O programa de entrevistas da TV Cultura, Roda Viva, recebe mais uma vez o autor de Escravidão, primeiro volume de uma trilogia destinada a c...
O programa de entrevistas da TV Cultura, Roda Viva, recebe mais uma vez o autor de Escravidão, primeiro volume de uma trilogia destinada a contribuir com importantes dados e análises para a compreensão desse longo período na história do País.
Em sua obra, Laurentino Gomes, resultado de seis anos de pesquisas e observações, que incluíram viagens por doze países e três continentes, respondeu a questões como: Quantos milhões de escravos, vindos da África, o Brasil recebeu? Quanto tempo durou a escravidão? Qual é a verdadeira história do Quilombo dos Palmares e do herói Zumbi? Por que a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal permaneceu como um documento secreto durante séculos? Confira alguns destaques e veja a entrevista na íntegra.
Daniela Lima: O que foi que mais mexeu com você? O que foi que mais te chocou? O que mais te surpreendeu?
Laurentino Gomes: Bem, essa é basicamente uma história de dor e sofrimento. Você não não pesquisa, não escreve não lê, sobre escravidão como se estivesse dando um passeio.
Mas o que me surpreendeu muito foram os números. São números de escala industrial. Então saíram da África cerca de 12,5 milhões de seres humanos vendidos como mercadoria. Eram marcados, tinha escravizadas que chegava o brasil com cinco marcas de ferro quente, dizendo quem era o primeiro proprietário, o segundo, o capitão do navio negreiro que o transportou.
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E chegaram à América 10,7 milhões. 1,8 milhões morreram na travessia do Oceano Atlântico.
E morria-se de tudo. Morria-se de doenças gastro intestinais – diarreia. Morria-se de suicídio, por isso os navios negreiros eram equipados
com rede ao redor do convés. Porque as pessoas eram acometidas de um surto de depressão que na época se chamava de banzo. Especialmente quando navio ainda estava na costa da África. A terra de origem, à qual ele jamais voltariam, ainda estava à vista. Então eles se atiravam ao mar.
Morria-se de rebelião. Os navios eram fortalezas flutuantes. Havia barricadas a tripulação ficava aramada o tempo todo como se fosse uma penitenciária por que a qualquer momento poderia ter uma rebelião. Então é uma coisa realmente assustadora.
É por isso que outro dia em uma rede social uma leitora fez uma definição curiosa, ela falou:
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D. L.: Laurentino Gomes, para a gente entender um pouquinho a atualidade contemporaneidade desse livro eu separei aqui (...) um relato de um holandês que havia sido preso em 1618 aqui no Brasil passou um ano preso no Rio de Janeiro como você conta. Dierick Ruiters, o relato dele é o seguinte:
Esse trecho quando eu li o livro me trouxe uma memória, muito recente, infelizmente, de um jovem que foi pego por seguranças em um supermercado aqui de São Paulo. Foi levado para uma sala reservada e foi torturado também a chicotadas. Como é que você consegue relacionar esses dois episódios, porque eles estão, na minha concepção, conectados em tantas camadas. O senhor pede para que o negro faça o serviço de açoitar e aqui os dois seguranças que surraram garoto também eram negros. Provavelmente um salários ruins, enfim, como é que você conecta esses episódios?
L. G.: Isso mostra que nós somo, na nossa cultura, uma sociedade com práticas escravistas.(...) Eu fiz umas publicações em rede social contando que na época do Brasil Colônia havia manuais sobre como surrar um negro e inclusive um padre jesuíta chamado Jorge Benci dizia que se o escravo fosse condenado a 200, 300 chibatadas – e isso era comum – que se dessem 40 chibatadas por dia distribuídas ao longo de um determinado período de 10, 20 dias. Com uma atitude de compaixão, era o que o Jorge
Benci defendia mas também para não inutilizá-lo para o trabalho.
O pão era comida, pano era uns andrajos que se usava feitos de de algodão cru e pau era chicote, era pelourinho. O que desmente o mito de que nós tivéssemos tido uma escravidão benévola, branda, boazinha. Onde houve escravidão o instrumento de manutenção do escravizado foi o chicote.
Agora o que me surpreendeu nesse episódio do menino que roubou uma barra de chocolate é que ao entrar nas redes sociais houve gente defendendo que: "Olha, ele era um delinquente!"
Como se fosse razoável no Brasil do século 21 um garoto ser chicoteado por qualquer razão. É um absurdo. Então você vê que essa mentalidade ela continua entranhada na nossa maneira de ser.
A bancada de entrevistadores foi formada por: Yasmin Santos, repórter da revista Piauí; Rinaldo Gama, editor sênior da revista Veja; Tiago Rogero, repórter do jornal O Globo e apresentador do Negra Voz Podcast; Maria Fernanda Rodrigues, repórter de literatura do Estado de S.Paulo; Marcos Augusto Gonçalves, editor do caderno Ilustríssima e editorialista do jornal Folha de S. Paulo. Além da participação do cartunista Paulo Caruso e apresentação de Daniela Lima.
*Melhor se visto em computador que rode javascript para possibilitar saltar diretamente para os trechos selecionados.
Fonte: YouTube, Amazon, Livro Escravidão – Volume I, SlaveVoyages.org
[Visto no Brasil Acadêmico]
Em sua obra, Laurentino Gomes, resultado de seis anos de pesquisas e observações, que incluíram viagens por doze países e três continentes, respondeu a questões como: Quantos milhões de escravos, vindos da África, o Brasil recebeu? Quanto tempo durou a escravidão? Qual é a verdadeira história do Quilombo dos Palmares e do herói Zumbi? Por que a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal permaneceu como um documento secreto durante séculos? Confira alguns destaques e veja a entrevista na íntegra.
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[00:01:08 - 00:01:37 ##film##]Este primeiro volume cobre um período de 250 anos, do primeiro leilão de cativos africanos registrado em Portugal, na manhã de 8 de agosto de 1444, até a morte de Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro de 1695.
É muito cansativo atravessar sua humanidade tendo que provar que é humano, consumir parte da vida tendo que provar que a gente digno de respeito.
Juarez Tadeu de Paula. Professor Universitário. Chamado de "macaco" e esfaqueado no interior de São Paulo na semana passada.
Daniela Lima: O que foi que mais mexeu com você? O que foi que mais te chocou? O que mais te surpreendeu?
Laurentino Gomes: Bem, essa é basicamente uma história de dor e sofrimento. Você não não pesquisa, não escreve não lê, sobre escravidão como se estivesse dando um passeio.
Essa é a maior tragédia brasileira no passado, no presente e eu diria que por um bom tempo no futuro. A escravidão é uma tragédia em andamento.[00:05:16 - 00:05:28 ##film##][00:05:28 - 00:05:52 ##film##]
Mas o que me surpreendeu muito foram os números. São números de escala industrial. Então saíram da África cerca de 12,5 milhões de seres humanos vendidos como mercadoria. Eram marcados, tinha escravizadas que chegava o brasil com cinco marcas de ferro quente, dizendo quem era o primeiro proprietário, o segundo, o capitão do navio negreiro que o transportou.
Se ele era batizado ele recebia uma cruz na forma de ferro quente.[00:05:51 - 00:05:56 ##film##]
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E chegaram à América 10,7 milhões. 1,8 milhões morreram na travessia do Oceano Atlântico.
Isso é um número tão grande que se você dividir pelo número de dias, dá 14 cadáveres em média lançados ao mar todos os dias ao longo de 350 anos ao ponto de haver testemunhas da época dizendo que isso alterou o comportamento dos cardumes de tubarão do oceano que passaram a se aglutinar ao redor dos navios negreiros ou mesmo a seguir esses navios.[00:06:04 - 00:06:29 ##film##][00:06:29 - 00:07:15 ##film##]
E morria-se de tudo. Morria-se de doenças gastro intestinais – diarreia. Morria-se de suicídio, por isso os navios negreiros eram equipados
com rede ao redor do convés. Porque as pessoas eram acometidas de um surto de depressão que na época se chamava de banzo. Especialmente quando navio ainda estava na costa da África. A terra de origem, à qual ele jamais voltariam, ainda estava à vista. Então eles se atiravam ao mar.
Morria-se de rebelião. Os navios eram fortalezas flutuantes. Havia barricadas a tripulação ficava aramada o tempo todo como se fosse uma penitenciária por que a qualquer momento poderia ter uma rebelião. Então é uma coisa realmente assustadora.
É por isso que outro dia em uma rede social uma leitora fez uma definição curiosa, ela falou:
É um livro bom de ler e difícil de engolir.[00:07:14 - 00:07:22 ##film##](...)
[00:52:00 - 00:56:12 ##film##]
D. L.: Laurentino Gomes, para a gente entender um pouquinho a atualidade contemporaneidade desse livro eu separei aqui (...) um relato de um holandês que havia sido preso em 1618 aqui no Brasil passou um ano preso no Rio de Janeiro como você conta. Dierick Ruiters, o relato dele é o seguinte:
Vi um negro faminto que, para encher a barriga, furtara dois pães de açúcar [bloco de cristal no formato de um pão caseiro no qual o açúcar bruto era comercializado assim que saía do engenho]. Seu senhor, ao saber do ocorrido, mandou amarrá-lo de bruços a uma tábua e, em seguida, ordenou que um negro o surrasse com um chicote de couro. Seu corpo ficou, da cabeça aos pés, uma chaga aberta, e os lugares poupados pelo chicote foram lacerados a faca. Terminado o castigo, um outro negro derramou sobre suas feridas um pote contendo vinagre e sal. O infeliz, sempre amarrado, contorcia-se de dor. Tive, por mais que me chocasse, de presenciar a transformação de um homem em carne de boi salgada e, como se isso não bastasse, de ver derramarem sobre suas feridas piche derretido.
Esse trecho quando eu li o livro me trouxe uma memória, muito recente, infelizmente, de um jovem que foi pego por seguranças em um supermercado aqui de São Paulo. Foi levado para uma sala reservada e foi torturado também a chicotadas. Como é que você consegue relacionar esses dois episódios, porque eles estão, na minha concepção, conectados em tantas camadas. O senhor pede para que o negro faça o serviço de açoitar e aqui os dois seguranças que surraram garoto também eram negros. Provavelmente um salários ruins, enfim, como é que você conecta esses episódios?
L. G.: Isso mostra que nós somo, na nossa cultura, uma sociedade com práticas escravistas.(...) Eu fiz umas publicações em rede social contando que na época do Brasil Colônia havia manuais sobre como surrar um negro e inclusive um padre jesuíta chamado Jorge Benci dizia que se o escravo fosse condenado a 200, 300 chibatadas – e isso era comum – que se dessem 40 chibatadas por dia distribuídas ao longo de um determinado período de 10, 20 dias. Com uma atitude de compaixão, era o que o Jorge
Benci defendia mas também para não inutilizá-lo para o trabalho.
Havia o padre André João Antonil também dizia que aqui no brasil os escravos eram tratados com três pés: pão pano e pau.
O pão era comida, pano era uns andrajos que se usava feitos de de algodão cru e pau era chicote, era pelourinho. O que desmente o mito de que nós tivéssemos tido uma escravidão benévola, branda, boazinha. Onde houve escravidão o instrumento de manutenção do escravizado foi o chicote.
Agora o que me surpreendeu nesse episódio do menino que roubou uma barra de chocolate é que ao entrar nas redes sociais houve gente defendendo que: "Olha, ele era um delinquente!"
Como se fosse razoável no Brasil do século 21 um garoto ser chicoteado por qualquer razão. É um absurdo. Então você vê que essa mentalidade ela continua entranhada na nossa maneira de ser.
A bancada de entrevistadores foi formada por: Yasmin Santos, repórter da revista Piauí; Rinaldo Gama, editor sênior da revista Veja; Tiago Rogero, repórter do jornal O Globo e apresentador do Negra Voz Podcast; Maria Fernanda Rodrigues, repórter de literatura do Estado de S.Paulo; Marcos Augusto Gonçalves, editor do caderno Ilustríssima e editorialista do jornal Folha de S. Paulo. Além da participação do cartunista Paulo Caruso e apresentação de Daniela Lima.
*Melhor se visto em computador que rode javascript para possibilitar saltar diretamente para os trechos selecionados.
Fonte: YouTube, Amazon, Livro Escravidão – Volume I, SlaveVoyages.org
[Visto no Brasil Acadêmico]
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