O gênio mortal dos cartéis de drogas

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Quase 100 mil pessoas morreram por causa da violência relacionada às drogas nos últimos seis anos no México. Nós podemos pensar que isso não...

Quase 100 mil pessoas morreram por causa da violência relacionada às drogas nos últimos seis anos no México. Nós podemos pensar que isso não tem nada a ver conosco, mas, na realidade, nós somos todos cúmplices, diz o professor de Yale, Rodrigo Canales, nesta resoluta palestra, que vira o conhecimento tradicional sobre cartéis de drogas de ponta cabeça. No momento que se discute se a liberação da maconha no Uruguai foi uma medida sensata (ou não), é bom entendermos mais a fundo a questão das estratégias de combate à violência.


Em dezembro de 2010, a cidade de Apatzingán, no estado litorâneo de Michoacán, no México, despertou ao som de um tiroteio Por dois dias seguidos, a cidade se tornou um campo aberto de batalha entre as forças federais e um grupo organizado, presumidamente da organização criminosa local, La Familia Michoacana, ou a família Michoacán. Os cidadãos não apenas vivenciavam tiroteios incessantes, mas também explosões e caminhões em chamas usados como barricadas por toda a cidade, verdadeiramente, como um campo de batalha. Depois destes dois dias, e durante um encontro particularmente intenso, presumiu-se que o líder da La Familia Michoacana, Nazario Moreno, tinha sido morto.


Em resposta a essa violência aterrorizante, o prefeito de Apatzingán decidiu chamar os cidadãos para um marcha pela paz. A ideia era pedir por uma abordagem mais suave diante da atividade criminosa no estado. E então, no dia marcado para a procissão, milhares de pessoas compareceram. Enquanto o prefeito estava se preparando para fazer seu discurso, iniciando a marcha, sua equipe notou que, enquanto metade dos participantes estavam apropriadamente vestidos de branco, e carregavam cartazes pedindo paz, a outra metade estava, na realidade, marchando em apoio à organização criminosa e ao seu líder presumidamente defunto na ocasião. Chocado, o prefeito decidiu se retirar, ao invés de participar ou conduzir uma procissão que aparentemente apoiava o crime organizado. E então, sua equipe se retirou. As duas marchas se juntaram, e elas continuaram o seu curso em direção à capital do estado.

Essa estória de violência horrível seguida por uma abordagem atrapalhada das autoridades federais e locais que tentavam engajar a sociedade civil, a qual tem estado muito bem engajada por uma organização criminosa, é uma metáfora perfeita do que está acontecendo no México hoje, onde nós vemos que o nosso entendimento atual de violência relacionada a drogas e o que conduz a isso é, provavelmente, no mínimo, incompleto.

Se vocês decidissem passar 30 minutos tentando entender o que acontece com a violência de drogas no México, digamos, apenas pesquisando online, a primeira coisa que vocês descobririam seria que enquanto as leis estabelecem que todos os cidadãos mexicanos são iguais, existem alguns que são mais e existem alguns que são muito menos iguais do que os outros, pois vocês descobririam rapidamente que, nos últimos seis anos, algo entre 60 e 100 mil pessoas perderam suas vidas para a violência relacionada às drogas. Para colocar esses números em perspectiva, isso é oito vezes maior do que o número de mortes nas guerras do Iraque e do Afeganistão juntas. Também é escandalosamente próximo ao número de pessoas que morreram na guerra civil síria, que é uma guerra civil ativa. Está acontecendo ao sul da fronteira.

Agora, à medida que vocês leem, porém, talvez se surpreendam ao ficarem rapidamente espantados com o número de mortes, porque vocês verão que esses são tipos de números abstratos de pessoas mortas, sem rosto, anônimas. Implicitamente ou explicitamente, existe uma história de que todas as pessoas que estão morrendo estariam, de algum modo, envolvidas no comércio de drogas, e nós deduzimos isso porque elas ou foram torturadas ou foram executadas de uma maneira profissional, ou, mais provavelmente, as duas coisas. E então, claramente, elas seriam criminosas por causa da maneira que morreram. E então, a história é que, de alguma maneira, essas pessoas tiveram aquilo que mereceram. Elas faziam parte dos vilões. E isso cria uma forma de conforto para muitas pessoas.

Entretanto, enquanto for mais fácil pensar em nós, os cidadãos, a polícia, o exército, como os mocinhos, e neles, os narcotraficantes, os cartéis, como os vilões, se pensarem sobre isso, os vilões estão apenas fornecendo um serviço para os mocinhos. Quer nós gostemos disso ou não, os EUA são o maior mercado de substâncias ilegais do mundo, contabilizando mais da metade da demanda global. Dividem milhares de quilômetros de fronteira com o México sendo este seu único acesso pelo sul, e então, como o ex-ditador do México, Porfirio Diaz costumava dizer: "Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos."

A ONU estima que haja 55 milhões de usuários de drogas ilegais nos Estados Unidos. Usando suposições muito, muito conservadoras, isso abre caminho, no varejo, para um narcotráfico anual de algo entre 30 e 150 bilhões de dólares. Se presumirmos que os narcotraficantes só têm acesso à parte vendida por atacado, o que nós sabemos ser falso, isto ainda nos deixa com rendimentos anuais de algo entre 15 e 60 bilhões de dólares. Para colocar esses números em perspectiva, A Microsoft tem uma receita anual de 60 bilhões de dólares. E isso acontece de tal forma porque esse é um produto que, por sua natureza, um modelo de negócios para esse mercado requer que você garanta aos seus produtores que os seus produtos serão confiavelmente colocados nos mercados onde eles são consumidos. E a única maneira de fazer isso, por ser algo ilegal, é ter o controle absoluto dos corredores geográficos que são usados para transportar drogas. Por isso, a violência. Se observarem um mapa da influência e violência de um cartel, vocês verão que ele quase perfeitamente se alinha com as mais eficientes rotas de transporte do sul ao norte. A única coisa que os cartéis estão fazendo é que estão tentando proteger o seu negócio.

Não é apenas um mercado multibilionário, mas também um mercado complexo. Por exemplo, a coca é um planta frágil, que só pode crescer em certas latitudes, então isso significa que um modelo de negócios para esse mercado requer que se tenha uma produção internacional descentralizada que, falando nisso, necessita de um bom controle de qualidade, porque as pessoas precisam de uma boa "onda", que não vá matá-los e que seja entregue a eles quando precisarem. E então, isso significa que eles precisam assegurar a produção e o controle de qualidade no Sul, e é preciso garantir que se tenha canais de distribuição eficientes e efetivos nos mercados onde essas drogas são consumidas. Eu os encorajo, mas apenas um pouquinho, porque eu não quero que vocês arranjem problemas, a apenas perguntarem por aí e verem o quão difícil seria para conseguir qualquer droga que quisessem, onde quisessem, quando quisessem, em qualquer lugar dos EUA, e alguns de vocês talvez fiquem surpresos ao saber que há muitos traficantes que oferecem um serviço onde se você enviar uma mensagem de texto, eles garantem a entrega da droga em 30 minutos ou menos.

Pensem nisso por um segundo. Pensem na complexidade da rede de distribuição que eu acabei de descrever. É muito difícil conciliar isso com a imagem de pessoas anônimas, estúpidas e ignorantes, que estão apenas se matando, muito difícil conciliar.

Como professor de administração, e qualquer professor de administração diria, uma organização eficaz requer uma estratégia integrada que inclua uma boa estrutura organizacional, bons incentivos, uma identidade sólida e uma boa gestão da marca. Isso me leva à segunda coisa que vocês aprenderiam em sua exploração de 30 minutos da violência das drogas no México. Porque vocês rapidamente perceberiam e, talvez, ficariam confusos pelo fato de que existem três organizações que são constantemente mencionadas nos artigos. Vocês ouviriam sobre Los Zetas, os "Cavaleiros Templários", que é uma nova marca para a "Família Michoacana", sobre a qual eu falei no início, e a "Federação Sinaloa". Vocês leriam que Los Zetas é uma seleção de sociopatas que aterrorizam as cidades nas quais eles entram e eles silenciam a imprensa, e isso é de certa forma verdade, ou na maioria das vezes verdade. Mas este é o resultado de uma estratégia de marca e negócios muito cuidadosa. Vejam só, Los Zetas não é apenas um conjunto aleatório de indivíduos, mas foi criada por outra organização criminosa, o Cartel do Golfo, que costumava controlar o corredor leste do México. Quando esse corredor se tornou disputado, eles decidiram que queriam recrutar uma unidade de execução profissional. Então, eles recrutaram Los Zetas: uma unidade inteira de soldados paraquedistas de elite do exército mexicano. Eles eram incrivelmente eficazes como executores do Cartel do Golfo, tanto que, em dado ponto, eles decidiram simplesmente assumir as operações, e é por isso que peço que nunca tenham tigres como animais de estimação, porque eles crescem. Por ter sido fundada sob traição, a organização Zetas perdeu algumas de suas ligações com a produção e a distribuição nos mercados mais lucrativos, como a cocaína, mas o que eles realmente tinham, e isto é novamente baseado em sua origem militar, era um cadeia de comando perfeitamente estruturada com uma hierarquia muito clara e um plano de carreira muito claro, que os permitia supervisionar e operar por diversos mercados, de uma maneira muito eficaz, o que é a essência daquilo que uma cadeia de comando busca fazer. E então, por eles não terem tido acesso a mercados de drogas mais lucrativos, isso os impulsionou e os deu a oportunidade de diversificarem-se em outras formas de crime. Isto inclui sequestros, prostituição, tráfico local de drogas e tráfico de pessoas, incluindo imigrantes que vão do sul para os EUA. Então, o negócio deles atualmente é verdadeiramente e bem literalmente um negócio de franquias. Eles realizam a maior parte do recrutamento no exército, e anunciam bem abertamente os melhores salários, os melhores benefícios, os melhores planos de carreira, sem mencionar alimentação muito melhor, do que a que o exército pode oferecer. O modo como eles operam é o seguinte: quando eles chegam a uma localidade, eles deixam claro às pessoas que eles estão lá e vão até a gangue local mais poderosa e dizem: "Ofereço a vocês a possibilidade de ser um representante local da marca Zeta". Se eles concordarem -- e vocês não querem saber o que acontece se eles não concordam -- eles os treinam e os supervisionam, ensinando como operar a operação criminosa mais eficiente para aquela cidade, em troca de direitos de marca. Este tipo de modelo de negócios obviamente depende inteiramente de uma marca de medo muito eficaz, e, então, Los Zetas cuidadosamente organizam atos de violência que são espetaculares por sua natureza, especialmente quando eles chegam pela primeira vez em uma cidade, mas, de novo, esta é apenas uma estratégia da marca. Eu não estou dizendo que eles não são violentos, mas o que eu estou dizendo é que mesmo que vocês leiam que eles são os mais violentos de todos, ao contar, quando fizerem a contagem dos corpos, eles são, na verdade, todos iguais.

Em contraste com eles, os Cavaleiros Templários que surgiram em Michoacán emergiram em reação à incursão dos Zetas no estado de Michoacán. Michoacán é um estado geograficamente estratégico porque tem um dos maiores portos do México, e tem muitas rotas diretas para o centro do México, que lhes dão acesso direto aos EUA. Os Cavaleiros Templários perceberam rapidamente que eles não podiam enfrentar os Zetas só com violência, e, então, eles desenvolveram uma estratégia como um empreendimento social. Eles se definem como representantes e protetores dos cidadãos de Michoacán contra o crime organizado. Sua marca de empresa social expressa que eles requerem muito compromisso cívico, então eles investem pesado no fornecimento de serviços locais, por exemplo, lidar com a violência doméstica, perseguir criminosos insignificantes, tratando viciados e mantendo as drogas fora dos mercado locais onde eles estão, e, claro, protegendo as pessoas de outras organizações criminosas. Bem, eles matam muitas pessoas também, mas quando eles as matam, eles fornecem histórias e descrições muito cuidadosas do motivo por terem feito, em inserções nos jornais, vídeos no YouTube, e outdoors que explicam que as pessoas que foram mortas morreram porque representavam uma ameaça não para nós, como uma organização, obviamente, mas para vocês, como cidadãos. E então, nós estamos aqui, na realidade, para protegê-los. Eles, como empresas sociais fazem, criaram um código moral e ético que eles anunciam por aí, e eles têm práticas de recrutamento muito rigorosas. E eis aqui os tipos de explicações que eles dão sobre algumas de suas ações. Eles mantiveram, na verdade, o acesso ao comércio de drogas lucrativo, mas o modo pelo qual o fazem, porque eles controlam toda Michoacán, e eles controlam o Porto de Lázaro Cárdenas, eles alavancam o comércio para, por exemplo, trocar cobre de Michoacán, que é legalmente produzido e legalmente extraído por efedrina ilegal da China que é um precursor crítico das metanfetaminas que eles produzem, e então eles têm parcerias com organizações maiores, como a Federação Sinaloa, que distribui os seus produtos nos EUA.

Finalmente, a Federação Sinaloa. Quando vocês lerem sobre eles, frequentemente lerão sobre eles com uma insinuação de reverência e admiração, porque eles são a mais integrada e a maior de todas as organizações mexicanas, e, muitas pessoas diriam, do mundo. Eles começaram como apenas uma espécie de organização de transportes que se especializou em contrabando nas fronteiras dos EUA e do México, mas agora eles se desenvolveram em uma multinacional verdadeiramente integrada, que tem parcerias produtivas no sul e parcerias na distribuição global por todo o planeta. Eles cultivaram uma marca de profissionalismo, perspicácia de negócios e inovação. Eles projetaram novas drogas e novos processos de fabricação. Eles projetaram narco-túneis que vão até o outro lado da fronteira e dá para ver que estes não são túneis como os de "Um Sonho de Liberdade". Eles inventaram narco-submarinos e barcos que não são detectados pelos radares. Eles inventaram drones para transportar drogas, catapultas, tudo o que vocês imaginarem. Um dos líderes da Federação Sinaloa, de fato, conseguiu entrar na lista da Forbes

[#701 Joaquin Guzman Loera]

Como qualquer multinacional faria, eles se especializaram e focaram apenas na parte mais lucrativa do negócio, que são drogas muito rentáveis como cocaína, heroína, metanfetaminas. Como qualquer multinacional latino-americana tradicional faria, o modo de controle de suas operações se dá através de laços familiares. Quando eles estão entrando em um novo mercado, eles enviam um membro da família para supervisioná-lo, ou, se estiverem abrindo uma parceria com uma nova organização, eles criam um laço familiar, seja através de casamentos ou outros tipos de laços. Como qualquer outra multinacional faria, eles protegem a sua marca terceirizando as partes mais questionáveis do modelo de negócios, como, por exemplo, quando eles têm que se utilizar de violência contra outras organizações criminosas, eles recrutam gangues e outros atuantes menores para fazer o trabalho sujo para eles, e eles tentam separam suas operações e sua violência e são muito discretos quanto a isso.

Para um maior fortalecimento de sua marca, eles, de fato, têm empresas profissionais de Relações Públicas que moldam a maneira como a imprensa falará deles. Eles têm, em sua equipe, cinegrafistas profissionais. Eles têm laços incrivelmente produtivos com as organizações de segurança em ambos os lados da fronteira.

E então, colocando as diferenças de lado, o que essas três organizações têm em comum é, de um lado, um entendimento muito claro de que as instituições não podem ser estabelecidas pelo topo, e sim, construídas de baixo para cima, uma interação por vez. Elas criaram estruturas extremamente coerentes que eles usam para mostrar as inconsistências das políticas do governo.

E então, o que eu quero que vocês lembrem desta palestra são três coisas: a primeira é que a violência das drogas é, na realidade, o resultado de uma enorme demanda de mercado e de um arranjo institucional que força o serviço deste mercado a se utilizar da violência para garantir as rotas de entrega. A segunda coisa que quero que lembrem é que estas são organizações sofisticadas, coerentes que são organizações de negócios, e analisá-las e tratá-las como tal é provavelmente uma abordagem muito mais útil. A terceira coisa que quero que lembrem é que, mesmo que nós estejamos mais confortáveis como essa ideia de "eles", um conjunto de caras maus separados de nós, nós somos, na realidade, cúmplices deles, seja através do consumo direto ou através da nossas aceitação da inconsistência entre as nossas políticas de proibição e o nosso comportamento real de tolerância ou mesmo de encorajamento do consumo.

Estas organizações fornecem, recrutam e operam dentro de nossas comunidades. Então, necessariamente, elas estão muito mais integradas dentro delas do que estamos confortáveis para reconhecer. E então, para mim, a pergunta não é se essas dinâmicas irão continuar da maneira que são. Nós vemos que a natureza desse fenômeno garante que elas continuarão. A pergunta é se nós estamos dispostos a continuar apoiando um estratégia falha baseada em nossa ignorância teimosa, feliz, voluntária, às custas das mortes de milhares de nossos jovens.

Obrigado.

(Aplausos)

[Via BBA]

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Brasil Acadêmico: O gênio mortal dos cartéis de drogas
O gênio mortal dos cartéis de drogas
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Brasil Acadêmico
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