Os "gene drives" CRISPR permitem aos cientistas modificar sequências do DNA e garantir que o traço genético editado resultante sej...
Os "gene drives" CRISPR permitem aos cientistas modificar sequências do DNA e garantir que o traço genético editado resultante seja transmitido às futuras gerações, descortinando a possibilidade de alterar espécies inteiras para sempre. Mas, antes de mais nada, a tecnologia tem levantado algumas questões: como esse novo poder vai afetar a humanidade? O que pretendemos mudar com ele? Agora viramos deuses? Assista à jornalista Jennifer Kahn ponderando sobre tais questões e compartilhando uma aplicação potencialmente poderosa dos "gene drives": o desenvolvimento de mosquitos resistentes a doenças, o que poderia nocautear a malária e o Zika Vírus.
Esta palestra é sobre "gene drives", mas vou começar com uma breve história. Vinte anos atrás, um biólogo chamado Anthony James ficou obcecado pela ideia de criar mosquitos que não transmitissem a malária.
A ideia era sensacional, mas revelou-se um completo fracasso. Para começar, provou-se extremamente difícil criar um mosquito resistente à malária. Mas, finalmente, há alguns anos, James realizou a proeza, ao implantar alguns genes que tornam impossível ao parasita da malária sobreviver dentro do mosquito.
Mas isso acabou criando outro problema. Após criar um mosquito resistente à malária, como substituir todos os mosquitos transmissores da malária? Havia algumas opções, mas o plano A era basicamente criar um monte de mosquitos geneticamente modificados, soltá-los na natureza e esperar que transmitissem seus genes. O problema é que teríamos de soltar dez vezes o número de mosquitos nativos existentes para isso funcionar. Assim, numa cidade com 10 mil mosquitos, teríamos de soltar 100 mil a mais. Como podem imaginar, essa estratégia não foi muito bem recebida pelos habitantes.
(Risos)
Entretanto, em janeiro passado, Anthony James recebeu um e-mail de um biólogo chamado Ethan Bier. Bier disse que ele e seu aluno Valentino Gantz, da pós-graduação, depararam com uma ferramenta que poderia garantir que um traço genético específico pudesse não só ser herdado, mas também espalhado com incrível rapidez. Se estivessem certos, praticamente isso resolveria o problema em que James e ele trabalhavam há 20 anos.
Como teste, criaram dois mosquitos para portar o gene antimalária, bem como a nova ferramenta: "gene drive", sobre a qual vou falar daqui a pouco.
Colocaram esses 2 mosquitos antimalária, de olhos vermelhos, numa caixa com 30 mosquitos comuns, de olhos brancos, para que se cruzassem. Em duas gerações, os mosquitos tinham produzido 3,8 mil netos. Mas essa não foi a parte surpreendente. Eis a parte surpreendente: como começaram com apenas 2 mosquitos de olhos vermelhos e 30 de olhos brancos, esperava-se uma maioria de descendentes de olhos brancos. Em vez disso, quando James abriu a caixa, todos os 3,8 mil mosquitos tinham olhos vermelhos.
Quando perguntei a Ethan Bier sobre aquele momento, ele ficou tão empolgado que começou a gritar ao telefone. O motivo é que conseguir apenas mosquitos de olhos vermelhos viola uma regra que é a base da biologia, a genética mendeliana. Em poucas palavras, o mendelismo diz que, quando um macho e uma fêmea se cruzam, a cria herda metade do DNA de cada um. Assim, se o mosquito original era aa, e o novo mosquito é aB, em que B é um gene antimalária, as crias deveriam vir em quatro permutações: aa, aB, aa, Ba. Em vez disso, com o novo "gene drive", elas todas vieram aB. Biologicamente, isso nem deveria ser possível.
Então, o que aconteceu? A primeira coisa foi a descoberta, em 2012, de uma ferramenta para a edição de genes, conhecida como CRISPR. Provavelmente, muitos já ouviram falar do CRISPR, uma ferramenta que permite aos pesquisadores editar genes de forma bem precisa, fácil e rápida. Ela faz isso aproveitando um mecanismo já existente na bactéria.
O resultado basicamente é um processador de palavras para genes. Podemos retirar um gene inteiro, colocar outro no lugar, ou até editar uma única letra dentro de um gene. E podemos fazer isso com quase todas as espécies.
Lembram que eu disse que os "gene drives" tinham dois problemas? O primeiro é que era difícil criar um mosquito resistente à malária. Isso está praticamente resolvido, graças ao CRISPR. Mas o outro problema era de logística: como disseminar um determinado traço? É aqui que a coisa fica interessante.
Há alguns anos, Kevin Esvelt, um biólogo de Harvard, começou a imaginar o que aconteceria se CRISPR inserisse não só um novo gene, mas também o mecanismo de "cortar e colar". Em outras palavras: e se CRISPR também copiasse e colasse a si próprio? Teríamos, então, o moto-perpétuo para a edição de genes. E foi exatamente o que aconteceu. Esse "gene drive" CRISPR criado por Esvelt garante não apenas que um traço seja transmitido, mas que, se usado nas células germinativas, vá automaticamente "copiar e colar" o novo gene em ambos os cromossomos de cada um dos indivíduos. É como "localizar e substituir" tudo, ou, em termos científicos, transformar um traço heterozigótico em homozigótico.
Mas o que significa tudo isso? Primeiramente, que temos uma ferramenta muito poderosa, mas também, de certo modo, alarmante. Até agora, o fato de o "gene drive" não ter funcionado muito bem na verdade foi um alívio. Normalmente, ao alterar os genes de um organismo, nós o tornamos menos apto a evoluir. Portanto, os biólogos podem criar as moscas-da-fruta que quiserem sem se preocupar. Se alguma escapar, a seleção natural vai se encarregar dela.
O que é impressionante, poderoso e assustador sobre os "gene drives" é que isso não se aplica mais a eles. Assumindo que o traço não tenha uma grande deficiência evolutiva, como um mosquito que não consiga voar, o "gene drive" baseado no CRISPR vai espalhar a mudança incessantemente até que ela esteja em todos os indivíduos da população. Bem, não é fácil fazer o "gene drive" funcionar assim tão bem, mas James e Esvelt acham que é possível.
A boa notícia é que isso abre a porta para algumas coisas notáveis. Se colocarmos um "gene drive" antimalária em apenas 1% dos mosquitos "Anopheles", a espécie que transmite a malária, os pesquisadores calculam que ele vá se propagar por toda a população dentro de um ano. Assim, em um ano, poderíamos virtualmente eliminar a malária.
Bem, essas foram as boas novas, mas aqui vêm as más. Os "Gene drives" são tão efetivos que até uma liberação acidental poderia alterar uma espécie inteira, e normalmente bem depressa. Anthony James tomou boas precauções. Ele criou mosquitos em laboratórios de biocontenção e também usou uma espécie não nativa dos EUA, de modo que, mesmo se alguns escapassem, simplesmente morreriam, pois não haveria com quem cruzar. Mas também é verdade que, se uma dúzia de carpas asiáticas transgênicas macho acidentalmente fossem levadas dos Grandes Lagos de volta para a Ásia, elas teriam o potencial de acabar com a população nativa de carpas asiáticas. O que não é tão improvável nesse nosso mundo tão conectado. E essa é a razão de termos problemas com espécies invasivas. E estamos falando de peixes. Quanto a mosquitos e moscas-da-fruta, literalmente não há como contê-los. Eles atravessam fronteiras e oceanos o tempo todo.
Bem, a outra má notícia é que o "gene drive" talvez não se restrinja ao que chamamos espécies-alvo. Isso ocorre devido ao fluxo gênico, que é um jeito bonito de falar que espécies próximas às vezes acasalam entre si. Se isso acontecer, será possível a transmissão de um "gene drive", possibilitando àquela carpa infectar outros tipos de carpa. Seria bom se o "drive" promovesse só um traço, como a cor dos olhos.
Posso imaginar como isso soa assustador.
(Risos)
Curiosamente, a maioria dos cientistas com quem conversei parece achar que edições genéticas não são assim tão assustadoras ou perigosas. Em parte, por acreditarem que os cientistas vão ser bem cautelosos e responsáveis ao usá-las.
(Risos)
Até agora tem sido assim. Mas os "gene drives" também têm suas limitações. Primeiro, eles funcionam apenas em espécies que se reproduzem sexualmente. Ainda bem, pois eles não podem ser usados para criar vírus ou bactérias. Além disso, o traço se espalha apenas através das sucessivas gerações. Assim, mudar ou eliminar uma população é prático apenas se aquela espécie tiver um ciclo reprodutivo rápido, como insetos ou talvez pequenos vertebrados, como camundongo ou peixe. Em elefantes ou pessoas, levaria séculos para um traço se espalhar o suficiente para fazer diferença.
Ademais, mesmo com CRISPR, não é fácil criar um traço realmente devastador. Digamos que se queira criar uma mosca-da-fruta que se alimente da fruta sadia, em vez da podre, com o objetivo de sabotar a agricultura norte-americana. Primeiro, teríamos de descobrir que genes controlam o que a mosca quer comer, o que já é um projeto muito longo e complicado. Depois, teríamos de alterar esses genes para mudar o comportamento da mosca seja lá para o que se quisesse, que é um projeto até mais longo e complicado. E pode ser que nem funcione, pois os genes que controlam o comportamento são complexos. Aí, se um terrorista tiver de escolher entre um longo programa de pesquisa que exija anos de trabalho em laboratório, e ainda assim não funcionar, ou simplesmente explodir coisas, provavelmente vai escolher o segundo.
Isso é verdade, pois, pelo menos em tese, deve ser bem fácil construir o chamado "drive" reverso, feito para se sobrepor à mudança realizada pelo primeiro "gene drive". Assim, se não gostarmos dos efeitos de uma mudança, basta implantar um segundo "drive" para cancelar o primeiro, pelo menos teoricamente.
Mas diria o seguinte: primeiro, algumas pessoas muito inteligentes estão neste instante debatendo como regular os "gene drives". Ao mesmo tempo, outras pessoas muito inteligentes estão dando duro para criar salvaguardas, como "gene drives" autorregulados ou que se extingam após algumas gerações. Isso é ótimo. Mas essa tecnologia ainda requer um debate. E, dada a natureza dos "gene drives", esse debate tem de ser mundial. E se o Quênia quiser usar um "drive", mas a Tanzânia não? Quem decide se devemos liberar um "gene drive" que possa voar?
Não tenho resposta para isso. Penso que o que devemos fazer ao avançar é falar abertamente sobre os riscos e benefícios e assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas. Não me refiro apenas à escolha de usar um "gene drive", mas também a escolha de não usar um. Os humanos têm a tendência de presumir que a opção mais segura seja preservar o status quo. Mas nem sempre esse é o caso. Os "gene drives" apresentam riscos, e eles têm de ser discutidos, mas a malária está aí e mata mil pessoas por dia. Para combatê-la, espalhamos pesticidas que causam graves danos a outras espécies, inclusive aos anfíbios e pássaros.
Assim, quando ouvirem sobre os "gene drives" nos próximos meses, e, acreditem, vocês vão ouvir falar deles, lembrem-se disto: agir pode ser assustador, mas, às vezes, deixar de agir pode ser pior.
(Aplausos)
Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]
A ideia era sensacional, mas revelou-se um completo fracasso. Para começar, provou-se extremamente difícil criar um mosquito resistente à malária. Mas, finalmente, há alguns anos, James realizou a proeza, ao implantar alguns genes que tornam impossível ao parasita da malária sobreviver dentro do mosquito.
Mas isso acabou criando outro problema. Após criar um mosquito resistente à malária, como substituir todos os mosquitos transmissores da malária? Havia algumas opções, mas o plano A era basicamente criar um monte de mosquitos geneticamente modificados, soltá-los na natureza e esperar que transmitissem seus genes. O problema é que teríamos de soltar dez vezes o número de mosquitos nativos existentes para isso funcionar. Assim, numa cidade com 10 mil mosquitos, teríamos de soltar 100 mil a mais. Como podem imaginar, essa estratégia não foi muito bem recebida pelos habitantes.
(Risos)
Entretanto, em janeiro passado, Anthony James recebeu um e-mail de um biólogo chamado Ethan Bier. Bier disse que ele e seu aluno Valentino Gantz, da pós-graduação, depararam com uma ferramenta que poderia garantir que um traço genético específico pudesse não só ser herdado, mas também espalhado com incrível rapidez. Se estivessem certos, praticamente isso resolveria o problema em que James e ele trabalhavam há 20 anos.
Como teste, criaram dois mosquitos para portar o gene antimalária, bem como a nova ferramenta: "gene drive", sobre a qual vou falar daqui a pouco.
E fizeram de tal forma que os mosquitos que herdassem o gene antimalária tivessem olhos vermelhos em vez dos usuais olhos brancos. Fizeram assim por conveniência, de modo que, só de olhar, conseguiriam diferenciá-los.
Colocaram esses 2 mosquitos antimalária, de olhos vermelhos, numa caixa com 30 mosquitos comuns, de olhos brancos, para que se cruzassem. Em duas gerações, os mosquitos tinham produzido 3,8 mil netos. Mas essa não foi a parte surpreendente. Eis a parte surpreendente: como começaram com apenas 2 mosquitos de olhos vermelhos e 30 de olhos brancos, esperava-se uma maioria de descendentes de olhos brancos. Em vez disso, quando James abriu a caixa, todos os 3,8 mil mosquitos tinham olhos vermelhos.
Quando perguntei a Ethan Bier sobre aquele momento, ele ficou tão empolgado que começou a gritar ao telefone. O motivo é que conseguir apenas mosquitos de olhos vermelhos viola uma regra que é a base da biologia, a genética mendeliana. Em poucas palavras, o mendelismo diz que, quando um macho e uma fêmea se cruzam, a cria herda metade do DNA de cada um. Assim, se o mosquito original era aa, e o novo mosquito é aB, em que B é um gene antimalária, as crias deveriam vir em quatro permutações: aa, aB, aa, Ba. Em vez disso, com o novo "gene drive", elas todas vieram aB. Biologicamente, isso nem deveria ser possível.
Então, o que aconteceu? A primeira coisa foi a descoberta, em 2012, de uma ferramenta para a edição de genes, conhecida como CRISPR. Provavelmente, muitos já ouviram falar do CRISPR, uma ferramenta que permite aos pesquisadores editar genes de forma bem precisa, fácil e rápida. Ela faz isso aproveitando um mecanismo já existente na bactéria.
Resumidamente, há uma proteína que age como uma tesoura e corta o DNA, e há uma molécula de RNA que guia a tesoura para qualquer ponto que se queira do genoma.
O resultado basicamente é um processador de palavras para genes. Podemos retirar um gene inteiro, colocar outro no lugar, ou até editar uma única letra dentro de um gene. E podemos fazer isso com quase todas as espécies.
Lembram que eu disse que os "gene drives" tinham dois problemas? O primeiro é que era difícil criar um mosquito resistente à malária. Isso está praticamente resolvido, graças ao CRISPR. Mas o outro problema era de logística: como disseminar um determinado traço? É aqui que a coisa fica interessante.
Há alguns anos, Kevin Esvelt, um biólogo de Harvard, começou a imaginar o que aconteceria se CRISPR inserisse não só um novo gene, mas também o mecanismo de "cortar e colar". Em outras palavras: e se CRISPR também copiasse e colasse a si próprio? Teríamos, então, o moto-perpétuo para a edição de genes. E foi exatamente o que aconteceu. Esse "gene drive" CRISPR criado por Esvelt garante não apenas que um traço seja transmitido, mas que, se usado nas células germinativas, vá automaticamente "copiar e colar" o novo gene em ambos os cromossomos de cada um dos indivíduos. É como "localizar e substituir" tudo, ou, em termos científicos, transformar um traço heterozigótico em homozigótico.
Mas o que significa tudo isso? Primeiramente, que temos uma ferramenta muito poderosa, mas também, de certo modo, alarmante. Até agora, o fato de o "gene drive" não ter funcionado muito bem na verdade foi um alívio. Normalmente, ao alterar os genes de um organismo, nós o tornamos menos apto a evoluir. Portanto, os biólogos podem criar as moscas-da-fruta que quiserem sem se preocupar. Se alguma escapar, a seleção natural vai se encarregar dela.
O que é impressionante, poderoso e assustador sobre os "gene drives" é que isso não se aplica mais a eles. Assumindo que o traço não tenha uma grande deficiência evolutiva, como um mosquito que não consiga voar, o "gene drive" baseado no CRISPR vai espalhar a mudança incessantemente até que ela esteja em todos os indivíduos da população. Bem, não é fácil fazer o "gene drive" funcionar assim tão bem, mas James e Esvelt acham que é possível.
A boa notícia é que isso abre a porta para algumas coisas notáveis. Se colocarmos um "gene drive" antimalária em apenas 1% dos mosquitos "Anopheles", a espécie que transmite a malária, os pesquisadores calculam que ele vá se propagar por toda a população dentro de um ano. Assim, em um ano, poderíamos virtualmente eliminar a malária.
Na prática, ainda vamos levar alguns anos para fazer isso, lembrando que morrem mil crianças por dia de malária. Em um ano, poderíamos zerar esse número. O mesmo se aplica à dengue, Chikungunya e à febre amarela.E tem mais. Digamos que queiramos nos livrar de espécies invasivas, como tirar a carpa asiática dos Grandes Lagos. Para isso, basta liberar um "gene drive" que faça as carpas produzirem apenas machos. Em poucas gerações, não haveria fêmeas. Seria o fim dessas carpas. Em tese, significa poder recuperar centenas de espécies nativas em risco.
Bem, essas foram as boas novas, mas aqui vêm as más. Os "Gene drives" são tão efetivos que até uma liberação acidental poderia alterar uma espécie inteira, e normalmente bem depressa. Anthony James tomou boas precauções. Ele criou mosquitos em laboratórios de biocontenção e também usou uma espécie não nativa dos EUA, de modo que, mesmo se alguns escapassem, simplesmente morreriam, pois não haveria com quem cruzar. Mas também é verdade que, se uma dúzia de carpas asiáticas transgênicas macho acidentalmente fossem levadas dos Grandes Lagos de volta para a Ásia, elas teriam o potencial de acabar com a população nativa de carpas asiáticas. O que não é tão improvável nesse nosso mundo tão conectado. E essa é a razão de termos problemas com espécies invasivas. E estamos falando de peixes. Quanto a mosquitos e moscas-da-fruta, literalmente não há como contê-los. Eles atravessam fronteiras e oceanos o tempo todo.
Bem, a outra má notícia é que o "gene drive" talvez não se restrinja ao que chamamos espécies-alvo. Isso ocorre devido ao fluxo gênico, que é um jeito bonito de falar que espécies próximas às vezes acasalam entre si. Se isso acontecer, será possível a transmissão de um "gene drive", possibilitando àquela carpa infectar outros tipos de carpa. Seria bom se o "drive" promovesse só um traço, como a cor dos olhos.
De fato, há uma boa chance de vermos uma onda de moscas-da-fruta esquisitas num futuro próximo. Mas poderá ser um desastre se seu "drive" for concebido para eliminar a espécie completamente.Uma outra grande preocupação é que a tecnologia para fazer isso, criar geneticamente um organismo e implantar um "gene drive", é algo que praticamente qualquer laboratório no mundo pode fazer. Um estudante de graduação consegue fazê-lo. Um aluno de colégio talentoso com algum equipamento consegue fazê-lo.
Posso imaginar como isso soa assustador.
(Risos)
Curiosamente, a maioria dos cientistas com quem conversei parece achar que edições genéticas não são assim tão assustadoras ou perigosas. Em parte, por acreditarem que os cientistas vão ser bem cautelosos e responsáveis ao usá-las.
(Risos)
Até agora tem sido assim. Mas os "gene drives" também têm suas limitações. Primeiro, eles funcionam apenas em espécies que se reproduzem sexualmente. Ainda bem, pois eles não podem ser usados para criar vírus ou bactérias. Além disso, o traço se espalha apenas através das sucessivas gerações. Assim, mudar ou eliminar uma população é prático apenas se aquela espécie tiver um ciclo reprodutivo rápido, como insetos ou talvez pequenos vertebrados, como camundongo ou peixe. Em elefantes ou pessoas, levaria séculos para um traço se espalhar o suficiente para fazer diferença.
Ademais, mesmo com CRISPR, não é fácil criar um traço realmente devastador. Digamos que se queira criar uma mosca-da-fruta que se alimente da fruta sadia, em vez da podre, com o objetivo de sabotar a agricultura norte-americana. Primeiro, teríamos de descobrir que genes controlam o que a mosca quer comer, o que já é um projeto muito longo e complicado. Depois, teríamos de alterar esses genes para mudar o comportamento da mosca seja lá para o que se quisesse, que é um projeto até mais longo e complicado. E pode ser que nem funcione, pois os genes que controlam o comportamento são complexos. Aí, se um terrorista tiver de escolher entre um longo programa de pesquisa que exija anos de trabalho em laboratório, e ainda assim não funcionar, ou simplesmente explodir coisas, provavelmente vai escolher o segundo.
Isso é verdade, pois, pelo menos em tese, deve ser bem fácil construir o chamado "drive" reverso, feito para se sobrepor à mudança realizada pelo primeiro "gene drive". Assim, se não gostarmos dos efeitos de uma mudança, basta implantar um segundo "drive" para cancelar o primeiro, pelo menos teoricamente.
Então, em que pé estamos? Atualmente temos a capacidade de mudar espécies inteiras à vontade. Deveríamos? Agora viramos deuses? Eu não diria isso.
Mas diria o seguinte: primeiro, algumas pessoas muito inteligentes estão neste instante debatendo como regular os "gene drives". Ao mesmo tempo, outras pessoas muito inteligentes estão dando duro para criar salvaguardas, como "gene drives" autorregulados ou que se extingam após algumas gerações. Isso é ótimo. Mas essa tecnologia ainda requer um debate. E, dada a natureza dos "gene drives", esse debate tem de ser mundial. E se o Quênia quiser usar um "drive", mas a Tanzânia não? Quem decide se devemos liberar um "gene drive" que possa voar?
Não tenho resposta para isso. Penso que o que devemos fazer ao avançar é falar abertamente sobre os riscos e benefícios e assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas. Não me refiro apenas à escolha de usar um "gene drive", mas também a escolha de não usar um. Os humanos têm a tendência de presumir que a opção mais segura seja preservar o status quo. Mas nem sempre esse é o caso. Os "gene drives" apresentam riscos, e eles têm de ser discutidos, mas a malária está aí e mata mil pessoas por dia. Para combatê-la, espalhamos pesticidas que causam graves danos a outras espécies, inclusive aos anfíbios e pássaros.
Assim, quando ouvirem sobre os "gene drives" nos próximos meses, e, acreditem, vocês vão ouvir falar deles, lembrem-se disto: agir pode ser assustador, mas, às vezes, deixar de agir pode ser pior.
(Aplausos)
Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]
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