No Ted Med 2012, o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis explorou os limites da interface cérebro máquina.
No Ted Med 2012, o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis explorou os limites da interface cérebro máquina.
É possível usarmos nosso cérebro para controlar máquinas diretamente sem o auxílio de um corpo como intermediário? Miguel Nicolelis discorre sobre um surpreendente experimento, no qual uma talentosa macaca comanda um avatar, e depois um robô no Japão, simplesmente com a força do pensamento. A pesquisa traz grandes implicações para pessoas com tetraplegia e talvez para todos nós.
O tipo de neurociência que eu e meus colegas praticamos é quase como que metereologia. Estamos sempre caçando tempestades. Queremos ver e medir tempestades, isto é, tempestades cerebrais. Todos nós falamos sobre tempestades cerebrais no nosso dia a dia, mas nós raramente vemos ou ouvimos uma. Por isso, gosto sempre de começar estas palestras, na verdade, apresentando a vocês uma dessas tempestades.
De fato, na primeira vez que registramos mais de um neurônio, ou uma centena de neurônios simultaneamente, nós pudemos medir as descargas elétricas de uma centena de células no mesmo animal. Esta é a primeira imagem que tivemos, os primeiros dez segundos de registro.
Eu sempre digo a alunos que poderíamos dizer que neurocientistas são também meio que astrônomos, porque lidamos com um sistema que só se compara, em termos de quantidade de células, ao número de galáxias que existem no universo. E lá estávamos, dentre bilhões de neurônios, registrando apenas uma centena deles, dez anos atrás. Atualmente, registramos mil deles. E esperamos compreender coisas fundamentais a respeito de nossa natureza humana, pois, se vocês ainda não sabem, tudo que costumamos definir como natureza humana vem dessas tempestades, vem de tempestades que se agitam sobre os montes e vales de nossos cérebros, e definem nossas memórias, nossas crenças, nossas emoções, nossos planos para o futuro. Tudo que um dia viermos a fazer, tudo que qualquer ser humano já tenha feito, faz ou fará requer o trabalho árduo de populações de neurônios, causando esse tipo de tempestade.
O som de uma tempestade cerebral, caso nunca tenham ouvido uma, é algo parecido com isso. Podem aumentar o som, se for possível. Meu filho chama isso de "fazer pipoca ouvindo uma estação de rádio A.M. mal sintonizada." Isso é um cérebro. Isso é o que acontece quando você canaliza essas tempestades elétricas para um alto-falante e ouve uma centena de neurônios em atividade. Seu cérebro fará este tipo de som -- o meu cérebro, qualquer cérebro. O que queremos agora, enquanto neurocientistas, é, na verdade, escutar essas sinfonias, essas sinfonias cerebrais, e tentar extrair delas as mensagens que carregam.
Em especial, cerca de doze anos atrás, nós criamos um experimento que chamamos de interface cérebro-máquina. Temos aqui um desenho que descreve como isso funciona. A ideia é utilizar alguns sensores que captam essas tempestades, essa atividade elétrica, e verificar se, com a mesma velocidade que essa tempestade leva para ir do cérebro até as pernas ou braços de um animal -- cerca de meio segundo -- se é possível ler esses impulsos, extrair as mensagens motoras que estão embutidas neles, transformá-las em comandos digitais, e enviá-las a um dispositivo artificial, que reproduzirá os comandos motores vindos desse cérebro, em tempo real, bem como tentar medir nossa eficiência na tradução dessa mensagem, tendo por base a maneira com que o corpo faz isso, e se, de fato, é possível gerar realimentação, isto é, impulsos sensoriais que saem desse acionador robótico-mecânico-computacional, agora controlado pelo cérebro, de volta ao cérebro, e como o cérebro lida com o fato de receber mensagens de uma máquina.
É exatamente isso que fizemos dez anos atrás. Nós começamos com uma macaca famosa, chamada Aurora, que se tornou uma das estrelas dessa área. A Aurora gostava de jogar videogames. Como vocês podem ver aqui, ela gosta de usar um 'joystick', como qualquer um de nós, ou como nossos filhos, para jogar esse jogo. E como boa primata, ela tenta até trapacear, para conseguir acertar. Mesmo antes que apareça um objeto que ela tenha de assinalar com o cursor que ela está controlando com o 'joystick', a Aurora fica procurando o objeto, em todos os cantos. E ela faz isso porque, sempre que ela assinala o objeto com o pequeno cursor, ela recebe um gole de suco de laranja brasileiro.
Bem, enquanto a Aurora jogava, como vocês viram, e realizava mil testes por dia, e conseguia 97% de acertos e 350 ml de suco de laranja, nós registrávamos as tempestades cerebrais que ocorriam em sua cabeça e as enviávamos a um braço robótico que aprendia a reproduzir os movimentos que a Aurora fazia, porque a ideia era, na verdade, ligar essa interface cérebro-máquina e conseguir que a Aurora jogasse só com o pensamento, sem a intervenção de seu corpo. Suas tempestades cerebrais comandariam um braço que moveria o cursor e assinalaria o objeto. E para nossa surpresa, foi exatamente o que a Aurora fez. Ela jogou sem se mover.
Cada movimento do cursor que vocês veem agora, e essa foi a primeira vez que ela conseguiu isso, essa foi exatamente a primeira vez que um estímulo cerebral foi além dos limites físicos do corpo de um primata, produzindo efeitos do lado de fora, nesse universo externo, controlando um braço artificial. Aurora continuava jogando, continuava encontrando o pequeno objeto e ganhando o suco de laranja que ela queria, que ela almejava.
Bem, ela fazia isso porque, àquela altura, ela tinha adquirido um novo braço. O braço robótico, movendo-se neste vídeo gravado trinta dias depois do vídeo que mostrei a vocês anteriormente, está sendo controlado pelo cérebro da Aurora e está movendo o cursor para alcançar o objeto. A Aurora agora sabe que pode jogar com esse braço robótico, mas não perdeu a capacidade de usar seus braços de verdade para o que quiser. Ela consegue coçar as costas, ela consegue coçar um de nós, ela consegue jogar outro jogo. Com toda certeza, o cérebro da Aurora incorporou esse braço artificial como uma extensão de seu corpo. A autoimagem que Aurora tinha em sua mente adaptou-se para assimilar um braço extra.
Bem, fizemos isso dez anos atrás. Vamos avançar dez anos no tempo. No ano passado, descobrimos que nem precisamos de um braço robótico. Podemos criar um corpo virtual, um avatar, um avatar de macaco, e utilizá-lo, na verdade, tanto para que nossos macacos interajam com ele, quanto para treiná-los para que assimilem, num ambiente virtual, a percepção desse avatar em primeira pessoa, e usar sua atividade cerebral para controlar os movimentos dos braços ou pernas do avatar.
Basicamente, o que fizemos foi treinar os animais a fim de que aprendessem a controlar esses avatares e a explorar objetos que aparecessem no ambiente virtual. Esses objetos são visualmente idênticos, mas quando o avatar toca a superfície desses objetos, eles enviam um sinal elétrico, equivalente à textura palpável do objeto, que retorna diretamente ao cérebro do macaco, informando qual objeto o avatar está tocando. Em apenas quatro semanas, o cérebro aprende a processar essa nova sensação, e adquire uma nova via sensorial -- como um novo sentido. Agora, verdadeiramente, você liberta o cérebro, ao permitir que ele envie comandos motores que fazem o avatar se mover, e a resposta que vem do avatar é processada diretamente pelo cérebro, sem a interferência da pele.
O que vocês estão vendo aqui é o resumo da atividade. Basicamente, vocês vão ver um animal tocando três objetos. E ele tem de escolher um, porque apenas um traz a recompensa, o suco de laranja que ele quer ganhar. E ele tem que escolher o objeto com o toque, usando um braço virtual, um braço que não é real. E é exatamente isso que ele faz.
O cérebro se liberta completamente dos limites do corpo físico, num teste de percepção. O animal está controlando o avatar, a fim de tocar os objetos. E ele sente a textura ao receber uma mensagem elétrica diretamente no cérebro. E o cérebro está decidindo que textura está associada à recompensa. As legendas que vocês veem no vídeo não aparecem para o macaco. A propósito, seja como for, eles não sabem ler. Elas aparecem aqui somente para que vocês saibam que o objeto correto está mudando de posição. Mesmo assim, eles conseguem identificar os objetos através do tato, pressionando-os quando querem mostrar sua escolha.
Quando observamos os cérebros desses animais, no quadro de cima, vemos o alinhamento de cento e vinte e cinco células, mostrando o que acontece com a atividade cerebral, com as tempestades elétricas, nessa amostra de neurônios, quando o animal está utilizando um 'joystick'. Essa é uma imagem que todo neurofisiologista conhece. O alinhamento básico mostra que essas células estão enviando sinais em todas as direções possíveis. O quadro de baixo mostra o que acontece quando o corpo para de se mexer, e o animal começa a controlar um braço robótico, ou um avatar. Com a mesma rapidez com que reiniciamos nossos computadores, a atividade cerebral se modifica, a fim de começar controlar essa nova ferramenta, como se ela também fizesse parte do corpo do primata. O cérebro também está assimilando isso, tão rápido quanto podemos mensurar.
Isso sugere que a autopercepção do nosso ser não termina na extremidade da pele do nosso corpo, mas termina na extremidade de elétrons de tudo que estivermos controlando com nossos cérebros. Nossos violinos, nossos carros, nossas bicicletas, nossas bolas de futebol, nossas roupas -- tudo isso acaba sendo assimilado por esse ávido, surpreendente e dinâmico sistema chamado cérebro.
Até onde podemos chegar com ele? Bem, num experimento que realizamos poucos anos atrás, fomos ao extremo. Pusemos um animal numa esteira, na Duke University, na costa leste dos Estados Unidos, produzindo as tempestades cerebrais necessárias para se mover, e tínhamos um robô, um robô humanoide, em Kyoto, Japão, no ATR Laboratories, que sonhou a vida inteira em ser controlado por um cérebro, um cérebro humano, ou o de um primata.
O que aconteceu foi que a atividade cerebral que gerou os movimentos na macaca foi transmitida ao Japão e fez este robô caminhar, enquanto imagens dessa caminhada eram enviadas de volta a Duke, possibilitando que a macaca visse as pernas deste robô andando diante dela. Ela receberia recompensa não pelo que seu corpo fazia, mas pelos passos certos que o robô desse, do outro lado do planeta, controlado pela atividade cerebral dela.
O curioso foi que aquela volta ao redor do mundo levou vinte milésimos de segundo a menos que aquela tempestade cerebral levaria para sair de sua cabeça, da cabeça da macaca, e chegar até suas pernas de verdade. A macaca fez um robô, que era seis vezes maior que ela, se mover do outro lado do planeta. Esse é um dos experimentos em que aquele robô conseguiu caminhar de forma independente. Este é o CB1 realizando seu sonho, no Japão, sob o controle da atividade cerebral de um primata.
Então, aonde vamos chegar com tudo isso? O que vamos fazer com toda essa pesquisa, além de estudar as propriedades desse universo dinâmico que possuímos entre as orelhas? Bem, a ideia é utilizar todo esse conhecimento e tecnologia para tentar reparar um dos mais graves problemas neurológicos que existem no mundo. Milhões de pessoas perderam a habilidade de tranformar essas tempestades cerebrais em ação, em movimento. Apesar de seus cérebros continuarem produzindo essas tempestades e comandos de movimento, eles não conseguem cruzar a barreira que foi criada por uma lesão na medula espinhal.
Então, nossa ideia é criar um caminho alternativo, é utilizar essas interfaces cérebro-máquina para interpretar esses sinais, ou tempestades cerebrais de maior escala, que carregam o desejo de voltar a andar, contornar a lesão, utilizando microengenharia de computador, e enviar esses sinais para um novo corpo, um corpo completo chamado exoesqueleto, um traje robótico completo, que se tornará o novo corpo desses pacientes.
Aqui temos uma imagem produzida por um consórcio, sem fins lucrativos, chamado de Projeto Walk Again, que está unindo cientistas da Europa, daqui dos Estados Unidos e do Brasil, para trabalhar juntos e, de fato, criar esse novo corpo -- um corpo que, por meio da mesma plasticidade cerebral, permite que a Aurora e outros macacos movam essas ferramentas através de uma interface cérebro-máquina, e que nos permite incorporar as ferramentas que produzimos e utilizamos no dia a dia. Esperamos que esse mesmo mecanismo possibilite não apenas que esses pacientes voltem a imaginar os movimentos que quiserem executar e transformá-los em movimentos neste novo corpo, mas que esse corpo seja assimilado como o novo corpo que o cérebro comanda.
Disseram-me, cerca de dez anos atrás, que isso jamais seria possível, que isso beirava o impossível. Só posso dizer a vocês que, como cientista, eu cresci no sul do Brasil, em meados dos anos 60, assistindo alguns caras malucos dizendo [-nos] que eles iriam à Lua. Eu tinha cinco anos de idade, e nunca entendi porque a NASA não contratou o capitão Kirk e o Spok para fazer isso; Afinal, eles eram peritos nisso -- mas ver aquilo quando criança me fez acreditar, como minha avó costumava me dizer, que "o impossível é só o possível que alguém não se esforçou o bastante para que se tornasse realidade".
Disseram-me que era impossível fazer alguém voltar a andar, mas acho que vou seguir o conselho da minha avó.
Obrigado.
(Aplausos)
[Via BBA]
É possível usarmos nosso cérebro para controlar máquinas diretamente sem o auxílio de um corpo como intermediário? Miguel Nicolelis discorre sobre um surpreendente experimento, no qual uma talentosa macaca comanda um avatar, e depois um robô no Japão, simplesmente com a força do pensamento. A pesquisa traz grandes implicações para pessoas com tetraplegia e talvez para todos nós.
O tipo de neurociência que eu e meus colegas praticamos é quase como que metereologia. Estamos sempre caçando tempestades. Queremos ver e medir tempestades, isto é, tempestades cerebrais. Todos nós falamos sobre tempestades cerebrais no nosso dia a dia, mas nós raramente vemos ou ouvimos uma. Por isso, gosto sempre de começar estas palestras, na verdade, apresentando a vocês uma dessas tempestades.
De fato, na primeira vez que registramos mais de um neurônio, ou uma centena de neurônios simultaneamente, nós pudemos medir as descargas elétricas de uma centena de células no mesmo animal. Esta é a primeira imagem que tivemos, os primeiros dez segundos de registro.
Registramos, então, uma pequena fração de pensamento, e pudemos vê-lo diante de nós.
Eu sempre digo a alunos que poderíamos dizer que neurocientistas são também meio que astrônomos, porque lidamos com um sistema que só se compara, em termos de quantidade de células, ao número de galáxias que existem no universo. E lá estávamos, dentre bilhões de neurônios, registrando apenas uma centena deles, dez anos atrás. Atualmente, registramos mil deles. E esperamos compreender coisas fundamentais a respeito de nossa natureza humana, pois, se vocês ainda não sabem, tudo que costumamos definir como natureza humana vem dessas tempestades, vem de tempestades que se agitam sobre os montes e vales de nossos cérebros, e definem nossas memórias, nossas crenças, nossas emoções, nossos planos para o futuro. Tudo que um dia viermos a fazer, tudo que qualquer ser humano já tenha feito, faz ou fará requer o trabalho árduo de populações de neurônios, causando esse tipo de tempestade.
O som de uma tempestade cerebral, caso nunca tenham ouvido uma, é algo parecido com isso. Podem aumentar o som, se for possível. Meu filho chama isso de "fazer pipoca ouvindo uma estação de rádio A.M. mal sintonizada." Isso é um cérebro. Isso é o que acontece quando você canaliza essas tempestades elétricas para um alto-falante e ouve uma centena de neurônios em atividade. Seu cérebro fará este tipo de som -- o meu cérebro, qualquer cérebro. O que queremos agora, enquanto neurocientistas, é, na verdade, escutar essas sinfonias, essas sinfonias cerebrais, e tentar extrair delas as mensagens que carregam.
Em especial, cerca de doze anos atrás, nós criamos um experimento que chamamos de interface cérebro-máquina. Temos aqui um desenho que descreve como isso funciona. A ideia é utilizar alguns sensores que captam essas tempestades, essa atividade elétrica, e verificar se, com a mesma velocidade que essa tempestade leva para ir do cérebro até as pernas ou braços de um animal -- cerca de meio segundo -- se é possível ler esses impulsos, extrair as mensagens motoras que estão embutidas neles, transformá-las em comandos digitais, e enviá-las a um dispositivo artificial, que reproduzirá os comandos motores vindos desse cérebro, em tempo real, bem como tentar medir nossa eficiência na tradução dessa mensagem, tendo por base a maneira com que o corpo faz isso, e se, de fato, é possível gerar realimentação, isto é, impulsos sensoriais que saem desse acionador robótico-mecânico-computacional, agora controlado pelo cérebro, de volta ao cérebro, e como o cérebro lida com o fato de receber mensagens de uma máquina.
É exatamente isso que fizemos dez anos atrás. Nós começamos com uma macaca famosa, chamada Aurora, que se tornou uma das estrelas dessa área. A Aurora gostava de jogar videogames. Como vocês podem ver aqui, ela gosta de usar um 'joystick', como qualquer um de nós, ou como nossos filhos, para jogar esse jogo. E como boa primata, ela tenta até trapacear, para conseguir acertar. Mesmo antes que apareça um objeto que ela tenha de assinalar com o cursor que ela está controlando com o 'joystick', a Aurora fica procurando o objeto, em todos os cantos. E ela faz isso porque, sempre que ela assinala o objeto com o pequeno cursor, ela recebe um gole de suco de laranja brasileiro.
Eu posso garantir que qualquer macaco fará qualquer coisa para vocês, em troca de um golezinho de suco de laranja brasileiro. Na verdade, qualquer primata vai fazer isso. Pensem a respeito.
Bem, enquanto a Aurora jogava, como vocês viram, e realizava mil testes por dia, e conseguia 97% de acertos e 350 ml de suco de laranja, nós registrávamos as tempestades cerebrais que ocorriam em sua cabeça e as enviávamos a um braço robótico que aprendia a reproduzir os movimentos que a Aurora fazia, porque a ideia era, na verdade, ligar essa interface cérebro-máquina e conseguir que a Aurora jogasse só com o pensamento, sem a intervenção de seu corpo. Suas tempestades cerebrais comandariam um braço que moveria o cursor e assinalaria o objeto. E para nossa surpresa, foi exatamente o que a Aurora fez. Ela jogou sem se mover.
Cada movimento do cursor que vocês veem agora, e essa foi a primeira vez que ela conseguiu isso, essa foi exatamente a primeira vez que um estímulo cerebral foi além dos limites físicos do corpo de um primata, produzindo efeitos do lado de fora, nesse universo externo, controlando um braço artificial. Aurora continuava jogando, continuava encontrando o pequeno objeto e ganhando o suco de laranja que ela queria, que ela almejava.
Bem, ela fazia isso porque, àquela altura, ela tinha adquirido um novo braço. O braço robótico, movendo-se neste vídeo gravado trinta dias depois do vídeo que mostrei a vocês anteriormente, está sendo controlado pelo cérebro da Aurora e está movendo o cursor para alcançar o objeto. A Aurora agora sabe que pode jogar com esse braço robótico, mas não perdeu a capacidade de usar seus braços de verdade para o que quiser. Ela consegue coçar as costas, ela consegue coçar um de nós, ela consegue jogar outro jogo. Com toda certeza, o cérebro da Aurora incorporou esse braço artificial como uma extensão de seu corpo. A autoimagem que Aurora tinha em sua mente adaptou-se para assimilar um braço extra.
Bem, fizemos isso dez anos atrás. Vamos avançar dez anos no tempo. No ano passado, descobrimos que nem precisamos de um braço robótico. Podemos criar um corpo virtual, um avatar, um avatar de macaco, e utilizá-lo, na verdade, tanto para que nossos macacos interajam com ele, quanto para treiná-los para que assimilem, num ambiente virtual, a percepção desse avatar em primeira pessoa, e usar sua atividade cerebral para controlar os movimentos dos braços ou pernas do avatar.
Basicamente, o que fizemos foi treinar os animais a fim de que aprendessem a controlar esses avatares e a explorar objetos que aparecessem no ambiente virtual. Esses objetos são visualmente idênticos, mas quando o avatar toca a superfície desses objetos, eles enviam um sinal elétrico, equivalente à textura palpável do objeto, que retorna diretamente ao cérebro do macaco, informando qual objeto o avatar está tocando. Em apenas quatro semanas, o cérebro aprende a processar essa nova sensação, e adquire uma nova via sensorial -- como um novo sentido. Agora, verdadeiramente, você liberta o cérebro, ao permitir que ele envie comandos motores que fazem o avatar se mover, e a resposta que vem do avatar é processada diretamente pelo cérebro, sem a interferência da pele.
O que vocês estão vendo aqui é o resumo da atividade. Basicamente, vocês vão ver um animal tocando três objetos. E ele tem de escolher um, porque apenas um traz a recompensa, o suco de laranja que ele quer ganhar. E ele tem que escolher o objeto com o toque, usando um braço virtual, um braço que não é real. E é exatamente isso que ele faz.
O cérebro se liberta completamente dos limites do corpo físico, num teste de percepção. O animal está controlando o avatar, a fim de tocar os objetos. E ele sente a textura ao receber uma mensagem elétrica diretamente no cérebro. E o cérebro está decidindo que textura está associada à recompensa. As legendas que vocês veem no vídeo não aparecem para o macaco. A propósito, seja como for, eles não sabem ler. Elas aparecem aqui somente para que vocês saibam que o objeto correto está mudando de posição. Mesmo assim, eles conseguem identificar os objetos através do tato, pressionando-os quando querem mostrar sua escolha.
Quando observamos os cérebros desses animais, no quadro de cima, vemos o alinhamento de cento e vinte e cinco células, mostrando o que acontece com a atividade cerebral, com as tempestades elétricas, nessa amostra de neurônios, quando o animal está utilizando um 'joystick'. Essa é uma imagem que todo neurofisiologista conhece. O alinhamento básico mostra que essas células estão enviando sinais em todas as direções possíveis. O quadro de baixo mostra o que acontece quando o corpo para de se mexer, e o animal começa a controlar um braço robótico, ou um avatar. Com a mesma rapidez com que reiniciamos nossos computadores, a atividade cerebral se modifica, a fim de começar controlar essa nova ferramenta, como se ela também fizesse parte do corpo do primata. O cérebro também está assimilando isso, tão rápido quanto podemos mensurar.
Isso sugere que a autopercepção do nosso ser não termina na extremidade da pele do nosso corpo, mas termina na extremidade de elétrons de tudo que estivermos controlando com nossos cérebros. Nossos violinos, nossos carros, nossas bicicletas, nossas bolas de futebol, nossas roupas -- tudo isso acaba sendo assimilado por esse ávido, surpreendente e dinâmico sistema chamado cérebro.
Até onde podemos chegar com ele? Bem, num experimento que realizamos poucos anos atrás, fomos ao extremo. Pusemos um animal numa esteira, na Duke University, na costa leste dos Estados Unidos, produzindo as tempestades cerebrais necessárias para se mover, e tínhamos um robô, um robô humanoide, em Kyoto, Japão, no ATR Laboratories, que sonhou a vida inteira em ser controlado por um cérebro, um cérebro humano, ou o de um primata.
O que aconteceu foi que a atividade cerebral que gerou os movimentos na macaca foi transmitida ao Japão e fez este robô caminhar, enquanto imagens dessa caminhada eram enviadas de volta a Duke, possibilitando que a macaca visse as pernas deste robô andando diante dela. Ela receberia recompensa não pelo que seu corpo fazia, mas pelos passos certos que o robô desse, do outro lado do planeta, controlado pela atividade cerebral dela.
O curioso foi que aquela volta ao redor do mundo levou vinte milésimos de segundo a menos que aquela tempestade cerebral levaria para sair de sua cabeça, da cabeça da macaca, e chegar até suas pernas de verdade. A macaca fez um robô, que era seis vezes maior que ela, se mover do outro lado do planeta. Esse é um dos experimentos em que aquele robô conseguiu caminhar de forma independente. Este é o CB1 realizando seu sonho, no Japão, sob o controle da atividade cerebral de um primata.
Então, aonde vamos chegar com tudo isso? O que vamos fazer com toda essa pesquisa, além de estudar as propriedades desse universo dinâmico que possuímos entre as orelhas? Bem, a ideia é utilizar todo esse conhecimento e tecnologia para tentar reparar um dos mais graves problemas neurológicos que existem no mundo. Milhões de pessoas perderam a habilidade de tranformar essas tempestades cerebrais em ação, em movimento. Apesar de seus cérebros continuarem produzindo essas tempestades e comandos de movimento, eles não conseguem cruzar a barreira que foi criada por uma lesão na medula espinhal.
Então, nossa ideia é criar um caminho alternativo, é utilizar essas interfaces cérebro-máquina para interpretar esses sinais, ou tempestades cerebrais de maior escala, que carregam o desejo de voltar a andar, contornar a lesão, utilizando microengenharia de computador, e enviar esses sinais para um novo corpo, um corpo completo chamado exoesqueleto, um traje robótico completo, que se tornará o novo corpo desses pacientes.
Aqui temos uma imagem produzida por um consórcio, sem fins lucrativos, chamado de Projeto Walk Again, que está unindo cientistas da Europa, daqui dos Estados Unidos e do Brasil, para trabalhar juntos e, de fato, criar esse novo corpo -- um corpo que, por meio da mesma plasticidade cerebral, permite que a Aurora e outros macacos movam essas ferramentas através de uma interface cérebro-máquina, e que nos permite incorporar as ferramentas que produzimos e utilizamos no dia a dia. Esperamos que esse mesmo mecanismo possibilite não apenas que esses pacientes voltem a imaginar os movimentos que quiserem executar e transformá-los em movimentos neste novo corpo, mas que esse corpo seja assimilado como o novo corpo que o cérebro comanda.
Disseram-me, cerca de dez anos atrás, que isso jamais seria possível, que isso beirava o impossível. Só posso dizer a vocês que, como cientista, eu cresci no sul do Brasil, em meados dos anos 60, assistindo alguns caras malucos dizendo [-nos] que eles iriam à Lua. Eu tinha cinco anos de idade, e nunca entendi porque a NASA não contratou o capitão Kirk e o Spok para fazer isso; Afinal, eles eram peritos nisso -- mas ver aquilo quando criança me fez acreditar, como minha avó costumava me dizer, que "o impossível é só o possível que alguém não se esforçou o bastante para que se tornasse realidade".
Disseram-me que era impossível fazer alguém voltar a andar, mas acho que vou seguir o conselho da minha avó.
Obrigado.
(Aplausos)
[Via BBA]
Na foto, achei que era o Rogério Ceni de barba...
ResponderExcluirTalvez você se surpreenda em saber que o neurocientista é palmeirense roxo.
ResponderExcluirolha,não épor nada não..mas essa notíçia aí do macaco já tá pra lá de velha,viu...
ResponderExcluirÉ vero. Mas a palestra dele no TED Med 2012 acho que pouco brasileiro viu.
ResponderExcluirEstive em Natal e perguntei a um taxista de lá se ele sabia quem era o Nicolelis e ele desconhecia. Assim, sedimentar essas novidades vão fazer com que mais brasileiros tenham acesso aos avanços científicos nessa área em especial. Uma notícia mais nova é essa:
http://blog.brasilacademico.com/2013/02/brasileiro-cria-sexto-sentido-em-um.html
Quem você acha que escreve os roteiros do Zorra Total e malhação?
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