Drª Jennifer Doudna mostra as questões éticas que permeiam as técnicas de edição de DNA.
A geneticista Jennifer Doudna coinventou uma tecnologia inovadora para editar os genes, chamada CRISPR-Cas9. A ferramenta permite que cientistas façam edições precisas nas fitas do DNA, o que pode levar à descoberta de tratamentos para doenças genéticas… mas que poderiam também ser usadas para criar os chamados "bebês projetados". Doudna examina como a tecnologia CRISPR-Cas9 funciona, e pede à comunidade científica que faça uma pausa e discuta a ética dessa nova ferramenta.
Alguns anos atrás, com minha colega Emmanuelle Charpentier, inventei uma nova tecnologia para editar o genoma. Chama-se CRISPR-Cas9.
Acho que vale a pena explicar que a tecnologia CRISPR surgiu de um projeto de pesquisa básico destinado a descobrir como as bactérias atacam as infecções virais. As bactérias têm de lidar com vírus em seu ambiente, e pode-se pensar na infecção viral como uma bomba-relógio: a bactéria dispõe de apenas alguns minutos para desativar a bomba antes que seja destruída por ela. Por isso, muitas bactérias têm nas células um sistema imunológico adaptativo chamado CRISPR, que lhes permite detectar o DNA viral e destruí-lo. Faz parte do sistema CRISPR uma proteína chamada Cas9, que é capaz de procurar, clivar e, por fim, degradar o DNA do vírus de uma maneira específica. E foi por meio da nossa pesquisa para entender a atividade da proteína Cas9 que descobrimos que poderíamos utilizá-la como tecnologia de engenharia genética, uma ferramenta para cientistas apagarem ou inserirem partes específicas do DNA dentro das células, com incrível precisão, o que poderia criar oportunidades de fazermos coisas que realmente não foram possíveis no passado.
A tecnologia CRISPR já foi utilizada para alterar o DNA em células de camundongos e macacos, assim como de outros organismos.
Cientistas da Filadélfia mostraram ser possível usar CRISPR para remover o DNA de um vírus HIV integrado de dentro de células humanas infectadas. A oportunidade de se fazer esse tipo de edição genética também levanta várias questões éticas a serem consideradas, pois essa tecnologia pode ser empregada não apenas em células adultas, mas também em embriões de organismos, incluindo os da nossa própria espécie. Então, juntamente com meus colegas, solicitei um debate global sobre essa tecnologia que coinventei, para que possamos avaliar todas as implicações éticas e sociais de uma tecnologia assim. Então, gostaria de lhes explicar o que é a tecnologia CRISPR, o que ela pode fazer, em que ponto estamos hoje e por que penso que temos de avançar com cautela na forma como empregamos essa tecnologia.
Quando os vírus infectam uma célula, eles injetam nela seu DNA. E, numa bactéria, o sistema CRISPR permite que o DNA seja arrancado do vírus e inserido em pequenos fragmentos dentro do cromossomo, o DNA da bactéria. E esses pedaços integrados do DNA viral são inseridos num local chamado CRISPR.
(Risos)
Complicado assim, dá pra ver por que usamos a sigla CRISPR. É um mecanismo que permite às células se lembrarem, ao longo do tempo, dos vírus aos quais estiveram expostas. E, mais importante, esses pedaços de DNA são passados à descendência das células, fazendo com que elas fiquem protegidas desses vírus não apenas por uma, mas por muitas gerações de células. Isso permite que as células mantenham um registro das infecções e, como minha colega Blake Wiedenheft gosta de dizer, o lócus do CRISPR é efetivamente um cartão de vacina genético das células. Uma vez inseridos esses fragmentos do DNA no cromossomo da bactéria, a célula então faz uma pequena cópia de uma molécula chamada RNA, que aparece em laranja nesta foto, que é uma réplica exata do DNA do vírus.
O RNA é um primo químico do DNA, o que permite uma interação com as moléculas do DNA que tenham uma sequência correspondente. Portanto, esses pequenos fragmentos de RNA do lócus do CRISPR se associam, se ligam, à proteína Cas9, que aparece em branco na foto, e formam um complexo que funciona como uma sentinela da célula. Ele vasculha todo o DNA da célula para encontrar locais que correspondam às sequências dos RNAs atuando como guias.
E, quando tais locais são encontrados, como veem aqui, a molécula azul é o DNA, esse complexo associado ao DNA permite que o Cas9 corte o DNA viral. Ele faz uma ruptura muito precisa. Portanto, podemos pensar na sentinela, o complexo RNA-Cas9, como uma tesoura que pode cortar o DNA. Ele faz uma ruptura na fita dupla da hélice do DNA. E é importante ressaltar que esse complexo é programável, podendo ser programado para reconhecer sequências específicas do DNA e fazer uma ruptura naquele local do DNA. Como vou lhes explicar agora, reconhecemos que essa atividade poderia ser aproveitada na engenharia genética para permitir às células fazerem uma mudança muito precisa no DNA, no local onde essa ruptura fosse introduzida.
Isso lembra muito a forma como usamos um processador de texto para corrigir um erro de digitação num documento. O motivo de imaginamos o uso do sistema CRISPR na engenharia genética é que as células têm a habilidade de detectar o DNA avariado e consertá-lo. Então, quando a célula vegetal ou animal detecta a ruptura na fita dupla do DNA, ela consegue reparar essa ruptura, seja colando as extremidades do DNA danificado, com uma pequena mudança na sequência daquela posição, seja integrando um novo pedaço de DNA no local da clivagem. Daí, se tivermos uma maneira de efetuar uma ruptura da fita dupla dentro do DNA nos lugares certos, podemos estimular as células para reparar esses falhas, seja pela ruptura ou pela incorporação de nova informação genética. Então, se formos capazes de programar a tecnologia CRISPR para fazer uma ruptura no DNA, no local ou perto de uma mutação que cause a fibrose cística, por exemplo, poderemos programar células para reparar essa mutação.
Tínhamos tecnologia para sequenciar o DNA, para copiar o DNA e até para manipular o DNA. E eram tecnologias muito promissoras, porém, ou eram ineficientes, ou eram tão difíceis de usar que muitos cientistas não as adotaram em seus laboratórios, e elas certamente não tiveram muitos usos clínicos. A oportunidade de utilizar uma tecnologia como CRISPR tem seu apelo pela sua relativa simplicidade. Fazendo uma analogia, as tecnologias de engenharia genética mais antigas eram como se trocássemos todo o circuito elétrico do computador toda vez que quiséssemos rodar um software novo, enquanto a tecnologia CRISPR é como um software para o genoma, que pode ser facilmente programado usando pequenos fragmentos de RNA. Portanto, quando uma ruptura na fita dupla do DNA é feita, podemos induzir a reparação e, assim, teoricamente, conseguir feitos surpreendentes, como corrigir as mutações que causam a anemia falciforme ou a doença de Huntington.
Na verdade, penso que as primeiras aplicações da tecnologia CRISPR vão acontecer no sangue, onde é relativamente mais fácil introduzir essa ferramenta dentro das células, em comparação com os tecidos sólidos. Hoje, muitos trabalhos que estão sendo feitos se aplicam a modelos animais de doenças humanas, como os camundongos. A tecnologia está sendo usada para mudanças muito precisas, que nos permitem estudar a maneira como essas mudanças no DNA das células afetam um tecido ou, nesse caso, um organismo inteiro. Aqui, neste exemplo, a tecnologia CRISPR foi usada para destruir um gene, fazendo uma pequena mudança no DNA do gene responsável pela cor preta do pelo desses camundongos. Esses camundongos brancos têm uma cor diferente do resto da ninhada devido apenas a uma pequena mudança em um gene do genoma inteiro e, aliás, eles são completamente normais. E, ao sequenciarmos o DNA desses animais, descobrimos que a mudança no DNA ocorreu no local exato onde induzimos a mudança usando a tecnologia CRISPR.
Estudos adicionais estão sendo feitos em outros animais, que serão úteis para criarmos modelos para doenças humanas, como em macacos. E aqui verificamos que podemos usar esses sistemas para testar a aplicação dessa tecnologia em tecidos específicos, por exemplo, descobrindo como colocar a ferramenta CRISPR dentro das células. Também queremos entender melhor como controlar a forma como o DNA é reparado após a ruptura, e também como controlar e limitar qualquer tipo de desvio do alvo ou efeitos indesejados no uso dessa tecnologia. Acho que vamos ver a aplicação clínica dessa tecnologia, pelo menos em adultos, dentro dos próximos dez anos.
É possível que tenhamos testes clínicos, e provavelmente até terapias, aprovados nesse período, algo bem emocionante de se imaginar. E, por causa da empolgação acerca dessa tecnologia, existe muito interesse nas empresas "start-ups" criadas para comercializar a tecnologia CRISPR, e diversos investidores estão apostando nessas empresas. Mas também temos de considerar que a tecnologia CRISPR pode ser usada para coisas como o melhoramento. Imaginem que poderíamos tentar projetar humanos para que tenham características melhoradas, como ossos mais fortes, ou menor susceptibilidade a doenças cardiovasculares, ou mesmo para ter atributos que considerássemos desejáveis, como uma cor diferente dos olhos, ou uma altura maior, coisas assim. "Humanos projetados", se preferirem. Neste momento, a informação genética para entender que tipos de genes dariam origem a essas características é ainda bem desconhecida.
Mas é importante saber que a tecnologia CRISPR nos dá uma ferramenta para fazer tais mudanças, quando esse conhecimento se tornar disponível. Isso levanta uma série de questões éticas que temos de considerar com cuidado, e esse é o motivo pelo qual eu e meus colegas pedimos uma pausa global em qualquer aplicação clínica da tecnologia CRISPR em embriões humanos, para termos tempo de realmente considerar todas as implicações de se fazer isso. E, na verdade, há um precedente importante para tal pausa, ocorrido nos anos 1970, quando cientistas se reuniram para convocar uma suspensão do uso da clonagem molecular, até que a segurança de tal tecnologia fosse cuidadosamente testada e validada. Humanos criados geneticamente ainda não estão entre nós, mas isso não é mais ficção científica. Animais e plantas criados geneticamente já existem. E isso coloca para nós todos uma enorme responsabilidade, de modo a considerar tanto as consequências involuntárias, quanto os impactos intencionais de uma descoberta científica. Obrigada.
(Aplausos)
Bruno Giussani: Jennifer, essa é uma tecnologia com enormes consequências, como você ressaltou. Sua atitude de pedir uma pausa ou uma suspensão, ou uma quarentena, é incrivelmente responsável. Existem, é claro, os resultados terapêuticos disso, mas também há os não terapêuticos, e estes parecem ser os mais atraentes, particularmente na mídia. Esse é um dos últimos números da revista "The Economist", "Editando a humanidade". É sobre melhoramento genético, não é sobre terapêuticas. Que tipo de reação você obteve em março passado de seus colegas do mundo científico, quando pediu ou sugeriu que na verdade deveríamos pausar isso por um momento e pensar a respeito?
Jennifer Doudna: Penso que meus colegas ficaram, na verdade, encantados de ter a oportunidade de discutir isso abertamente. É interessante que, quando converso com as pessoas, meus colegas cientistas, assim como com outros, há uma enorme variedade de pontos de vista sobre isso. Claramente é um tópico que precisa de cuidadosa consideração e discussão.
BG: Vai acontecer uma grande reunião em dezembro que você e seus colegas estão convocando, juntamente com a Academia Nacional de Ciências e outros. O que você espera que saia dessa reunião, em termos práticos?
JD: Bem, espero que possamos arejar as ideias de muitos indivíduos diferentes e interessados que queiram pensar sobre como usar essa tecnologia de forma responsável. Talvez não seja possível se chegar a um consenso, mas penso que deveríamos, pelo menos, entender quais são os problemas quando avançarmos.
BG: Agora, seus colegas, como George Church, de Harvard, dizem: "É, questões éticas basicamente são apenas uma questão de segurança. Testamos repetidas vezes nos animais e nos laboratórios, e, uma vez seguros o suficiente, vamos passar para os humanos." Então é um outro tipo de escola de pensamento de que deveríamos usar essa oportunidade e agarrá-la. Há um possível racha acontecendo na comunidade científica sobre isso? Quero dizer, vamos ver alguns se contendo por causa de preocupações éticas, e outros simplesmente avançando, porque alguns países quase não regulam ou não regulam de jeito nenhum?
JD: Bem, como com qualquer tecnologia nova, especialmente algo assim, vai haver uma variedade de pontos de vista, e acho isso perfeitamente compreensível. Acho que no fim essa tecnologia vai ser usada para a engenharia do genoma humano, mas penso que fazer isso sem cuidadosa consideração e discussão dos riscos e potenciais complicações não seria uma atitude responsável.
BG: Há uma porção de tecnologias e outros campos da ciência que estão se desenvolvendo exponencialmente, assim como o seu. Estou pensando sobre inteligência artificial, robôs autônomos, etc. Ninguém parece, exceto quanto ao caso dos robôs de guerra autônomos, ter lançado uma discussão semelhante nesses campos, convocando uma pausa. Você acha que seu debate pode servir de modelo para outras áreas?
JD: Bem, penso que é difícil para os cientistas saírem do laboratório. Falando por mim mesma, é um pouco desconfortável fazer isso. Mas acho que estar envolvida na gênese disso realmente coloca a mim e meus colegas numa posição de responsabilidade. E eu diria que certamente espero que outras tecnologias sejam consideradas da mesma forma, da mesma forma que consideraríamos algo que poderia ter implicações em outros campos além da biologia.
BG: Jennifer, obrigada por vir ao TED.
JD: Obrigada. (Aplausos)
Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]
Alguns anos atrás, com minha colega Emmanuelle Charpentier, inventei uma nova tecnologia para editar o genoma. Chama-se CRISPR-Cas9.
A tecnologia CRISPR permite que os cientistas façam alterações nas células do DNA, o que poderia nos levar à cura de doenças genéticas.
Acho que vale a pena explicar que a tecnologia CRISPR surgiu de um projeto de pesquisa básico destinado a descobrir como as bactérias atacam as infecções virais. As bactérias têm de lidar com vírus em seu ambiente, e pode-se pensar na infecção viral como uma bomba-relógio: a bactéria dispõe de apenas alguns minutos para desativar a bomba antes que seja destruída por ela. Por isso, muitas bactérias têm nas células um sistema imunológico adaptativo chamado CRISPR, que lhes permite detectar o DNA viral e destruí-lo. Faz parte do sistema CRISPR uma proteína chamada Cas9, que é capaz de procurar, clivar e, por fim, degradar o DNA do vírus de uma maneira específica. E foi por meio da nossa pesquisa para entender a atividade da proteína Cas9 que descobrimos que poderíamos utilizá-la como tecnologia de engenharia genética, uma ferramenta para cientistas apagarem ou inserirem partes específicas do DNA dentro das células, com incrível precisão, o que poderia criar oportunidades de fazermos coisas que realmente não foram possíveis no passado.
A tecnologia CRISPR já foi utilizada para alterar o DNA em células de camundongos e macacos, assim como de outros organismos.
Cientistas chineses mostraram recentemente ser possível usar a tecnologia CRISPR até para alterar os genes de embriões humanos.
Cientistas da Filadélfia mostraram ser possível usar CRISPR para remover o DNA de um vírus HIV integrado de dentro de células humanas infectadas. A oportunidade de se fazer esse tipo de edição genética também levanta várias questões éticas a serem consideradas, pois essa tecnologia pode ser empregada não apenas em células adultas, mas também em embriões de organismos, incluindo os da nossa própria espécie. Então, juntamente com meus colegas, solicitei um debate global sobre essa tecnologia que coinventei, para que possamos avaliar todas as implicações éticas e sociais de uma tecnologia assim. Então, gostaria de lhes explicar o que é a tecnologia CRISPR, o que ela pode fazer, em que ponto estamos hoje e por que penso que temos de avançar com cautela na forma como empregamos essa tecnologia.
Quando os vírus infectam uma célula, eles injetam nela seu DNA. E, numa bactéria, o sistema CRISPR permite que o DNA seja arrancado do vírus e inserido em pequenos fragmentos dentro do cromossomo, o DNA da bactéria. E esses pedaços integrados do DNA viral são inseridos num local chamado CRISPR.
CRISPR significa Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas.
(Risos)
Complicado assim, dá pra ver por que usamos a sigla CRISPR. É um mecanismo que permite às células se lembrarem, ao longo do tempo, dos vírus aos quais estiveram expostas. E, mais importante, esses pedaços de DNA são passados à descendência das células, fazendo com que elas fiquem protegidas desses vírus não apenas por uma, mas por muitas gerações de células. Isso permite que as células mantenham um registro das infecções e, como minha colega Blake Wiedenheft gosta de dizer, o lócus do CRISPR é efetivamente um cartão de vacina genético das células. Uma vez inseridos esses fragmentos do DNA no cromossomo da bactéria, a célula então faz uma pequena cópia de uma molécula chamada RNA, que aparece em laranja nesta foto, que é uma réplica exata do DNA do vírus.
O RNA é um primo químico do DNA, o que permite uma interação com as moléculas do DNA que tenham uma sequência correspondente. Portanto, esses pequenos fragmentos de RNA do lócus do CRISPR se associam, se ligam, à proteína Cas9, que aparece em branco na foto, e formam um complexo que funciona como uma sentinela da célula. Ele vasculha todo o DNA da célula para encontrar locais que correspondam às sequências dos RNAs atuando como guias.
E, quando tais locais são encontrados, como veem aqui, a molécula azul é o DNA, esse complexo associado ao DNA permite que o Cas9 corte o DNA viral. Ele faz uma ruptura muito precisa. Portanto, podemos pensar na sentinela, o complexo RNA-Cas9, como uma tesoura que pode cortar o DNA. Ele faz uma ruptura na fita dupla da hélice do DNA. E é importante ressaltar que esse complexo é programável, podendo ser programado para reconhecer sequências específicas do DNA e fazer uma ruptura naquele local do DNA. Como vou lhes explicar agora, reconhecemos que essa atividade poderia ser aproveitada na engenharia genética para permitir às células fazerem uma mudança muito precisa no DNA, no local onde essa ruptura fosse introduzida.
Isso lembra muito a forma como usamos um processador de texto para corrigir um erro de digitação num documento. O motivo de imaginamos o uso do sistema CRISPR na engenharia genética é que as células têm a habilidade de detectar o DNA avariado e consertá-lo. Então, quando a célula vegetal ou animal detecta a ruptura na fita dupla do DNA, ela consegue reparar essa ruptura, seja colando as extremidades do DNA danificado, com uma pequena mudança na sequência daquela posição, seja integrando um novo pedaço de DNA no local da clivagem. Daí, se tivermos uma maneira de efetuar uma ruptura da fita dupla dentro do DNA nos lugares certos, podemos estimular as células para reparar esses falhas, seja pela ruptura ou pela incorporação de nova informação genética. Então, se formos capazes de programar a tecnologia CRISPR para fazer uma ruptura no DNA, no local ou perto de uma mutação que cause a fibrose cística, por exemplo, poderemos programar células para reparar essa mutação.
A engenharia genética não é nova e vem se desenvolvendo desde os anos 1970.
Tínhamos tecnologia para sequenciar o DNA, para copiar o DNA e até para manipular o DNA. E eram tecnologias muito promissoras, porém, ou eram ineficientes, ou eram tão difíceis de usar que muitos cientistas não as adotaram em seus laboratórios, e elas certamente não tiveram muitos usos clínicos. A oportunidade de utilizar uma tecnologia como CRISPR tem seu apelo pela sua relativa simplicidade. Fazendo uma analogia, as tecnologias de engenharia genética mais antigas eram como se trocássemos todo o circuito elétrico do computador toda vez que quiséssemos rodar um software novo, enquanto a tecnologia CRISPR é como um software para o genoma, que pode ser facilmente programado usando pequenos fragmentos de RNA. Portanto, quando uma ruptura na fita dupla do DNA é feita, podemos induzir a reparação e, assim, teoricamente, conseguir feitos surpreendentes, como corrigir as mutações que causam a anemia falciforme ou a doença de Huntington.
Na verdade, penso que as primeiras aplicações da tecnologia CRISPR vão acontecer no sangue, onde é relativamente mais fácil introduzir essa ferramenta dentro das células, em comparação com os tecidos sólidos. Hoje, muitos trabalhos que estão sendo feitos se aplicam a modelos animais de doenças humanas, como os camundongos. A tecnologia está sendo usada para mudanças muito precisas, que nos permitem estudar a maneira como essas mudanças no DNA das células afetam um tecido ou, nesse caso, um organismo inteiro. Aqui, neste exemplo, a tecnologia CRISPR foi usada para destruir um gene, fazendo uma pequena mudança no DNA do gene responsável pela cor preta do pelo desses camundongos. Esses camundongos brancos têm uma cor diferente do resto da ninhada devido apenas a uma pequena mudança em um gene do genoma inteiro e, aliás, eles são completamente normais. E, ao sequenciarmos o DNA desses animais, descobrimos que a mudança no DNA ocorreu no local exato onde induzimos a mudança usando a tecnologia CRISPR.
Estudos adicionais estão sendo feitos em outros animais, que serão úteis para criarmos modelos para doenças humanas, como em macacos. E aqui verificamos que podemos usar esses sistemas para testar a aplicação dessa tecnologia em tecidos específicos, por exemplo, descobrindo como colocar a ferramenta CRISPR dentro das células. Também queremos entender melhor como controlar a forma como o DNA é reparado após a ruptura, e também como controlar e limitar qualquer tipo de desvio do alvo ou efeitos indesejados no uso dessa tecnologia. Acho que vamos ver a aplicação clínica dessa tecnologia, pelo menos em adultos, dentro dos próximos dez anos.
É possível que tenhamos testes clínicos, e provavelmente até terapias, aprovados nesse período, algo bem emocionante de se imaginar. E, por causa da empolgação acerca dessa tecnologia, existe muito interesse nas empresas "start-ups" criadas para comercializar a tecnologia CRISPR, e diversos investidores estão apostando nessas empresas. Mas também temos de considerar que a tecnologia CRISPR pode ser usada para coisas como o melhoramento. Imaginem que poderíamos tentar projetar humanos para que tenham características melhoradas, como ossos mais fortes, ou menor susceptibilidade a doenças cardiovasculares, ou mesmo para ter atributos que considerássemos desejáveis, como uma cor diferente dos olhos, ou uma altura maior, coisas assim. "Humanos projetados", se preferirem. Neste momento, a informação genética para entender que tipos de genes dariam origem a essas características é ainda bem desconhecida.
Mas é importante saber que a tecnologia CRISPR nos dá uma ferramenta para fazer tais mudanças, quando esse conhecimento se tornar disponível. Isso levanta uma série de questões éticas que temos de considerar com cuidado, e esse é o motivo pelo qual eu e meus colegas pedimos uma pausa global em qualquer aplicação clínica da tecnologia CRISPR em embriões humanos, para termos tempo de realmente considerar todas as implicações de se fazer isso. E, na verdade, há um precedente importante para tal pausa, ocorrido nos anos 1970, quando cientistas se reuniram para convocar uma suspensão do uso da clonagem molecular, até que a segurança de tal tecnologia fosse cuidadosamente testada e validada. Humanos criados geneticamente ainda não estão entre nós, mas isso não é mais ficção científica. Animais e plantas criados geneticamente já existem. E isso coloca para nós todos uma enorme responsabilidade, de modo a considerar tanto as consequências involuntárias, quanto os impactos intencionais de uma descoberta científica. Obrigada.
(Aplausos)
Bruno Giussani: Jennifer, essa é uma tecnologia com enormes consequências, como você ressaltou. Sua atitude de pedir uma pausa ou uma suspensão, ou uma quarentena, é incrivelmente responsável. Existem, é claro, os resultados terapêuticos disso, mas também há os não terapêuticos, e estes parecem ser os mais atraentes, particularmente na mídia. Esse é um dos últimos números da revista "The Economist", "Editando a humanidade". É sobre melhoramento genético, não é sobre terapêuticas. Que tipo de reação você obteve em março passado de seus colegas do mundo científico, quando pediu ou sugeriu que na verdade deveríamos pausar isso por um momento e pensar a respeito?
Jennifer Doudna: Penso que meus colegas ficaram, na verdade, encantados de ter a oportunidade de discutir isso abertamente. É interessante que, quando converso com as pessoas, meus colegas cientistas, assim como com outros, há uma enorme variedade de pontos de vista sobre isso. Claramente é um tópico que precisa de cuidadosa consideração e discussão.
BG: Vai acontecer uma grande reunião em dezembro que você e seus colegas estão convocando, juntamente com a Academia Nacional de Ciências e outros. O que você espera que saia dessa reunião, em termos práticos?
JD: Bem, espero que possamos arejar as ideias de muitos indivíduos diferentes e interessados que queiram pensar sobre como usar essa tecnologia de forma responsável. Talvez não seja possível se chegar a um consenso, mas penso que deveríamos, pelo menos, entender quais são os problemas quando avançarmos.
BG: Agora, seus colegas, como George Church, de Harvard, dizem: "É, questões éticas basicamente são apenas uma questão de segurança. Testamos repetidas vezes nos animais e nos laboratórios, e, uma vez seguros o suficiente, vamos passar para os humanos." Então é um outro tipo de escola de pensamento de que deveríamos usar essa oportunidade e agarrá-la. Há um possível racha acontecendo na comunidade científica sobre isso? Quero dizer, vamos ver alguns se contendo por causa de preocupações éticas, e outros simplesmente avançando, porque alguns países quase não regulam ou não regulam de jeito nenhum?
JD: Bem, como com qualquer tecnologia nova, especialmente algo assim, vai haver uma variedade de pontos de vista, e acho isso perfeitamente compreensível. Acho que no fim essa tecnologia vai ser usada para a engenharia do genoma humano, mas penso que fazer isso sem cuidadosa consideração e discussão dos riscos e potenciais complicações não seria uma atitude responsável.
BG: Há uma porção de tecnologias e outros campos da ciência que estão se desenvolvendo exponencialmente, assim como o seu. Estou pensando sobre inteligência artificial, robôs autônomos, etc. Ninguém parece, exceto quanto ao caso dos robôs de guerra autônomos, ter lançado uma discussão semelhante nesses campos, convocando uma pausa. Você acha que seu debate pode servir de modelo para outras áreas?
JD: Bem, penso que é difícil para os cientistas saírem do laboratório. Falando por mim mesma, é um pouco desconfortável fazer isso. Mas acho que estar envolvida na gênese disso realmente coloca a mim e meus colegas numa posição de responsabilidade. E eu diria que certamente espero que outras tecnologias sejam consideradas da mesma forma, da mesma forma que consideraríamos algo que poderia ter implicações em outros campos além da biologia.
BG: Jennifer, obrigada por vir ao TED.
JD: Obrigada. (Aplausos)
Edição do genoma com CRISPR-Cas9
Vídeo Bônus (legendado em português)Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]
legal né!
ResponderExcluirTem um monte de biotipo que vai sumir da terra e, gostaria muito de ver o ser que vive de "se deus quiser" podendo encomendar um filho.
Na Guerra Fria, os jogos olímpicos era uma demonstração de força dos regimes políticos. Há notícias até de moças da ginástica artística que engravidavam e abortavam para otimizar o aproveitamento dos nutrientes. Hoje, os jogos olímpicos quase que demonstram quem consegue dopar e passar incólume. O amanhã será daqueles países (ou grupos econômicos) que fizerem melhor uso da engenharia genética. Imagine só, o COI proibindo o crescimento natural de membranas entre os dedos de nadadores.
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