Em uma fazenda no interior de São Paulo, a 160 km da capital, um time de futebol posa para uma foto. Mas o que torna a imagem extraordinária...
Em uma fazenda no interior de São Paulo, a 160 km da capital, um time de futebol posa para uma foto. Mas o que torna a imagem extraordinária é a suástica na bandeira do time.
A foto, provavelmente, foi tirada após a ascensão nazista na Alemanha, na década de 1930.
E essa nem foi a sua primeira surpresa nazista. A primeira ocorreu no chiqueiro.
Isso porque em cada tijolo estava gravada uma suástica.
Não é segredo que o Brasil tinha fortes vínculos com a Alemanha Nazista no período que antecedeu a Segunda Guerra. Os dois países eram parceiros comerciais e o Brasil tinha o maior partido fascista fora da Europa, com mais de 40 mil integrantes.
Mas levou anos para que Maciel, com o auxílio do historiador Sidney Aguillar Filho, conhecesse a terrível história que conectava sua fazenda aos fascistas brasileiros.
O historiador descobriu que a fazenda tinha pertencido aos Rocha Miranda, uma família de industriais ricos do Rio de Janeiro. Três deles — o pai, Renato, e dois filhos, Otávio e Osvaldo — eram membros da Ação Integralista Brasileira (AIB), organização de extrema direita simpatizante do Nazismo.
A família às vezes organizava eventos na fazenda, recebendo milhares de membros do partido. Mas também existia no lugar um campo brutal de trabalhos forçados para crianças negras abandonadas.
De acordo com os documentos apurados por Aguillar Filho, Osvaldo Rocha Miranda pediu a guarda legal dos órfãos, e foi atendido.
As crianças eram espancadas regularmente com uma palmatória. Não eram chamadas pelo nome, mas por números. Silva era o número 23.
Cães de guarda mantinham as crianças na linha.
"Um se chamava Veneno, o macho. A fêmea se chamava Confiança", conta Silva, que ainda mora na região.
Outro dos sobreviventes, Argemiro dos Santos, foi encontrado nas ruas, quando ainda era uma criança, e levado para um orfanato. Um dia, Rocha Miranda veio buscá-lo.
Porém, apesar dos depoimentos dos sobreviventes, alguns dos descendentes da família Rocha Miranda dizem que seus antepassados deixaram de apoiar o Nazismo antes da Segunda Guerra Mundial.
Maurice Rocha Miranda, sobrinho-bisneto de Otávio e Osvaldo, também nega que as crianças eram mantidas na fazenda como 'escravos'.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, ele disse que os órfãos na fazenda 'tinham de ser controlados, mas nunca foram punidos ou escravizados'.
O historiador Sidney Aguillar Filho, no entanto, acredita nas histórias dos sobreviventes. E apesar da passagem do tempo, Silva e Santos — que nunca mais se encontraram desde o tempo em que viveram na fazenda — fazem relatos muito parecidos e perturbadores de suas experiências.
Para os órfãos, os únicos momentos de alegria eram os jogos de futebol contra times de trabalhadores das fazendas locais, como aquele em que foi tirada a foto onde se vê a bandeira com a suástica. O futebol tinha papel fundamental na ideologia integralista.
'A gente se reunia para bater bola e a coisa foi crescendo', diz Santos.
— Tínhamos campeonatos, éramos bons de futebol.
Mas depois de vários anos, ele não aguentava mais.
— Tinha um portão [na fazenda] e um dia eu o deixei aberto. Naquela noite, eu fugi. Ninguém viu.
Santos voltou ao Rio onde, aos 14 anos de idade, passou a dormir na rua e trabalhar como vendedor de jornais.
Todavia, sem querer, Santos teve sua revanche contra o nazismo.
Em 1942, quando Brasil declarou guerra contra a Alemanha, Santos se alistou na Marinha como taifeiro, servindo mesas e lavando louça.
Ironicamente, depois de trabalhar para nazistas, Santos passou a lutar contra eles.
Santos saiu em patrulha pela Europa e depois passou um período, ainda durante a guerra, trabalhando em navios que caçavam submarinos na costa brasileira.
Hoje, Santos é conhecido, na comunidade onde vive, pelo apelido de Marujo. E se orgulha de um certificado e uma medalha que recebeu em reconhecimento por seus serviços durante a guerra.
Mas ele também é famoso por suas proezas futebolísticas, jogando como meio de campo em vários grandes times brasileiros na década de 1940.
Hoje, Santos vive uma vida tranquila com a esposa, Guilhermina, no sudoeste do Brasil. Eles estão casados há 61 anos.
— Eu gosto de tocar meu trompete, de sentar na varanda e tomar uma cerveja gelada. Tenho muitos amigos e eles sempre aparecem para bater papo.
As lembranças do tempo difícil que passou na fazenda, no entanto, são difíceis de apagar.
[Via BBA]
A foto, provavelmente, foi tirada após a ascensão nazista na Alemanha, na década de 1930.
Nada explicava a presença dessa suástica aqui.
José Ricardo Rosa Maciel, ex-dono da fazenda Cruzeiro do Sul, perto de Campina do Monte Alegre, que encontrou a foto por acaso.
E essa nem foi a sua primeira surpresa nazista. A primeira ocorreu no chiqueiro.
Um dia, os porcos quebraram uma parede e fugiram para o campo. Notei que os tijolos tinham caído. Achei que estava tendo alucinações.
Isso porque em cada tijolo estava gravada uma suástica.
Não é segredo que o Brasil tinha fortes vínculos com a Alemanha Nazista no período que antecedeu a Segunda Guerra. Os dois países eram parceiros comerciais e o Brasil tinha o maior partido fascista fora da Europa, com mais de 40 mil integrantes.
Mas levou anos para que Maciel, com o auxílio do historiador Sidney Aguillar Filho, conhecesse a terrível história que conectava sua fazenda aos fascistas brasileiros.
Até o gado era marcado com o símbolo nazista. |
A família às vezes organizava eventos na fazenda, recebendo milhares de membros do partido. Mas também existia no lugar um campo brutal de trabalhos forçados para crianças negras abandonadas.
Descobri a história de 50 meninos com idades em torno de dez anos que tinham sido tirados de um orfanato no Rio. Foram três levas. O primeiro grupo, em 1933, tinha dez [crianças].
Sidney Aguillar Filho
De acordo com os documentos apurados por Aguillar Filho, Osvaldo Rocha Miranda pediu a guarda legal dos órfãos, e foi atendido.
Ele enviou seu motorista, que nos colocou em um canto. Osvaldo apontava com uma bengala: "Coloca aquele no canto de lá, esse no de cá". De 20 meninos, ele pegou dez. Ele prometeu o mundo — que iríamos jogar futebol, andar a cavalo. Mas não tinha nada disso. Todos os dez tinham de arrancar ervas daninhas com um ancinho e limpar a fazenda. Fui enganado.
Aloysio da Silva, um dos primeiros meninos levados para trabalhar na fazenda, hoje com 90 anos de idade.
As crianças eram espancadas regularmente com uma palmatória. Não eram chamadas pelo nome, mas por números. Silva era o número 23.
Cães de guarda mantinham as crianças na linha.
"Um se chamava Veneno, o macho. A fêmea se chamava Confiança", conta Silva, que ainda mora na região.
Evito falar sobre esse assunto.
Outro dos sobreviventes, Argemiro dos Santos, foi encontrado nas ruas, quando ainda era uma criança, e levado para um orfanato. Um dia, Rocha Miranda veio buscá-lo.
Eles não gostavam de negros. Havia castigos, deixavam a gente sem comida ou nos batiam com a palmatória. Doía muito. Duas batidas, às vezes. O máximo eram cinco, porque uma pessoa não aguentava. Eles tinham fotografias de Hitler e você era obrigado a fazer uma saudação. Eu não entendia nada daquilo.
Argemiro dos Santos. 89 anos.
Porém, apesar dos depoimentos dos sobreviventes, alguns dos descendentes da família Rocha Miranda dizem que seus antepassados deixaram de apoiar o Nazismo antes da Segunda Guerra Mundial.
Maurice Rocha Miranda, sobrinho-bisneto de Otávio e Osvaldo, também nega que as crianças eram mantidas na fazenda como 'escravos'.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, ele disse que os órfãos na fazenda 'tinham de ser controlados, mas nunca foram punidos ou escravizados'.
O historiador Sidney Aguillar Filho, no entanto, acredita nas histórias dos sobreviventes. E apesar da passagem do tempo, Silva e Santos — que nunca mais se encontraram desde o tempo em que viveram na fazenda — fazem relatos muito parecidos e perturbadores de suas experiências.
Para os órfãos, os únicos momentos de alegria eram os jogos de futebol contra times de trabalhadores das fazendas locais, como aquele em que foi tirada a foto onde se vê a bandeira com a suástica. O futebol tinha papel fundamental na ideologia integralista.
'A gente se reunia para bater bola e a coisa foi crescendo', diz Santos.
— Tínhamos campeonatos, éramos bons de futebol.
Mas depois de vários anos, ele não aguentava mais.
— Tinha um portão [na fazenda] e um dia eu o deixei aberto. Naquela noite, eu fugi. Ninguém viu.
Santos voltou ao Rio onde, aos 14 anos de idade, passou a dormir na rua e trabalhar como vendedor de jornais.
Todavia, sem querer, Santos teve sua revanche contra o nazismo.
Em 1942, quando Brasil declarou guerra contra a Alemanha, Santos se alistou na Marinha como taifeiro, servindo mesas e lavando louça.
Ironicamente, depois de trabalhar para nazistas, Santos passou a lutar contra eles.
Estava apenas prestando um serviço para o Brasil. Não sentia ódio por Hitler, não sabia quem ele era.
Santos saiu em patrulha pela Europa e depois passou um período, ainda durante a guerra, trabalhando em navios que caçavam submarinos na costa brasileira.
Hoje, Santos é conhecido, na comunidade onde vive, pelo apelido de Marujo. E se orgulha de um certificado e uma medalha que recebeu em reconhecimento por seus serviços durante a guerra.
Mas ele também é famoso por suas proezas futebolísticas, jogando como meio de campo em vários grandes times brasileiros na década de 1940.
Naquela época, não existiam jogadores profissionais, éramos todos amadores. Joguei para o Fluminense, Botafogo, Vasco da Gama... Os jogadores eram todos vendedores de jornais e lustradores de sapatos.
Hoje, Santos vive uma vida tranquila com a esposa, Guilhermina, no sudoeste do Brasil. Eles estão casados há 61 anos.
— Eu gosto de tocar meu trompete, de sentar na varanda e tomar uma cerveja gelada. Tenho muitos amigos e eles sempre aparecem para bater papo.
As lembranças do tempo difícil que passou na fazenda, no entanto, são difíceis de apagar.
Quem diz que sempre teve uma vida boa desde que nasceu está mentindo. Na vida de todo mundo acontecem coisas ruins.Fonte: R7
[Via BBA]
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