Social-democracia nos olhos do outros é refresco? Parece que de fato é. A opinião do multinstrumentista Kiko Loureiro mostra que artistas ta...
Social-democracia nos olhos do outros é refresco? Parece que de fato é. A opinião do multinstrumentista Kiko Loureiro mostra que artistas também têm uma visão desalienada da arte que o cerca.
A entrevista é longa e vale a pena ser vista na íntegra. Mas o trecho que destaca a vida na Finlândia é o crème de la crème do conteúdo, na minha modesta opinião. Assista. A transcrição segue abaixo.
Rogério Vilela: Por que a Finlândia, cara? Como é essa história?
Kiko Loureiro: Conheci minha esposa e aí, meio que durante a pandemia…
Rogério Vilela: Foi durante a pandemia?
Kiko Loureiro: Quer dizer, minha filha já tinha nascido lá, mas a gente estava nos Estados Unidos, Brasil, aquela coisa…
Rogério Vilela: Você conheceu ela nos Estados Unidos?
Kiko Loureiro: A gente se conheceu naquela cena que a gente caiu na... [Queda de ambos do palco durante um show, relatada anteriormente]
Rogério Vilela: Ah! Foi nessa que você conheceu ela? Onde foi isso?
Kiko Loureiro: Foi na Argentina, a gente fez uma tour, né? Fui conhecendo ela ali. Mas depois, quando fui para os EUA, a gente foi junto. Aí fica nessa coisa, meio Brasil, EUA, Finlândia, meio triangulando. Aí minha filha nasceu em 2011. Ela nasceu lá, já, mas depois a gente veio para cá, foi para os EUA, e tal. E aí, durante a pandemia, que foi meio tipo, “Ah, vamos ficar aqui, né? Porque tá muito confuso esse negócio de três países.”
Rogério Vilela: Como estava a Finlândia na pandemia? Como foi lá?
Kiko Loureiro: Cara, assim... A Suécia foi diferente, né? Porque eles liberaram geral. Mas é um país que as pessoas já não ficam muito…, não tem muita gente.
Rogério Vilela: Não tem muito contato, né?
Kiko Loureiro: Não tem tanto contato, todo mundo foi, eu acho que, na medida do possível, obviamente, foi tranquilo.
Rogério Vilela: Foi mais de boa, né?
Kiko Loureiro: É, porque assim, aquele auxílio emergencial, esse tipo de coisa, o país já tem constantemente. Então, não teve que ter um plano.
Rogério Vilela: Como assim? Os caras já recebem já uma grana...
É um país social-democrata, né, digamos assim.
Rogério Vilela: Sei.
Kiko Loureiro: Então, é legal. Isso é legal, você ter experiência de estar no Brasil, estar na Califórnia ou ver Nashville, ou trabalhar com americanos que vêm de vários estados e também participar da sociedade social-democrata,
Rogério Vilela: Como que é?
Kiko Loureiro: E ver como é que é a diferença... É, né, seja na política, seja na educação. Como é que é a educação? Porque a Finlândia, eu acho que é seis ou sete anos sendo eleito o país mais feliz do mundo.
Rogério Vilela: Feliz?
Kiko Loureiro: Mais feliz. É.
Rogério Vilela: Bom.
Kiko Loureiro: Aí você pode dar uma estudada melhor, mas são vários parâmetros, são mais de 100 parâmetros, porque eles lá falam, “a gente não é mais feliz”, os caras são sérios lá, tipo, eles estão imaginando que no Brasil, né, carnaval… que é mais feliz. Mas em felicidade de tranquilidade, o americano não tem, de qualidade de vida, de respeitar, o cara tem o tempo pra família, o cara tem um tempo… faz o que gosta, trabalha no que gosta. Ele tem a segurança do que o estado dá.
Rogério Vilela: A diferença de grana entre o que ganha mais e o que ganha menos não é tanta…
Kiko Loureiro: Muito não. Bom, aqui. Aqui chega a ser absurdo de ridículo, lá tem conversas que está aumentando, mas assim, nem se compara ao que é aqui. Porque a pessoa lá, ainda tem, cara, todo mundo tem uma segurança assim, né, de… independente de onde você vem, seus filhos vão estar numa escola boa.
Rogério Vilela: Vai ter saúde para todo mundo.
Kiko Loureiro: Vai ter saúde.
Rogério Vilela: Você não fica na mão.
Kiko Loureiro: É. Isso gera uma série de coisas, né. Quando você fala da música, você que acompanha o heavy metal, vai. Você vai ver que tem um monte de banda que vem da Suécia, da Finlândia, e elas são muito inventivas e criativas, elas criam conceitos legais. Você vai falar porque eles são mais inteligentes? Não é simplesmente que eles podem arriscar, sem precisar ter, sem precisar ser economicamente viável.
Paquito: Aque você tem que se render para o popzão…
Kiko Loureiro: Aqui, o cara que é músico, vai falar, “Bom, ou eu vou tocar no bar, vou… banda cover. Vou ter que tocar música do outro, porque o bar, pra me aceitar… vou tocar banda cover. Vou tocar com um artista.” Se o cara for bom, vai tocar, para ganhar uma grana do artista que já tá acontecendo, o cara vai dar aula, não tem muitas opções, o cara fazer uma banda com conceito diferente, ou uma carreira dele. É difícil, claro, que você tem internet, que é um caminho, né. Muito bom, que quebra essas barreiras. Mas, no geral, é muito mais difícil agora, porque você tem que, economicamente, ser viável para você pagar tuas contas, né, para pagar teu plano de saúde, para pagar, né, o seu carro, que você vai precisar ter, em São Paulo, tem que ter um carro.
Agora, se você mora num lugar que você não precisa de carro. Que o teu plano de saúde tá pago. Que você teve uma ótima educação, das melhores do mundo. Agora acho que é Singapura, teve Coreia com o PISA número um, mas a Finlândia foi número um por muitos anos e se destaca entre os cinco primeiros. Então, a educação é fantástica para todos, independente de cor de pele, independente de onde vem, etc.
Nos EUA, já não é assim, apesar da educação nos EUA ainda ser pública, né, ainda é pública, mas os EUA têm o sistema, que a escola, você tem que estudar na escola do teu bairro, como na Europa, né?
Só que se aquela escola tá indo bem em notas, o valor das casas sobem, né?
Rogério Vilela: Olha que louco, por causa da escola?
Kiko Loureiro: Por causa da escola, então… porque se você é um pai, onde que você escolhe? Você vai escolher onde tem boas escolas.
Rogério Vilela: Entendi.
Kiko Loureiro: Aí, se tem boas escolas, significa que aquelas casas são mais caras, se aquelas casas são mais caras, você tem uma família com poder aquisitivo maior. Aquela família com poder aquisitivo maior pelo esquema dos EUA, que tem muita doação para descontar no Imposto de Renda. Vai doar pra escola, então aquela escola vai ter um teatro bonito, vai ter instrumentos musicais, vai ter mais lápis de cor, computador, etc. Melhor que não vai ter na escola do gueto. Na escola do gueto não vai ter nada disso. Vai ter uma grade, vai ter gente entrando com arma, não vai ter controle. O sistema educacional é o mesmo, mas o bairro dita a qualidade da escola.
Rogério Vilela: Você não vê isso lá?
Kiko Loureiro: Não [se] vê isso lá.
Kiko Loureiro: Não [se] vê isso lá.
Rogério Vilela: Pelo menos, as diferenças são mínimas, né?
Kiko Loureiro: Não vê porque… Como que você evita isso? Porque se é livre, se o preço das casas pode subir à vontade… Na Califórnia, eles têm, eh, aluguel… Tem certas regiões que seguram o preço do aluguel, né? Tem aluguel controlado, tem um pouco disso. Por isso que algumas pessoas saem da Califórnia, porque eles não concordam também com isso. Porque se você é dono, se você é o dono dessas casas, você não quer que o aluguel seja controlado. Você quer pela demanda. Como vai, um monte de gente começa a ter dinheiro, russo, dinheiro chinês, então deixa subir, que é o que aconteceu no Canadá, que tem muito dinheiro chinês. Na própria Califórnia, muito dinheiro russo, chinês que vai lá e né, amplifica o, o os valores dos imóveis. Se você não tem nenhum controle… acontece. Aí começa uma crise de moradia, como tem Los Angeles, um monte de gente morando na rua, americanos mesmos que não podem pagar, moram no carro, porque não tem nenhum controle.
Rogério Vilela: Cara…
Kiko Loureiro: Aí, se você tá numa…
Rogério Vilela: É lá? O Skid Row? Que tem aquela…
Rogério Vilela: É. Que é horrível. Você fala… Cracolândia… Você fala: Como um país rico, como os EUA, tem um negócio desse. Isso porque você não viu o pior, que o pior… Você vai para Oregon… você fica espantado.
Rogério Vilela: Pior?
Kiko Loureiro: Pior, cara. Eu, como brasileiro que cresci em São Paulo, vi muita pobreza aqui. A gente sempre viu pobreza. Você fica espantado da pobreza que você vê nos EUA. Você fala: Não é possível que esse país… o país da…, sei lá, da Disney. Tem essa pobreza também, né? Então você descobre que não. o que você vê não é bem assim. Aí na Finlândia, que é mais controlado, aí muita gente reclama também, que é mais controlado e tal… Você vai ter, de repente, um bairro que tem casas legais, do lado. eles vão botar um uma COAB, digamos assim, né? Um prédio…
Rogério Vilela: Mais popular…
Kiko Loureiro: Popular que o governo bota lá, isso faz de certa forma controlar. Ou o governo é dono do terreno e fala pra consultora, eh, tipo a consultora pode construir lá o que ela quiser, mas o terreno é do governo, então ele consegue controlar o preço final daquele imóvel porque o terreno é do governo. Geralmente, no imóvel, o mais caro é o terreno. Então, se ele tem numa área que é considerada, considerada nobre, o governo tem um terreno, ele pode botar um prédio que não é caro pra população, ele consegue controlar lá, então, naquela área, ela não fica tão nobre, porque sempre vai ter um prédio mais popular ali no meio, e eles fazem isso de uma forma que tenha prédios de um quarto, de dois quartos, de três, tal, entendeu? E aí, aquelas mesmas pessoas que moram no prédio de um quarto ou de dois quartos ou numa casa legal vão todos pra mesma escola e elas crescem juntas e aprendem juntas, entendeu? E aí, isso dá um senso de… Só que aquele cara que tem menos grana e o cara que tem mais grana não é tão diferente. Um cara tem um carro mais tipo do último tipo, caro, digamos assim, mas o outro tem um carro, né? Um tem o último iPhone e o outro também tem um iPhone, sabe assim, sei lá.
Rogério Vilela: É?
Kiko Loureiro: Essas questões materiais mesmo, mas a escola é igual, não tem uma apreço. “Ah, você tem um Bentley”, não tem esse papo. Nunca ouvi:“ Ah, que legal, o cara tem isso”.
Rogério Vilela: Ninguém liga para essas coisas…
Kiko Loureiro: Essa coisa que tem muito nos EUA. Você é medido pelo que você tem e não pelo que você é. Eu não sinto isso. Em nenhuma conversa. “Ah, o cara tem isso… ou não tem”.
Rogério Vilela: Passa um carro na rua, todo mundo olha… Não, não é esse o caso.
Kiko Loureiro: É, porque o nível geral é melhor e também o carro, assim, você quer ter carro, é porque você mora mais longe. Porque você não precisa ter carro. Aquela coisa, o rico, não… Você tem um bairro mais nobre ali, mais no centro, mais legal, né? O cara faz a pé, não precisa ter carro. Eu fiquei um tempão lá sem carro.
Rogério Vilela: Só para viagem mesmo.
Kiko Loureiro: É.
Rogério Vilela: Ou você aluga também.
Kiko Loureiro: É isso que eu fazia, eu alugava no, alugava um carro no verão, para ter essa mobilidade de você poder ver viajar no verão. E no inverno, cara, tem muita neve. Você vai ficar limpando o carro, não tem onde parar.
Rogério Vilela: Dá pra andar de bicicleta lá no inverno, ou não?
Kiko Loureiro: Ah, eu não ando, se a galera… Tem uma galera que anda, eu não ando, porque eu tenho medo de, de cair, quebrar o braço, né, porque é minha, uma profissão, eu fico sempre com esse medo de quebrar o braço ou a mão, alguma coisa assim.
Rogério Vilela: Tem uma galera aqui que trabalha com a mão, que o trabalho deles é trocar câmera, o cara quebra o braço.
Kiko Loureiro: Ah, eu fiquei sabendo. (risos)
Rogério Vilela: Tirou para falar com a namorada.
Kiko Loureiro: Falar com a namorada? Hum, entendi.
Alguém dos bastidores: Não é namorada.
Kiko Loureiro: Não é namorada?
Alguém dos bastidores: Não é namorada.
Rogério Vilela: Você leva uma garota no Outback, já não tá namorando? Levou Outback, velho, tá namorando, cara. Não levou no, levou Outback, velho, tá namorando, cara.
Kiko Loureiro: Ah! Levou no Outback, velho, tá namorando, cara.
Rogério Vilela: Levou Outback, velho, tá namorando, cara.
Kiko Loureiro: Investindo, tá investindo no futuro.
Paquito: Vou defender o Tute, quando você leva num lugar mais chique, tipo Outback, você não tá namorando ainda. Depois que você começa a namorar, que você começa a levar no Habib's, no McDonald's.
Rogério Vilela: Olha isso.
Kiko Loureiro: Tinha um livro aqui na mesa, aqui do lado, né?
Rogério Vilela: É. O cara é Red Pill. Olha só, hein.
Kiko Loureiro: Os caras tão lendo aí. A literatura daqui é isso? Tô me educando aqui.
Rogério Vilela: Você tá curtindo lá?
Kiko Loureiro: Acho que o Red Pill não funcionaria lá, né? Porque é um país, historicamente, né, que as mulheres… é interessante a Finlândia, né? Porque a língua não tem gênero…
Rogério Vilela: Dá um exemplo.
Kiko Loureiro: Não tem, ele e ela, não tem. Não tem professor e professora.
Rogério Vilela: Professor é uma palavra que significa para homem e para mulher…
Kiko Loureiro: Exato. Não tem ele e ela, tanto que se você, você falar em inglês com finlandês, ele vai errar isso, ele vai falar she para você, entendeu? Vai te chamar de menina,
Rogério Vilela: Você é um menina, é?
Kiko Loureiro: É.
Fonte: Youtube
Visto no Brasil Acadêmico
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