O neurocientista brasileiro, Miguel Nicolelis, dá uma aula sobre como funciona a produção científica e o quanto esse processo está distante ...
O neurocientista brasileiro, Miguel Nicolelis, dá uma aula sobre como funciona a produção científica e o quanto esse processo está distante do senso comum.
Nicolelis fala para a TV Rádio Big Bang sobre como funciona a produção científica e nos revela um segredo! A transcrição de sua fala segue abaixo:
"Salve! Bem-vindo a todos. Esse é mais um episódio do canal de YouTube da TV e Rádio Big Bang que hoje vai tratar sobre a Produção Científica.
Um dos primeiros aspectos que é importante mencionar brevemente nessa série é como é que funciona a produção científica de um laboratório. E particularmente um laboratório como o nosso que faz pesquisas na área de ciências biomédicas. As pessoas têm a sensação de que ciência é um troço mágico. Que você vai lá faz um experimento e já tá tudo pronto para relatar, discutir, comunicar. E não é assim.
Eu notei isso muito claramente na época da Copa do Mundo, quando a gente fez a demonstração da abertura da Copa - Do Juliano chutando a bola com o exoesqueleto. No dia seguinte, as pessoas estavam cobrando da gente aonde estavam os trabalhos publicados sobre a demonstração. Isso mostra claramente que as pessoas não têm a menor ideia de como é que funciona um processo de produção científica. E é isso que é importante a gente ter claro.
A ideia
Primeiro, você tem que ter uma ideia. E de mil ideias que você tem, que você acha que são espetaculares nos primeiros dez segundos da ideia, no dia seguinte geralmente você descobre que 99% delas não vão dar em nada. Então você tem que gerar ideias num volume muito grande pra encontrar um que seja viável do ponto de vista de exploração científica, seja ele teórico, que é uma das formas de fazer, mas no meu caso experimental.
Você gerar um experimento viável, algo que pode ser realmente testado... Você primeiro tem que ter uma ideia e uma hipótese do que você está procurando. Você está realmente tentando responder uma pergunta. Mas antes de você conseguir entrar no laboratório e começar a fazer qualquer coisa, você tem que ter a pergunta.
A pergunta
Quando você tem uma boa pergunta, mesmo que a resposta seja negativa, mesmo que você vá lá e descubra que a sua hipótese era incorreta, você falsifica essa hipótese. A contribuição é muito importante pra ciência. Porque vai evitar que outras pessoas sigam esse caminho e percam tempo buscando algo que não vai dar em nada. Aliás alguns filósofos da ciência, como Popper, por exemplo, acreditam que a função precípua da ciência é exatamente essa. É testar e falsificar hipóteses.
No nosso caso, em ciências biomédicas, você tem uma hipótese e você desenha um experimento, que é o que a gente faz todo dia. Você desenha um experimento pra testar essa hipótese. Bom, aí você tem que conseguir os recursos. Você tem que captar recursos para fazer experimentos. Você precisa ter um laboratório.
Você precisa ter pessoas trabalhando com você porque, em neurociência, hoje, as equipes são extremamente grandes, multidisciplinares. Elas requerem envolvimento de diferentes tipos de profissional. Na minha área de neuroengenharia, por exemplo, eu hoje tenho estudantes de ciência da computação, engenharia... Eu tenho até filósofos trabalhando no laboratório, gerando hipóteses e discutindo, teoricamente, quais são as implicações dos nossos achados.
O experimento
Quando você decide o experimento, você põe no papel todos os passos. Aí, você está pronto para realizar, o que para mim é o ato fundamental. É você realmente criar uma representação da sua hipótese e tentar fazer o processo de validação ou falsificação. Na realidade, você faz os dois ao mesmo tempo quando está realizando experimentos.
A coleta
Bom, você realiza o experimento, você está coletando dados que podem ser extremamente complexos. No caso da Copa do Mundo, por exemplo, do projeto Andar de Novo, nós coletamos dados durante meses e durante a demonstração nós estávamos coletando dados. Pela primeira vez na história registros cerebrais foram feitos num estádio de futebol cheio de gente, 60 mil pessoas, e 1.2 bilhões de pessoas assistindo. Vocês podem imaginar como foi esse esse experimento, foi uma das coisas mais difíceis que eu já fiz na minha vida. E eu tenho certeza que a maioria dos cientistas, ao saber o que nós realizamos naquele dia, concordariam comigo.
A análise
Uma vez que você coleta, e no nosso caso nós estamos falando de dezenas de terabytes de dados coletados, você tem que uma vez que o experimento foi concluído, aí você vai analisar os dados. E o que as pessoas talvez não saibam é que a análise dos dados pode demorar anos. Por exemplo, lá no CERN, na Suíça, no maior acelerador de partículas do mundo, os experimentos podem durar segundos. Mas a análise do experimento pode demorar anos. O material é tão grande. A informação coletada é tão grande que você leva anos analisando os dados.
Bom, meses depois, quando você analisou os dados, você tem que escrever. Relatar o que você encontrou. Vai levar mais uns três, quatro meses pra você escreveu um documento. Aí, você tem que mandar esse documento para uma revista especializada que vai julgar o mérito de tudo isso que eu acabei de falar. Da sua ideia, da sua hipótese, da qualidade dos experimentos, dos seus dados e das suas conclusões. E aí vem um ponto que, provalmente, ninguém sabe.
O que ninguém sabe sobre a ciência
Fazer ciência é muito peculiar, porque você acha os seus resultados, você põe no papel e escreve o manuscrito e você manda para os seus competidores diretos julgarem se vale a pena ser publicado ou não. É mais ou menos o seguinte:
Quer dizer, todo mundo acha que ciência, cientistas, são diferenciados, pessoas que vive no Olimpo, que só pensam no bem da humanidade.
“Welcome to reality”
Não é nada disso. O cara que tá lá e que vai receber seu relatório está competindo com você. Está competindo por uma série de recompensas na carreira dele, no prestígio dele, no dinheiro que ele vai conseguir. Então, hoje em dia é um processo brutal. É um processo terrível onde você briga quase durante um ano para provar pra esse cara e para o editor que o que você está fazendo, está bem feito. Que está realmente correto. Que o que ele tá reclamando é picuinha. Ou não é válido.
Tem muitos revisores que te ajudam. Claro, são pessoas que estão pensando no bem da área, no bem do campo. Mas é importante que as pessoas saibam que é uma briga de foice porque tem muita gente que quer realmente segurar esse trabalho porque está competindo com você. Pois bem, depois de todo esse processo, quando o editor te manda uma carta depois de meses esperando a primeira revisão, nunca, muito raramente, o trabalho é aceito imediatamente. Você tem que ter um segundo "round", porque você vai comentar as críticas, mandar de volta para o cara da Pepsi, e o cara da Pepsi vai dizer: "Pô, você é da Coca-Cola. Não sei se vale a pena". Nesse vai-não-vai durante duas, três, quatro vezes.
Ou seja, pode demorar de um a dois anos para seu trabalho ser aceito. No que ele é aceito, ainda vai ter o processo de produção. Processo de preparação da publicação. Nessa brincadeira, uma ideia pode ter sido exagerada 5, 6 anos antes do primeiro trabalho aparecer na literatura. Curiosamente na era da internet, na era da comunicação de alto throughput, em que todos nós estamos conectados, se qualquer coisa esse processo está levando mais tempo do que quando eu comecei a ser cientista aqui na universidade de São Paulo. Para gerar ciência de alto nível você tem que investir anos da sua vida, e eu nem estou falando do processo necessária para você se formar como cientista e conseguir começar a gerar suas próprias ideias. Isso leva décadas. Então é muito importante que a gente tenha isso em mente para poder falar de ciência de ponta. Mas essa é uma outra história."
Fonte: YouTube
[Visto no Brasil Acadêmico]
Nicolelis fala para a TV Rádio Big Bang sobre como funciona a produção científica e nos revela um segredo! A transcrição de sua fala segue abaixo:
"Salve! Bem-vindo a todos. Esse é mais um episódio do canal de YouTube da TV e Rádio Big Bang que hoje vai tratar sobre a Produção Científica.
Um dos primeiros aspectos que é importante mencionar brevemente nessa série é como é que funciona a produção científica de um laboratório. E particularmente um laboratório como o nosso que faz pesquisas na área de ciências biomédicas. As pessoas têm a sensação de que ciência é um troço mágico. Que você vai lá faz um experimento e já tá tudo pronto para relatar, discutir, comunicar. E não é assim.
Eu notei isso muito claramente na época da Copa do Mundo, quando a gente fez a demonstração da abertura da Copa - Do Juliano chutando a bola com o exoesqueleto. No dia seguinte, as pessoas estavam cobrando da gente aonde estavam os trabalhos publicados sobre a demonstração. Isso mostra claramente que as pessoas não têm a menor ideia de como é que funciona um processo de produção científica. E é isso que é importante a gente ter claro.
A ideia
Primeiro, você tem que ter uma ideia. E de mil ideias que você tem, que você acha que são espetaculares nos primeiros dez segundos da ideia, no dia seguinte geralmente você descobre que 99% delas não vão dar em nada. Então você tem que gerar ideias num volume muito grande pra encontrar um que seja viável do ponto de vista de exploração científica, seja ele teórico, que é uma das formas de fazer, mas no meu caso experimental.
Você gerar um experimento viável, algo que pode ser realmente testado... Você primeiro tem que ter uma ideia e uma hipótese do que você está procurando. Você está realmente tentando responder uma pergunta. Mas antes de você conseguir entrar no laboratório e começar a fazer qualquer coisa, você tem que ter a pergunta.
A pergunta
Quando você tem uma boa pergunta, mesmo que a resposta seja negativa, mesmo que você vá lá e descubra que a sua hipótese era incorreta, você falsifica essa hipótese. A contribuição é muito importante pra ciência. Porque vai evitar que outras pessoas sigam esse caminho e percam tempo buscando algo que não vai dar em nada. Aliás alguns filósofos da ciência, como Popper, por exemplo, acreditam que a função precípua da ciência é exatamente essa. É testar e falsificar hipóteses.
No nosso caso, em ciências biomédicas, você tem uma hipótese e você desenha um experimento, que é o que a gente faz todo dia. Você desenha um experimento pra testar essa hipótese. Bom, aí você tem que conseguir os recursos. Você tem que captar recursos para fazer experimentos. Você precisa ter um laboratório.
Você precisa ter pessoas trabalhando com você porque, em neurociência, hoje, as equipes são extremamente grandes, multidisciplinares. Elas requerem envolvimento de diferentes tipos de profissional. Na minha área de neuroengenharia, por exemplo, eu hoje tenho estudantes de ciência da computação, engenharia... Eu tenho até filósofos trabalhando no laboratório, gerando hipóteses e discutindo, teoricamente, quais são as implicações dos nossos achados.
O experimento
Quando você decide o experimento, você põe no papel todos os passos. Aí, você está pronto para realizar, o que para mim é o ato fundamental. É você realmente criar uma representação da sua hipótese e tentar fazer o processo de validação ou falsificação. Na realidade, você faz os dois ao mesmo tempo quando está realizando experimentos.
A coleta
Bom, você realiza o experimento, você está coletando dados que podem ser extremamente complexos. No caso da Copa do Mundo, por exemplo, do projeto Andar de Novo, nós coletamos dados durante meses e durante a demonstração nós estávamos coletando dados. Pela primeira vez na história registros cerebrais foram feitos num estádio de futebol cheio de gente, 60 mil pessoas, e 1.2 bilhões de pessoas assistindo. Vocês podem imaginar como foi esse esse experimento, foi uma das coisas mais difíceis que eu já fiz na minha vida. E eu tenho certeza que a maioria dos cientistas, ao saber o que nós realizamos naquele dia, concordariam comigo.
A análise
Uma vez que você coleta, e no nosso caso nós estamos falando de dezenas de terabytes de dados coletados, você tem que uma vez que o experimento foi concluído, aí você vai analisar os dados. E o que as pessoas talvez não saibam é que a análise dos dados pode demorar anos. Por exemplo, lá no CERN, na Suíça, no maior acelerador de partículas do mundo, os experimentos podem durar segundos. Mas a análise do experimento pode demorar anos. O material é tão grande. A informação coletada é tão grande que você leva anos analisando os dados.
Bom, meses depois, quando você analisou os dados, você tem que escrever. Relatar o que você encontrou. Vai levar mais uns três, quatro meses pra você escreveu um documento. Aí, você tem que mandar esse documento para uma revista especializada que vai julgar o mérito de tudo isso que eu acabei de falar. Da sua ideia, da sua hipótese, da qualidade dos experimentos, dos seus dados e das suas conclusões. E aí vem um ponto que, provalmente, ninguém sabe.
O que ninguém sabe sobre a ciência
Fazer ciência é muito peculiar, porque você acha os seus resultados, você põe no papel e escreve o manuscrito e você manda para os seus competidores diretos julgarem se vale a pena ser publicado ou não. É mais ou menos o seguinte:
Um cara da Coca-Cola descobre uma nova forma de fazer um refrigerante. Imagine se ele tivesse que mandar para a Pepsi, para a Pepsi dizer que ele pode gerar um produto.
Quer dizer, todo mundo acha que ciência, cientistas, são diferenciados, pessoas que vive no Olimpo, que só pensam no bem da humanidade.
“Welcome to reality”
Não é nada disso. O cara que tá lá e que vai receber seu relatório está competindo com você. Está competindo por uma série de recompensas na carreira dele, no prestígio dele, no dinheiro que ele vai conseguir. Então, hoje em dia é um processo brutal. É um processo terrível onde você briga quase durante um ano para provar pra esse cara e para o editor que o que você está fazendo, está bem feito. Que está realmente correto. Que o que ele tá reclamando é picuinha. Ou não é válido.
Tem muitos revisores que te ajudam. Claro, são pessoas que estão pensando no bem da área, no bem do campo. Mas é importante que as pessoas saibam que é uma briga de foice porque tem muita gente que quer realmente segurar esse trabalho porque está competindo com você. Pois bem, depois de todo esse processo, quando o editor te manda uma carta depois de meses esperando a primeira revisão, nunca, muito raramente, o trabalho é aceito imediatamente. Você tem que ter um segundo "round", porque você vai comentar as críticas, mandar de volta para o cara da Pepsi, e o cara da Pepsi vai dizer: "Pô, você é da Coca-Cola. Não sei se vale a pena". Nesse vai-não-vai durante duas, três, quatro vezes.
Ou seja, pode demorar de um a dois anos para seu trabalho ser aceito. No que ele é aceito, ainda vai ter o processo de produção. Processo de preparação da publicação. Nessa brincadeira, uma ideia pode ter sido exagerada 5, 6 anos antes do primeiro trabalho aparecer na literatura. Curiosamente na era da internet, na era da comunicação de alto throughput, em que todos nós estamos conectados, se qualquer coisa esse processo está levando mais tempo do que quando eu comecei a ser cientista aqui na universidade de São Paulo. Para gerar ciência de alto nível você tem que investir anos da sua vida, e eu nem estou falando do processo necessária para você se formar como cientista e conseguir começar a gerar suas próprias ideias. Isso leva décadas. Então é muito importante que a gente tenha isso em mente para poder falar de ciência de ponta. Mas essa é uma outra história."
Fonte: YouTube
[Visto no Brasil Acadêmico]
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