Archie Brown, professor de ciências políticas da Universidade Oxford, em entrevista ao jornal Estadão, analisa os países comunistas e diz qu...
Archie Brown, professor de ciências políticas da Universidade Oxford, em entrevista ao jornal Estadão, analisa os países comunistas e diz que a democracia ainda não se consolidou na Rússia. E teriam sido as reformas políticas, e não uma crise, que possibilitaram a implosão do regime soviético.
Nada como o distanciamento no tempo para poder entender melhor a história. A seguir, uma leitura do fim da Guerra Fria com o professor de ciências políticas da Universidade Oxford, Archie Brown.
Segundo ele, Gorbachev era a favor da transformação política. Vinte anos após a eleição de Boris Yeltsin como o primeiro presidente da Federação Russa, porém, ele acredita que a situação da liberdade política no país piorou. A seguir, trechos da entrevista concedida por Brown por telefone ao Estado.
O fim do comunismo na Rússia foi inevitável?
Não acredito que tenha sido inevitável. Depois de 1985, quando Mikhail Gorbachev tornou-se o líder soviético, o regime ainda usava todos os instrumentos de coerção e poderia ter continuado assim por um longo tempo.
Quais foram os fatores que contribuíram para o fim do comunismo na Rússia?
Não acredito que tenha sido uma crise que tornou a reforma inevitável, mas sim uma reforma que provocou a crise. Em 1988, Gorbachev era a favor da transformação política e chegou a abraçar a ideia de pluralismo. Então, se tivesse de dar uma razão pela qual o comunismo acabou na União Soviética seria a implementação de suas novas políticas.
Entre essas políticas estavam medidas econômicas?
Não. A área mais fraca no plano de governo de Gorbachev era a economia. Ele deu prioridade para o fim da Guerra Fria e para a reforma do sistema político soviético. Então, nos dois últimos anos da União Soviética, a economia estava em uma espécie de limbo, porque já não seguia o antigo modelo, mas também ainda não era uma economia de mercado.
Na sua opinião, o que mudou da Rússia comunista para a Rússia governada por Vladimir Putin e Dmitri Medvedev?
Nos dois últimos anos da União Soviética havia mais liberdade e pluralismo político do que há hoje na Federação Russa. Atualmente, a Rússia tem um modelo híbrido de governo. Há certos elementos de pluralismo político e alguns jornais que são relativamente livres. No entanto, as eleições ainda são bastante previsíveis. Os partidos políticos - tirando a legenda do governo Rússia Unida - são fracos. A Duma (Câmara Baixa) é subserviente ao Executivo. E, no geral, houve um movimento para longe da democracia. Eu diria que a Rússia nunca conseguiu se transformar em uma democracia plena.
Por que, na sua opinião, a Rússia não se tornou uma democracia plena? O que faltou para concretizar o processo?
A cultura política da Rússia fez com que uma democracia plena fosse difícil de ser concretizada. Um grande problema, porém, é que Boris Yeltsin não estava interessado em construir instituições democráticas. Por isso, acredito que Yeltsin é, em parte, responsável pelo fato de a democracia na Rússia não ter se desenvolvido completamente após o fim do comunismo.
Países como Cuba e Coreia do Norte ainda mantêm regimes comunistas. Na sua opinião, esse tipo de governo ainda é viável?
Não acho que é uma forma boa de governo, mas acho que é um tipo de regime que pode continuar por um longo tempo porque os líderes desses países estão preparados para utilizar todos os meios de coerção, tornando assim quase impossível a sobrevivência de uma oposição forte. Só depois de ocorrer a liberalização de regimes assim é que esse modelo de governo corre o risco de ser desmantelado. Do contrário, esses regimes podem ter um longo tempo de vida. É só olharmos para a Coreia do Norte, por exemplo. É um país com um sistema de governo ineficiente, onde as pessoas passam fome, e, mesmo assim, o comunismo persiste.
Há exemplos positivos?
Um caso bastante diferente é o da China, que teve uma reforma econômica bem sucedida. O regime cubano também teve alguns sucessos, como o excelente serviço de saúde da ilha. No entanto, Cuba também está mudando e até chegou a fazer algumas concessões recentemente. Quando o regime cubano começar a se liberalizar - especialmente tendo em conta a idade avançada de Raúl Castro e o afastamento de Fidel do poder -, o modelo comunista na ilha corre sério risco de ser extinto. É verdade também que, logo após o colapso da União Soviética, muitos acharam que o comunismo acabaria em Cuba em questão de dias. Então, é bastante notável que hoje, 20 anos depois, ainda exista um regime comunista na ilha.
Fonte: Estadão
[Via BBA]
Nada como o distanciamento no tempo para poder entender melhor a história. A seguir, uma leitura do fim da Guerra Fria com o professor de ciências políticas da Universidade Oxford, Archie Brown.
Segundo ele, Gorbachev era a favor da transformação política. Vinte anos após a eleição de Boris Yeltsin como o primeiro presidente da Federação Russa, porém, ele acredita que a situação da liberdade política no país piorou. A seguir, trechos da entrevista concedida por Brown por telefone ao Estado.
O fim do comunismo na Rússia foi inevitável?
Não acredito que tenha sido inevitável. Depois de 1985, quando Mikhail Gorbachev tornou-se o líder soviético, o regime ainda usava todos os instrumentos de coerção e poderia ter continuado assim por um longo tempo.
Aliás, se a União Soviética não tivesse entrado em colapso, o regime comunista teria se beneficiado do grande aumento nos preços de petróleo e do gás que ajudaram a consolidar a popularidade de Vladimir Putin.
Quais foram os fatores que contribuíram para o fim do comunismo na Rússia?
Não acredito que tenha sido uma crise que tornou a reforma inevitável, mas sim uma reforma que provocou a crise. Em 1988, Gorbachev era a favor da transformação política e chegou a abraçar a ideia de pluralismo. Então, se tivesse de dar uma razão pela qual o comunismo acabou na União Soviética seria a implementação de suas novas políticas.
Entre essas políticas estavam medidas econômicas?
Não. A área mais fraca no plano de governo de Gorbachev era a economia. Ele deu prioridade para o fim da Guerra Fria e para a reforma do sistema político soviético. Então, nos dois últimos anos da União Soviética, a economia estava em uma espécie de limbo, porque já não seguia o antigo modelo, mas também ainda não era uma economia de mercado.
Na sua opinião, o que mudou da Rússia comunista para a Rússia governada por Vladimir Putin e Dmitri Medvedev?
Nos dois últimos anos da União Soviética havia mais liberdade e pluralismo político do que há hoje na Federação Russa. Atualmente, a Rússia tem um modelo híbrido de governo. Há certos elementos de pluralismo político e alguns jornais que são relativamente livres. No entanto, as eleições ainda são bastante previsíveis. Os partidos políticos - tirando a legenda do governo Rússia Unida - são fracos. A Duma (Câmara Baixa) é subserviente ao Executivo. E, no geral, houve um movimento para longe da democracia. Eu diria que a Rússia nunca conseguiu se transformar em uma democracia plena.
Por que, na sua opinião, a Rússia não se tornou uma democracia plena? O que faltou para concretizar o processo?
A cultura política da Rússia fez com que uma democracia plena fosse difícil de ser concretizada. Um grande problema, porém, é que Boris Yeltsin não estava interessado em construir instituições democráticas. Por isso, acredito que Yeltsin é, em parte, responsável pelo fato de a democracia na Rússia não ter se desenvolvido completamente após o fim do comunismo.
Países como Cuba e Coreia do Norte ainda mantêm regimes comunistas. Na sua opinião, esse tipo de governo ainda é viável?
Não acho que é uma forma boa de governo, mas acho que é um tipo de regime que pode continuar por um longo tempo porque os líderes desses países estão preparados para utilizar todos os meios de coerção, tornando assim quase impossível a sobrevivência de uma oposição forte. Só depois de ocorrer a liberalização de regimes assim é que esse modelo de governo corre o risco de ser desmantelado. Do contrário, esses regimes podem ter um longo tempo de vida. É só olharmos para a Coreia do Norte, por exemplo. É um país com um sistema de governo ineficiente, onde as pessoas passam fome, e, mesmo assim, o comunismo persiste.
Há exemplos positivos?
Um caso bastante diferente é o da China, que teve uma reforma econômica bem sucedida. O regime cubano também teve alguns sucessos, como o excelente serviço de saúde da ilha. No entanto, Cuba também está mudando e até chegou a fazer algumas concessões recentemente. Quando o regime cubano começar a se liberalizar - especialmente tendo em conta a idade avançada de Raúl Castro e o afastamento de Fidel do poder -, o modelo comunista na ilha corre sério risco de ser extinto. É verdade também que, logo após o colapso da União Soviética, muitos acharam que o comunismo acabaria em Cuba em questão de dias. Então, é bastante notável que hoje, 20 anos depois, ainda exista um regime comunista na ilha.
Fonte: Estadão
[Via BBA]
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