Um espectro ronda o Brasil. Trata-se da mobilização das massas. Em um país onde centenas de milhares de pessoas nas ruas geralmente é sinôni...
Um espectro ronda o Brasil. Trata-se da mobilização das massas. Em um país onde centenas de milhares de pessoas nas ruas geralmente é sinônimo de festas carnavalescas ou comemorações futebolísticas, é notório poder vivenciar um período em que ocorrem várias manifestações reivindicando demandas históricas do povo brasileiro, como transporte coletivo urbano decente e serviços públicos de educação e saúde de qualidade.
Em outras épocas, quando os meios de comunicação alternativos não possuíam o alcance e a relevância dos dias hodiernos, era relativamente fácil para a mídia hegemônica (o oligopólio formado pelas famílias Marinho, Frias, Civita e Saad) escamotear determinados acontecimentos de grande porte que não eram de seu agrado ideológico. Nesse sentido, é clássico o caso da Rede Globo, que tentou encobrir os primeiros comícios das Diretas Já, no ano de 1984.
Pois bem, os tempos são outros. Na Era das Redes Sociais, marcada, sobretudo, pela instantaneidade da divulgação dos acontecimentos, é impossível ficar indiferente aos fatos. Assim, logo que eclodiram as primeiras manifestações em São Paulo, no início de junho, a grande imprensa brasileira não teve como ficar alheia ao movimento. A princípio, a postura dos grupos midiáticos em relação aos protestos foi o que se esperava: qualificaram os manifestantes como arruaceiros, vândalos e criminosos. Para o status quo midiático, o “irrisório” aumento de 20 centavos nas passagens dos ônibus paulistanos não era motivo para tanto alarde. Não obstante, cenas de depredações de patrimônios públicos e privados eram repetitivamente exibidas.
“A jogada da direita”
Entretanto, o que parecia ser um movimento isolado e fadado ao esquecimento transformou-se no estopim para várias manifestações Brasil a fora. Em questão de dias, os brasileiros, até então “alienados politicamente”, ocuparam as ruas para manifestar a sua indignação com os rumos que o país vem tomando.
Diante do amplo apoio da opinião pública às manifestações e também da inevitabilidade de conter os protestos em curto prazo, a mídia brasileira, estrategicamente, passou a adotar outro discurso em relação a estes acontecimentos. O que outrora era visto como “movimento organizado por agitadores radicais” passou a ser concebido como “legítima mobilização popular”. “As manifestações, desde que pacíficas, sem vandalismo, são bem-vindas em uma democracia”, passou a ser o mantra exaustivamente repetido pela grande mídia. Até os despolitizados jogadores da Seleção Brasileira de futebol aderiram a esse discurso padronizado.
Todavia não nos iludamos, tampouco sejamos ingênuos. A mudança de postura por parte da imprensa hegemônica não foi apenas um recuo. Trata-se de um recuo planejado. Como bem asseverou o editorial de um partido político da esquerda brasileira,“a jogada da direita, agora, é tentar manipular o movimento, colocando palavras de ordem nele, como ‘abaixo a corrupção’, ‘punição aos mensaleiros’ e, com isso, atraindo grupos de direita para o movimento. No Facebook, por exemplo, já existe um abaixo-assinado pedindo a renúncia de Dilma. Fora isso, há ainda a ideia de tentar descaracterizar o movimento como um ato político”. “Curiosamente, os mesmos meios de comunicação conservadores que incentivaram as ações violentas da PM na quinta-feira anterior (13/6) de manhã em seus editoriais, agora diziam que de fato as pessoas deveriam ir às ruas. Só que com outras bandeiras. De repente se falava em impeachment da presidenta. As pessoas usavam a bandeira nacional e se pintavam de verde e amarelo como ordenado por grandes figurões da mídia de massas, colunistas de opinião extremamente populares e conservadores”, escreveu a socióloga Marília Moschkovich em seu blog.
No calor dos fatos
Lembrando o ditado popular “se não pode com o inimigo, junte-se a ele”. Ou seja, se as manifestações são inevitáveis, então é melhor procurar adaptá-las à sua ideologia e assim procurar manipular a população para aderir a temas inerentes ao pensamento conservador brasileiro.
Dessa maneira, sobretudo nas redes sociais, apareceram inúmeras campanhas contra a corrupção (associada exclusivamente ao governo federal), contra os impostos (para os mais ricos) e pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Até mesmo as retrógradas campanhas pela candidatura de Joaquim Barbosa para a presidência da República e pela redução da maioridade penal voltaram à tona nos últimos dias. Sendo assim, as manifestações populares, que inicialmente levantaram questões sociais de externa relevância e serviram de alguma forma para acordar o Brasil de sua inércia política, podem se transformar (se é que já não estão se transformando) em eventos apolíticos, sem qualquer direcionamento ideológico.
Lembrando um conhecido truísmo histórico, é demasiadamente complexo e controverso analisar determinado acontecimento no calor dos fatos. Se as recentes manifestações populares no Brasil podem levar a um novo tempo de mudanças e engajamento da população ou se serão apropriadas pelos setores mais retrógrados de nossa sociedade, só tempo poderá confirmar. No que depender da grande mídia, infelizmente, a segunda opção prevalecerá.
***
Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG
Fonte: Observatório da Imprensa
[Via BBA]
Em outras épocas, quando os meios de comunicação alternativos não possuíam o alcance e a relevância dos dias hodiernos, era relativamente fácil para a mídia hegemônica (o oligopólio formado pelas famílias Marinho, Frias, Civita e Saad) escamotear determinados acontecimentos de grande porte que não eram de seu agrado ideológico. Nesse sentido, é clássico o caso da Rede Globo, que tentou encobrir os primeiros comícios das Diretas Já, no ano de 1984.
Pois bem, os tempos são outros. Na Era das Redes Sociais, marcada, sobretudo, pela instantaneidade da divulgação dos acontecimentos, é impossível ficar indiferente aos fatos. Assim, logo que eclodiram as primeiras manifestações em São Paulo, no início de junho, a grande imprensa brasileira não teve como ficar alheia ao movimento. A princípio, a postura dos grupos midiáticos em relação aos protestos foi o que se esperava: qualificaram os manifestantes como arruaceiros, vândalos e criminosos. Para o status quo midiático, o “irrisório” aumento de 20 centavos nas passagens dos ônibus paulistanos não era motivo para tanto alarde. Não obstante, cenas de depredações de patrimônios públicos e privados eram repetitivamente exibidas.
“A jogada da direita”
Entretanto, o que parecia ser um movimento isolado e fadado ao esquecimento transformou-se no estopim para várias manifestações Brasil a fora. Em questão de dias, os brasileiros, até então “alienados politicamente”, ocuparam as ruas para manifestar a sua indignação com os rumos que o país vem tomando.
Diante do amplo apoio da opinião pública às manifestações e também da inevitabilidade de conter os protestos em curto prazo, a mídia brasileira, estrategicamente, passou a adotar outro discurso em relação a estes acontecimentos. O que outrora era visto como “movimento organizado por agitadores radicais” passou a ser concebido como “legítima mobilização popular”. “As manifestações, desde que pacíficas, sem vandalismo, são bem-vindas em uma democracia”, passou a ser o mantra exaustivamente repetido pela grande mídia. Até os despolitizados jogadores da Seleção Brasileira de futebol aderiram a esse discurso padronizado.
Todavia não nos iludamos, tampouco sejamos ingênuos. A mudança de postura por parte da imprensa hegemônica não foi apenas um recuo. Trata-se de um recuo planejado. Como bem asseverou o editorial de um partido político da esquerda brasileira,“a jogada da direita, agora, é tentar manipular o movimento, colocando palavras de ordem nele, como ‘abaixo a corrupção’, ‘punição aos mensaleiros’ e, com isso, atraindo grupos de direita para o movimento. No Facebook, por exemplo, já existe um abaixo-assinado pedindo a renúncia de Dilma. Fora isso, há ainda a ideia de tentar descaracterizar o movimento como um ato político”. “Curiosamente, os mesmos meios de comunicação conservadores que incentivaram as ações violentas da PM na quinta-feira anterior (13/6) de manhã em seus editoriais, agora diziam que de fato as pessoas deveriam ir às ruas. Só que com outras bandeiras. De repente se falava em impeachment da presidenta. As pessoas usavam a bandeira nacional e se pintavam de verde e amarelo como ordenado por grandes figurões da mídia de massas, colunistas de opinião extremamente populares e conservadores”, escreveu a socióloga Marília Moschkovich em seu blog.
No calor dos fatos
Lembrando o ditado popular “se não pode com o inimigo, junte-se a ele”. Ou seja, se as manifestações são inevitáveis, então é melhor procurar adaptá-las à sua ideologia e assim procurar manipular a população para aderir a temas inerentes ao pensamento conservador brasileiro.
Dessa maneira, sobretudo nas redes sociais, apareceram inúmeras campanhas contra a corrupção (associada exclusivamente ao governo federal), contra os impostos (para os mais ricos) e pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Até mesmo as retrógradas campanhas pela candidatura de Joaquim Barbosa para a presidência da República e pela redução da maioridade penal voltaram à tona nos últimos dias. Sendo assim, as manifestações populares, que inicialmente levantaram questões sociais de externa relevância e serviram de alguma forma para acordar o Brasil de sua inércia política, podem se transformar (se é que já não estão se transformando) em eventos apolíticos, sem qualquer direcionamento ideológico.
Lembrando um conhecido truísmo histórico, é demasiadamente complexo e controverso analisar determinado acontecimento no calor dos fatos. Se as recentes manifestações populares no Brasil podem levar a um novo tempo de mudanças e engajamento da população ou se serão apropriadas pelos setores mais retrógrados de nossa sociedade, só tempo poderá confirmar. No que depender da grande mídia, infelizmente, a segunda opção prevalecerá.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG
Fonte: Observatório da Imprensa
[Via BBA]
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