Há uma ironia por trás dos últimos esforços para prolongar a vida humana: não é fácil ser um idoso numa sociedade direcionada para a juventu...
Há uma ironia por trás dos últimos esforços para prolongar a vida humana: não é fácil ser um idoso numa sociedade direcionada para a juventude. As pessoas idosas podem tornar-se isoladas, sem trabalho significativo e com poucos recursos. Nesta palestra intrigante, Jared Diamond analisa como muitas sociedades diferentes tratam os seus idosos — algumas melhor, algumas pior — e sugere que aproveitemos a experiência.
Para que eu possa ter uma ideia de quantos de vocês aqui podem achar que o que eu vou falar tem algum valor prático, por favor, levantem as mãos: Quem aqui tem mais de 65 anos, ou espera viver mais de 65 anos, ou tem pais ou avós que tenham vivido mais de 65 anos ou que já passaram dos 65 anos, levante as mãos, por favor.
Ok. Vocês são as pessoas para as quais minha palestra terá um valor prático. O restante de vocês não achará minha palestra pessoalmente relevante mas acho que, ainda assim, achará o assunto fascinante.
Eu vou falar sobre o processo de envelhecimento em sociedades tradicionais Esse assunto constitui apenas um capítulo do meu último livro, que compara pequenas sociedades tribais tradicionais com nossas grandes sociedades modernas, em relação a diferentes tópicos como educar crianças, envelhecer, saúde, lidar com o perigo, solução de disputas, religião e falar mais de uma língua.
Essas sociedades tribais, que constituíram todas as sociedades humanas da maioria da História Humana são muito mais diferenciadas do que as nossas grandes e recentes sociedades modernas. Todas as grandes sociedades que têm governos, e onde a maioria das pessoas são estranhas umas às outras, são inevitavelmente similares entre si e diferentes das sociedades tribais. As tribos constituem milhares de experiências naturais de como desenvolver uma sociedade humana. Elas constituem experiências das quais nós mesmos podemos ser capazes de aprender. As sociedades tribais não devem ser tachadas de primitivas e miseráveis, mas também não devem ser romantizadas como felizes e pacíficas. Quando aprendemos sobre práticas tribais, algumas delas nos causarão horror, mas há outras práticas tribais que, quando ouvimos falar sobre elas, podemos admirar e invejar e imaginar se podemos adotar essas práticas nós mesmos.
A maioria das pessoas idosas nos E.U.A. acaba por viver longe dos seus filhos e da maioria dos seus amigos de infância, e frequentemente vivem em diferentes casas de repouso para idosos, enquanto que nas sociedades tradicionais, pelo contrário, as pessoas idosas vivem as suas vidas com os seus filhos, outros familiares, e amigos de toda a vida. No entanto, o tratamento dos idosos varia enormemente entre as sociedades tradicionais, de muito pior a muito melhor do que nas nossas sociedades modernas.
No pior dos casos, muitas sociedades tradicionais livram-se dos seus idosos de quatro maneiras, cada uma mais rápida do que a anterior: Negligenciando os idosos e não os alimentando ou limpando até que morram; Ou abandonando-os quando o grupo se muda; Ou encorajando-os a cometer suicídio; Ou matando os idosos. Em que sociedades tribais é que os filhos abandonam ou matam os seus pais? Isso acontece principalmente sob duas condições. Uma é em sociedades nômadas de caçadores-recoletores que frequentemente trocam de acampamento e que são fisicamente incapazes de transportar pessoas idosas que não podem andar quando os jovens saudáveis já têm que carregar os seus próprios filhos e todos os seus pertences. A outra condição é em sociedades que vivem em ambientes marginais ou flutuantes, tais como o Ártico ou desertos, onde existe escassez periódica de alimentos, e, ocasionalmente, simplesmente não há alimentos suficientes para os manter todos vivos. Todos os alimentos disponíveis devem ser reservados para os adultos capazes e para as crianças. Para nós, norte-americanos, parece horrível pensar em abandonar ou matar a nossa própria esposa ou marido doente ou a nossa mãe ou pai idosos, mas o que é que essas sociedades tradicionais poderiam fazer de forma diferente? Eles enfrentam uma situação cruel sem escolha. Os seus idosos tiveram que fazer o mesmo com os seus próprios pais, e os idosos sabem o que lhes vai acontecer agora a eles.
No extremo oposto do tratamento dos idosos, o extremo feliz, estão as sociedades agrícolas da Nova Guiné onde eu estive a fazer o meu trabalho de campo nos últimos 50 anos, e a maioria das outras sociedades tradicionais sedentárias ao redor do mundo. Nessas sociedades, as pessoas idosas recebem cuidados. Elas são alimentadas. Elas permanecem valorizadas. E elas continuam a viver na mesma cabana ou numa cabana perto dos seus filhos, familiares e amigos de toda a vida.
Existem dois conjuntos de razões para esta variação entre sociedades no tratamento das pessoas idosas. A variação depende especialmente da utilidade dos idosos e dos valores da sociedade.
Primeiro, em relação à utilidade, as pessoas idosas continuam a desempenhar serviços úteis. Um uso dos idosos nas sociedades tradicionais é que eles frequentemente ainda são ativos na produção de alimentos. Outra utilidade tradicional das pessoas idosas é que elas são capazes de tomar conta dos seus netos, libertando assim os seus filhos adultos, os pais desses netos, para irem caçar e recolher alimentos para os seus netos. Ainda um outro valor tradicional dos idosos é o fabrico de ferramentas, armas, cestaria, panelas e tecidos. De facto, eles são geralmente as pessoas que são melhores nisso. As pessoas idosas são normalmente líderes de sociedades tradicionais, e as pessoas que detêm mais conhecimento sobre política, medicina, religião, canções e danças.
Enfim, os idosos nas sociedades tradicionais têm uma importância enorme que jamais nos ocorreria nas nossas sociedades modernas e alfabetizadas, onde as nossas fontes de informação são os livros e a Internet. Pelo contrário, em sociedades sem um sistema de escrita, as pessoas idosas são repositórios de informação. É o seu conhecimento que dita a diferença entre a sobrevivência e a morte de toda a sociedade em tempos de crise, causados por eventos raros, dos quais só as pessoas mais velhas vivas têm experiência. Esses, então, são os meios pelos quais os idosos são úteis nas sociedades tradicionais. A sua utilidade varia e contribui para a variação no tratamento que a sociedade dá aos idosos.
O outro conjunto de razões para a mudança no tratamentos dos idosos são os valores culturais da sociedade. Por exemplo, há uma ênfase particular em relação aos idosos na Asia Oriental, associada à doutrina de Confúcio de piedade filial, o que significa obediência, respeito e apoio aos pais idosos. Valores culturais que enfatizam o respeito para com as pessoas mais velhas contrastam com o baixo estatuto dos idosos nos Estados Unidos da América. Os norte-americanos idosos estão em grande desvantagem na candidatura a um emprego. Eles estão em grande desvantagem nos hospitais. Os nossos hospitais têm uma política explícita chamada alocação de recursos de saúde baseada na idade. Essa expressão sinistra significa que se os recursos dos hospitais forem limitados, por exemplo, se um único doador de coração se tornar disponível para um transplante, ou se um cirurgião tiver tempo para operar apenas um certo número de pacientes, os hospitais norte-americanos têm uma política explícita de darem preferência aos pacientes mais jovens em detrimento dos mais velhos, pela razão de que os pacientes mais jovens são considerados mais úteis à sociedade porque eles têm mais anos de vida à frente, mesmo tendo os pacientes jovens menos anos de experiência de vida. Existem muitas razões para este baixo estatuto dos idosos nos Estados Unidos da América. Uma é a nossa ética de trabalho protestante que dá alto valor ao trabalho, então, as pessoas idosas que já não estiverem a trabalhar não são respeitadas. Outra razão é nossa ênfase norte-americana nas virtudes da autoconfiança e independência, então, instintivamente, sentimo-nos superiores aos idosos por já não serem autoconfiantes e independentes. Uma terceira razão é a nossa cultura norte-americana da juventude, que é visível até mesmo na nossa publicidade. Os anúncios da Coca-Cola e de cerveja mostram sempre pessoas jovens a sorrir, mesmo que tanto as pessoas idosas como as novas comprem e bebam Coca-Cola e cerveja. Pensem, quando foi a última vez que viram um anúncio de Coca-Cola ou de cerveja a mostrar uma pessoa sorridente de 85 anos? Nunca. Em vez disso, os únicos anúncios norte-americanos a mostrar pessoas de cabelos brancos são anúncios de lares de idosos e planos de poupança-reforma.
Bem, o que mudou no estatuto dos idosos hoje em comparação com o seu estatuto nas sociedades tradicionais? Houve pequenas mudanças para melhor e mais mudanças para pior. Grandes mudanças para melhor incluem o facto de que hoje nós desfrutamos de muitos mais anos de vida, de uma saúde muito melhor na nossa idade avançada, e de oportunidades de lazer bem melhores. Outra mudança para melhor é que nós hoje temos instalações especializadas para a aposentação e programas de cuidados aos idosos. Mudanças para o pior começam com a realidade cruel de que nós hoje temos mais idosos e menos jovens do que em qualquer outra época no passado. Isso significa que todas essas pessoas idosas são mais um fardo para as poucas pessoas jovens e que cada pessoa idosa tem menos valor individual. Outra grande mudança para pior no estatuto dos idosos é a quebra dos laços sociais com a idade, porque as pessoas idosas, os seus filhos, e os seus amigos, mudam-se e separam-se uns dos outros muitas vezes durante as suas vidas. Nós, norte-americanos, mudamo-nos em média de cinco em cinco anos. Assim, os nossos idosos tendem a acabar por viver longe dos seus filhos e dos seus amigos da juventude. Ainda outra mudança para pior no estatuto dos idosos é a reforma ou aposentação do emprego, que implica a perda dos companheiros de trabalho e a perda da autoestima associada ao trabalho. Talvez a maior mudança para pior é que nossos idosos são objetivamente menos úteis do que são nas sociedades tradicionais. A literacia largamente difundida significa que eles já não são úteis como repositórios de conhecimento. Quando nós queremos alguma informação, nós procuramos num livro ou no Google em vez de procurar alguma pessoa idosa a quem perguntar. O lento andamento da mudança tecnológica nas sociedades tradicionais significa que o que alguém aprendeu em criança ainda é útil quando essa pessoa é velha, mas o rápido andamento da mudança tecnológica hoje significa que o que aprendemos em crianças já não é útil 60 anos mais tarde. E do mesmo modo, nós, idosos, não somos fluentes nas tecnologias essenciais para sobreviver na sociedade moderna. Por exemplo, com 15 anos de idade, eu era considerado excelente a multiplicar números porque eu tinha memorizado as tabelas de multiplicação e eu sei como usar logaritmos e eu sou rápido a manipular uma régua de cálculo. Hoje, no entanto, essas habilidades são totalmente inúteis porque qualquer idiota pode agora multiplicar números de oito dígitos de forma precisa e instantaneamente, com uma calculadora de bolso. Do mesmo modo, eu, com a idade de 75 anos, sou incompetente em competências essenciais para a vida diária. A primeira TV da minha família, em 1948, tinha apenas três botões que eu rapidamente dominei: um interruptor de ligar e desligar, um botão de volume, e um botão seletor de canais. Hoje, só para assistir a um programa na TV da minha própria casa, eu tenho que operar um controlo remoto com 41 botões que me derrota totalmente. Eu tenho que telefonar para os meus filhos de 25 anos e pedir-lhes que me ajudem enquanto tento carregar naqueles malditos 41 botões.
O que podemos fazer para melhorar as vidas dos idosos nos Estados Unidos da América, e para fazer um melhor uso do seu valor? Esse é um grande problema. Nos meus 4 minutos restantes hoje, posso oferecer apenas algumas sugestões. Um valor das pessoas idosas é que elas são cada vez mais úteis como avós por oferecerem cuidados de alta qualidade aos seus netos, se eles escolherem fazer isso, à medida que mais mulheres jovens entram no mercado de trabalho e menos pais, de ambos os sexos, ficam em casa para cuidarem dos seus filhos a tempo inteiro. Em comparação com as alternativas habituais de amas pagas e creches, os avós oferecem um cuidado superior, motivado, e com experiência em cuidar de crianças. Eles já ganharam experiência ao criarem os seus próprios filhos. Eles geralmente amam os seus netos, e estão ansiosos por passar tempo com eles. Ao contrário de outras amas, os avós não largam os seus empregos porque acharam outro emprego com salário maior para cuidar de outro bebé. Um segundo valor das pessoas idosas está, paradoxalmente, relacionado com a sua perda de valor como resultado da mudança das condições do mundo e da tecnologia. Ao mesmo tempo, pessoas idosas têm ganhado valor atualmente, exatamente graças à sua extraordinária experiência em condições de vida que hoje se tornaram raras devido à rápida mudança, mas que podem voltar. Por exemplo, somente os norte-americanos com 70 anos ou mais se conseguem lembrar da experiência de viver na Grande Depressão, a experiência de viver numa guerra mundial, e de agonizar a questionarem-se se lançar bombas atômicas seria mais horrível do que as consequências de não as lançar. A maioria dos nossos atuais eleitores e políticos não tem experiência pessoal em nenhuma dessas coisas, mas milhões de norte-americanos idosos têm. Infelizmente, todas essas terríveis situações podem voltar. Mesmo se elas não voltarem, nós temos que ser capazes de planejar para elas, com base na experiência de como elas ocorreram. As pessoas idosas têm essa experiência. As pessoas jovens não têm.
O valor remanescente dos idosos que eu mencionarei envolve reconhecer que embora existam muitas coisas que as pessoas idosas já não podem fazer, existem outras coisas que elas podem fazer melhor do que as pessoas jovens. Um desafio para a sociedade é fazer uso das coisas em que as pessoas idosas são melhores a fazer. Algumas habilidades, é claro, diminuem com a idade. Nelas se incluem habilidades em tarefas que requerem força física e vigor, ambição, e a força de raciocínio inovador numa situação circunscrita, tal como entender a estrutura do ADN, mais bem entregue a cientistas com menos de 30 anos. Porém, nos atributos úteis que aumentam com a idade inclui-se a experiência, entendimento de pessoas e relações humanas, habilidade para ajudar outras pessoas sem o seu próprio ego afetar o processo, e pensamento interdisciplinar sobre grandes bases de dados, como a economia e a História Comparativa, mais bem entregue a estudiosos com mais de 60 anos. Assim, as pessoas idosas são muito melhores do que as pessoas jovens em supervisionar, administrar, aconselhar, fazer estratégias, ensinar, sintetizar, e planejar a longo prazo. Eu tenho visto o valor das pessoas idosas em tantos amigos meus que andam pelos 60 anos, setenta, oitenta e noventa anos, que ainda são ativos como gerentes de investimento, agricultores, advogados e médicos. Em resumo, muitas sociedades tradicionais fazem melhor uso dos seus idosos e dão aos seus idosos vidas mais satisfatórias do que nós damos em sociedades grandes e modernas.
Paradoxalmente, hoje em dia, quando nós temos mais pessoas idosas do que nunca, a viver vidas mais saudáveis e com melhores cuidados médicos do que nunca, a idade avançada é em alguns aspectos mais miserável que nunca. As vidas dos idosos são amplamente reconhecidas como constituindo uma área desastrosa da moderna sociedade norte-americana. Nós certamente podemos fazer melhor se aprendermos com as vidas dos idosos nas sociedades tradicionais. Mas o que é verdade sobre as vidas dos idosos nas sociedades tradicionais é verdade em muitos outros fatores das sociedades tradicionais também. É claro, não estou a defender que todos desistamos da agricultura e das ferramentas de metal para retornarmos ao estilo de vida dos caçadores-recoletores. Existem muitos aspectos óbvios nos quais as nossas vidas hoje são de longe mais felizes do que as das pequenas sociedades tradicionais. Para mencionar apenas alguns exemplos, as nossas vidas são mais longas, materialmente mais ricas, e menos atormentadas pela violência do que as vidas das pessoas nas sociedades tradicionais. Mas também existem coisas a serem admiradas nas pessoas das sociedades tradicionais, e talvez a serem aprendidas com essas pessoas. As vidas delas são normalmente socialmente mais ricas do que as nossas vidas, embora materialmente mais pobres. As crianças são mais autoconfiantes, mais independentes, e mais hábeis socialmente do que as nossas crianças. Elas pensam mais realisticamente sobre os perigos do que nós fazemos. Essas pessoas quase nunca morrem de diabetes, de doenças do coração, de AVC, e das outras doenças não transmissíveis que serão as causas de morte de quase todos nós nesta sala hoje. Aspectos do estilo de vida moderno predispõem-nos a essas doenças, e aspectos do estilo de vida tradicional protegem-nos delas.
Estes são apenas alguns exemplos do que podemos aprender com as sociedades tradicionais. Eu espero que vocês achem tão fascinante ler sobre as sociedades tradicionais como eu achei viver nessas sociedades.
Obrigado.
(Aplausos)
[Via BBA]
Para que eu possa ter uma ideia de quantos de vocês aqui podem achar que o que eu vou falar tem algum valor prático, por favor, levantem as mãos: Quem aqui tem mais de 65 anos, ou espera viver mais de 65 anos, ou tem pais ou avós que tenham vivido mais de 65 anos ou que já passaram dos 65 anos, levante as mãos, por favor.
Ok. Vocês são as pessoas para as quais minha palestra terá um valor prático. O restante de vocês não achará minha palestra pessoalmente relevante mas acho que, ainda assim, achará o assunto fascinante.
Eu vou falar sobre o processo de envelhecimento em sociedades tradicionais Esse assunto constitui apenas um capítulo do meu último livro, que compara pequenas sociedades tribais tradicionais com nossas grandes sociedades modernas, em relação a diferentes tópicos como educar crianças, envelhecer, saúde, lidar com o perigo, solução de disputas, religião e falar mais de uma língua.
Essas sociedades tribais, que constituíram todas as sociedades humanas da maioria da História Humana são muito mais diferenciadas do que as nossas grandes e recentes sociedades modernas. Todas as grandes sociedades que têm governos, e onde a maioria das pessoas são estranhas umas às outras, são inevitavelmente similares entre si e diferentes das sociedades tribais. As tribos constituem milhares de experiências naturais de como desenvolver uma sociedade humana. Elas constituem experiências das quais nós mesmos podemos ser capazes de aprender. As sociedades tribais não devem ser tachadas de primitivas e miseráveis, mas também não devem ser romantizadas como felizes e pacíficas. Quando aprendemos sobre práticas tribais, algumas delas nos causarão horror, mas há outras práticas tribais que, quando ouvimos falar sobre elas, podemos admirar e invejar e imaginar se podemos adotar essas práticas nós mesmos.
A maioria das pessoas idosas nos E.U.A. acaba por viver longe dos seus filhos e da maioria dos seus amigos de infância, e frequentemente vivem em diferentes casas de repouso para idosos, enquanto que nas sociedades tradicionais, pelo contrário, as pessoas idosas vivem as suas vidas com os seus filhos, outros familiares, e amigos de toda a vida. No entanto, o tratamento dos idosos varia enormemente entre as sociedades tradicionais, de muito pior a muito melhor do que nas nossas sociedades modernas.
No pior dos casos, muitas sociedades tradicionais livram-se dos seus idosos de quatro maneiras, cada uma mais rápida do que a anterior: Negligenciando os idosos e não os alimentando ou limpando até que morram; Ou abandonando-os quando o grupo se muda; Ou encorajando-os a cometer suicídio; Ou matando os idosos. Em que sociedades tribais é que os filhos abandonam ou matam os seus pais? Isso acontece principalmente sob duas condições. Uma é em sociedades nômadas de caçadores-recoletores que frequentemente trocam de acampamento e que são fisicamente incapazes de transportar pessoas idosas que não podem andar quando os jovens saudáveis já têm que carregar os seus próprios filhos e todos os seus pertences. A outra condição é em sociedades que vivem em ambientes marginais ou flutuantes, tais como o Ártico ou desertos, onde existe escassez periódica de alimentos, e, ocasionalmente, simplesmente não há alimentos suficientes para os manter todos vivos. Todos os alimentos disponíveis devem ser reservados para os adultos capazes e para as crianças. Para nós, norte-americanos, parece horrível pensar em abandonar ou matar a nossa própria esposa ou marido doente ou a nossa mãe ou pai idosos, mas o que é que essas sociedades tradicionais poderiam fazer de forma diferente? Eles enfrentam uma situação cruel sem escolha. Os seus idosos tiveram que fazer o mesmo com os seus próprios pais, e os idosos sabem o que lhes vai acontecer agora a eles.
No extremo oposto do tratamento dos idosos, o extremo feliz, estão as sociedades agrícolas da Nova Guiné onde eu estive a fazer o meu trabalho de campo nos últimos 50 anos, e a maioria das outras sociedades tradicionais sedentárias ao redor do mundo. Nessas sociedades, as pessoas idosas recebem cuidados. Elas são alimentadas. Elas permanecem valorizadas. E elas continuam a viver na mesma cabana ou numa cabana perto dos seus filhos, familiares e amigos de toda a vida.
Existem dois conjuntos de razões para esta variação entre sociedades no tratamento das pessoas idosas. A variação depende especialmente da utilidade dos idosos e dos valores da sociedade.
Primeiro, em relação à utilidade, as pessoas idosas continuam a desempenhar serviços úteis. Um uso dos idosos nas sociedades tradicionais é que eles frequentemente ainda são ativos na produção de alimentos. Outra utilidade tradicional das pessoas idosas é que elas são capazes de tomar conta dos seus netos, libertando assim os seus filhos adultos, os pais desses netos, para irem caçar e recolher alimentos para os seus netos. Ainda um outro valor tradicional dos idosos é o fabrico de ferramentas, armas, cestaria, panelas e tecidos. De facto, eles são geralmente as pessoas que são melhores nisso. As pessoas idosas são normalmente líderes de sociedades tradicionais, e as pessoas que detêm mais conhecimento sobre política, medicina, religião, canções e danças.
Enfim, os idosos nas sociedades tradicionais têm uma importância enorme que jamais nos ocorreria nas nossas sociedades modernas e alfabetizadas, onde as nossas fontes de informação são os livros e a Internet. Pelo contrário, em sociedades sem um sistema de escrita, as pessoas idosas são repositórios de informação. É o seu conhecimento que dita a diferença entre a sobrevivência e a morte de toda a sociedade em tempos de crise, causados por eventos raros, dos quais só as pessoas mais velhas vivas têm experiência. Esses, então, são os meios pelos quais os idosos são úteis nas sociedades tradicionais. A sua utilidade varia e contribui para a variação no tratamento que a sociedade dá aos idosos.
O outro conjunto de razões para a mudança no tratamentos dos idosos são os valores culturais da sociedade. Por exemplo, há uma ênfase particular em relação aos idosos na Asia Oriental, associada à doutrina de Confúcio de piedade filial, o que significa obediência, respeito e apoio aos pais idosos. Valores culturais que enfatizam o respeito para com as pessoas mais velhas contrastam com o baixo estatuto dos idosos nos Estados Unidos da América. Os norte-americanos idosos estão em grande desvantagem na candidatura a um emprego. Eles estão em grande desvantagem nos hospitais. Os nossos hospitais têm uma política explícita chamada alocação de recursos de saúde baseada na idade. Essa expressão sinistra significa que se os recursos dos hospitais forem limitados, por exemplo, se um único doador de coração se tornar disponível para um transplante, ou se um cirurgião tiver tempo para operar apenas um certo número de pacientes, os hospitais norte-americanos têm uma política explícita de darem preferência aos pacientes mais jovens em detrimento dos mais velhos, pela razão de que os pacientes mais jovens são considerados mais úteis à sociedade porque eles têm mais anos de vida à frente, mesmo tendo os pacientes jovens menos anos de experiência de vida. Existem muitas razões para este baixo estatuto dos idosos nos Estados Unidos da América. Uma é a nossa ética de trabalho protestante que dá alto valor ao trabalho, então, as pessoas idosas que já não estiverem a trabalhar não são respeitadas. Outra razão é nossa ênfase norte-americana nas virtudes da autoconfiança e independência, então, instintivamente, sentimo-nos superiores aos idosos por já não serem autoconfiantes e independentes. Uma terceira razão é a nossa cultura norte-americana da juventude, que é visível até mesmo na nossa publicidade. Os anúncios da Coca-Cola e de cerveja mostram sempre pessoas jovens a sorrir, mesmo que tanto as pessoas idosas como as novas comprem e bebam Coca-Cola e cerveja. Pensem, quando foi a última vez que viram um anúncio de Coca-Cola ou de cerveja a mostrar uma pessoa sorridente de 85 anos? Nunca. Em vez disso, os únicos anúncios norte-americanos a mostrar pessoas de cabelos brancos são anúncios de lares de idosos e planos de poupança-reforma.
Bem, o que mudou no estatuto dos idosos hoje em comparação com o seu estatuto nas sociedades tradicionais? Houve pequenas mudanças para melhor e mais mudanças para pior. Grandes mudanças para melhor incluem o facto de que hoje nós desfrutamos de muitos mais anos de vida, de uma saúde muito melhor na nossa idade avançada, e de oportunidades de lazer bem melhores. Outra mudança para melhor é que nós hoje temos instalações especializadas para a aposentação e programas de cuidados aos idosos. Mudanças para o pior começam com a realidade cruel de que nós hoje temos mais idosos e menos jovens do que em qualquer outra época no passado. Isso significa que todas essas pessoas idosas são mais um fardo para as poucas pessoas jovens e que cada pessoa idosa tem menos valor individual. Outra grande mudança para pior no estatuto dos idosos é a quebra dos laços sociais com a idade, porque as pessoas idosas, os seus filhos, e os seus amigos, mudam-se e separam-se uns dos outros muitas vezes durante as suas vidas. Nós, norte-americanos, mudamo-nos em média de cinco em cinco anos. Assim, os nossos idosos tendem a acabar por viver longe dos seus filhos e dos seus amigos da juventude. Ainda outra mudança para pior no estatuto dos idosos é a reforma ou aposentação do emprego, que implica a perda dos companheiros de trabalho e a perda da autoestima associada ao trabalho. Talvez a maior mudança para pior é que nossos idosos são objetivamente menos úteis do que são nas sociedades tradicionais. A literacia largamente difundida significa que eles já não são úteis como repositórios de conhecimento. Quando nós queremos alguma informação, nós procuramos num livro ou no Google em vez de procurar alguma pessoa idosa a quem perguntar. O lento andamento da mudança tecnológica nas sociedades tradicionais significa que o que alguém aprendeu em criança ainda é útil quando essa pessoa é velha, mas o rápido andamento da mudança tecnológica hoje significa que o que aprendemos em crianças já não é útil 60 anos mais tarde. E do mesmo modo, nós, idosos, não somos fluentes nas tecnologias essenciais para sobreviver na sociedade moderna. Por exemplo, com 15 anos de idade, eu era considerado excelente a multiplicar números porque eu tinha memorizado as tabelas de multiplicação e eu sei como usar logaritmos e eu sou rápido a manipular uma régua de cálculo. Hoje, no entanto, essas habilidades são totalmente inúteis porque qualquer idiota pode agora multiplicar números de oito dígitos de forma precisa e instantaneamente, com uma calculadora de bolso. Do mesmo modo, eu, com a idade de 75 anos, sou incompetente em competências essenciais para a vida diária. A primeira TV da minha família, em 1948, tinha apenas três botões que eu rapidamente dominei: um interruptor de ligar e desligar, um botão de volume, e um botão seletor de canais. Hoje, só para assistir a um programa na TV da minha própria casa, eu tenho que operar um controlo remoto com 41 botões que me derrota totalmente. Eu tenho que telefonar para os meus filhos de 25 anos e pedir-lhes que me ajudem enquanto tento carregar naqueles malditos 41 botões.
O que podemos fazer para melhorar as vidas dos idosos nos Estados Unidos da América, e para fazer um melhor uso do seu valor? Esse é um grande problema. Nos meus 4 minutos restantes hoje, posso oferecer apenas algumas sugestões. Um valor das pessoas idosas é que elas são cada vez mais úteis como avós por oferecerem cuidados de alta qualidade aos seus netos, se eles escolherem fazer isso, à medida que mais mulheres jovens entram no mercado de trabalho e menos pais, de ambos os sexos, ficam em casa para cuidarem dos seus filhos a tempo inteiro. Em comparação com as alternativas habituais de amas pagas e creches, os avós oferecem um cuidado superior, motivado, e com experiência em cuidar de crianças. Eles já ganharam experiência ao criarem os seus próprios filhos. Eles geralmente amam os seus netos, e estão ansiosos por passar tempo com eles. Ao contrário de outras amas, os avós não largam os seus empregos porque acharam outro emprego com salário maior para cuidar de outro bebé. Um segundo valor das pessoas idosas está, paradoxalmente, relacionado com a sua perda de valor como resultado da mudança das condições do mundo e da tecnologia. Ao mesmo tempo, pessoas idosas têm ganhado valor atualmente, exatamente graças à sua extraordinária experiência em condições de vida que hoje se tornaram raras devido à rápida mudança, mas que podem voltar. Por exemplo, somente os norte-americanos com 70 anos ou mais se conseguem lembrar da experiência de viver na Grande Depressão, a experiência de viver numa guerra mundial, e de agonizar a questionarem-se se lançar bombas atômicas seria mais horrível do que as consequências de não as lançar. A maioria dos nossos atuais eleitores e políticos não tem experiência pessoal em nenhuma dessas coisas, mas milhões de norte-americanos idosos têm. Infelizmente, todas essas terríveis situações podem voltar. Mesmo se elas não voltarem, nós temos que ser capazes de planejar para elas, com base na experiência de como elas ocorreram. As pessoas idosas têm essa experiência. As pessoas jovens não têm.
O valor remanescente dos idosos que eu mencionarei envolve reconhecer que embora existam muitas coisas que as pessoas idosas já não podem fazer, existem outras coisas que elas podem fazer melhor do que as pessoas jovens. Um desafio para a sociedade é fazer uso das coisas em que as pessoas idosas são melhores a fazer. Algumas habilidades, é claro, diminuem com a idade. Nelas se incluem habilidades em tarefas que requerem força física e vigor, ambição, e a força de raciocínio inovador numa situação circunscrita, tal como entender a estrutura do ADN, mais bem entregue a cientistas com menos de 30 anos. Porém, nos atributos úteis que aumentam com a idade inclui-se a experiência, entendimento de pessoas e relações humanas, habilidade para ajudar outras pessoas sem o seu próprio ego afetar o processo, e pensamento interdisciplinar sobre grandes bases de dados, como a economia e a História Comparativa, mais bem entregue a estudiosos com mais de 60 anos. Assim, as pessoas idosas são muito melhores do que as pessoas jovens em supervisionar, administrar, aconselhar, fazer estratégias, ensinar, sintetizar, e planejar a longo prazo. Eu tenho visto o valor das pessoas idosas em tantos amigos meus que andam pelos 60 anos, setenta, oitenta e noventa anos, que ainda são ativos como gerentes de investimento, agricultores, advogados e médicos. Em resumo, muitas sociedades tradicionais fazem melhor uso dos seus idosos e dão aos seus idosos vidas mais satisfatórias do que nós damos em sociedades grandes e modernas.
Paradoxalmente, hoje em dia, quando nós temos mais pessoas idosas do que nunca, a viver vidas mais saudáveis e com melhores cuidados médicos do que nunca, a idade avançada é em alguns aspectos mais miserável que nunca. As vidas dos idosos são amplamente reconhecidas como constituindo uma área desastrosa da moderna sociedade norte-americana. Nós certamente podemos fazer melhor se aprendermos com as vidas dos idosos nas sociedades tradicionais. Mas o que é verdade sobre as vidas dos idosos nas sociedades tradicionais é verdade em muitos outros fatores das sociedades tradicionais também. É claro, não estou a defender que todos desistamos da agricultura e das ferramentas de metal para retornarmos ao estilo de vida dos caçadores-recoletores. Existem muitos aspectos óbvios nos quais as nossas vidas hoje são de longe mais felizes do que as das pequenas sociedades tradicionais. Para mencionar apenas alguns exemplos, as nossas vidas são mais longas, materialmente mais ricas, e menos atormentadas pela violência do que as vidas das pessoas nas sociedades tradicionais. Mas também existem coisas a serem admiradas nas pessoas das sociedades tradicionais, e talvez a serem aprendidas com essas pessoas. As vidas delas são normalmente socialmente mais ricas do que as nossas vidas, embora materialmente mais pobres. As crianças são mais autoconfiantes, mais independentes, e mais hábeis socialmente do que as nossas crianças. Elas pensam mais realisticamente sobre os perigos do que nós fazemos. Essas pessoas quase nunca morrem de diabetes, de doenças do coração, de AVC, e das outras doenças não transmissíveis que serão as causas de morte de quase todos nós nesta sala hoje. Aspectos do estilo de vida moderno predispõem-nos a essas doenças, e aspectos do estilo de vida tradicional protegem-nos delas.
Estes são apenas alguns exemplos do que podemos aprender com as sociedades tradicionais. Eu espero que vocês achem tão fascinante ler sobre as sociedades tradicionais como eu achei viver nessas sociedades.
Obrigado.
(Aplausos)
[Via BBA]
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