Confrontamos os resultados das eleições americanas de 2020 com as projeções da expansão da variante delta nos EUA e, para surpresa de ningué...
Confrontamos os resultados das eleições americanas de 2020 com as projeções da expansão da variante delta nos EUA e, para surpresa de ninguém, as previsões parecem apontar para uma maior disseminação em estados trumpistas.
Pesquisa liderada por Benjamin P. Linas, do Boston Medical Center da Boston University School of Medicine, simulou o impacto que a variante Delta terá nos EUA. Desde 31 de julho, a variante Delta representa 82% dos casos de coronavírus e os resultados do estudo sugerem que os EUA estão em vias de tornar o Delta a variante dominante do coronavírus em todos os estados.
Fonte: Nature, Exame, Globo, Estadão, News Medical Life Science
Visto no Brasil Acadêmico
Dadas as baixas taxas de vacinação e a redução do comportamento de distanciamento social em muitos estados - incluindo Idaho, Washington, Montana e outros - espera-se que o número de mortes diárias aumente em pelo menos 40 estados.
“Nós projetamos os óbitos por COVID-19 baseados na taxas de vacinação atuais e comportamento de distanciamento social. Nossa esperança é que as descobertas deste relatório sirvam como um sinal de alerta e as pessoas voltem a usar máscaras e mantenham o distanciamento social para reduzir as mortes associadas ao COVID-19 nos Estados Unidos.” Trecho do estudo.
O estudo “Mudança da dinâmica de COVID-19 nos EUA com o surgimento da variante Delta: projeções do simulador COVID-19” está publicado no servidor de pré-impressão medRxiv.
O número previsto de casos e mortes relacionados à variante Delta está mudando constantemente na medida que os estados tomam contra-medidas para impor/estimular a vacinação e medidas de distanciamento social. As projeções atualizadas ocorrem semanalmente e podem ser encontradas no site do COVID-19 Simulator (não conseguimos executar a simulação pois o simulador estava fora do ar até a data de publicação deste post).
Projeções de mortes (em vermelho) para os estados dos EUA pelo Covid-19 Simulator
Mas tudo poderia ser bem diferente se a estratégia de contenção da doença não estivesse sob a influência ideológica especialmente da direita americana (lá como cá). Paul Krugman, o ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2008, em seu artigo “A realidade da covid-19 tem um viés liberal”, de 26 de maio de 2020, já alertava para o fato de que, até onde a vista dele alcançava, quase todos os epidemiologistas, incluindo os do governo Trump, alertaram que a covid-19 estava longe de estar controlada, e que o relaxamento prematuro das exigências de distanciamento social poderia ter consequências desastrosas. Todavia pregavam no deserto.
Colocamos uma tarja vermelha sob os estados "republicanos" e azul no estados "democratas".
O tamanho da barra não tem qualquer relevância.
O tamanho da barra não tem qualquer relevância.
Para Krugman estava claro como cristal que Trump e os aliados dele já tinham decidido que reabririam a economia, independente do que os especialistas dissessem. E se os especialistas estivessem certos e isso levasse a uma nova alta no número de mortes de americanos, a resposta não iria ser reconsiderar a política, mas sim negar os fatos. E foi basicamente o que aconteceu.
A estratégia da direita para lidar com essa pandemia – ou para não lidar com ela – é semelhante à resposta republicana às mudanças climáticas: Não está acontecendo, é uma fraude criada por cientistas liberais e, além do mais, fazer qualquer coisa a respeito pode destruir a economia americana.
Contagem de estados "republicanos" com uma rápida subida no número de mortes nas projeções do Covid-19 Simulator.
Uma explicação seria de que o Partido Republicano simplesmente não gosta de especialistas, e também não tem ideias de política econômica que não sejam cortes de impostos ou desregulamentação. Ou seja, eles não saberiam como responder a crises que não se encaixem na agenda habitual republicana. Trump, então, não teria a menor ideia de como agir de verdade.
Contagem de estados "democratas" com uma rápida subida no número de mortes nas projeções do Covid-19 Simulator.
Lá como cá, e no mundo todo, a polarização política afasta as pessoas do consenso e as mídias sociais e os meios de comunicação tendem a isolar os grupos em bolhas ideológicas. Artigo da Nature de 02 de novembro de 2020 pinçou algumas evidências baseadas em estudos do nosso zeitgeist.
De acordo com o artigo, as escolhas das pessoas sobre onde trabalhar, viver e fazer compras são motivadas tanto pela identidade política quanto pela religião (fazendo um paralelo mais brasileiro, trabalhar na Magalu, por exemplo, ou comprar a camisa do Flamengo com Havan na manga ou ainda gravar com o Sérgio Reis certamente passa por esse mesmo processo decisório). Além disso, cerca de 81 milhões de americanos relataram discutir sobre política com amigos próximos e familiares após a eleição de 2016, e 34 milhões de horas de conversa no jantar de Ação de Graças podem ter sido perdidas em 2016 devido a diferenças partidárias entre anfitriões e convidados. Portanto, na era atual de polarização as diferenças na identidade partidária parecem influenciar uma ampla variedade de julgamentos e comportamentos sociais.
E mesmo algo tão sombrio, com o poder de ceifar vidas e deixar sequelas para o resto da vida como a pandemia de Covid-19, não foi importante o suficiente para vencer essa tendência e fazer com que as pessoas deixassem a política de lado e seguissem os experts, longe disso. O artigo acima citado até testou se comportamentos afetados pelo partidarismo, como o distanciamento social, seria mais adotado à medida que uma maior conscientização fosse alcançada com o passar tempo. Pois acharam justamente o oposto na pesquisa. A lacuna partidária quanto a esses comportamentos preventivos se acentuou com o passar do tempo.
“Previmos que as diferenças observadas diminuiriam à medida que a pandemia piorasse e as pessoas se tornassem mais conscientes dos perigos do COVID-19. Encontramos o padrão oposto.”
Trecho do artigo da Nature de 02/nov/2020
A explicação é que, por exemplo, sintonizar notícias de direita (como Fox News) comunica informações muito diferentes sobre os riscos da pandemia – e formas de evitar sua propagação – do que fontes de esquerda (como MSNBC). Da mesma forma, os líderes políticos de diferentes partidos podem comunicar diferentes níveis de risco ou deixar de modelar comportamentos de saúde prudentes (por exemplo, usar uma máscara).
Uma pesquisa do NBC News / Wall Street Journal conduzida de 11 a 13 de março de 2020 descobriu que 68% dos democratas relataram preocupação com a possibilidade de alguém de sua família pegar o vírus, em comparação com 40% dos republicanos.
Esses fatores podem, então, levar os partidários a se comportar de maneira diferente durante uma pandemia, o que, por sua vez, pode ter consequências importantes em termos de infecção e mortalidade.
Essa mesma ideologia conseguiu fazer com que os americanos se dividissem quanto à vacinação e às outras medidas a serem tomadas para controlar a epidemia e hoje, embora não exista um motivo real, do ponto de vista da disponibilidade de imunizantes, para não estarem protegidos da epidemia a população, especialmente os republicanos, estão morrendo e sendo hospitalizados com uma tendência de alta preocupante.
Fazendo um paralelo com a nossa realidade, o jornal O Globo noticiou em 04 de maio de 2020 que um estudo das universidades da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, e de Bocconi, na Itália, mostrou que cidades que registraram maior aprovação ao governo de Jair Bolsonaro tiveram um aumento na taxa de contágio da Covid-19 18,9% maior do que aquelas que demonstram menor apoio ao presidente.
A pesquisa analisou o impacto em 255 municípios brasileiros das atitudes de Bolsonaro no dia 15 de março de 2020, quando o presidente subestimou a pandemia e cumprimentou manifestantes pró-governo em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília.
Em outro artigo de 04 de agosto de 2021, Krugman mostra a catástrofe em curso nos serviços de saúde da Flórida, cujo governador, Ron DeSantis, é considerado um possível herdeiro do trumpismo. Eles possuem vacinas altamente efetivas e gratuitas disponíveis para todos os americanos com idade de mais de 12 anos. Mas houve muito exagero na mídia sobre contágio pela variante Delta de pessoas já vacinadas, e os casos sérios de covid-19 entre essas pessoas continuam a ser ainda mais raros.
Mas a Flórida enfrentava um surto de covid pior do que aquele que havia experimentado antes do início da vacinação. Mais de 10 mil moradores do estado hospitalizados, cerca de 10 vezes mais que o número de pacientes da doença em Nova York, um Estado com número semelhante de residentes; 58 moradores da Flórida estão morrendo da doença a cada dia, ante seis pessoas em Nova York. E o sistema de hospitais da Flórida está sob pressão severa.
A causa? Na prática, a cada degrau na escalada da pandemia, DeSantis agia como aliado do coronavírus, por exemplo, ao divulgar ordens que impediam que empresas exigissem que os clientes apresentassem prova de vacinação e que as escolas requeressem o uso de máscaras. Generalizando, ele ajudou a forjar um estado de espírito no qual o negacionismo quanto às vacinas crescia e a recusa em se precaver era naturalizada.
Para se ter uma ideia, índices de vacinação na Flórida são bem mais baixos do que em estados na região nordeste dos EUA, embora acompanhem a média nacional. No entanto, a probabilidade de vacinação é muito mais alta entre as pessoas mais velhas do que entre as mais jovens, na Flórida e em todos os outros lugares; e a Flórida, claro, abriga uma proporção consideravelmente mais alta de residentes mais velhos. Entre as faixas etárias mais jovens, a vacinação no estado fica bem abaixo da média nacional, e ainda mais abaixo da média nos estados governados pelos democratas.
Quando confrontamos as previsões do simulador de Covid-19 (previsões até janeiro de 2022 publicadas em 18 de agosto de 2021) com o resultado das eleições para presidente (se naquele determinado estado ganharam os republicanos ou os democratas) percebe-se uma tendência de uma forte subida no número de mortes causados pela Covid-19 nos estados republicanos (16 de 26) em relação ao estados democratas (7 de 25) – consideramos “forte subida” as previsões que ultrapassaram o ponto médio da escala do gráfico do respectivo estado.
O modelo da simulação levou em consideração as atitudes das pessoas em relação ao uso de máscara e as taxas de vacinação estaduais. Para indivíduos vacinados, o modelo presumiu que as vacinas reduziriam a probabilidade de infecção em 80% com uma dose e 90% com duas doses.
Nossa intenção aqui não é provar essa correlação e nem alarmar. Mas antes de tudo apontar uma possível evidência para uma agenda de investigação mais aprofundada e alertar para os riscos dessa hipótese ser confirmada para que as pessoas possam se proteger da melhor maneira.
Fonte: Nature, Exame, Globo, Estadão, News Medical Life Science
Visto no Brasil Acadêmico
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