O peripatético Luiz Felipe Pondé discute religião além do senso comum com um grupo bem heterogêneo.
O peripatético Luiz Felipe Pondé discute religião além do senso comum com um grupo bem heterogêneo.
Peripatético é uma série de programas de 26 minutos inspirada na escola filosófica aristotélica, que levava seus discípulos ao ar livre para pensar e compreender o mundo, e em seu terceiro episódio tem como tema a fé.
[00:00:35 ##film##]
Para falar sobre esse assunto foram convidados Ítalo Fasanella (Fundador de uma Comunidade Católica), Ed René Kivitz (Pastor da Igreja Batista Reformada e Teólogo com Mestrado em Ciências da Religião), Ma Dhyan Bavhia (Adepta da Meditação) e Jaime Alves (Ateu e gerente de T.I.).
Luiz Felipe Pondé: Eu costumo dizer que um dos assuntos preferidos dos jantares inteligentes é falar mal de religião. É chique afirmar que as religiões são opressoras e atrasadas. Destruir a fé um passatempo de intelectuais cheios de razão. Enquanto isso, pregamos harmonia entre as crenças e o debate patina lugar comum. Deus por sua vez segue alheio à banalidade e continua sendo um dos conceitos filosóficos mais elegantes. Para se falar de Deus é necessário seja de fato inteligente e isso é que o senso comum não imagina.
(...)
[00:02:22 ##film##]
Ed René Kivitz: Tem uma história legal dos rabinos. Os rabinos ficaram a noite toda discutindo se Deus existe, se Deus não existe e concluíram que deus não existia. Aí, pela manhã, um acordou, procura pelo outro na casa não achou, encontrou lá fora no jardim. "O que você está fazendo, rapaz?" "Eu estou fazendo a minha liturgia." "Mas a gente não concluiu que Deus não existe?" "Ué, mas o quê que Deus tem a ver com isso?" (Risos)
LFP: Nelson Rodrigues, aquele dramaturgo, dizia que quando "retirava a imortalidade a gente cai de quatro", quer dizer, então a gente é só bicho?
Jaime Alves: Um bicho... metido a besta.
LFP: Ou abelha mais comple xa...
JA: É. Uma abelha que fez Harvard.
LFP: Então, a gente está aqui a fazer um mel chique.
JA: É. Um mel chique. (Risos)
JA: Teve um cursozinho, devo ter feito com 5 ou 6 anos... Comecei a ler a bíblia e as coisas não faziam sentido. Logo no gênesis, eu não estou entendendo isso aqui...
LFP: De onde veio a mulher de Caim?
JA: É. De onde veio o resto das pessoas? Foi a primeira pergunta que eu fiz para o pastor.
LFP: O quê que ele te falou?
JA: Esse é o mistério de Deus.
LFP: "Não enche o saco menino!" Ah! O mistério de Deus.
[00:03:42 ##film##]
LFP: Entre Abraão e Darwin... Darwin!?
JA: Darwin. Sempre Darwin.
LFP: Você acha que é melhor ser ateu?
JA: Eu acho que é melhor ser ateu.
LFP: Você acha que o religioso, do teu ponto de vista, está embarcando no bonde errado.
JA: É.
[00:04:05 ##film##]
LFP: Toda religião é válida? Para o Jaime parece que nenhuma delas vale coisa nenhuma. Toda a região está certa?
Ítalo Fasanella: Talvez não seja a questão do certo ou do errado se a partir do ponto de vista da família humana. Todos somos seres semelhantes. E se uma religião favorece uma convivência pacífica, de respeito ao semelhante independente das suas opções eu acho que isso tem valor.
LFP: Imagina que um dos seus filhos então, sua filha, resolveu casar com alguém do candomblé e quer fazer um ritual de casamento no terreiro, tudo bem?
ÍF: Doutrinariamente eu não aceitaria. Na prática eu não aceitaria. Mas não significa que há uma falta de respeito ao culto e, sobretudo, às pessoas.
LFP: Mas não acaba sendo um respeito meio vazio esse?
ÍF: Aparentemente, sim. Mas eu penso que é possível uma existência pacífica, porque...
LFP: Pacífica, sim. Contanto que um more na Zona Leste e o outro na Zona Oeste.
ÍF: Não, mas eu venho de uma família de espíritas.
LFP: Mas você não ia gostar que de repente tua filha case numa sinagoga ou num terreiro.
ÍF: É, sim, pessoalmente eu não gostaria.
LFP: Toda religião é válida. Mas ele é válida até o momento em que ela não interfira no meu cotidiano.
(...)
[00:05:31 ##film##]
LFP: Com medo de sermos vistos como intolerantes, evitamos briga e brincamos de relativistas, dizendo que cada um tem sua verdade. Mas diante de problemas concretos os conflitos logo aparecem.
[00:05:46 ##film##]
ERK: A última vez que eu me vi nessa situação tomei um pau lascado que eu falei que não era, que eu achava que tinha religião que fazia mal, experiência religiosa que fazia mal, existe uma contradição entre as religiões se você faz uma opção por A você não pode tolerar o B. (...) Eu estava na Bahia num congresso de diálogo inter-religioso. Eu não consigo entender como que um padre reza uma missa e coloca um pai-de-santo dentro do altar e lava a escadaria da igreja do Bonfim com as entidades e Jesus no meio... Para mim isso é uma confusão lascada, e a conclusão é que o auditório reagiu dizendo que eu era um sulista burguês fundamentalista branco não respiro branco e que não respeitava a diversidade cultural da Bahia. Eu falei:
[00:06:31 ##film##]
LFP: Então Ed, você tá dizendo que não dá para se ter um convívio sempre pacífico entre as religiões.
ERK: Não dá. Vai entrar em choque. Não é possível dizer assim: "Ah! Legal." É o que você estava falando: "Eu respeito." Mas eu não respeito. Eu tolero. Eu acho que você está equivocado. Às vezes, mais do que o equivocado, eu acho que você é um idiota. Mas porque nós somos civilizados nós vamos repartir o pão.
Ma Dhyan Bavhia: Por termos características muito diferentes, precisamos de coisas diferentes.(...)
[00:07:56 ##film##]
LFP: Bavhia, como que a gente faz pra falar com Deus?
MDB: Eu não consigo muito... Eu não consego nada ver esse Deus... Uma coisa fora. Como uma entidade.(...)
LFP: Você é uma animista? No sentido em que você acredita que existe uma espécie de alma do mundo.
MDB: Isso. Eu acredito.
LFP: Mas não é uma pessoa.
MDB: Não é uma pessoa.
LPD: Mas é o quê?
MDB: Uma energia.
[00:10:01 ##film##]
LFP: No final das contas, religião é só autoajuda.É a impressão que eu fico depois da nossa conversa aqui. Nesse primeiro momento. Eu compro esse pacote aqui. Se serve para mim, tudo bem. Se eu resolver ser do candomblé, tudo bem. Se eu resolver ser judeu, tudo bem. Fazer aborto, tudo bem. Se eu resolveram não fazer, tudo bem. Entende o que eu estou dizendo?
LFP: A religião se encontra em xeque. Não há como todos estarmos certos em nossas escolhas. Ou só um está certo, ou todos estão errados. Sem isso, a religião deixa de servir como forma de interrogar a condição humana. Sem isso, a religião se transforma em uma maneira civilizada de encontrar conforto. Jesus, Buda ou Dalai Lama se tornam consultores de sucesso existencial.
JA: Sob certo ponto de vista, todo mundo é ateu com a religião alheia. A única diferença de mim é que eu adiciono um a mais.
ERK: Você diria para mim: A diferença entre nós dois é que eu sou ateu de um deus a mais, o seu. (Risos)
[00:12:18 ##film##]
ÍF: Eu sempre acreditei em Deus. Mas um deus longe, distante. Mas algo começou a mexer dentro de mim e começou a me dar alguns outros critérios na vida. Aquilo que eu vivia, alguns valores começaram a perder
sentido.
LFP: Você é um Lázaro?
ÍF: Em que sentido.
LFP: Estava morto e ressuscitou?
ÍF: Nesse sentido com certeza. Eu me sentia em uma vida nova.
[00:12:47 ##film##]
LFP: Eu sou a ressurreição e a vida. O que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. Assim disse Jesus a Maria. Antes de ressuscitar Lázaro, Morto há quatro dias.
LFP: Outra passagem bíblica que trata do renascimento para uma nova vida, acontece quando Paulo está a caminho de Damasco. Ao cair de seu cavalo, Paulo recebe a visita de Jesus e se torna Cristão.
[00:13:15 ##film##]
LFP: Ed, você acha que falta ao Jaime pegar o caminho de Damasco?
ERK: Não, acho que falta o caminho de Damasco pegar ele. A discussão racional a respeito da fé é uma perfumaria. É uma distração e é uma evidência de busca. Eu vejo isso em mim. Eu discuto muito racionalmente a minha fé. Eu convivo com muita dúvida. Mas as minhas dúvidas não me impedem de crer. Eu tenho tudo pra ser ateu. Mas eu não consigo ser.
(...)
[00:14:03 ##film##]
LFP: Na hora de compartilhar o pão aparece uma questão fundamental: Dizer que Deus quem escolhe os que crêem, significa dizer que os ateus não são escolhidos.
LFP: Os seres humanos crêem em alguma forma de sobrenatural desde a pré-história. Você acha que esses caras estão viajando na maionese?
JA: Eu acho. Alguma tribo, que não teve contato com a civilização, no meio do Quênia, vê passar um avião e procura uma explicação dentro do conjunto de crenças deles. O que falta a eles? Falta o conhecimento. Então ele procura encaixar aquilo que ele viu dentro do pequeno universo dele.
LFP: Então você prega o ateísmo. Você prega o ateísmo no sentido de que fé é falta de conhecimento.
Em jantares inteligentes a religião é ilusão e deus está morto.
JA: A religião não define caráter.
ERK: Mas define QI?
JA: Não, não define QI também, não define QI. Você não se torna automaticamente burro por acreditar no grande pão de mel cósmico que vive na nebulosa do cavalo.
LFP: Pão de mel? Eu adoro pão de mel.
ERK: Aí você exagerou.
JA: É uma religião que eu pretendo fundar: O grande pão de mel cósmico.
[00:14:58 ##film##]
LFP: Nos jantares inteligentes não se crê em Deus. Mas na nutricionista. O ateísmo ataca Deus mas seu novo oráculo é a ciência.
(...)
[00:16:12 ##film##]
(...)
[00:16:36 ##film##]
Diante do problema algumas soluções parecem ser as mais simples. Uma delas associa a religião à ignorância. Outra maneira de fugir do conflito é investir na espiritualidade. Essa espécie de religião auto-sustentável. Que nos protege da angústia e ao mesmo tempo das críticas. Onde todos são aceitos. Onde todo mundo é bonitinho.
(...)
[00:17:10 ##film##]
LFP: No século 17, por exemplo, um filósofo muito famoso, chamado Blaise Pascal, matemático, ele fez um argumento, onde você tem um católico, que é um crente, argumentando com um libertino, como se falava na época, que é um descrente, em que ele tenta provar então para o descrente, em um primeiro momento que é racional apostar na existência de Deus.
[00:17:38 ##film##]
Se você investe na existência de Deus e você morre, e deus não existe. Morreu acabou.
Se você investe na ideia que Deus existe, e chegar lá, e Deus existe. Você investir um pouco e ganhou a eternidade.
Se você investiu na ideia que Deus não existe e não viveu segundo a vontade de Deus. Morreu, chegou lá, topou com Deus, ele vai falar agora você vai pagar o que você fez.
Na realidade o nome desse fragmento da obra de Blaise Pascal é o infinito nada.
Tem um detalhe que em geral escapa da famosa aposta de Pascal. O libertino concorda com o filósofo que do ponto de vista de uma aposta é melhor acreditar em Deus. Mas ainda assim ele não consegue ter fé. Pascal então responde: Não é a razão que leva a Deus. Mas é Deus quem escolhe os que vão conhecê-lo. O caminho de Damasco talvez não seja para todos.
[00:18:49 ##film##]
LFP: (...) O que você acha desse argumento do pão de mel cósmico como absurdo da religião.
ERK: Eu acho que ele não é um absurdo da religião. Eu acho que ele é um absurdo da condição humana. A ciência também já acreditou em pão de mel cósmico. A ciência mudou de ideia. Não só a igreja mudou de ideia, a ciência muda de ideia. Por definição a ciência tem que mudar de ideia. Se ciência é a descoberta da realidade. Decifrar a realidade. Então ela vai mudar de ideia. Então quando ela muda de ideia a gente vai dizer: Então aquilo que ela deixou pra trás é pão de mel cósmico. Eu acho que a condição humana é passível de acreditar em qualquer coisa. Inclusive pão de mel cósmico. Mas daí a comparar a crença em Deus à crença de mel cósmico é um exagero, né? Você falou brincando. Porque se você pega a crença em Deus, você tem civilizações construídas a partir da crença em Deus. Você tem processo históricos. Você tem argumentos plausíveis tanto quanto. Às vezes, também eu acho que a discussão "Deus existe ou deus não existe", voltando à história dos rabinos lá de manhã, acaba sendo uma discussão para ver quem tem o melhor argumento ou quem é mais inteligente. Mas, não afeta a realidade de Deus.
[00:20:10 ##film##]
(...)
[00:21:35 ##film##]
LFP: Jaime, depois dessa nossa conversa hoje você sai mais ateu do que entrou aqui. Reforçou a sua hipótese de que as religiões são na verdade crença sem substância.
JA: Reforça. Reforça. Tudo o que a gente debateu. Tudo que me fez pensar. Mostra que potencialmente estou no caminho certo.
LFP: Você acha que ser ateu é mais fácil?
ÍF: Eu acho que sim até porque nós que seguimos uma religião, apesar de toda a liberdade que a gente segue. Mas existe uma pressão moral para a gente se manter dentro de uma dentro de uma linha. Dentro de uma ética e que nem sempre é fácil. Agora quando eu não acredito e não tenho parâmetros que devem me guiar. Eu penso que mais fácil.
(...)
[00:22:33 ##film##]
MDB: Gozado, eu tenho a sensação que é mais solitário, também. Eu sozinho tem que dar conta de mim. Então, pode ser mais fácil e tudo. (suspiro) Mas exige, eu acho, uma força maior.
(...)
[00:24:08 ##film##]
ERK: Qual é o problema da religião:
A complexidade da vida, da existência humana, da realidade do universo, da própria alma humana, da interioridade humana, isso é tão complexo que não cabe em nenhum sistema religioso. Em algum momento não vai bater. Aquele sistema organizado que lhe ofereceram quando você começa a viver não vai bater e quando não bate você é jogado na angústia. Ou você vai pra alienação e para negação. Ou você vai para o ceticismo completo. Ou você tenta fazer uma síntese dessas possibilidades.
[00:24:45 ##film##]
LFP: A religião pode se tornar apenas uma defesa ao flertar com o relativismo e o existencialismo e assim ficar chique. Uma forma de fugir do vazio que nos espreita.
Em que acreditar? Em Jesus? Em Buda? Na ciência? Em energias? Mas religião é mais do que um manual de autoajuda. Ele é uma forma de pensamento um deserto. Um grande encontro com o nada. E é justamente nesse nada que está a revelação.
JA: Eu acredito que eu talvez seja a parte mais disposta a perder. Enquanto isso, eu fico com as evidências que existem, ou seja: Nenhuma.
ERK: Eu acho que eu gostaria de falar isso: Que o debate a respeito da fé em Deus ele acaba sempre se degenerando para uma crítica a respeito da religião.
Fonte: YouTube, Wikipedia, Bíblia Online
[Visto no Brasil Acadêmico]
Peripatético é uma série de programas de 26 minutos inspirada na escola filosófica aristotélica, que levava seus discípulos ao ar livre para pensar e compreender o mundo, e em seu terceiro episódio tem como tema a fé.
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Para falar sobre esse assunto foram convidados Ítalo Fasanella (Fundador de uma Comunidade Católica), Ed René Kivitz (Pastor da Igreja Batista Reformada e Teólogo com Mestrado em Ciências da Religião), Ma Dhyan Bavhia (Adepta da Meditação) e Jaime Alves (Ateu e gerente de T.I.).
Luiz Felipe Pondé: Eu costumo dizer que um dos assuntos preferidos dos jantares inteligentes é falar mal de religião. É chique afirmar que as religiões são opressoras e atrasadas. Destruir a fé um passatempo de intelectuais cheios de razão. Enquanto isso, pregamos harmonia entre as crenças e o debate patina lugar comum. Deus por sua vez segue alheio à banalidade e continua sendo um dos conceitos filosóficos mais elegantes. Para se falar de Deus é necessário seja de fato inteligente e isso é que o senso comum não imagina.
(...)
[00:02:22 ##film##]
Falar de religião é sempre caminhar entre a fé e a razão. Deus talvez esteja pouco ligando para as nossas interrogações. Isso se Deus existir é claro.[00:02:33 ##film##]
Ed René Kivitz: Tem uma história legal dos rabinos. Os rabinos ficaram a noite toda discutindo se Deus existe, se Deus não existe e concluíram que deus não existia. Aí, pela manhã, um acordou, procura pelo outro na casa não achou, encontrou lá fora no jardim. "O que você está fazendo, rapaz?" "Eu estou fazendo a minha liturgia." "Mas a gente não concluiu que Deus não existe?" "Ué, mas o quê que Deus tem a ver com isso?" (Risos)
LFP: Nelson Rodrigues, aquele dramaturgo, dizia que quando "retirava a imortalidade a gente cai de quatro", quer dizer, então a gente é só bicho?
Jaime Alves: Um bicho... metido a besta.
LFP: Ou abelha mais comple xa...
JA: É. Uma abelha que fez Harvard.
LFP: Então, a gente está aqui a fazer um mel chique.
JA: É. Um mel chique. (Risos)
JA: Teve um cursozinho, devo ter feito com 5 ou 6 anos... Comecei a ler a bíblia e as coisas não faziam sentido. Logo no gênesis, eu não estou entendendo isso aqui...
LFP: De onde veio a mulher de Caim?
JA: É. De onde veio o resto das pessoas? Foi a primeira pergunta que eu fiz para o pastor.
LFP: O quê que ele te falou?
JA: Esse é o mistério de Deus.
LFP: "Não enche o saco menino!" Ah! O mistério de Deus.
[00:03:42 ##film##]
O ateísmo se agarra as coisas concretas. No seu mundo, não há espaço para a abstração. Nem vontade de penetrar no mistério.
LFP: Entre Abraão e Darwin... Darwin!?
JA: Darwin. Sempre Darwin.
LFP: Você acha que é melhor ser ateu?
JA: Eu acho que é melhor ser ateu.
LFP: Você acha que o religioso, do teu ponto de vista, está embarcando no bonde errado.
JA: É.
[00:04:05 ##film##]
LFP: Toda religião é válida? Para o Jaime parece que nenhuma delas vale coisa nenhuma. Toda a região está certa?
Ítalo Fasanella: Talvez não seja a questão do certo ou do errado se a partir do ponto de vista da família humana. Todos somos seres semelhantes. E se uma religião favorece uma convivência pacífica, de respeito ao semelhante independente das suas opções eu acho que isso tem valor.
LFP: Imagina que um dos seus filhos então, sua filha, resolveu casar com alguém do candomblé e quer fazer um ritual de casamento no terreiro, tudo bem?
ÍF: Doutrinariamente eu não aceitaria. Na prática eu não aceitaria. Mas não significa que há uma falta de respeito ao culto e, sobretudo, às pessoas.
LFP: Mas não acaba sendo um respeito meio vazio esse?
ÍF: Aparentemente, sim. Mas eu penso que é possível uma existência pacífica, porque...
LFP: Pacífica, sim. Contanto que um more na Zona Leste e o outro na Zona Oeste.
ÍF: Não, mas eu venho de uma família de espíritas.
LFP: Mas você não ia gostar que de repente tua filha case numa sinagoga ou num terreiro.
ÍF: É, sim, pessoalmente eu não gostaria.
LFP: Toda religião é válida. Mas ele é válida até o momento em que ela não interfira no meu cotidiano.
(...)
[00:05:31 ##film##]
LFP: Com medo de sermos vistos como intolerantes, evitamos briga e brincamos de relativistas, dizendo que cada um tem sua verdade. Mas diante de problemas concretos os conflitos logo aparecem.
[00:05:46 ##film##]
ERK: A última vez que eu me vi nessa situação tomei um pau lascado que eu falei que não era, que eu achava que tinha religião que fazia mal, experiência religiosa que fazia mal, existe uma contradição entre as religiões se você faz uma opção por A você não pode tolerar o B. (...) Eu estava na Bahia num congresso de diálogo inter-religioso. Eu não consigo entender como que um padre reza uma missa e coloca um pai-de-santo dentro do altar e lava a escadaria da igreja do Bonfim com as entidades e Jesus no meio... Para mim isso é uma confusão lascada, e a conclusão é que o auditório reagiu dizendo que eu era um sulista burguês fundamentalista branco não respiro branco e que não respeitava a diversidade cultural da Bahia. Eu falei:
[00:06:31 ##film##]
Não é uma questão de respeitar a diversidade cultural. É de perceber que existem lógicas em choque. Eu não tenho dificuldade nenhuma de dizer que há experiências religiosas que são nefastas.
LFP: Então Ed, você tá dizendo que não dá para se ter um convívio sempre pacífico entre as religiões.
ERK: Não dá. Vai entrar em choque. Não é possível dizer assim: "Ah! Legal." É o que você estava falando: "Eu respeito." Mas eu não respeito. Eu tolero. Eu acho que você está equivocado. Às vezes, mais do que o equivocado, eu acho que você é um idiota. Mas porque nós somos civilizados nós vamos repartir o pão.
Ma Dhyan Bavhia: Por termos características muito diferentes, precisamos de coisas diferentes.(...)
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LFP: Bavhia, como que a gente faz pra falar com Deus?
MDB: Eu não consigo muito... Eu não consego nada ver esse Deus... Uma coisa fora. Como uma entidade.(...)
LFP: Você é uma animista? No sentido em que você acredita que existe uma espécie de alma do mundo.
MDB: Isso. Eu acredito.
LFP: Mas não é uma pessoa.
MDB: Não é uma pessoa.
LPD: Mas é o quê?
MDB: Uma energia.
[00:10:01 ##film##]
LFP: No final das contas, religião é só autoajuda.É a impressão que eu fico depois da nossa conversa aqui. Nesse primeiro momento. Eu compro esse pacote aqui. Se serve para mim, tudo bem. Se eu resolver ser do candomblé, tudo bem. Se eu resolver ser judeu, tudo bem. Fazer aborto, tudo bem. Se eu resolveram não fazer, tudo bem. Entende o que eu estou dizendo?
Nesse afã de todo mundo se entender bem e se amar e conviver, acaba sendo uma espécie de autoajuda.
LFP: A religião se encontra em xeque. Não há como todos estarmos certos em nossas escolhas. Ou só um está certo, ou todos estão errados. Sem isso, a religião deixa de servir como forma de interrogar a condição humana. Sem isso, a religião se transforma em uma maneira civilizada de encontrar conforto. Jesus, Buda ou Dalai Lama se tornam consultores de sucesso existencial.
JA: Sob certo ponto de vista, todo mundo é ateu com a religião alheia. A única diferença de mim é que eu adiciono um a mais.
ERK: Você diria para mim: A diferença entre nós dois é que eu sou ateu de um deus a mais, o seu. (Risos)
Conversão no Caminho de Damasco (Caravaggio) |
ÍF: Eu sempre acreditei em Deus. Mas um deus longe, distante. Mas algo começou a mexer dentro de mim e começou a me dar alguns outros critérios na vida. Aquilo que eu vivia, alguns valores começaram a perder
sentido.
LFP: Você é um Lázaro?
ÍF: Em que sentido.
LFP: Estava morto e ressuscitou?
ÍF: Nesse sentido com certeza. Eu me sentia em uma vida nova.
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LFP: Eu sou a ressurreição e a vida. O que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. Assim disse Jesus a Maria. Antes de ressuscitar Lázaro, Morto há quatro dias.
Na fé cristã somos todos Lázaros.
LFP: Outra passagem bíblica que trata do renascimento para uma nova vida, acontece quando Paulo está a caminho de Damasco. Ao cair de seu cavalo, Paulo recebe a visita de Jesus e se torna Cristão.
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LFP: Ed, você acha que falta ao Jaime pegar o caminho de Damasco?
ERK: Não, acho que falta o caminho de Damasco pegar ele. A discussão racional a respeito da fé é uma perfumaria. É uma distração e é uma evidência de busca. Eu vejo isso em mim. Eu discuto muito racionalmente a minha fé. Eu convivo com muita dúvida. Mas as minhas dúvidas não me impedem de crer. Eu tenho tudo pra ser ateu. Mas eu não consigo ser.
(...)
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LFP: Na hora de compartilhar o pão aparece uma questão fundamental: Dizer que Deus quem escolhe os que crêem, significa dizer que os ateus não são escolhidos.
São os ateus que não acreditam em Deus? Ou Deus que não acredita nos ateus?
LFP: Os seres humanos crêem em alguma forma de sobrenatural desde a pré-história. Você acha que esses caras estão viajando na maionese?
JA: Eu acho. Alguma tribo, que não teve contato com a civilização, no meio do Quênia, vê passar um avião e procura uma explicação dentro do conjunto de crenças deles. O que falta a eles? Falta o conhecimento. Então ele procura encaixar aquilo que ele viu dentro do pequeno universo dele.
LFP: Então você prega o ateísmo. Você prega o ateísmo no sentido de que fé é falta de conhecimento.
Em jantares inteligentes a religião é ilusão e deus está morto.
JA: A religião não define caráter.
ERK: Mas define QI?
JA: Não, não define QI também, não define QI. Você não se torna automaticamente burro por acreditar no grande pão de mel cósmico que vive na nebulosa do cavalo.
LFP: Pão de mel? Eu adoro pão de mel.
ERK: Aí você exagerou.
JA: É uma religião que eu pretendo fundar: O grande pão de mel cósmico.
[00:14:58 ##film##]
LFP: Nos jantares inteligentes não se crê em Deus. Mas na nutricionista. O ateísmo ataca Deus mas seu novo oráculo é a ciência.
Bem que o filósofo Nietzche avisou que a próxima parada seria a fé na ciência.
(...)
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Dizem que religião não se discute. Talvez essa seja uma maneira de evitar os impasses que surgem quando se fala de religião.
(...)
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Diante do problema algumas soluções parecem ser as mais simples. Uma delas associa a religião à ignorância. Outra maneira de fugir do conflito é investir na espiritualidade. Essa espécie de religião auto-sustentável. Que nos protege da angústia e ao mesmo tempo das críticas. Onde todos são aceitos. Onde todo mundo é bonitinho.
(...)
[00:17:10 ##film##]
Deus é uma das maiores preocupações humanas. Por isso a filosofia faz perguntas sobre a religião.[00:17:17 ##film##]
LFP: No século 17, por exemplo, um filósofo muito famoso, chamado Blaise Pascal, matemático, ele fez um argumento, onde você tem um católico, que é um crente, argumentando com um libertino, como se falava na época, que é um descrente, em que ele tenta provar então para o descrente, em um primeiro momento que é racional apostar na existência de Deus.
[00:17:38 ##film##]
Se você investe na existência de Deus e você morre, e deus não existe. Morreu acabou.
Se você investe na ideia que Deus existe, e chegar lá, e Deus existe. Você investir um pouco e ganhou a eternidade.
Se você investiu na ideia que Deus não existe e não viveu segundo a vontade de Deus. Morreu, chegou lá, topou com Deus, ele vai falar agora você vai pagar o que você fez.
Na realidade o nome desse fragmento da obra de Blaise Pascal é o infinito nada.
Toda vez que se aposta contra o infinito, você perde.[00:18:14 ##film##]
Tem um detalhe que em geral escapa da famosa aposta de Pascal. O libertino concorda com o filósofo que do ponto de vista de uma aposta é melhor acreditar em Deus. Mas ainda assim ele não consegue ter fé. Pascal então responde: Não é a razão que leva a Deus. Mas é Deus quem escolhe os que vão conhecê-lo. O caminho de Damasco talvez não seja para todos.
[00:18:49 ##film##]
LFP: (...) O que você acha desse argumento do pão de mel cósmico como absurdo da religião.
ERK: Eu acho que ele não é um absurdo da religião. Eu acho que ele é um absurdo da condição humana. A ciência também já acreditou em pão de mel cósmico. A ciência mudou de ideia. Não só a igreja mudou de ideia, a ciência muda de ideia. Por definição a ciência tem que mudar de ideia. Se ciência é a descoberta da realidade. Decifrar a realidade. Então ela vai mudar de ideia. Então quando ela muda de ideia a gente vai dizer: Então aquilo que ela deixou pra trás é pão de mel cósmico. Eu acho que a condição humana é passível de acreditar em qualquer coisa. Inclusive pão de mel cósmico. Mas daí a comparar a crença em Deus à crença de mel cósmico é um exagero, né? Você falou brincando. Porque se você pega a crença em Deus, você tem civilizações construídas a partir da crença em Deus. Você tem processo históricos. Você tem argumentos plausíveis tanto quanto. Às vezes, também eu acho que a discussão "Deus existe ou deus não existe", voltando à história dos rabinos lá de manhã, acaba sendo uma discussão para ver quem tem o melhor argumento ou quem é mais inteligente. Mas, não afeta a realidade de Deus.
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A condição humana vai acreditar em qualquer coisa. Inclusive na ciência.
(...)
[00:21:35 ##film##]
LFP: Jaime, depois dessa nossa conversa hoje você sai mais ateu do que entrou aqui. Reforçou a sua hipótese de que as religiões são na verdade crença sem substância.
JA: Reforça. Reforça. Tudo o que a gente debateu. Tudo que me fez pensar. Mostra que potencialmente estou no caminho certo.
LFP: Você acha que ser ateu é mais fácil?
ÍF: Eu acho que sim até porque nós que seguimos uma religião, apesar de toda a liberdade que a gente segue. Mas existe uma pressão moral para a gente se manter dentro de uma dentro de uma linha. Dentro de uma ética e que nem sempre é fácil. Agora quando eu não acredito e não tenho parâmetros que devem me guiar. Eu penso que mais fácil.
(...)
[00:22:33 ##film##]
MDB: Gozado, eu tenho a sensação que é mais solitário, também. Eu sozinho tem que dar conta de mim. Então, pode ser mais fácil e tudo. (suspiro) Mas exige, eu acho, uma força maior.
(...)
[00:24:08 ##film##]
ERK: Qual é o problema da religião:
A vida não combina com religião.
A complexidade da vida, da existência humana, da realidade do universo, da própria alma humana, da interioridade humana, isso é tão complexo que não cabe em nenhum sistema religioso. Em algum momento não vai bater. Aquele sistema organizado que lhe ofereceram quando você começa a viver não vai bater e quando não bate você é jogado na angústia. Ou você vai pra alienação e para negação. Ou você vai para o ceticismo completo. Ou você tenta fazer uma síntese dessas possibilidades.
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LFP: A religião pode se tornar apenas uma defesa ao flertar com o relativismo e o existencialismo e assim ficar chique. Uma forma de fugir do vazio que nos espreita.
Em que acreditar? Em Jesus? Em Buda? Na ciência? Em energias? Mas religião é mais do que um manual de autoajuda. Ele é uma forma de pensamento um deserto. Um grande encontro com o nada. E é justamente nesse nada que está a revelação.
JA: Eu acredito que eu talvez seja a parte mais disposta a perder. Enquanto isso, eu fico com as evidências que existem, ou seja: Nenhuma.
ERK: Eu acho que eu gostaria de falar isso: Que o debate a respeito da fé em Deus ele acaba sempre se degenerando para uma crítica a respeito da religião.
Fonte: YouTube, Wikipedia, Bíblia Online
[Visto no Brasil Acadêmico]
Eu acho que pra uma pessoa se auto-denominar ateu, essa pessoa precisa ter mais fé do que qualquer religioso. pq acreditar que a existência de tudo não teve interferência de um Ser Maior e mais poderoso que a compreensão da logica humana é ter muita fé.
ResponderExcluirExcelente conclusão!!!! Parabéns Vagner Sales!....
ExcluirSerá que ainda acha isso em vídeo em algum ugar?
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