O camarada com cara de camarão desceu de sua nave, ali perto do Mercado Municipal e ficou de pé olhando a cidade. O dia ainda não ama...
O camarada com cara de camarão desceu de sua nave, ali perto do Mercado Municipal e ficou de pé olhando a cidade.
– E o Ser permaneceu impassível.
O povo continuou mudo.
Rilmar – julho de 1979
O dia ainda não amanhecera de todo e a primeira multidão que se acercou dele foi um punhado de guardas noturnos que estavam acordados e mais alguns que foram sendo acordados pelos companheiros.
A nave estava maravilhosamente iluminada e impressionava muito pelos tons de luzes que emanavam uniformemente de toda sua estrutura. Também o fato de ela estar ali, meio pousada, meio no ar, chamava bastante a atenção.
Depois foram chegando os donos de bancas, verdureiros, soldados do Tiro de Guerra, domésticas que iam para o trabalho e foi havendo barulho, murmúrios, gritos de espanto e isso atraia cada vez mais gente, gente e mais gente.
Em um dado instante o ser do espaço; espacial ou especial?... Fiquei na dúvida!...
Pois é, eu ia dizendo... Ah! Num dado instante o ser especial voltou os olhos para a nave, para o que, girou a cabeça em rotação lateral sobre o pescoço e , a seguir comprimiu dois botões de um fileira que tinha na frente do tórax, e a nave perdeu o brilho todo.
O povão que nem toleimas, ali pasmado olhando pro tal do Ser.
E, assim de repórteres ali rentes, sem saber o que dizer, se podia fotografar, se era contra a lei, se o homem era radioativo, se era nervoso, calmo, se arrebentava; o que era que aconteceria se lhe dirigissem a palavra etc.
Houve um moleque que achou por bem jogar uma pedrinha no homem pra ver se ele se assustava, e jogou. Mas a pedrinha, talvez pela lei do ‘com quem pode não brinca’, foi até perto do tal ser e voltou no próprio moleque que ficou desmoralizado e vivamente gozado pelos outros moleques.
– E o Ser permaneceu impassível.
Um repórter, muito afoito, queimou no golpe e falou assim: Seja o que Deus quiser, não quero saber se onagra claudica, eu vou é falar com esse cara. Aí saiu empurrando gente, carregando a máquina fotográfica acima da cabeça, uma pasta e um gravador a tira colo; e foi furando, furando até se ver perto do espaçonauta. Não era um perto muito pertinho não, que numa roda aí de uns dez metros, ninguém dava conta de chegar por causa de um formigamento insuportável na pele e um calor que subia na gente se tentasse penetrar ali. Mas o repórter não queria saber mesmo; chegou até onde podia e gritou assim para o ser: Ou meu jovem! Desliga essa aura aí e vamos levar um papo, ora essa! Quem não se comunica se trumbica.
Mas o ser não deu nem pelota. Ficou foi na maior cara de pau, olhando para a frente e absorvendo energia solar, no maior sossego do mundo.
Aí, o repórter, para não perder a caminhada, ergueu os dois braços e, plash!... disparou sua máquina fotográfica. Mas, coisa impressionante, cada vez que ele disparava a máquina, emanava sincronicamente do ser, uma espécie de Flash que dava como resultado uma cegueira momentânea e uma chapa queimada.
Gravar não tinha lógica, pois o som que havia era da multidão e, assim, ele acabou, da mesma forma que o moleque, muito desmoralizado e gozado pelos colegas. Pegou um macinho de folhas na bolsa, uma esferográfica no bolso da japona e procurou um canto para ficar escrevendo enquanto aguardava os acontecimentos.
Era de lascar, ficar vendo aquele ser tão magnânimo, parado, absorto e mudo.
A multidão decepcionada e pasma, ali rente.
Já tinha uns sabidos oferecendo churrasquinho, picolé, pipoca etc. Mas a multidão não tinha fome; tinha, isto sim, era uma vontade imensa de falar com o ser, de aprender coisas, de ouvir revelações espetaculares.
Até que em dado momento o Ser fez um sinal, e a cidade inteira respondeu com imenso, total e único silêncio. E os olhos se estatelaram, e os ouvidos se aguçaram, e os corações aceleraram. Então, no auge do respeito, da expectativa, da emoção, o misterioso cidadão do Universo principiou a primeira, a mais real, talvez a única, de fato, comunicação extraterrestre com este planeta.
- Governantes, conselheiros, senhores que de alguma maneira tendes nas mãos os destinos deste planeta. Descei por um momento de vossos tronos, saí por instantes de vossos gabinetes, abandonai as orgias em que estiverdes mergulhados, abrandai o espírito, deixai de lado a ambição pelo poder, a corrupção que vem da ganância desenfreada e do não pensar no próximo.
Homens, mulheres, crianças; gravai em vossas mentes o que o Universo tem para vos dizer: A evolução dos povos dos mundos é intocável para que não se degenere. O conteúdo cultural dos povos deve ser sagrado, pois corrosão da cultura faz o que as bombas não conseguem: Destrói um povo.
Pelo que, não deveis esperar qualquer tipo de intervenção em vosso mundo.
Pelo que, não deveis esperar qualquer tipo de intervenção em vosso mundo.
A maneira de evoluir, os rumos dessa evolução, depende do próprio povo e da participação de todas as camadas. Lutem pela paz, pela igualdade, pela cultura, pela alimentação, por todos os direitos que desejais ter, mas que ao mesmo tempo admitis nos outros. Mas, isso tem a importância da própria vida e é mais importante que todas as outras aspirações. Lutem pelo ar, pelas águas, pela preservação do solo, da atmosfera como um todo, pela vegetação, pela fauna, pelo equilíbrio ecológico; pois se um dia tudo isso acabar, em nenhum lugar do universo encontrareis refúgio; pois em planeta sem vida não havereis de sobreviver e em planetas que contenham todas essas dádivas que aqui se encontram, não sereis recebidos depois de terdes cometido o hediondo crime de uma destruição tão monstruosa.
O povo continuou mudo.
O repórter, não tendo conseguido ligar o gravador, escrevia febrilmente.
O ser deslizou até a nave; esta brilhou maravilhosamente, flutuou sobre a multidão, e, por fim, foi se afastando velozmente até sumir na amplidão do espaço.
Não se sabe se ele veio aqui só para dizer isso; se desceu por outro motivo qualquer e o que disse foi de improviso; ou se o que disse tem uma significação maior do que supomos. O fato é que disse, virou-se e partiu sem querer votos nem aplausos.
Rilmar – julho de 1979
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