O cérebro humano é um enigma... ele é curiosamente grande em relação ao tamanho de nosso corpo, consome uma quantidade imensa de energia par...
O cérebro humano é um enigma... ele é curiosamente grande em relação ao tamanho de nosso corpo, consome uma quantidade imensa de energia para o seu peso e tem o córtex cerebral bizarramente denso. Mas: por quê? A neurocientista Suzana Herculano-Houzel põe seu chapéu de detetive e nos conduz por esse mistério. Ao fazer "sopa de cérebro", ela chega a uma conclusão surpreendente.
O que o cérebro humano tem de tão especial? Por que nós estudamos outros animais em vez de eles nos estudarem? O que o cérebro humano tem ou faz a mais que os outros?
Quando me interessei por essas questões 10 anos atrás, cientistas pensavam saber de que eram feitos os cérebros. Mesmo com base em pouca evidência, pensavam que o cérebro dos mamíferos, incluindo o humano, fosse feito do mesmo modo, com número de neurônios sempre proporcional ao tamanho do cérebro. Isto é, dois cérebros de mesmo tamanho, como estes, com respeitáveis 400 gramas, deveriam ter número similar de neurônios. Se neurônios são unidades funcionais de processamento de informação do cérebro, então, os donos desses cérebros deveriam ter habilidades cognitivas semelhantes. No entanto, um é um chimpanzé, e o outro, uma vaca.
Penso que muitos concordam que chimpanzés são capazes de agir de forma muito mais complexa, elaborada e flexível do que vacas. Então, esse é o primeiro indício de que: "cérebros são feitos do mesmo modo", não está correto.
Mas, continuemos. Se todos fossem feitos do mesmo modo, e se comparássemos animais com cérebros de tamanhos diferentes, cérebros maiores deveriam ter mais neurônios do que menores, e quanto maior o cérebro, maior a capacidade cognitiva do seu dono. Então, o maior cérebro de todos deveria ser o mais cognitivamente capaz. E aqui vem a má notícia:
Nosso cérebro pesa de 1,2 kg a 1,5 kg, mas o de elefante pesa de 4 kg a 5 kg, e o de baleia pode chegar a 9 kg, e é por isso que os cientistas diziam que nosso cérebro tem que ser especial para explicar nossa capacidade cognitiva. Ele tem ser realmente extraordinário, uma exceção à regra. O deles pode ser maior, mas o nosso é melhor, e poderia ser melhor, por exemplo, no que parece maior do que deveria, com um córtex cerebral muito maior do que deveríamos ter para o tamanho do nosso corpo. Assim teríamos córtex sobrando para fazer coisas mais interessantes além de comandar o corpo. Isso por que o tamanho do cérebro costuma seguir o do corpo. Portanto, o principal motivo de dizer que nosso cérebro é maior do que deveria, vem de nos compararmos aos grandes macacos. Gorilas podem ser duas a três vezes maiores que nós, e o cérebro deles deveria ser maior que o nosso, no entanto, é o contrário.
O cérebro humano também parece especial no consumo de energia. Embora pese apenas 2% do corpo, ele consome 25% de toda energia usada pelo corpo por dia. São 500 calorias de um total de 2 mil, só para manter o cérebro funcionando.
E aqui a história começou a me incomodar. Na biologia, buscamos regras que se apliquem aos animais e à vida em geral, então, por que as leis da evolução se aplicam a todos, exceto a nós? Talvez o problema estivesse na premissa de que cérebros eram feitos do mesmo modo. Talvez dois cérebros de mesmo tamanho pudessem ser formados com número diferente de neurônios. Talvez um cérebro muito grande não contivesse mais neurônios do que um de tamanho mais modesto. Talvez o humano contivesse mais neurônios do que os outros, independente do tamanho, especialmente no córtex cerebral. Então, para mim, esta se tornou a questão mais importante: quantos neurônios o cérebro humano tem, e como isso se compara a outros animais?
Talvez vocês tenham ouvido falar que temos 100 bilhões de neurônios, então, 10 anos atrás, perguntei aos colegas se sabiam de onde veio esse valor. Mas ninguém sabia. Pesquisei na literatura, a origem desse número, e nada encontrei. Parece que ninguém havia contado, o número de neurônios em humanos, ou em qualquer outro ser.
Então, criei meu próprio modo de contar células no cérebro, e ele consiste em transformar o cérebro em sopa. Funciona assim: Você pega um cérebro, ou partes dele, e o dissolve em um detergente, que destrói as membranas celulares mas mantém intactos os núcleos celulares, obtendo uma suspensão de núcleos livres como esta, como um caldo claro. Esta sopa contém todos os núcleos que já foram um cérebro de rato. A beleza da sopa é que, por ser uma sopa, você pode agitá-la e fazer esses núcleos se distribuírem homogeneamente no líquido, de modo que observando ao microscópio apenas 4 ou 5 amostras dessa solução, você pode contar os núcleos, e dizer o número de células desse cérebro. É simples, direto, e muito rápido. Usamos esse método para contar neurônios de dúzias de espécies diferentes, e concluímos que os cérebros não são construídos da mesma forma. Consideremos roedores e primatas: Nos cérebros maiores dos roedores, o tamanho médio de neurônios aumenta, então o cérebro infla rapidamente e aumenta de tamanho mais rápido do que ganha neurônios. O de primata ganha neurônios sem que o tamanho dos neurônios aumente, em um modo econômico de o cérebro ganhar neurônios. Resultado: o cérebro de primata terá sempre mais neurônios que o de roedor de tamanho igual, e quanto maior o cérebro, maior a diferença. Então, e o nosso cérebro? Descobrimos que temos, em média, 86 bilhões de neurônios, 16 bilhões no córtex cerebral, e se considerarmos que o córtex cerebral é a sede de funções como consciência, raciocínio lógico e abstrato, e que 16 bilhões são o máximo de neurônios de um córtex, essa é a explicação mais simples para nossa notável capacidade cognitiva. Igualmente importante é o significado dos 86 bilhões de neurônios. Por termos descoberto que a relação entre o tamanho do cérebro e o número de neurônios poderia ser descrito matematicamente, pudemos calcular como o cérebro humano seria se fosse como o de roedor.
Um cérebro tão grande seria esmagado pelo próprio peso, e esse cérebro impossível estaria em um corpo de 89 toneladas. Acho que não se parece conosco.
O que nos leva a uma conclusão importante: não somos roedores. O cérebro humano não é um cérebro grande de rato. Comparado a um rato, podemos parecer especiais, mas a comparação é injusta, pois não somos roedores. Somos primatas, então, o certo é comparar a outros primatas. E se você fizer as contas, descobrirá que um primata qualquer com 86 bilhões de neurônios teria o cérebro de 1,2 kg, o que parece correto em um corpo de 66 kg, o que é exatamente meu caso, nos levando a uma conclusão nada surpreendente mas incrivelmente importante: Eu sou um primata. Todos vocês são primatas.
E Darwin também era.
Portanto, o cérebro humano é notável, mas não é especial quanto ao número de neurônios. É apenas um cérebro grande de primata. Acho que é um pensamento muito humilde e sensato, que nos lembra de nosso lugar na natureza.
Então, por que ele consome tanta energia? Outras pessoas descobriram o custo energético do cérebro humano e de outras espécies, e como sabemos quantos neurônios cada cérebro possui, podemos fazer as contas. E o resultado é que tanto o cérebro humano quanto os outros gastam o mesmo, uma média de 6 calorias/bilhão de neurônios ao dia. E o custo total de energia de um cérebro é uma simples função linear do seu número de neurônios, e assim o cérebro humano consome quase tanta energia quanto deveria. Portanto, a razão de o cérebro humano consumir tanta energia é por possuir muitos neurônios, e porque somos primatas com muito mais neurônios para o nosso tamanho do que os outros animais, o custo de nosso cérebro é grande, mas não é só por sermos primatas, que somos especiais.
A última pergunta: como chegamos a esse impressionante número de neurônios? e em especial, se grandes macacos são maiores do que nós, por que não têm cérebro maior que o nosso, com mais neurônios? Quando percebemos como é caro ter tantos neurônios no cérebro, pensei, talvez haja uma razão simples. Eles não dispõem de energia para um corpo grande e um número alto de neurônios Então fizemos as contas. De um lado, calculamos quanta energia um primata obtém por dia comendo alimentos crus, e de outro, quanta energia um corpo de certo tamanho consome e a energia que um cérebro de certo número de neurônios consome, e observamos as combinações de tamanho do corpo e número de neurônios no cérebro que um primata obteria se comesse por certo número de horas por dia.
E descobrimos que para os neurônios serem tão caros, há uma compensação entre tamanho do corpo e número de neurônios. Então, um primata que come 8 horas por dia pode dispor de um máximo de 53 bilhões de neurônios, mas seu corpo não poderia pesar mais que 25 kg. Para pesar mais que isso, teria que ceder neurônios. Então, ou tem um corpo grande ou um número alto de neurônios. Quando se come como primata, não dá para ter ambos.
Uma saída para essa limitação metabólica seria passar mais horas por dia comendo, mas isso se torna perigoso, e se passar de um ponto, fica impossível. Gorilas e orangotangos, obtém uns 30 bilhões de neurônios comendo por 8 h e 30 min ao dia, e isso parece ser o máximo que conseguem. Nove horas de alimentação por dia parece ser o limite de um primata.
E nós? Com 86 bilhões de neurônios e 60 a 70 kg de massa corporal, teríamos que gastar mais de 9 horas por dia comendo, o que é impraticável.
Então, como chegamos aqui? Se nosso cérebro consome tanta energia quanto deveria, e não podemos passar o tempo acordado nos alimentando, a única alternativa, é obter, de algum modo, mais energia dos mesmos alimentos. E isso coincide exatamente com o que acreditamos nossos ancestrais fizeram há 1,5 milhões de anos, quando inventaram o cozimento. Cozinhar é usar o fogo para pré-digerir alimentos fora do corpo. Alimentos cozidos são mais macios, mais fáceis de mastigar e de amolecer na boca, para serem totalmente digeridos e absorvidos no intestino, obtendo, assim, mais energia em menos tempo. Portanto, cozinhar nos libera tempo para fazer coisas mais interessantes com nosso dia e nossos neurônios do que apenas pensar em comida, procurá-la e engoli-la o dia todo.
Portanto, graças ao cozimento, o que antes era mais um risco, esse cérebro grande e caro com muitos neurônios, se tornou uma grande vantagem, agora que podemos bancar energia para tantos neurônios e tempo para coisas interessantes. Penso que isso explica por que nosso cérebro evoluiu rapidamente até se tornar tão grande, e ao mesmo tempo permanecendo apenas um cérebro de primata. Com um cérebro grande obtido pelos alimentos cozidos, passamos rapidamente da comida crua à cultura, agricultura, civilização, mercados, eletricidade, geladeiras, todas essas coisas que hoje nos permitem conseguir energia necessária para um dia inteiro em uma única ida a nossa rede favorita de fast food. Bom, o que antes era a solução, agora é um problema, e, ironicamente, buscamos a solução nos alimentos crus.
Qual é a vantagem de sermos humanos? O que possuímos que nenhum outro animal possui? Minha resposta é que possuímos o maior número de neurônios no córtex cerebral, e essa é a explicação mais simples para nossas notáveis habilidades cognitivas. E o que fazemos que nenhum outro animal faz, que acredito ter sido fundamental para nos permitir chegar a tal número, o maior de todos, de neurônios no córtex? Em duas palavras: nós cozinhamos.
Estudar o cérebro humano mudou minha opinião sobre os alimentos. Agora eu olho minha cozinha, faço uma reverência, e agradeço a nossos ancestrais o invento que provavelmente nos tornou humanos. Muito obrigada.
(Aplausos)
Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]
O que o cérebro humano tem de tão especial? Por que nós estudamos outros animais em vez de eles nos estudarem? O que o cérebro humano tem ou faz a mais que os outros?
Quando me interessei por essas questões 10 anos atrás, cientistas pensavam saber de que eram feitos os cérebros. Mesmo com base em pouca evidência, pensavam que o cérebro dos mamíferos, incluindo o humano, fosse feito do mesmo modo, com número de neurônios sempre proporcional ao tamanho do cérebro. Isto é, dois cérebros de mesmo tamanho, como estes, com respeitáveis 400 gramas, deveriam ter número similar de neurônios. Se neurônios são unidades funcionais de processamento de informação do cérebro, então, os donos desses cérebros deveriam ter habilidades cognitivas semelhantes. No entanto, um é um chimpanzé, e o outro, uma vaca.
Quem sabe vacas têm uma vida mental tão rica e são tão espertas que preferem que não saibamos disso, mas nós as comemos.
Penso que muitos concordam que chimpanzés são capazes de agir de forma muito mais complexa, elaborada e flexível do que vacas. Então, esse é o primeiro indício de que: "cérebros são feitos do mesmo modo", não está correto.
Mas, continuemos. Se todos fossem feitos do mesmo modo, e se comparássemos animais com cérebros de tamanhos diferentes, cérebros maiores deveriam ter mais neurônios do que menores, e quanto maior o cérebro, maior a capacidade cognitiva do seu dono. Então, o maior cérebro de todos deveria ser o mais cognitivamente capaz. E aqui vem a má notícia:
Nosso cérebro não é o maior de todos. É um paradoxo.
Nosso cérebro pesa de 1,2 kg a 1,5 kg, mas o de elefante pesa de 4 kg a 5 kg, e o de baleia pode chegar a 9 kg, e é por isso que os cientistas diziam que nosso cérebro tem que ser especial para explicar nossa capacidade cognitiva. Ele tem ser realmente extraordinário, uma exceção à regra. O deles pode ser maior, mas o nosso é melhor, e poderia ser melhor, por exemplo, no que parece maior do que deveria, com um córtex cerebral muito maior do que deveríamos ter para o tamanho do nosso corpo. Assim teríamos córtex sobrando para fazer coisas mais interessantes além de comandar o corpo. Isso por que o tamanho do cérebro costuma seguir o do corpo. Portanto, o principal motivo de dizer que nosso cérebro é maior do que deveria, vem de nos compararmos aos grandes macacos. Gorilas podem ser duas a três vezes maiores que nós, e o cérebro deles deveria ser maior que o nosso, no entanto, é o contrário.
Nosso cérebro é 3 vezes maior que o de gorila.
O cérebro humano também parece especial no consumo de energia. Embora pese apenas 2% do corpo, ele consome 25% de toda energia usada pelo corpo por dia. São 500 calorias de um total de 2 mil, só para manter o cérebro funcionando.
Então, o cérebro humano é maior do que deveria ser, usa muito mais energia do que deveria, portanto, é especial.
E aqui a história começou a me incomodar. Na biologia, buscamos regras que se apliquem aos animais e à vida em geral, então, por que as leis da evolução se aplicam a todos, exceto a nós? Talvez o problema estivesse na premissa de que cérebros eram feitos do mesmo modo. Talvez dois cérebros de mesmo tamanho pudessem ser formados com número diferente de neurônios. Talvez um cérebro muito grande não contivesse mais neurônios do que um de tamanho mais modesto. Talvez o humano contivesse mais neurônios do que os outros, independente do tamanho, especialmente no córtex cerebral. Então, para mim, esta se tornou a questão mais importante: quantos neurônios o cérebro humano tem, e como isso se compara a outros animais?
Talvez vocês tenham ouvido falar que temos 100 bilhões de neurônios, então, 10 anos atrás, perguntei aos colegas se sabiam de onde veio esse valor. Mas ninguém sabia. Pesquisei na literatura, a origem desse número, e nada encontrei. Parece que ninguém havia contado, o número de neurônios em humanos, ou em qualquer outro ser.
Então, criei meu próprio modo de contar células no cérebro, e ele consiste em transformar o cérebro em sopa. Funciona assim: Você pega um cérebro, ou partes dele, e o dissolve em um detergente, que destrói as membranas celulares mas mantém intactos os núcleos celulares, obtendo uma suspensão de núcleos livres como esta, como um caldo claro. Esta sopa contém todos os núcleos que já foram um cérebro de rato. A beleza da sopa é que, por ser uma sopa, você pode agitá-la e fazer esses núcleos se distribuírem homogeneamente no líquido, de modo que observando ao microscópio apenas 4 ou 5 amostras dessa solução, você pode contar os núcleos, e dizer o número de células desse cérebro. É simples, direto, e muito rápido. Usamos esse método para contar neurônios de dúzias de espécies diferentes, e concluímos que os cérebros não são construídos da mesma forma. Consideremos roedores e primatas: Nos cérebros maiores dos roedores, o tamanho médio de neurônios aumenta, então o cérebro infla rapidamente e aumenta de tamanho mais rápido do que ganha neurônios. O de primata ganha neurônios sem que o tamanho dos neurônios aumente, em um modo econômico de o cérebro ganhar neurônios. Resultado: o cérebro de primata terá sempre mais neurônios que o de roedor de tamanho igual, e quanto maior o cérebro, maior a diferença. Então, e o nosso cérebro? Descobrimos que temos, em média, 86 bilhões de neurônios, 16 bilhões no córtex cerebral, e se considerarmos que o córtex cerebral é a sede de funções como consciência, raciocínio lógico e abstrato, e que 16 bilhões são o máximo de neurônios de um córtex, essa é a explicação mais simples para nossa notável capacidade cognitiva. Igualmente importante é o significado dos 86 bilhões de neurônios. Por termos descoberto que a relação entre o tamanho do cérebro e o número de neurônios poderia ser descrito matematicamente, pudemos calcular como o cérebro humano seria se fosse como o de roedor.
O cérebro de um roedor com 86 bilhões de neurônios pesaria 36 kg. O que seria impossível.
Um cérebro tão grande seria esmagado pelo próprio peso, e esse cérebro impossível estaria em um corpo de 89 toneladas. Acho que não se parece conosco.
O que nos leva a uma conclusão importante: não somos roedores. O cérebro humano não é um cérebro grande de rato. Comparado a um rato, podemos parecer especiais, mas a comparação é injusta, pois não somos roedores. Somos primatas, então, o certo é comparar a outros primatas. E se você fizer as contas, descobrirá que um primata qualquer com 86 bilhões de neurônios teria o cérebro de 1,2 kg, o que parece correto em um corpo de 66 kg, o que é exatamente meu caso, nos levando a uma conclusão nada surpreendente mas incrivelmente importante: Eu sou um primata. Todos vocês são primatas.
E Darwin também era.
Adoro pensar que Darwin teria gostado muito disso. O cérebro dele, assim como o nosso, foi feito à imagem de outros cérebros de primata.
Portanto, o cérebro humano é notável, mas não é especial quanto ao número de neurônios. É apenas um cérebro grande de primata. Acho que é um pensamento muito humilde e sensato, que nos lembra de nosso lugar na natureza.
Então, por que ele consome tanta energia? Outras pessoas descobriram o custo energético do cérebro humano e de outras espécies, e como sabemos quantos neurônios cada cérebro possui, podemos fazer as contas. E o resultado é que tanto o cérebro humano quanto os outros gastam o mesmo, uma média de 6 calorias/bilhão de neurônios ao dia. E o custo total de energia de um cérebro é uma simples função linear do seu número de neurônios, e assim o cérebro humano consome quase tanta energia quanto deveria. Portanto, a razão de o cérebro humano consumir tanta energia é por possuir muitos neurônios, e porque somos primatas com muito mais neurônios para o nosso tamanho do que os outros animais, o custo de nosso cérebro é grande, mas não é só por sermos primatas, que somos especiais.
A última pergunta: como chegamos a esse impressionante número de neurônios? e em especial, se grandes macacos são maiores do que nós, por que não têm cérebro maior que o nosso, com mais neurônios? Quando percebemos como é caro ter tantos neurônios no cérebro, pensei, talvez haja uma razão simples. Eles não dispõem de energia para um corpo grande e um número alto de neurônios Então fizemos as contas. De um lado, calculamos quanta energia um primata obtém por dia comendo alimentos crus, e de outro, quanta energia um corpo de certo tamanho consome e a energia que um cérebro de certo número de neurônios consome, e observamos as combinações de tamanho do corpo e número de neurônios no cérebro que um primata obteria se comesse por certo número de horas por dia.
E descobrimos que para os neurônios serem tão caros, há uma compensação entre tamanho do corpo e número de neurônios. Então, um primata que come 8 horas por dia pode dispor de um máximo de 53 bilhões de neurônios, mas seu corpo não poderia pesar mais que 25 kg. Para pesar mais que isso, teria que ceder neurônios. Então, ou tem um corpo grande ou um número alto de neurônios. Quando se come como primata, não dá para ter ambos.
Uma saída para essa limitação metabólica seria passar mais horas por dia comendo, mas isso se torna perigoso, e se passar de um ponto, fica impossível. Gorilas e orangotangos, obtém uns 30 bilhões de neurônios comendo por 8 h e 30 min ao dia, e isso parece ser o máximo que conseguem. Nove horas de alimentação por dia parece ser o limite de um primata.
E nós? Com 86 bilhões de neurônios e 60 a 70 kg de massa corporal, teríamos que gastar mais de 9 horas por dia comendo, o que é impraticável.
Se comêssemos como primata não estaríamos aqui.
Então, como chegamos aqui? Se nosso cérebro consome tanta energia quanto deveria, e não podemos passar o tempo acordado nos alimentando, a única alternativa, é obter, de algum modo, mais energia dos mesmos alimentos. E isso coincide exatamente com o que acreditamos nossos ancestrais fizeram há 1,5 milhões de anos, quando inventaram o cozimento. Cozinhar é usar o fogo para pré-digerir alimentos fora do corpo. Alimentos cozidos são mais macios, mais fáceis de mastigar e de amolecer na boca, para serem totalmente digeridos e absorvidos no intestino, obtendo, assim, mais energia em menos tempo. Portanto, cozinhar nos libera tempo para fazer coisas mais interessantes com nosso dia e nossos neurônios do que apenas pensar em comida, procurá-la e engoli-la o dia todo.
Portanto, graças ao cozimento, o que antes era mais um risco, esse cérebro grande e caro com muitos neurônios, se tornou uma grande vantagem, agora que podemos bancar energia para tantos neurônios e tempo para coisas interessantes. Penso que isso explica por que nosso cérebro evoluiu rapidamente até se tornar tão grande, e ao mesmo tempo permanecendo apenas um cérebro de primata. Com um cérebro grande obtido pelos alimentos cozidos, passamos rapidamente da comida crua à cultura, agricultura, civilização, mercados, eletricidade, geladeiras, todas essas coisas que hoje nos permitem conseguir energia necessária para um dia inteiro em uma única ida a nossa rede favorita de fast food. Bom, o que antes era a solução, agora é um problema, e, ironicamente, buscamos a solução nos alimentos crus.
Qual é a vantagem de sermos humanos? O que possuímos que nenhum outro animal possui? Minha resposta é que possuímos o maior número de neurônios no córtex cerebral, e essa é a explicação mais simples para nossas notáveis habilidades cognitivas. E o que fazemos que nenhum outro animal faz, que acredito ter sido fundamental para nos permitir chegar a tal número, o maior de todos, de neurônios no córtex? Em duas palavras: nós cozinhamos.
Nenhum outro animal cozinha os alimentos. Só os humanos o fazem. E é como nos tornamos humanos.
Estudar o cérebro humano mudou minha opinião sobre os alimentos. Agora eu olho minha cozinha, faço uma reverência, e agradeço a nossos ancestrais o invento que provavelmente nos tornou humanos. Muito obrigada.
(Aplausos)
Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]
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