Videoclipe musical viral, repleto de referências e detalhes sutis, já passa de 100 milhões em sete dias criticando a mídia e a cultura da se...
Videoclipe musical viral, repleto de referências e detalhes sutis, já passa de 100 milhões em sete dias criticando a mídia e a cultura da segregação no melhor estilo “decifra-me ou te devoro” ou O Código DaVinci.
Donald versus Donald. Enquanto o presidente Donald Trump é criticado por não ser suficientemente duro com as ações criminosas contra as minorias, especialmente contra os negros, isso para se dizer o mínimo, Donald Glover nos mostra a América de hoje com uma crítica engajada e inteligente à sociedade calcada no preconceito, na discriminação e no racismo.
Cerca de quatro anos atrás, o ator, cenógrafo, produtor, humorista, rapper, DJ, cantor e músico Donald Glover atuava em premiadas séries de televisão (Community e Atlanta, essa última receberia o Globo de Ouro de melhor comédia dando-lhe o prêmio de melhor ator). Decidiu então criar uma identidade musical que recebeu o pseudônimo de Childish Gambino.
A música e a letra, de difícil entendimento, de "This is America" são boas, mas o videoclipe de 4 minutos (e quatro segundos) tem tudo para se tornar um marco midiático. Enquanto Gambino dança de modo intenso e chamativo, coisas acontecem ao fundo que foram colocadas em segundo plano, que parece ser justamente para criticar a forma como a mídia tradicional mostra a violência contra os negros. Não deixa de mostrar, mas com um enfoque secundário enquanto outras distrações (ruídos, em linguagem comunicacional) alienantes desviam a atenção para futilidades. Assim, a mesma mensagem possui camadas de informação para públicos com diferentes níveis de preparo para sua interpretação.
Isso Gambino mostra dançando em uma hangar de forma animada com o torso descoberto enquanto a violência explode ao fundo, com assassinatos e até um suicídio sem alarido. Gambino veste uma calça de uniforme confederado, o mesmo que os soldados sulistas, que foram derrotados na guerra civil americana onde os estados do sul tentavam se tornar independentes e impedir a abolição da escravatura, usavam, enquanto faz sua performance. A bandeira confederada é usada até hoje hoje pelos supremacistas brancos.
Logo no início do clipe aparece um homem negro tocando violão [00:00:10 ##film##]. Esse homem é muito semelhante ao pai de Trayvon Martin, um adolescente negro morto por um vigilante que achava que o rapaz era um bandido só porque usava um capuz. Gambino faz uma pose estranha enquanto dispara contra o homem que fazia os acordes enquanto esse já aparece usando capuz. [00:00:45 ##film##] Uma alusão ao não reconhecimento histórico do legado cultural da música negra aos outros estilos musicais que são formadores da identidade cultural americana, como o rock, por exemplo.
Sua pose na hora do disparo remete a Jim Crown, personagem criado por Thomas D. Rice no Mississipi do final do século XIX, no Mississippi, que promoveu de leis de segregação racial (conhecidas como leis Jim Crow). Foi Rice quem introduziu a separação de espaços conforme a cor: os negros passaram a ter limitações, por exemplo, em escolas, ônibus e repartições do Estado. Jim Crown era representado em cartazes fazendo poses bizarras e Rice costumava se apresentar usando "blackface", isto é, com o rosto pintado de preto, enquanto contava piadas sobre negros.
Gambino também faz uma expressão facial onde arregala muito apenas um olho. [00:00:35 ##film##] Uma remissão a um personagem negro, de uma animação adulta (série The Boondocks, do canal Cartoon Networks) Tio Ruckus, um negro que acha que é branco e que odeia os negros. Metralha um coro gospel evocando o massacre de nove pessoas em uma igreja frequentada por negros em 2015, em Charleston [00:01:35 ##film##] e corre de pessoas que estão desfocadas ao fundo [00:03:38 ##film##], em roupas que lembram uniforme de policiais. São inúmeras denúncias e referências à história da população negra americana que ainda serão foco de debate e revelações durante algum tempo.
O clipe é dirigido por Hiro Murai e foi parcialmente inspirado pelo filme brasileiro Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles. Murai afirmou ao site da revista Variety que a concepção visual do clipe foi inspirada na ideia de “um vídeo de dança que se passa nos últimos vinte minutos do filme Mãe! ou no mundo de Cidade de Deus”.
Além de ser tema discussões pelas mídias sociais, o vídeo também foi decifrado por jornais e revistas da mídia tradicional, como o The Washington Post e a revista Time. Essa última precisou até mesmo contratar especialistas na história da música para decodificar alguns dos enigmas do clipe. Mas seus ovos de páscoa vão muito além de passagens musicais, como o cavalo branco [00:02:32 ##film##] que faz evocação escatológica à morte (ou o anticristo, dependendo da hermenêutica adotada), lembrando um dos cavaleiros do apocalipse na livro bíblico do Apocalipse 6:8.
Assim, This Is America pode ao mesmo tempo chamar a atenção à violência praticada com armas de fogo e à permissiva cultura de armas, como quando as armas são entregues a jovens que as coletam com todo cuidado após um homicídio ter acabado de ocorrer (e o cadáver não sendo tratado com tal esmero) [00:00:49 ##film##], ao abuso de poder da polícia (polícia essa, que se ausenta quando o crime é contra os negros, simbolizado por carros de polícia sem policiais), ao hiperconsumismo da sociedade americana e a até mesmo à mercantilização da causa negra. Não importa, se isto é a América dos norteamericanos, há muito o que melhorar em termos de integração racial na sociedade. Quem sabe esse choque dialético entre Donalds traga um novo status inclusivo na democracia dos "brothers" do norte?
Fonte: Veja, Omelete, Meteoro Brasil, Sapo 24
[Visto no Brasil Acadêmico]
Donald versus Donald. Enquanto o presidente Donald Trump é criticado por não ser suficientemente duro com as ações criminosas contra as minorias, especialmente contra os negros, isso para se dizer o mínimo, Donald Glover nos mostra a América de hoje com uma crítica engajada e inteligente à sociedade calcada no preconceito, na discriminação e no racismo.
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Cerca de quatro anos atrás, o ator, cenógrafo, produtor, humorista, rapper, DJ, cantor e músico Donald Glover atuava em premiadas séries de televisão (Community e Atlanta, essa última receberia o Globo de Ouro de melhor comédia dando-lhe o prêmio de melhor ator). Decidiu então criar uma identidade musical que recebeu o pseudônimo de Childish Gambino.
A música e a letra, de difícil entendimento, de "This is America" são boas, mas o videoclipe de 4 minutos (e quatro segundos) tem tudo para se tornar um marco midiático. Enquanto Gambino dança de modo intenso e chamativo, coisas acontecem ao fundo que foram colocadas em segundo plano, que parece ser justamente para criticar a forma como a mídia tradicional mostra a violência contra os negros. Não deixa de mostrar, mas com um enfoque secundário enquanto outras distrações (ruídos, em linguagem comunicacional) alienantes desviam a atenção para futilidades. Assim, a mesma mensagem possui camadas de informação para públicos com diferentes níveis de preparo para sua interpretação.
Isso Gambino mostra dançando em uma hangar de forma animada com o torso descoberto enquanto a violência explode ao fundo, com assassinatos e até um suicídio sem alarido. Gambino veste uma calça de uniforme confederado, o mesmo que os soldados sulistas, que foram derrotados na guerra civil americana onde os estados do sul tentavam se tornar independentes e impedir a abolição da escravatura, usavam, enquanto faz sua performance. A bandeira confederada é usada até hoje hoje pelos supremacistas brancos.
Logo no início do clipe aparece um homem negro tocando violão [00:00:10 ##film##]. Esse homem é muito semelhante ao pai de Trayvon Martin, um adolescente negro morto por um vigilante que achava que o rapaz era um bandido só porque usava um capuz. Gambino faz uma pose estranha enquanto dispara contra o homem que fazia os acordes enquanto esse já aparece usando capuz. [00:00:45 ##film##] Uma alusão ao não reconhecimento histórico do legado cultural da música negra aos outros estilos musicais que são formadores da identidade cultural americana, como o rock, por exemplo.
Sua pose na hora do disparo remete a Jim Crown, personagem criado por Thomas D. Rice no Mississipi do final do século XIX, no Mississippi, que promoveu de leis de segregação racial (conhecidas como leis Jim Crow). Foi Rice quem introduziu a separação de espaços conforme a cor: os negros passaram a ter limitações, por exemplo, em escolas, ônibus e repartições do Estado. Jim Crown era representado em cartazes fazendo poses bizarras e Rice costumava se apresentar usando "blackface", isto é, com o rosto pintado de preto, enquanto contava piadas sobre negros.
Gambino também faz uma expressão facial onde arregala muito apenas um olho. [00:00:35 ##film##] Uma remissão a um personagem negro, de uma animação adulta (série The Boondocks, do canal Cartoon Networks) Tio Ruckus, um negro que acha que é branco e que odeia os negros. Metralha um coro gospel evocando o massacre de nove pessoas em uma igreja frequentada por negros em 2015, em Charleston [00:01:35 ##film##] e corre de pessoas que estão desfocadas ao fundo [00:03:38 ##film##], em roupas que lembram uniforme de policiais. São inúmeras denúncias e referências à história da população negra americana que ainda serão foco de debate e revelações durante algum tempo.
O clipe é dirigido por Hiro Murai e foi parcialmente inspirado pelo filme brasileiro Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles. Murai afirmou ao site da revista Variety que a concepção visual do clipe foi inspirada na ideia de “um vídeo de dança que se passa nos últimos vinte minutos do filme Mãe! ou no mundo de Cidade de Deus”.
“Donald ficou responsável pelo conceito inicial do clipe porque ele sabia do que a música tratava, e eu só comecei a trabalhar quando ele estava mixando as partes finais da canção. Mas no processo criativo do vídeo, foi como se estivéssemos brincando de batata quente com as ideias — mesmo enquanto estávamos filmando.”
Hiro Murai
Além de ser tema discussões pelas mídias sociais, o vídeo também foi decifrado por jornais e revistas da mídia tradicional, como o The Washington Post e a revista Time. Essa última precisou até mesmo contratar especialistas na história da música para decodificar alguns dos enigmas do clipe. Mas seus ovos de páscoa vão muito além de passagens musicais, como o cavalo branco [00:02:32 ##film##] que faz evocação escatológica à morte (ou o anticristo, dependendo da hermenêutica adotada), lembrando um dos cavaleiros do apocalipse na livro bíblico do Apocalipse 6:8.
Assim, This Is America pode ao mesmo tempo chamar a atenção à violência praticada com armas de fogo e à permissiva cultura de armas, como quando as armas são entregues a jovens que as coletam com todo cuidado após um homicídio ter acabado de ocorrer (e o cadáver não sendo tratado com tal esmero) [00:00:49 ##film##], ao abuso de poder da polícia (polícia essa, que se ausenta quando o crime é contra os negros, simbolizado por carros de polícia sem policiais), ao hiperconsumismo da sociedade americana e a até mesmo à mercantilização da causa negra. Não importa, se isto é a América dos norteamericanos, há muito o que melhorar em termos de integração racial na sociedade. Quem sabe esse choque dialético entre Donalds traga um novo status inclusivo na democracia dos "brothers" do norte?
Fonte: Veja, Omelete, Meteoro Brasil, Sapo 24
[Visto no Brasil Acadêmico]
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