Chávez ri]

Paulo Markun: Presidente, eu vou fazer uma última pergunta, que aqui no Brasil já custou a vaga de candidato que achava que estava eleito. O senhor acredita em Deus?

Hugo Chávez: Sim, acredito em Deus e cada dia sou mais cristão. Acredito muito em Cristo. Creio que Cristo é um dos maiores revolucionários da História, me apego cada dia mais à fé cristã e creio que o socialismo que pretendemos na Venezuela tem muito de socialismo cristão. Eu disse ao meu povo, ao povo venezuelano, que para mim o primeiro grande socialista de nossa era é Cristo, e o primeiro grande capitalista é Judas Iscariotes, que o vendeu por quatro moedas. [Risos]

Paulo Markun: Presidente, muito obrigado pela sua entrevista. Boa sorte para o senhor!

Hugo Chávez: Muito obrigado a todos vocês. [Chávez agradece a cada um dos entrevistados, permanecendo sentado no centro da roda]

Paulo Markun: Nós que agradecemos! Agradeço aos nossos entrevistadores e a você que está em casa. Estaremos aqui na próxima segunda-feira, dez e meia da noite, com mais um Roda Viva. Uma ótima semana a todos e até lá!


Fonte: Memória Roda Viva
[Via BBA]

Comentários

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  1. Ele é um Lula venezuelano que sofreu um golpe. Gato escaldado. Mas talvez já esteja até morto.

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Brasil Acadêmico: Hugo Chávez em entrevista no Roda Viva
Hugo Chávez em entrevista no Roda Viva
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