Detenha-se por um momento para contemplar Momentos. Do nosso médico escritor Rilmar Gomes.
Detenha-se por um momento para contemplar Momentos. Do nosso médico escritor Rilmar Gomes.
Naquela tarde eu cantava alguma canção quase folclórica e, pelo costume antigo, não percebia que algumas palavras estavam totalmente erradas. Você me corrigia e eu teimava em discutir e garantir que o certo era eu.
Ainda não vivíamos os tempos de Google, esperei até encontrar em algum lugar a letra da música e você estava certa. Me desculpei, mas você fingiu zanga e não aceitou. Declarei o meu erro e disse que você estava certa. Você sorria com um rosto alegre, juvenil, lindo e um sorriso branco e adorável.
Insisti para que me perdoasse.
Nada!
Aproximou-se de mim, afagou-me o cabelo com mãos suaves e gesto cheio de amor.
- Você é muito cheio de si.
Disse.
- Não vou perdoar e pronto.
Comprimiu meu rosto contra você e continuou rindo e não perdoando.
Ah!... Como a amei intensamente naquele momento.
Meu Deus, como você estava linda! Espontânea, jovial, cheia daquela alegria que era só sua, que só existia em você; na sua presença, na expressão de seu rosto e em seu sorriso encantador.
A casa tão singela, tão humilde, com paredes rebocadas e sem pintura, o chão de cimento grosso, janelas frágeis, mas um lar que nos acolhia e que era iluminado pelo nosso momento, pela sua alegria irradiante, esfuziante. Pelo nosso modo de declarar nosso amor a todo instante e em cada gesto.
Meu Deus! Como você está bela e tão cheia de vida nessas lembranças.
Não precisa perdoar, basta me amar daquele tanto e deixar que eu a ame do mesmo modo que nos amamos naquele momento e em todos os momentos que tivemos para nós.
O tempo moveu-se em si mesmo.
O tempo só se move no tempo.
Não existe éter, ar ou vácuo onde o tempo possa se mover. Muda, passa, vai-se, mas sempre em si mesmo. O momento passou. Depois daquele, outros momentos vieram, duraram um certo tempo e desfizeram-se como soe sempre acontecer.
Passado o tempo, o presente, a gente lembra e tem saudade, mas urge ingressar em e viver novos momentos que já começam logo a acontecer. E os novos momentos vêm com sua própria capacidade de nos envolver com emoções, com sentimentos, sons, presenças; com vida enfim.
Veio a hora do jantar. Éramos só nos dois. As panelas tão pequenas, tão fumegantes, cheirosas, limpinhas, bem cuidadas. Nessa, arroz soltinho, na outra um picadinho verde, verdinho de chuchu; naquela o feijão marrom e apetitoso com cheiro de gordura de porco; outra panelinha com carne picadinha enfeitada com cebolinha e salsa, muito verdinhas.
De pé, à beira do fogão, você com um sorriso esboçado esperando eu dizer que tudo estava maravilhoso.
E estava.
E eu dizia que sim.
Como você está tão bela e alegrezinha nessa lembrança. Como você estava irresistível naquele momento. Como amei você no seu modo de me olhar enquanto destampava as panelas me exibindo o que fizera para nós.
Feitos os pratos, compostos como se obedecessem a algum protocolo: feijão no canto com uma nuvenzinha de farinha como cobertura, arroz bem branquinho completando a primeira camada da superfície redonda do prato depois, por cima, a carne e a porção de verdura. Uma fumacinha clara e leve desprendia trazendo um cheiro que era mistura dos cheiros de cada componente apetitoso do prato. Irresistível cheiro.
O melhor, o mais terno, o mais importante era sua presença ali na minha frente com seu rosto formoso e alegre irradiando ternura tanta.
Depois eu ajudei você a tirar a mesa, dois pratos, garfos, duas facas, vasilha de farinha, um vidro pequeno de pimenta de cheiro e, então, arrumar a cozinha.
Ouvimos músicas no rádio. Conversamos. Fizemos planos para o fim de semana. Concordamos que a fase era de luta, de construção do futuro; que o dia seguinte viria e eu teria que sair quase de madrugada para a faculdade e depois para o trabalho e que só estaríamos juntos novamente após um dia e meio. Mas era tão bom o nosso viver, nosso lutar, nossa busca. Amei você imensamente naquele momento, companheira de minha vida.
A amei na noite que foi curta demais para o tanto que era bom estar com você, amar, amar e amar. Ouvir sua respiração tão suave, tão doce e sutil. Presenciar seu sono e sentir a noite calma e agradável devido a sua presença mágica, encantadora, terna; cálida, cheia de paz e ternura. Em certos momentos eu tentava mudar minha posição na cama, com cuidados para não perturbar seu sono, mas você movia suavemente a cabeça voltando os olhos para mim, mesmo fechados, como se me vigiasse. Deixava escapar um leve, um quase silencioso murmúrio como se queixasse, entreabria para isso dois lábios róseos, delicados e tão perfeitos que eu passava longos momentos perdido e os apreciando dentro da noite. Por fim o sono vinha como um manto e nos envolvia juntos nos mesmos sonhos, no mesmo sono, na mesma nuvem de sentimentos.
Ainda na madrugada, antes do início do dia, eu partia em busca do presente e do futuro. Você se despedia da janela. Tão linda, tão jovem, tão sublimemente encantadora. Ficava só numa casa quase vazia, mas sorria abanando a mão. Em uma solidão voluntária, inventando coisas para fazer e a minha espera. Deus nos ouviu e nos deu um ao outro bastaria isto para uma vida valer a pena. Mas depois Deus nos deu mais e mais.
Momentos - 05/9/19
Fonte: [Visto no Brasil Acadêmico]
Naquela tarde eu cantava alguma canção quase folclórica e, pelo costume antigo, não percebia que algumas palavras estavam totalmente erradas. Você me corrigia e eu teimava em discutir e garantir que o certo era eu.
Ainda não vivíamos os tempos de Google, esperei até encontrar em algum lugar a letra da música e você estava certa. Me desculpei, mas você fingiu zanga e não aceitou. Declarei o meu erro e disse que você estava certa. Você sorria com um rosto alegre, juvenil, lindo e um sorriso branco e adorável.
Insisti para que me perdoasse.
Nada!
Aproximou-se de mim, afagou-me o cabelo com mãos suaves e gesto cheio de amor.
- Você é muito cheio de si.
Disse.
- Não vou perdoar e pronto.
Comprimiu meu rosto contra você e continuou rindo e não perdoando.
Ah!... Como a amei intensamente naquele momento.
Meu Deus, como você estava linda! Espontânea, jovial, cheia daquela alegria que era só sua, que só existia em você; na sua presença, na expressão de seu rosto e em seu sorriso encantador.
A casa tão singela, tão humilde, com paredes rebocadas e sem pintura, o chão de cimento grosso, janelas frágeis, mas um lar que nos acolhia e que era iluminado pelo nosso momento, pela sua alegria irradiante, esfuziante. Pelo nosso modo de declarar nosso amor a todo instante e em cada gesto.
Meu Deus! Como você está bela e tão cheia de vida nessas lembranças.
Não precisa perdoar, basta me amar daquele tanto e deixar que eu a ame do mesmo modo que nos amamos naquele momento e em todos os momentos que tivemos para nós.
O tempo moveu-se em si mesmo.
O tempo só se move no tempo.
Não existe éter, ar ou vácuo onde o tempo possa se mover. Muda, passa, vai-se, mas sempre em si mesmo. O momento passou. Depois daquele, outros momentos vieram, duraram um certo tempo e desfizeram-se como soe sempre acontecer.
Passado o tempo, o presente, a gente lembra e tem saudade, mas urge ingressar em e viver novos momentos que já começam logo a acontecer. E os novos momentos vêm com sua própria capacidade de nos envolver com emoções, com sentimentos, sons, presenças; com vida enfim.
Veio a hora do jantar. Éramos só nos dois. As panelas tão pequenas, tão fumegantes, cheirosas, limpinhas, bem cuidadas. Nessa, arroz soltinho, na outra um picadinho verde, verdinho de chuchu; naquela o feijão marrom e apetitoso com cheiro de gordura de porco; outra panelinha com carne picadinha enfeitada com cebolinha e salsa, muito verdinhas.
De pé, à beira do fogão, você com um sorriso esboçado esperando eu dizer que tudo estava maravilhoso.
E estava.
E eu dizia que sim.
Como você está tão bela e alegrezinha nessa lembrança. Como você estava irresistível naquele momento. Como amei você no seu modo de me olhar enquanto destampava as panelas me exibindo o que fizera para nós.
Feitos os pratos, compostos como se obedecessem a algum protocolo: feijão no canto com uma nuvenzinha de farinha como cobertura, arroz bem branquinho completando a primeira camada da superfície redonda do prato depois, por cima, a carne e a porção de verdura. Uma fumacinha clara e leve desprendia trazendo um cheiro que era mistura dos cheiros de cada componente apetitoso do prato. Irresistível cheiro.
O melhor, o mais terno, o mais importante era sua presença ali na minha frente com seu rosto formoso e alegre irradiando ternura tanta.
Depois eu ajudei você a tirar a mesa, dois pratos, garfos, duas facas, vasilha de farinha, um vidro pequeno de pimenta de cheiro e, então, arrumar a cozinha.
Ouvimos músicas no rádio. Conversamos. Fizemos planos para o fim de semana. Concordamos que a fase era de luta, de construção do futuro; que o dia seguinte viria e eu teria que sair quase de madrugada para a faculdade e depois para o trabalho e que só estaríamos juntos novamente após um dia e meio. Mas era tão bom o nosso viver, nosso lutar, nossa busca. Amei você imensamente naquele momento, companheira de minha vida.
A amei na noite que foi curta demais para o tanto que era bom estar com você, amar, amar e amar. Ouvir sua respiração tão suave, tão doce e sutil. Presenciar seu sono e sentir a noite calma e agradável devido a sua presença mágica, encantadora, terna; cálida, cheia de paz e ternura. Em certos momentos eu tentava mudar minha posição na cama, com cuidados para não perturbar seu sono, mas você movia suavemente a cabeça voltando os olhos para mim, mesmo fechados, como se me vigiasse. Deixava escapar um leve, um quase silencioso murmúrio como se queixasse, entreabria para isso dois lábios róseos, delicados e tão perfeitos que eu passava longos momentos perdido e os apreciando dentro da noite. Por fim o sono vinha como um manto e nos envolvia juntos nos mesmos sonhos, no mesmo sono, na mesma nuvem de sentimentos.
Ainda na madrugada, antes do início do dia, eu partia em busca do presente e do futuro. Você se despedia da janela. Tão linda, tão jovem, tão sublimemente encantadora. Ficava só numa casa quase vazia, mas sorria abanando a mão. Em uma solidão voluntária, inventando coisas para fazer e a minha espera. Deus nos ouviu e nos deu um ao outro bastaria isto para uma vida valer a pena. Mas depois Deus nos deu mais e mais.
Momentos - 05/9/19
Rilmar J. Gomes
Fonte: [Visto no Brasil Acadêmico]
Em tempos de "modernidade liquida" e 'imediatismo' tenho que te dizer:
ResponderExcluirO seu texto é muito bom e relevante.
Parabéns.
Obrigado Douglas. Cheio de simplicidades e roubado da alma num momento de devaneios. A alma se distrai e, zás, roubamos-lhe uma lembrança.
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