Estudo genômico mostra 8 milhões de mutações inéditas encontradas no DNA do povo brasileiro e revela marcas da violência colonial. O Brasi...

A pesquisa, conduzida por 24 cientistas de 12 instituições diferentes, revelou um padrão genético que confirma o que os livros de história já contavam: a formação do povo brasileiro foi marcada pela violência sexual interracial durante o processo de colonização. 😔 Os dados mostram que a maioria das linhagens do cromossomo Y, herdado dos homens, é de origem europeia (71%), enquanto a maioria das linhagens mitocondriais, herdadas das mulheres, é africana (42%) ou indígena (35%). “Isso é resultado de um cruzamento que não é natural, reflexo da violência que indígenas e mulheres escravizadas sofreram. É o DNA confirmando aquilo que a história já contava. Uma cicatriz de violência do nosso país”, explica a pesquisadora Lygia Pereira, uma das autoras do estudo ².
A historiadora Maria Helena Machado, da USP, especialista em gênero e maternidade na escravidão, resume de forma contundente: “Nossa avó é indígena, nossa mãe é africana e nosso pai é, majoritariamente, europeu”. 👨👩👧 Ela explica que a mulher escravizada ou administrada, indígena ou africana, estava a serviço do escravizador, tornando corriqueiros os assédios e estupros em massa. As mulheres eram, assim, duplamente escravizadas: funcionavam como trabalhadoras e reprodutoras. “No corpo da mulher escravizada se deu a colonização”, afirma a historiadora ⁴.
O estudo também revelou que o processo de miscigenação se intensificou entre 1750 e 1785, com a corrida do ouro, que trouxe milhares de portugueses ao país em busca de riqueza. 💰 As primeiras misturas começaram nas regiões Nordeste e Sudeste, depois se expandiram para o Sul e, por último, para o Norte. Essa dinâmica demográfica reflete os ciclos econômicos e as políticas coloniais que moldaram o território brasileiro ².
Outro aspecto fascinante revelado pela pesquisa é a presença de combinações de genomas africanos não encontrados na África, porque só se misturaram no Brasil. 🌍 Pessoas que nunca se encontrariam em seus países de origem, por viverem em comunidades distantes, foram postas à força nos mesmos navios negreiros e agrupadas nos contextos de trabalho escravizado. A ideia era reunir pessoas de culturas diferentes, que nem falavam a mesma língua, para minimizar o risco de elas se organizarem contra seus “senhores”. O resultado é um amálgama genético único, que só se encontra em terras brasileiras. “É o país com mais ancestralidade africana fora da África”, afirma a geneticista Tábita Hünemeier ⁴.
Para além do aspecto histórico, a pesquisa tem implicações importantes para a saúde pública. 🏥 Entre as quase 9 milhões de novas variantes descritas, cerca de 36 mil aparentam ter efeitos nocivos e podem estar associadas a doenças como câncer, disfunções metabólicas ou doenças infecciosas. Essas descobertas podem levar ao desenvolvimento de testes genéticos mais precisos e tratamentos mais eficazes para a população brasileira, historicamente sub-representada nos bancos de dados genômicos mundiais ³.
A pesquisa também ajuda a derrubar o mito da democracia racial que compõe a identidade nacional brasileira. 🚫 Os dados genéticos mostram claramente que a miscigenação, de modo geral, não foi consentida, mas resultado de violência sistemática contra mulheres indígenas e africanas. As políticas coloniais portuguesas e do país independente foram sempre de estímulo à mestiçagem e ao branqueamento, como parte de um projeto "civilizatório" em que a população negra seria integrada à europeia ⁴.
O estudo publicado na Science destaca ainda que a colonização da América foi “o maior deslocamento populacional na história humana”. ✈️ No Brasil, foram cerca de 5 milhões de europeus e 5 milhões de africanos transplantados para a região até então povoada por cerca de 10 milhões de indígenas que falavam mais de mil idiomas. Esses povos foram dizimados, com um declínio populacional de 83% no interior do país e 98% no litoral. Apesar disso, fragmentos de seus genomas continuam presentes na população brasileira atual, como testemunhas silenciosas de sua existência ³.
Esta pesquisa representa um marco na compreensão da formação do povo brasileiro e suas implicações para a saúde pública. 🧪 Ao revelar as cicatrizes genéticas da violência colonial, ela nos convida a refletir sobre como nosso passado continua a moldar nosso presente e futuro. Como afirma a geneticista Kelly Nunes, uma das líderes do estudo: "Pela primeira vez uma pesquisa se debruça de forma tão detalhada para entender essa identidade e o que descobrimos é que a história do brasileiro está no seu DNA" ².
Referências
¹ BBC NEWS BRASIL. Genética: as 8 milhões de mutações inéditas encontradas no DNA do povo brasileiro. BBC News Brasil, 15 maio 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c4g9gp05m14o. Acesso em: 16 maio 2025.
² G1. Pesquisa analisa DNA do brasileiro e descobre que país tem a maior diversidade genética do mundo; veja na sua região. G1, 15 maio 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2025/05/15/pesquisa-analisa-dna-do-brasileiro-e-descobre-que-pais-tem-a-maior-diversidade-genetica-do-mundo-veja-na-sua-regiao.ghtml. Acesso em: 16 maio 2025.
³ NUNES, K. et al. Admixture's impact on Brazilian population evolution and health. Science, v. 388, n. 6748, 15 maio 2025. Disponível em: https://www.science.org/doi/10.1126/science.adl3564. Acesso em: 16 maio 2025.
⁴ REVISTA PESQUISA FAPESP. DNA revela um retrato mais detalhado da população brasileira. Revista Pesquisa Fapesp, maio 2025. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/dna-revela-um-retrato-mais-detalhado-da-populacao-brasileira/. Acesso em: 16 maio 2025.
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