A Covid-19 não é uma pandemia, mas uma sindemia. E considerá-la dessa forma mudaria bastante a forma de lidar com a doença. Essa é a opinião...
A Covid-19 não é uma pandemia, mas uma sindemia. E considerá-la dessa forma mudaria bastante a forma de lidar com a doença. Essa é a opinião de Richard Horton, editor-chefe da revista científica The Lancet.
No momento que passam de 1 milhão de óbitos pela Covid-19 no mundo todo e mais de 150 mil mortes pela doença só no Brasil, um olhar diferente sobre a pandemia pode ajudar a aperfeiçoar a forma de tratá-la. A começar por não tratá-la como uma pandemia, mas como uma sindemia. E isso faz muita diferença.
Recentemente, em setembro desse ano, Horton publicou um comentário na Lancet afirmando que a vulnerabilidade dos cidadãos a esta doença permitia concluir que o surgimento de um tratamento ou vacina protetora, por mais eficaz, falharia.
A “ciência” que guiou os governos foi impulsionada principalmente por modeladores de epidemias e especialistas em doenças infecciosas, que compreensivelmente enquadram a atual emergência de saúde em termos de peste seculares. Richard Horton - Editor da revista The LancetOcorre que, segundo Horton, o que aprendemos até agora nos diz que a história do COVID-19 não é tão simples. Duas categorias de doenças estão interagindo em populações específicas - infecção com síndrome respiratória aguda grave coronavírus 2 (SARS-CoV-2) e uma série de doenças não transmissíveis (DNTs).
Assim, essas condições estariam se agrupando em grupos sociais de acordo com padrões de desigualdade profundamente fincadas em nossas sociedades. A combinação dessas doenças em um contexto de disparidade social e econômica exacerba os efeitos adversos de cada doença separada.
Dessa forma, COVID-19 não seria uma pandemia. Mas uma sindemia. A natureza sindêmica da doença que enfrentamos significa que uma abordagem mais sutil se torna necessária se quisermos proteger a saúde de nossas comunidades.
Uma sindemia se caracteriza como uma interação mutuamente agravante entre problemas de saúde em populações em seu contexto social e econômico e seu conceito foi cunhado por Merril Singer a partir de estudo sobre o entrelaçamento entre a síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA/AIDS) e a violência em cidades dos EUA. Problemas de saúde e sociais se agrupam em comorbidades crescentes a partir de fatores sociais, psicológicos e biológicos, embora os agravos à saúde sejam enfermidades crônicas não transmissíveis.
No início de 2019, o relatório “A Sindemia Global da Obesidade, da Desnutrição e das Mudanças Climáticas” foi lançado pela Comissão de Obesidade do periódico The Lancet na Conferência PMAC 2019, realizada na Tailândia. O relatório denominou de “sindemia global” à combinação sinérgica entre pandemias da fome, da obesidade e da mudança climática, as três decorrentes, principalmente, do sistema agroalimentar global.
Recentemente, em setembro desse ano, Horton publicou um comentário na Lancet afirmando que a vulnerabilidade dos cidadãos a esta doença permitia concluir que o surgimento de um tratamento ou vacina protetora, por mais eficaz, falharia.
Esta vulnerabilidade era observada entre os mais idosos, em pessoas de comunidades étnicas negras, asiáticas e minoritárias, e em trabalhadores que eram comumente mal pagos e recebiam menos proteções de bem-estar.
Todas as nossas intervenções se concentraram em cortar as rotas de transmissão viral para controlar a disseminação do patógeno.
O pesquisador argumentou que o avanço da COVID-19 deveria ser entendido então como uma sindemia, e a busca por uma solução para a doença não deveria ser puramente biomédica, mas seria necessária maior atenção às doenças não transmissíveis (DNTs) e à desigualdade socioeconômica.
Ele também observou grande interação entre a infecção pelo SARS-CoV-2 e DNTs em populações específicas, de modo que combater a COVID-19 implicava em também combater a hipertensão, a obesidade, a diabetes, as doenças cardiovasculares, as doenças respiratórias crônicas e o câncer.
Entretanto, as DNTs são uma causa negligenciada de problemas de saúde nos países mais pobres. Em conclusão, Horton afirmou que a menos que os governos elaborassem políticas e programas para reverter suas profundas desigualdades sociais e econômicas, incluindo os países desenvolvidos, o mundo nunca estaria verdadeiramente protegido da COVID-19.
Mas não aconteceria da mesma forma com todas as doenças? Isto é, no geral, elas não são mais impactantes em grupos sociais com menos acesso à saúde, alimentação, educação e higiene? Quando combinadas elas não são quase sempre ampliadas?
Para Tiff-Annie Kenny, pesquisadora da Universidade Laval, no Canadá, em entrevista à BBC News Mundo, nem sempre ocorre dessa forma.
Há cada vez mais evidências de que a gripe e o resfriado comum são contra-sindêmicos. Ou seja, a situação não piora. Se uma pessoa está infectada com os dois vírus, uma das doenças não se desenvolve.
Para a cientista, analisar a situação pelas lentes da sindemia nos permite ir da abordagem clássica da epidemiologia ao risco de transmissão para uma visão da pessoa em seu contexto social.
Para Merrill Singer, o médico pesquisador que criou o termo sindemia, após pandemias cada vez mais fequentes (AIDS, ebola, SARS, zika e agora a Covid-19), a lição é clara:
Temos que lidar com os fatores estruturais que dificultam o acesso dos pobres à saúde ou a uma alimentação adequada.
E Horton é ainda mais taxativo:
“A menos que os governos elaborem políticas e programas para reverter profundas disparidades sociais, nossas sociedades nunca estarão verdadeiramente protegidas da covid-19.”
Fonte: The Lancet, Wikipedia, BBC
[Visto no Brasil Acadêmico
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