Aplicativo online exibe mapa com indicações de postos de vacinação onde tem vacina e qual é o tipo diponível. Cuidado, o texto a seguir tem ...
Aplicativo online exibe mapa com indicações de postos de vacinação onde tem vacina e qual é o tipo diponível. Cuidado, o texto a seguir tem mais informação do você pode esperar.
Somellier de vacina é o indivíduo que só quer se vacinar se for com um tipo específico de vacina. Ao lado dos negacionistas – os que negam a eficácia da vacina, a ineficácia de remédios ineficazes ou a gravidade da doença –, dos panvacinados – aqueles que tomam a primeira dose de um tipo e a segunda dose de outro, por ignorância, desorganização ou qualquer outro motivo –, vacinófilos – aqueles que se alguém falar perto deles "é dose!" já vão arregaçando a manga e tirando selfie – e dos fura-filas – geralmente autoridades e endinheirados que já pagaram propina para tomar até soro fisiológico, tentando burlar o calendário de vacinação e, quando flagrados, alegam que você faria o mesmo no lugar deles – são novas personagens que surgiram no panorama das caricaturas brasileiras geradas pela desinformação, informação em excesso e conspiração teórica, no contexto pandêmico.
Todas elas tem um humor vital que as sustentam: o medo. Medo da morte, da vida passar e não aproveitar, de perder o amor de sua vida, de perder o ano, de ter que fechar a empresa, de voltar para a escola, do novo decreto, do fim do teletrabalho, de ficar velho, ficar só, de ser feito de trouxa, de ser manipulado, medo de ser passado para trás, deixado para trás, virar jacaré, falar fino, ser um tosco, medo de agulha, medo de doer, do enterro sem velório, ser entubado sem ar, de não ter UTI, de se infectar no plantão, do que os outros vão pensar, do futuro. Medo, medo, medo.
Medo de perder a mãe, da avó virar uma estrelinha e não te ver do céu por causa do telhado, de levar a doença para o pai, medo de ficar órfão e o padrasto abusar, do abuso de poder, do gay assumir, da vida negra não importar, medo dos motoqueiros fanáticos, dos evangélicos armados, de ficar pobre, de perder o olfato, dos milicianos, do genocídio, de não saber o que é genocídio, do entregador de comida, do Uber, do avião, do hotel, de ir ao mercado, de ir ao hospital e não voltar.
Do álcool em gel acabar, da máscara não funcionar, da variante, do Átila, da Globo, dos robôs, do comunismo, do fascismo, do Lázaro, do Doria, do Moro, do PT, da CPI, do Huck não concorrer, do Ciro não se segurar, da Copa América, de não aguentar a pressão, de perder o emprego, da democracia ser hackeada, do hacker te hackear, do stalker encasquetar, do golpe, do boleto, do golpe do boleto, de sair do país, da logística do general, da lógica do capitão, do cartel dos laboratórios, da opinião do especialista, do hairdo da japonesa, da pergunta do senador, do parlamentar mimado, da granado no bolso, do auxílio acabar, do médico cubano voltar, do médico cubano ir embora.
De não conseguir pagar a facú, de formar e não trabalhar, de não ter ENEM, de não conseguir passar, de passar um ano se cuidando e morrer na praia, de ser o único a sobreviver, de enlouquecer, da falta do IFA, do analgésico, do anestésico, da dor, do desligar do ventilador.
De não conseguir pagar o enterro, de não deixar um legado, do ajuste de contas do outro lado, do governo cair, do diplomata insultar, da China não enviar, do ministro permanecer, dos idiotas sem medo, e, por fim, do medo até de parar de temer.
Com toda essa desalienação em tela e objetivando "ajudar o Brasil na luta contra a COVID-19" na crença que, com inovação e tecnologia, muito pode ser feito em prol da sociedade, analisando e democratizando os dados públicos disponíveis, o aplicativo "Onde tem vacina" dispõe de um painel que mapeia os locais de vacinação, a disponibilidade e o tipo de vacina disponível nos postos das milhares de localidades espalhadas pelo país, municiado de dados oficiais e informações recolhidas dos próprios usuários (talvez até mesmo os negacionistas vão gostar de saber que muitos locais de vacinação NÃO possuem os imunizantes, vá saber...).
"Pera lá!", você diria, esse post não era para falar desse app? Porque ficou falando de medo e opinando sobre outras mazelas?
Não tema, pois ambos são temas desse primeiro post 2 em 1 que formalmente reconhece ser isso. Assim você ganha tempo se informando pragmaticamente sobre uma solução tecnológica enquanto aproveita para um reflexão sobre como chegamos aqui. Afinal, se você fosse um millenial é provável que já tenha clicado no link do aplicativo há muito tempo. Assim, você certamente só estaria mais interessado se desejasse ir pouco além da superfície e foi pensando em você, que não teme ser cringe, que esse post foi além daquele objetivismo primitivo.
Concluindo, é com destemor que rasguei as regras da objetividade e linearidade da coerência intertextual e intratextual para oportunizar a você essa peça de digressão estilística, jornalística e literária.
Temi, sim, eu temi. Temi aborrecê-lo e ao seu conectoma com um textão que não atendesse às suas meras expectativas imediatas. Mas em uma sociedade líquida de realidade mutante é o que você deveria de fato esperar ao dobrar a esquina de cada clique. Afinal, dos tipos humanos que descrevi, apenas os negacionistas provavelmente não se interessariam pelo título dessa matéria. E esses seriam justamente os que mais crucificariam esse humilde subversor da ordem lógica. Aos demais, desejo que o momento de contemplação mental seja proveitoso, que o app seja útil, muita saúde e muita coragem para atravessar esses tempos medonhos.
Para experimentar o aplicativo online acesse:
Fonte: Onde tem vacina
Visto no Brasil Acadêmico
Visto no Brasil Acadêmico
Comentários