A geração Facebook parece fazer uma revolução digital à francesa em Israel.
A geração Facebook parece fazer uma revolução digital à francesa em Israel.
Numa tarde de maio de 1948, o primeiro-ministro trabalhista David Ben Gurion declarou a criação do Estado de Israel no boulevard Rotshchild, hoje símbolo da elegância e modernidade de Tel-Aviv. Quando se retirou para um kibutz no deserto do Negev, Ben Gurion não imaginava que em 2011 uma guilhotina de madeira seria levantada no que era então um singelo passeio arborizado, originalmente chamado Rehov HaAm, “a rua do povo” em hebraico. Na quarta-feira [10/8], cobertos com máscaras brancas, jovens israelenses montaram ali um dos símbolos da Revolução Francesa.
O ato para lembrar os valores de liberdade, igualdade e fraternidade fez parte de uma série de protestos que há um mês toma conta das principais cidades de Israel. O movimento – que une judeus e árabes, religiosos e ateus, jovens e idosos, direita e esquerda – teve início em junho, quando mais de 60 mil usuários do Facebook organizaram um boicote contra o aumento de 70% no preço do queijo cottage. O produto presente no café da manhã da maioria dos israelenses e o protesto virtual chegaram a ser motivo de piada. Mas a pressão deu resultado e as empresas baixaram os valores da iguaria em 30%.
Em julho, a insatisfação migrou do produto lácteo para os altos preços dos aluguéis e a parca oferta de moradias. “Você, sr. premiê (primeiro-ministro Binyamin Netaniahu, do Likud, conservador), fez com que nós, da geração Facebook, tomássemos as ruas”, bradou a cineasta Daphni Leef, uma das coordenadoras do movimento em Tel-Aviv. A ruiva de 26 anos ganha a vida servindo mesas e editando vídeos de terceiros. Obrigada a sair do apartamento em que morava por causa de uma reforma no prédio, e assustada com os preços dos aluguéis, ela montou a barraca número 1 no Rothschild. Agora, cerca de 2000 tendas no boulevard ostentam até adesivos numerados, como se fossem casas.
Menos impostos
Orgulhosos por terem construído a única democracia no Oriente Médio, os israelenses também olharam com admiração os vizinhos do mundo árabe que puseram em marcha uma primavera de lutas populares. “Existe um sentimento compartilhado de que os líderes estão muito longe da realidade vivenciada pela juventude”, afirma Meir Litvak, professor da Universidade de Tel-Aviv. “Mesmo que estudem, esses jovens sentem que não terão emprego garantido e, ainda que consigam trabalho, não poderão comprar um apartamento”, exemplifica.
Há algo peculiar na revolução da geração Facebook em Israel: a maioria dos jovens passou pelas Forças Armadas e aprendeu como se mobilizar com disciplina. “Tomam uma missão e imediatamente começam a delegar tarefas, decidir quem vai fazer o quê. Tudo de maneira rápida e efetiva”, afirma Dan Ben-David, professor de economia e diretor do Centro Taub de Pesquisa de Política Social de Jerusalém e do Departamento de Políticas Públicas da Universidade de Tel-Aviv.
Os valores representam mais de 50% de aumento em seis anos. “Aqui o mercado é livre, mas deveria haver algum controle sobre as necessidades básicas”, defende.
Para Ben-David, a questão da regulação do Estado é fundamental, especialmente em um país tão pequeno como Israel, onde existem poucos bancos e fornecedores e a maioria das terras pertence ao Estado. O especialista em políticas públicas também defende a criação de infraestrutura – transportes rápidos e baratos -, juntamente com uma ampla rede educacional. “Tudo isso é responsabilidade do governo e não do livre mercado”, alerta. O economista pontua, no entanto, que o Estado de bem-estar social ainda existe em Israel. “Ninguém morre de fome aqui. Mas podemos dizer que este é um bom Estado? A resposta é não. Poderia ser melhor e mais eficiente se se importasse mais com os pobres e com quem não pode trabalhar.”
Os líderes dos acampados redigiram uma agenda para o governo na qual pedem a redução de impostos indiretos, educação gratuita para bebês desde os 3 meses de idade, mais intervenção estatal sobre o valor dos financiamentos e aluguéis, além do cancelamento do projeto de lei de habitação do primeiro-ministro. A crítica ao plano de Netanyahu é que ele reduz pela metade a burocracia na hora de aprovar a construção e a venda de residências – que hoje pode tardar até cinco anos -, mas não obriga os empresários a pensar em uma porcentagem de imóveis para os mais jovens ou de renda inferior.
Guilhotina montada em Tel-Aviv, Israel.
Sangue azul
Fechado ao diálogo, Netanyahu recuou após a marcha histórica que reuniu mais de 300 mil pessoas em Tel-Aviv no dia 6. “Minha visão sobre a política econômica em Israel precisa mudar”, admitiu o premiê. Ele formou um comitê com 15 ministros e economistas de renome para encontrar a solução. “Não podemos permitir que o protesto social termine em desapontamento”, disse o presidente Shimon Peres.
Os israelenses prometem uma marcha de 1 milhão de pessoas para 3 de setembro. No centro de Tel-Aviv, a guilhotina permanece montada e faz lembrar que no Estado fundado por Ben Gurion não existem nobres nem sangue azul. E que a rua ainda é do povo, mesmo quando leva nome de empresário e de barão francês.
Fonte: Observatório da Imprensa
[Via BBA]
Numa tarde de maio de 1948, o primeiro-ministro trabalhista David Ben Gurion declarou a criação do Estado de Israel no boulevard Rotshchild, hoje símbolo da elegância e modernidade de Tel-Aviv. Quando se retirou para um kibutz no deserto do Negev, Ben Gurion não imaginava que em 2011 uma guilhotina de madeira seria levantada no que era então um singelo passeio arborizado, originalmente chamado Rehov HaAm, “a rua do povo” em hebraico. Na quarta-feira [10/8], cobertos com máscaras brancas, jovens israelenses montaram ali um dos símbolos da Revolução Francesa.
O ato para lembrar os valores de liberdade, igualdade e fraternidade fez parte de uma série de protestos que há um mês toma conta das principais cidades de Israel. O movimento – que une judeus e árabes, religiosos e ateus, jovens e idosos, direita e esquerda – teve início em junho, quando mais de 60 mil usuários do Facebook organizaram um boicote contra o aumento de 70% no preço do queijo cottage. O produto presente no café da manhã da maioria dos israelenses e o protesto virtual chegaram a ser motivo de piada. Mas a pressão deu resultado e as empresas baixaram os valores da iguaria em 30%.
Em julho, a insatisfação migrou do produto lácteo para os altos preços dos aluguéis e a parca oferta de moradias. “Você, sr. premiê (primeiro-ministro Binyamin Netaniahu, do Likud, conservador), fez com que nós, da geração Facebook, tomássemos as ruas”, bradou a cineasta Daphni Leef, uma das coordenadoras do movimento em Tel-Aviv. A ruiva de 26 anos ganha a vida servindo mesas e editando vídeos de terceiros. Obrigada a sair do apartamento em que morava por causa de uma reforma no prédio, e assustada com os preços dos aluguéis, ela montou a barraca número 1 no Rothschild. Agora, cerca de 2000 tendas no boulevard ostentam até adesivos numerados, como se fossem casas.
Menos impostos
Orgulhosos por terem construído a única democracia no Oriente Médio, os israelenses também olharam com admiração os vizinhos do mundo árabe que puseram em marcha uma primavera de lutas populares. “Existe um sentimento compartilhado de que os líderes estão muito longe da realidade vivenciada pela juventude”, afirma Meir Litvak, professor da Universidade de Tel-Aviv. “Mesmo que estudem, esses jovens sentem que não terão emprego garantido e, ainda que consigam trabalho, não poderão comprar um apartamento”, exemplifica.
Há algo peculiar na revolução da geração Facebook em Israel: a maioria dos jovens passou pelas Forças Armadas e aprendeu como se mobilizar com disciplina. “Tomam uma missão e imediatamente começam a delegar tarefas, decidir quem vai fazer o quê. Tudo de maneira rápida e efetiva”, afirma Dan Ben-David, professor de economia e diretor do Centro Taub de Pesquisa de Política Social de Jerusalém e do Departamento de Políticas Públicas da Universidade de Tel-Aviv.
As pessoas em Jerusalém estão pagando 2 mil shekels (R$ 1.000) por um quarto, enquanto em Tel-Aviv o aluguel sai por 3 mil.
Yotam Kellner, 29 anos, designer gráfico e coordenador do movimento em Jerusalém
Os valores representam mais de 50% de aumento em seis anos. “Aqui o mercado é livre, mas deveria haver algum controle sobre as necessidades básicas”, defende.
Para Ben-David, a questão da regulação do Estado é fundamental, especialmente em um país tão pequeno como Israel, onde existem poucos bancos e fornecedores e a maioria das terras pertence ao Estado. O especialista em políticas públicas também defende a criação de infraestrutura – transportes rápidos e baratos -, juntamente com uma ampla rede educacional. “Tudo isso é responsabilidade do governo e não do livre mercado”, alerta. O economista pontua, no entanto, que o Estado de bem-estar social ainda existe em Israel. “Ninguém morre de fome aqui. Mas podemos dizer que este é um bom Estado? A resposta é não. Poderia ser melhor e mais eficiente se se importasse mais com os pobres e com quem não pode trabalhar.”
Os líderes dos acampados redigiram uma agenda para o governo na qual pedem a redução de impostos indiretos, educação gratuita para bebês desde os 3 meses de idade, mais intervenção estatal sobre o valor dos financiamentos e aluguéis, além do cancelamento do projeto de lei de habitação do primeiro-ministro. A crítica ao plano de Netanyahu é que ele reduz pela metade a burocracia na hora de aprovar a construção e a venda de residências – que hoje pode tardar até cinco anos -, mas não obriga os empresários a pensar em uma porcentagem de imóveis para os mais jovens ou de renda inferior.
Sangue azul
Fechado ao diálogo, Netanyahu recuou após a marcha histórica que reuniu mais de 300 mil pessoas em Tel-Aviv no dia 6. “Minha visão sobre a política econômica em Israel precisa mudar”, admitiu o premiê. Ele formou um comitê com 15 ministros e economistas de renome para encontrar a solução. “Não podemos permitir que o protesto social termine em desapontamento”, disse o presidente Shimon Peres.
Os israelenses prometem uma marcha de 1 milhão de pessoas para 3 de setembro. No centro de Tel-Aviv, a guilhotina permanece montada e faz lembrar que no Estado fundado por Ben Gurion não existem nobres nem sangue azul. E que a rua ainda é do povo, mesmo quando leva nome de empresário e de barão francês.
Fonte: Observatório da Imprensa
[Via BBA]
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