Ao fazer um exame de ressonância magnética, a jornalista catarinense Silvia Zamboni, de 40 anos, deixou o médico estarrecido: era inconcebív...
Ao fazer um exame de ressonância magnética, a jornalista catarinense Silvia Zamboni, de 40 anos, deixou o médico estarrecido: era inconcebível que o cérebro que observava no monitor, com lesões seríssimas em extensas áreas, era o de uma pessoa que levava uma vida normal.
Silvia Zamboni, depois do "silêncio"
E não era para menos. Com tais sequelas na cabeça, o que se podia esperar seria alguém com sérias dificuldades para falar, caminhar ou comer. Ou até em estado vegetativo.
E realmente foi por muito pouco que não fora esse o destino dela.
Antes do silêncio
Silvia Lara Zamboni nasceu em Joaçaba, em 09 de março de 1969, e formou-se jornalista pela Universidade Federal de Santa Catarina em 1989, tendo feito pós-graduação em Marketing pela ESAG. Criou e comandou, até 2004, a Del Mondo Estratégias de Comunicação, especializada em assessoria de imprensa para a área empresarial. Cinco anos atrás, no interior de Santa Catarina, Sílvia sofreu um grave acidente automobilístico na BR-101, o carro dela se chocou contra uma árvore após ter sido fechado por um caminhão, em uma noite chuvosa.
Risco de morte
Silvia sofreu traumatismo craniano, teve costelas quebradas, uma perfuração no pulmão e uma orelha foi praticamente decepada. O socorro só veio após duas horas e houve falta de oxigenação por conta de parada cardíaca que deixou lesões graves e irreversíveis em seu cérebro. Para os médicos que atenderam Silvia, sua morte iminente era apenas questão de horas.
Em março de 2004, Silvia estava em coma profundo, no grau 3 da escala de Glasgow que mede o nível de consciência após uma lesão cerebral, o mais grave. Os médicos estimaram em 1% a chance de sobrevivência.
Mãe dedicada
Mesmo com a resistência dos profissionais, Marilda, mãe de Silvia, resolveu levá-la para Florianópolis, atrás de melhores recursos médicos. "Para quê? Se ela está quase morta?", chegou a ouvir de um deles. O prognóstico não melhorou no outro hospital: caso a filha sobrevivesse, as chances de ficar em estado vegetativo eram enormes. Mas Marilda se agarrava a qualquer fiapo de esperança.
Tanta dedicação contrastava com o fato de já haver três anos que mãe e filha não se viam, apesar de morarem na mesma cidade. O reencontro se deu na UTI.
Aí começou a saraivada de estímulos. Nas visitas diárias ao hospital, Marilda fazia massagens no corpo da filha com remédios homeopáticos, levou cremes e perfumes com os cheiros que ela conhecia, colou fotos nas paredes com todas as fases de sua vida e a logomarca da sua empresa, falava muito ao seu ouvido, sempre chamando Silvia pelo nome.
Mesmo quando não estava lá, deixava fones de ouvido com gravações musicais e mensagens.
Foram quase dois meses sem progressos visíveis. Chegaram a perguntar à mãe se não seria melhor "deixar a natureza seguir seu curso". Contudo, Silvia começou a dar os primeiros sinais de recuperação, próximo de completar o segundo mês em coma, com alguns movimentos involuntários dos membros e a capacidade de manter a respiração e a pressão por alguns momentos, sem o auxílio de aparelhos. O coma havia se tornado menos profundo.
Dois meses depois, a avaliação médica dizia que já não havia nada mais a fazer no hospital. A vida havia se confirmado, diziam, mas Silvia seria um bebê para sempre. Silvia estava absolutamente dependente e sem a menor consciência de quem era. Transferida para casa, ela foi atendida por outros profissionais da saúde como fonoaudióloga, enfermeiros e fisioterapeuta.
Começar de novo
Silvia foi reaprendendo tudo, através dos cuidados dispensados pela equipe que cuidava dela e pela mãe, desde as tarefas mais básicas: andar, pronunciar palavras e, o mais difícil, abrir a boca e engolir (os médicos estavam enganados, era mais difícil que um bebê). Após essa etapa, precisou reaprender a ler, escrever e até reconhecer a função dos objetos mais simples, como o telefone.
Foram meses passando por todas as fases de seu desenvolvimento. Teve até uma fase de birras para comer e de medos para dormir.
Ainda que não se lembrasse de nada de sua vida anterior ao acidente. Silvia passou a se interessar pelos assuntos que a motivavam e revelou os mesmos talentos de outrora.
Através da motivação materna, estudou piano, mesmo não se lembrando que havia aprendido a tocar na infância. E ainda quis cozinhar e vender tortas, da mesma forma como havia feito na adolescência. Simultaneamente, recuperava suas lembranças.
Atualmente, Silvia leva uma vida como outra pessoa qualquer. Mora sozinha, namora, estuda, faz suas compras. Apesar de seu cérebro carregar as cicatrizes das lesões. Apenas não voltou a trabalhar, ainda.
Segundo Dr. Thales Schott, especialista em terapia intensiva que acompanhou a recuperação de Silvia, os cuidados de Marilda foram fundamentais. "Foi isso que resgatou a vida de Silvia", diz. Infelizmente a dedicada mãe faleceu após um AVC no ano passado.
Em 2007, Marilda Zamboni, por sugestão vinda da própria comunidade científica escreveu um livro, 'Depois do Silêncio', onde narra toda a trajetória de recuperação de Silvia.
Silvia hoje não tece planos para o futuro. "Ainda tenho muito o que recuperar."
Ela ainda tenta preencher vazios em sua memória: "Hoje sou mais seletiva".
Lembrar envolve um grande esforço mental, esforço esse que ela não faz para acontecimentos que lhe causem tristeza.
Fonte: Folha, Redactor Comunicação
E não era para menos. Com tais sequelas na cabeça, o que se podia esperar seria alguém com sérias dificuldades para falar, caminhar ou comer. Ou até em estado vegetativo.
E realmente foi por muito pouco que não fora esse o destino dela.
Antes do silêncio
Silvia Lara Zamboni nasceu em Joaçaba, em 09 de março de 1969, e formou-se jornalista pela Universidade Federal de Santa Catarina em 1989, tendo feito pós-graduação em Marketing pela ESAG. Criou e comandou, até 2004, a Del Mondo Estratégias de Comunicação, especializada em assessoria de imprensa para a área empresarial. Cinco anos atrás, no interior de Santa Catarina, Sílvia sofreu um grave acidente automobilístico na BR-101, o carro dela se chocou contra uma árvore após ter sido fechado por um caminhão, em uma noite chuvosa.
Risco de morte
Silvia sofreu traumatismo craniano, teve costelas quebradas, uma perfuração no pulmão e uma orelha foi praticamente decepada. O socorro só veio após duas horas e houve falta de oxigenação por conta de parada cardíaca que deixou lesões graves e irreversíveis em seu cérebro. Para os médicos que atenderam Silvia, sua morte iminente era apenas questão de horas.
A escala de coma de Glasgow é um instrumento de avaliação e diagnóstico, servindo para acompanhamento do estado neurológico da vítima, uniformizando padrões clínicos mundiais sobre a vítima. Para tanto, são atribuídos valores numéricos às seguintes respostas da vítima: abertura ocular, resposta verbal e resposta motora. A pontuação somada em cada um destes itens reflete o status neurológico da vítima.
A pontuação mínima é 03 e a máxima 15, quanto menor a pontuação mais grave é a lesão, quanto maior a pontuação melhor é o estado da vítima. Pontuação menor ou igual a 08, a vítima é considerada em estado de coma.
Em março de 2004, Silvia estava em coma profundo, no grau 3 da escala de Glasgow que mede o nível de consciência após uma lesão cerebral, o mais grave. Os médicos estimaram em 1% a chance de sobrevivência.
Mãe dedicada
Mesmo com a resistência dos profissionais, Marilda, mãe de Silvia, resolveu levá-la para Florianópolis, atrás de melhores recursos médicos. "Para quê? Se ela está quase morta?", chegou a ouvir de um deles. O prognóstico não melhorou no outro hospital: caso a filha sobrevivesse, as chances de ficar em estado vegetativo eram enormes. Mas Marilda se agarrava a qualquer fiapo de esperança.
Tanta dedicação contrastava com o fato de já haver três anos que mãe e filha não se viam, apesar de morarem na mesma cidade. O reencontro se deu na UTI.
Aí começou a saraivada de estímulos. Nas visitas diárias ao hospital, Marilda fazia massagens no corpo da filha com remédios homeopáticos, levou cremes e perfumes com os cheiros que ela conhecia, colou fotos nas paredes com todas as fases de sua vida e a logomarca da sua empresa, falava muito ao seu ouvido, sempre chamando Silvia pelo nome.
Mesmo quando não estava lá, deixava fones de ouvido com gravações musicais e mensagens.
Escutava sons, mas não sabia o que significavam. Eu me lembro da voz da minha mãe me dando força. E de algumas frases soltas: "Não reage"; "não vai dar tempo".
Silvia Zamboni. Jornalista. Sobre o período em que esteve inconsciente.
Foram quase dois meses sem progressos visíveis. Chegaram a perguntar à mãe se não seria melhor "deixar a natureza seguir seu curso". Contudo, Silvia começou a dar os primeiros sinais de recuperação, próximo de completar o segundo mês em coma, com alguns movimentos involuntários dos membros e a capacidade de manter a respiração e a pressão por alguns momentos, sem o auxílio de aparelhos. O coma havia se tornado menos profundo.
Dois meses depois, a avaliação médica dizia que já não havia nada mais a fazer no hospital. A vida havia se confirmado, diziam, mas Silvia seria um bebê para sempre. Silvia estava absolutamente dependente e sem a menor consciência de quem era. Transferida para casa, ela foi atendida por outros profissionais da saúde como fonoaudióloga, enfermeiros e fisioterapeuta.
Começar de novo
Silvia foi reaprendendo tudo, através dos cuidados dispensados pela equipe que cuidava dela e pela mãe, desde as tarefas mais básicas: andar, pronunciar palavras e, o mais difícil, abrir a boca e engolir (os médicos estavam enganados, era mais difícil que um bebê). Após essa etapa, precisou reaprender a ler, escrever e até reconhecer a função dos objetos mais simples, como o telefone.
Foram meses passando por todas as fases de seu desenvolvimento. Teve até uma fase de birras para comer e de medos para dormir.
Eu estava exatamente como uma criança. Quando tiraram a sonda nasogástrica (pela qual ela era alimentada), passei a cheirar tudo, como um cachorro.
Silvia Zamboni
Ainda que não se lembrasse de nada de sua vida anterior ao acidente. Silvia passou a se interessar pelos assuntos que a motivavam e revelou os mesmos talentos de outrora.
Através da motivação materna, estudou piano, mesmo não se lembrando que havia aprendido a tocar na infância. E ainda quis cozinhar e vender tortas, da mesma forma como havia feito na adolescência. Simultaneamente, recuperava suas lembranças.
Atualmente, Silvia leva uma vida como outra pessoa qualquer. Mora sozinha, namora, estuda, faz suas compras. Apesar de seu cérebro carregar as cicatrizes das lesões. Apenas não voltou a trabalhar, ainda.
É uma prova da plasticidade cerebral, em que os neurônios que sobreviveram encontram novos caminhos para se comunicar.
Dr. Thales Schott. Médico intensivista que acompanhou a recuperação de Silvia.
Segundo Dr. Thales Schott, especialista em terapia intensiva que acompanhou a recuperação de Silvia, os cuidados de Marilda foram fundamentais. "Foi isso que resgatou a vida de Silvia", diz. Infelizmente a dedicada mãe faleceu após um AVC no ano passado.
Em 2007, Marilda Zamboni, por sugestão vinda da própria comunidade científica escreveu um livro, 'Depois do Silêncio', onde narra toda a trajetória de recuperação de Silvia.
Silvia hoje não tece planos para o futuro. "Ainda tenho muito o que recuperar."
Ela ainda tenta preencher vazios em sua memória: "Hoje sou mais seletiva".
Lembrar envolve um grande esforço mental, esforço esse que ela não faz para acontecimentos que lhe causem tristeza.
Fonte: Folha, Redactor Comunicação
Que fascinante história!
ResponderExcluirAdorei!
Simplesmente a história mais incrível da qual já tive conhecimento!!!
ResponderExcluirAlguém sabe como posso encontrar o livro? Na internet não tô conseguindo
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