Em 2014, o mundo evitou uma terrível epidemia global do Ebola, graças a milhares de generosos profissionais de saúde e, francamente, graças ...
Em 2014, o mundo evitou uma terrível epidemia global do Ebola, graças a milhares de generosos profissionais de saúde e, francamente, graças também a muita sorte. Em retrospectiva, sabemos o que deveríamos ter feito melhor. Nessa palestra TED de 2015 Bill Gates sugeria que era a hora de colocar todas as boas ideias em prática, de planejamento de cenários a treinamento de profissionais de saúde. Como ele dizia: "Não há razão para pânico, mas precisamos nos apressar". Veja o que ele previa como uma verdadeira Cassandra dos tempos modernos e reflita: Frente ao surto de Covid-19, aprendemos alguma lição?
Quando criança, a catástrofe que mais nos preocupava era uma guerra nuclear. Por isso, nós tínhamos um barril como esse em nosso porão, cheio de latas com comida e água. Quando o ataque nuclear ocorresse, devíamos ir para o porão, ficar agachados e nos alimentar do que havia no barril. Hoje, o maior risco de catástrofe global não é assim. Na verdade, é assim.
Se algo matar mais de 10 milhões de pessoas nas próximas décadas, é mais provável que seja um vírus altamente contagioso do que uma guerra. Não mísseis, mas micro-organismos.
Não estamos preparados para uma próxima epidemia. Vejamos o Ebola.
Certamente, todos vocês leram sobre o assunto nos jornais, muitos desafios difíceis. Acompanhei cuidadosamente a situação com ferramentas de análise de caso, que utilizamos para acompanhar a erradicação da poliomelite.
E, se analisarmos o que aconteceu, a questão não foi que houvesse um sistema que não funcionava muito bem. A questão é que não tínhamos sistema algum.
Na verdade, há algumas variáveis importantes e bem óbvias faltando. Não tínhamos um grupo de epidemiologistas prontos para agir, que teriam ido, visto o que era a doença, visto o quanto tinha se espalhado. Os relatos de casos chegavam em papel.
Demorava muito até que fossem postos on-line e eram extremamente imprecisos. Não tínhamos uma equipe médica pronta para agir. Não tínhamos uma forma de preparar pessoas.
Bem, os Médicos Sem Fronteiras fizeram um ótimo trabalho organizando voluntários. Mesmo assim, fomos muito mais lentos do que devíamos ter sido para levar os milhares de profissionais a esses países. E uma grande epidemia exigiria centenas de milhares de profissionais. Não havia ninguém lá para verificar abordagens de tratamento, para avaliar o processo de diagnóstico, para ver que ferramentas deveriam ser usadas.
Por exemplo, poderíamos ter colhido sangue de sobreviventes, processado esse sangue e usar o plasma para imunizar outras pessoas, mas isso nunca foi tentado. Então, faltou muita coisa. Coisas assim são realmente um fracasso global. A OMS é financiada para monitorar epidemias, não para fazer essas coisas.
Bem, no cinema, a coisa é bem diferente. Existe um grupo de belos epidemiologistas prontos para agir, e eles vão, resolvem o problema, mas isso é pura produção de Hollywood. O fracasso de preparação poderia permitir que uma próxima epidemia fosse drasticamente mais devastadora que o Ebola.
Há três razões de o vírus não ter se espalhado mais:
Se tivesse entrado em muito mais áreas urbanas, o número de casos teria sido bem maior. Então, de uma próxima vez, talvez não tenhamos tanta sorte. Pode haver um vírus que deixe o paciente aparentemente bem no estágio contagioso, a ponto de ele conseguir viajar de avião ou ir ao mercado.
A fonte do vírus poderia ser uma epidemia natural como o Ebola, ou poderia ser bioterrorismo. Então, há coisas que poderiam tornar as coisas literalmente mil vezes piores.
Na verdade, vejamos um modelo de um vírus espalhado pelo ar, como o da gripe espanhola, em 1918. Vejamos o que aconteceria: ele se espalharia pelo mundo muito, muito rapidamente. Podemos ver que mais de 30 milhões de pessoas morreriam da epidemia.
Então, esse é um problema sério, deveríamos nos preocupar, mas, na verdade, podemos criar um sistema de reação muito bom. Temos a vantagem de toda a ciência e tecnologia de que falamos aqui.
Temos telefones celulares para coletar informações das pessoas e divulgar informações para elas. Temos mapas de satélite em que podemos ver onde as pessoas estão e aonde vão.
Temos avanços na biologia, que mudariam drasticamente o tempo de resposta para analisarmos um patógeno e sermos capazes de criar vacinas e medicamentos compatíveis com ele.
Podemos ter ferramentas, mas elas precisam ser colocadas num sistema geral de saúde global, e precisamos de preparação.
Acho que as melhores lições sobre como nos preparamos são, mais uma vez, o que fazemos para a guerra.
Esses são os tipos de coisas com as quais precisamos lidar numa epidemia.
Quais são as peças principais?
Primeiro, precisamos de sistemas de saúde fortes em países pobres, onde mães possam dar à luz em segurança e crianças tenham acesso a todas as vacinas, mas onde também veremos o surto logo no início.
Precisamos de um corpo médico a postos: muitas pessoas com treinamento e experiência necessários, que estejam prontas para agir, com expertise.
E precisamos juntar esses profissionais de saúde aos militares, lançando mão da capacidade militar de se mover rápido, de fazer logística e de tornar áreas seguras.
Precisamos realizar simulações, testes de germes e não de guerra, para vermos onde estão as falhas.
A última vez em que um teste assim foi realizado nos EUA foi em 2001, e o resultado não foi muito bom.
Por fim, precisamos de muita P&D avançada na área de vacinação e de diagnóstico.
Há algumas grandes descobertas, como o vírus adeno-associado, que poderiam agir de forma bem rápida.
O Banco Mundial estima que, se tivermos uma epidemia global de gripe, a riqueza global cairá em mais de 3 trilhões de dólares e teríamos milhões e milhões de mortes.
Esses investimentos oferecem benefícios significativos, que vão além de apenas preparação para a epidemia.
Cuidados básicos de saúde, P&D, coisas assim reduziriam a imparcialidade da saúde global e tornariam o mundo mais justo e mais seguro.
Então, acho que essa deveria, com certeza, ser uma prioridade. Não é preciso entrar em pânico.
Não precisamos acumular latas de espaguete, nem ficar em porões, mas precisamos nos apressar, porque o tempo não está ao nosso lado.
Na verdade, se há algo de positivo na epidemia de Ebola, é que ela pode servir de sinal, de aviso, para que nos preparemos.
Se começarmos agora, talvez fiquemos preparados para a próxima epidemia.
Obrigado.
(Aplausos)
Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]
Quando criança, a catástrofe que mais nos preocupava era uma guerra nuclear. Por isso, nós tínhamos um barril como esse em nosso porão, cheio de latas com comida e água. Quando o ataque nuclear ocorresse, devíamos ir para o porão, ficar agachados e nos alimentar do que havia no barril. Hoje, o maior risco de catástrofe global não é assim. Na verdade, é assim.
Se algo matar mais de 10 milhões de pessoas nas próximas décadas, é mais provável que seja um vírus altamente contagioso do que uma guerra. Não mísseis, mas micro-organismos.
Bem, um dos motivos disso é que investimos muito em estratégias antinucleares, mas investimos muito pouco em um sistema que detenha uma epidemia.
Não estamos preparados para uma próxima epidemia. Vejamos o Ebola.
Certamente, todos vocês leram sobre o assunto nos jornais, muitos desafios difíceis. Acompanhei cuidadosamente a situação com ferramentas de análise de caso, que utilizamos para acompanhar a erradicação da poliomelite.
E, se analisarmos o que aconteceu, a questão não foi que houvesse um sistema que não funcionava muito bem. A questão é que não tínhamos sistema algum.
Na verdade, há algumas variáveis importantes e bem óbvias faltando. Não tínhamos um grupo de epidemiologistas prontos para agir, que teriam ido, visto o que era a doença, visto o quanto tinha se espalhado. Os relatos de casos chegavam em papel.
Demorava muito até que fossem postos on-line e eram extremamente imprecisos. Não tínhamos uma equipe médica pronta para agir. Não tínhamos uma forma de preparar pessoas.
Bem, os Médicos Sem Fronteiras fizeram um ótimo trabalho organizando voluntários. Mesmo assim, fomos muito mais lentos do que devíamos ter sido para levar os milhares de profissionais a esses países. E uma grande epidemia exigiria centenas de milhares de profissionais. Não havia ninguém lá para verificar abordagens de tratamento, para avaliar o processo de diagnóstico, para ver que ferramentas deveriam ser usadas.
Por exemplo, poderíamos ter colhido sangue de sobreviventes, processado esse sangue e usar o plasma para imunizar outras pessoas, mas isso nunca foi tentado. Então, faltou muita coisa. Coisas assim são realmente um fracasso global. A OMS é financiada para monitorar epidemias, não para fazer essas coisas.
Bem, no cinema, a coisa é bem diferente. Existe um grupo de belos epidemiologistas prontos para agir, e eles vão, resolvem o problema, mas isso é pura produção de Hollywood. O fracasso de preparação poderia permitir que uma próxima epidemia fosse drasticamente mais devastadora que o Ebola.
Vejamos a progressão do Ebola ao longo deste ano. Cerca de 10 mil pessoas morreram e quase todas estavam nos três países do oeste da África.
Há três razões de o vírus não ter se espalhado mais:
- A primeira é que houve muito trabalho heroico de profissionais de saúde. Eles encontravam as pessoas e evitavam novos contágios.
- A segunda é a natureza do vírus. O Ebola não é transmissível pelo ar e, quando se está no estágio contagioso, a maioria dos pacientes fica tão doente que fica acamada.
- A terceira é que ele não entrou em muitas áreas urbanas, e isso foi simplesmente por sorte.
Se tivesse entrado em muito mais áreas urbanas, o número de casos teria sido bem maior. Então, de uma próxima vez, talvez não tenhamos tanta sorte. Pode haver um vírus que deixe o paciente aparentemente bem no estágio contagioso, a ponto de ele conseguir viajar de avião ou ir ao mercado.
A fonte do vírus poderia ser uma epidemia natural como o Ebola, ou poderia ser bioterrorismo. Então, há coisas que poderiam tornar as coisas literalmente mil vezes piores.
Na verdade, vejamos um modelo de um vírus espalhado pelo ar, como o da gripe espanhola, em 1918. Vejamos o que aconteceria: ele se espalharia pelo mundo muito, muito rapidamente. Podemos ver que mais de 30 milhões de pessoas morreriam da epidemia.
Então, esse é um problema sério, deveríamos nos preocupar, mas, na verdade, podemos criar um sistema de reação muito bom. Temos a vantagem de toda a ciência e tecnologia de que falamos aqui.
Temos telefones celulares para coletar informações das pessoas e divulgar informações para elas. Temos mapas de satélite em que podemos ver onde as pessoas estão e aonde vão.
Temos avanços na biologia, que mudariam drasticamente o tempo de resposta para analisarmos um patógeno e sermos capazes de criar vacinas e medicamentos compatíveis com ele.
Podemos ter ferramentas, mas elas precisam ser colocadas num sistema geral de saúde global, e precisamos de preparação.
Acho que as melhores lições sobre como nos preparamos são, mais uma vez, o que fazemos para a guerra.
- Soldados ficam preparados para agir a qualquer momento.
- Temos reservistas que podem nos representar em grande número.
- A OTAN tem uma unidade móvel que pode entrar em ação com muita rapidez e faz vários testes de guerra para saber: as pessoas estão treinadas? Eles entendem sobre combustível, logística e as mesmas frequências de rádio? Então, eles ficam totalmente prontos para agir.
Esses são os tipos de coisas com as quais precisamos lidar numa epidemia.
Quais são as peças principais?
Primeiro, precisamos de sistemas de saúde fortes em países pobres, onde mães possam dar à luz em segurança e crianças tenham acesso a todas as vacinas, mas onde também veremos o surto logo no início.
Precisamos de um corpo médico a postos: muitas pessoas com treinamento e experiência necessários, que estejam prontas para agir, com expertise.
E precisamos juntar esses profissionais de saúde aos militares, lançando mão da capacidade militar de se mover rápido, de fazer logística e de tornar áreas seguras.
Precisamos realizar simulações, testes de germes e não de guerra, para vermos onde estão as falhas.
A última vez em que um teste assim foi realizado nos EUA foi em 2001, e o resultado não foi muito bom.
Até agora, o resultado é: germes, 1; pessoas, 0.
Por fim, precisamos de muita P&D avançada na área de vacinação e de diagnóstico.
Há algumas grandes descobertas, como o vírus adeno-associado, que poderiam agir de forma bem rápida.
Não sei exatamente quanto isso custaria, em termos de orçamento, mas tenho certeza de que seria algo bem modesto, comparado aos possíveis danos.
O Banco Mundial estima que, se tivermos uma epidemia global de gripe, a riqueza global cairá em mais de 3 trilhões de dólares e teríamos milhões e milhões de mortes.
Esses investimentos oferecem benefícios significativos, que vão além de apenas preparação para a epidemia.
Cuidados básicos de saúde, P&D, coisas assim reduziriam a imparcialidade da saúde global e tornariam o mundo mais justo e mais seguro.
Então, acho que essa deveria, com certeza, ser uma prioridade. Não é preciso entrar em pânico.
Não precisamos acumular latas de espaguete, nem ficar em porões, mas precisamos nos apressar, porque o tempo não está ao nosso lado.
Na verdade, se há algo de positivo na epidemia de Ebola, é que ela pode servir de sinal, de aviso, para que nos preparemos.
Se começarmos agora, talvez fiquemos preparados para a próxima epidemia.
Obrigado.
(Aplausos)
Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]
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