Grupos de extrema direta dos EUA, liderados por Steve Bannon, e um bilionário dissidente chinês financiaram uma rede de desinformação para t...
Grupos de extrema direta dos EUA, liderados por Steve Bannon, e um bilionário dissidente chinês financiaram uma rede de desinformação para tentar minar o Partido Comunista Chinês (PCC) com a ajuda de uma médica chinesa.
Essa história, levantada pelo New York Times, envolve vários personagens e muitos interesses políticos e econômicos. Vamos começar por Steve Bannon, ex-produtor de Hollywood e estrategista de campanha de Donald Trump, teria sido uma espécie de consultor informal na campanha de Bolsonaro. Ao criticar a demissão do diretor do FBI por Trump ele foi demitido do governo em 2017. Em 20 de agosto desse ano, Bannon foi preso pelo FBI em um iate de luxo por supostamente fraudar doadores de um grupo sem fins lucrativos que afirmava arrecadar fundos para construir um muro privado na fronteira EUA-México. Segundo teria dito a amigos, Bannon havia morado por meses no iate do bilionário chinês Guo Wengui.
O patrimônio de Guo e a extensa rede de Bannon deram a eles uma plataforma influente. Os dois homens criaram um fundo de US$ 100 milhões para investigar a corrupção na China e espalharam teorias de conspiração sobre Pequim. Desde o fim de janeiro, estão focados no surto do coronavírus na China.
Guo Wengui fugiu da China há uns cinco anos depois de ser acusado de suborno e outros crimes. Desde então, se autodenomina um lutador pela liberdade, embora muitos sejam céticos quanto às suas motivações. Começou um relacionamento com Bannon e iniciou uma campanha violenta atacando a corrupção em Pequim e o que ele diz ser uma acusação politicamente motivada contra ele.
Nos últimos anos, uma empresa ligada a Guo fez um contrato de consultoria com Bannon e também prometeu publicamente doar US$ 100 milhões para uma instituição de caridade que encabeçada por Bannon. Um mês antes da prisão de Bannon, Guo anunciou que Bannon serviria como presidente de uma nova empresa de mídia social que estava lançando.
Já a pesquisadora chinesa Li-Meng Yan queria permanecer anônima. Em janeiro e Yan, uma cientista de Hong Kong, vinha ouvindo rumores sobre um novo vírus perigoso na China continental que o governo estava minimizando. Aterrorizada por sua segurança pessoal e carreira, ela procurou seu apresentador chinês favorito no YouTube, conhecido por criticar o governo chinês. Após alguns dias, o influenciador chinês divulgou a seus 100 mil seguidores que o coronavírus havia sido liberado intencionalmente pelo PCC. E não quis divulgar o nome de Yan porque, segundo ele, as autoridades poderiam fazer a pessoa “desaparecer”.
Yan obteve o título de mestre em oftalmologia pela Central South University (Xiangya Medical College) em 2009 com a tese “Arroz de castanha espinhosa e análise clínica de 29 casos de trauma ocular”. Em 2014 ela concluiu seu doutorado em oftalmologia pela Southern Medical University com a tese “Estudo experimental sobre o efeito inibitório do propranolol na neovascularização em um modelo de queimadura por álcali da córnea em camundongo”. Posteriormente ela alega ter se especializado em coronavírus ao se tornar pesquisadora e pós-doutoranda pela Universidade de Hong Kong. A universidade se pronunciou contestando a informação de que a ela tenha realizado pesquisas com o vírus e Li-Meng Yan rebate afirmando que sua pesquisa foi censurada e que seus superiores teriam a orientado a se calar.
Ela havia estudado a gripe antes do surto, mas não os coronavírus. Ela trabalhou em um dos melhores laboratórios de virologia do mundo, na Universidade de Hong Kong, mas era bastante nova no campo e foi contratada por sua experiência com animais de laboratório, de acordo com dois funcionários da universidade que a conheciam. Ela ajudou a investigar o novo surto, mas não supervisionou o esforço.
Mesmo assim, a crença de Yan, sem provas, de que o vírus teria sido difundindo deliberadamente parece ter fomentado uma colaboração entre dois grupos separados, mas cada vez mais aliados, que espalham desinformação: um pequeno e ativo grupo da diáspora chinesa e a influentíssima extrema direita nos EUA.
Cada um dos grupos anteviu a pandemia como uma oportunidade de realizar seus planos. Para a diáspora, Yan e suas reivindicações infundadas forneceram uma arma para aqueles que pretendiam derrubar o governo da China. Para os conservadores americanos, elas ajudavam com o crescente sentimento anti-chinês e servia como cortina de fumaça da desastrosa gestão do surto pelo governo Trump.
A falta de transparência do governo chinês no início da pandemia só alimentou a máquina de teorias conspiratórias que fora forjada por esses grupos. Ambos aproveitaram a escassez de informações da China, cujo governo se recusou a compartilhar amostras do vírus e resistiu a uma investigação independente e transparente.
Desse modo, a trajetória de Yan foi cuidadosamente elaborada por Guo Wengui e Steve Bannon. Eles embarcaram Yan em um avião para os EUA, deram a ela um lugar para ficar e ajudaram-na a conseguir entrevistas com apresentadores de televisão conservadores populares como Tucker Carlson e Lou Dobbs, ambos da Fox. Guo e Bannon alimentaram sua crença de que o vírus foi geneticamente modificado, aceitando de forma acrítica o que ela forneceu como prova.
Depois que Yan chegou aos EUA, Bannon, Guo Wengui e seus aliados começaram imediatamente a treiná-la para falar na mídia e se vender ao público americano.
Eles a instalaram em uma “casa segura” fora da cidade de Nova York e contrataram advogados, segundo Bannon. Eles contrataram uma treinadora de mídia, já que o inglês não é sua primeira língua. Bannon também pediu a ela que apresentasse vários documentos resumindo suas supostas evidências, disse Yan mais tarde.
Wang Dinggang, que era um empresário na China antes de se mudar para os EUA por razões ignoradas, e próximo a Guo Wengui, é parte de um grupo crescente de comentaristas que surgiu na internet em língua chinesa. Seus programas, que misturam erudição, análise séria e boatos, atendem a uma diáspora que muitas vezes não confia na mídia estatal chinesa e tem poucas fontes confiáveis de notícias em seu idioma nativo.
Em seu canal do Youtube, há vários anos, Wang, que usa o pseudônimo Lu De nas redes, emergiu como uma das personalidades mais populares do gênero, em parte por falar de teorias conspiratórias bizarras. Ele acusou as autoridades chinesas de usarem "sexo e sedução" para prender os inimigos e pediu ao público que estocasse comida para um suposto colapso do Partido Comunista.
Em seu vídeo com denúncias ainda anônimas sobre o vírus, combinou os mesmo elementos de fato e ficção. Dizia que sua fonte era uma especialista, mas exagerava seu currículo.
O vídeo de Wang chamou a atenção de Bannon, que disse ter começado a se preocupar com o vírus quando a China começou a impor quarentenas. Alguém, ele não disse quem, lhe mostrou o programa e o traduziu.
Poucos meses depois, Wang disse a Yan para fugir de Hong Kong para sua segurança, explicou ele em transmissões posteriores. Guo Wengui, seu patrono principal, pagou para ela voar de primeira classe, acrescentou.
A entrevista da doutora Li-Meng Yan no programa de Tucker Carlson em setembro acumulou pelo menos 8,8 milhões de visualizações online. O Facebook e o Instagram a sinalizaram como informação falsa.
O patrimônio de Guo e a extensa rede de Bannon deram a eles uma plataforma influente. Os dois homens criaram um fundo de US$ 100 milhões para investigar a corrupção na China e espalharam teorias de conspiração sobre Pequim. Desde o fim de janeiro, estão focados no surto do coronavírus na China.
Bannon voltou seu podcast para o coronavírus. Ele o chamava de “vírus PCC” (uma menção ao Partido Comunista) muito antes de Trump começar a usar rótulos xenófobos para a pandemia. Para seus programas, convidou críticos ferozes da China a fim de discutir como o surto exemplificou a ameaça global representada pelo governo chinês.
Já Guo começou a alegar que o vírus era um ataque ordenado pela China e divulgou isso em seus canais na internet, que inclui a GTV, uma plataforma de vídeo, e o site GNews. O bilionário até lançou uma música chamada “Derrubem o PCC”, que alcançou rapidamente o primeiro lugar no ranking do iTunes da Apple.
Os dois faziam os ataques enquanto enfrentavam problemas legais. Guo é investigado por autoridades americanas por supostas irregularidades na arrecadação de fundo para seus sites enquanto Bannon enfrenta as acusações já mencionadas de fraude para levantar dinheiro para a campanha de apoio à construção de um muro na fronteira mexicana.
Em Yan, os dois homens encontraram o rosto ideal para a campanha anti-Pequim.
Em 10 de julho, a virologista revelou sua identidade pela primeira vez em uma entrevista de 13 minutos no site Fox News. Depois, Yan embarcou em uma turnê pela mídia de direita, ecoando informações falsas e enganosas. Ela disse que tomou hidroxicloroquina para se prevenir do vírus, mesmo que estudos indiquem que o medicamento não é eficaz; acusou também a Organização Mundial da Saúde (OMS) de ajudar a encobrir a pandemia. Tudo era repercutido e compartilhado nas redes de Guo.
No início de setembro, Yan se encontrou com Daniel Lucey, um especialista em doenças infecciosas da Universidade de Georgetown que havia sugerido a possibilidade de o vírus ser produto de um experimento de laboratório. Lucey disse que pessoas ligadas a Yan, que organizaram a reunião, queriam encontrar um cientista confiável para endossar suas afirmações.
Por mais de quatro horas, Yan discutiu sua experiência e pesquisas. Lucey disse que a virologista parecia genuinamente acreditar que o vírus havia sido transformado em uma arma biológica, mas que teve dificuldade em explicar o porquê. Ao final, um dos responsáveis pelo encontro, que não teve o nome revelado, perguntou se o especialista acreditava que Yan tinha “uma bomba”. A reunião terminou rapidamente quando Lucey disse que não.
Dias depois, Yan publicou uma pesquisa de 26 páginas em que dizia provar que o vírus havia sido fabricado. O documento se espalhou rapidamente on-line.
O artigo, que não foi revisado por pares nem publicado em uma revista científica, foi postado em um repositório on-line de acesso aberto. Foi apoiado por duas organizações sem fins lucrativos financiadas por Guo.
Os três outros coautores do artigo eram pseudônimos por razões de segurança, de acordo com Bannon.
Os virologistas rapidamente caracterizaram o artigo como “pseudociência” e “baseado em conjecturas”. No entanto, alguns temiam que a pesquisa — repleta de gráficos e jargão científico — desse às acusações um verniz de credibilidade.
Em 15 de setembro, um dia após a publicação do artigo, Yan garantiu seu maior palco: uma aparição com Tucker Carlson na Fox News. O programa do âncora frequentemente serve como um megafone influente para a direita.
O vídeo se tornou viral nas redes, sendo visto pelo menos 8,8 milhões de vezes — ainda que o Facebook tenha o sinalizado como falso. Conservadores de alto escalão, incluindo a senadora republicana Marsha Blackburn, o compartilharam no Twitter. Quando o reverendo Franklin Graham, próximo a Trump, postou sobre Yan no Facebook, ele se tornou o link mais compartilhado postado por uma conta do Facebook nos Estados Unidos naquele dia.
Lou Dobbs, outro apresentador da Fox, tuitou um vídeo dele e de um convidado discutindo o “grande caso” de Yan. Trump retuitou.
Yan foi recebida por um público já preparado para ouvir suas afirmações. Uma pesquisa de março descobriu que quase 30% dos americanos acreditavam que o vírus provavelmente surgiu em um laboratório.
— Depois que Tucker Carlson pega o assunto, não é mais marginal — disse Yotam Ophir, um professor da Universidade de Buffalo que estuda desinformação. — Agora é mainstream.
Yan, por meio de representantes de Bannon e Guo, recusou vários pedidos de entrevista. O mesmo fez Wang, citando a “reputação de notícias falsas” do The New York Times.
Segundo o NYT, a Fox News não quis comentar.
Wang parece ter sido o primeiro a semear rumores relacionados a Hunter Biden, filho do presidente eleito Joe Biden. Um site dele ampliou as alegações infundadas sobre o envolvimento de Hunter em uma conspiração de abuso infantil — o que foi repercutido em outros sites direitistas, como o Infowars. Agora, Bannon, Wang e Guo Wengui disseminam a mentira de que a eleição presidencial foi fraudada.
Fonte: NYT, Estadão, Wikipedia
Visto no Brasil Acadêmico
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