Passava eu nesse dia por uma via tortuosa, estreita, carcomida pelo tempo, o sol e, talvez, as chuvas. Mais que um trieiro, pouco mais que u...
Passava eu nesse dia por uma via tortuosa, estreita, carcomida pelo tempo, o sol e, talvez, as chuvas. Mais que um trieiro, pouco mais que um caminho, mas longe, muito longe de ser uma estrada por onde algum veículo pudesse passar; talvez uma carroça puxada por um cavalo acostumado com as irregularidades conseguisse por ela trafegar vagarosamente, escolhendo caminhos e ainda assim, com dificuldades e solavancos. Mais um belo texto do cronista poético e livre pensador Rilmar Gomes.
Passava eu nesse dia por uma via tortuosa, estreita, carcomida pelo tempo, o sol e, talvez, as chuvas. Mais que um trieiro, pouco mais que um caminho, mas longe, muito longe de ser uma estrada por onde algum veículo pudesse passar; talvez uma carroça puxada por um cavalo acostumado com as irregularidades conseguisse por ela trafegar vagarosamente, escolhendo caminhos e ainda assim, com dificuldades e solavancos.
A tarde ia pelo meio. O sol escaldava impiedoso, mas desenhava sombras ocasionais dos arbustos que aqui e ali ladeavam a estradinha, ou ficavam uns tantos metros distantes de suas bordas.
A sede e o calor me acossavam. O cansaço não era tanto. Tinha alguma pressa, mas sabia que caminharia ainda a tarde toda e só quase ao cair da noite chegaria ao meu destino. Meu abrigo, meu lar humilde e aconchegante.
No silêncio daquela solidão fui percebendo lentamente um longínquo e agradável som. Um choro, um chororó, um barulhinho de água caindo, mas tão sutil, tão leve, tão belo e oportuno que temi ser uma ilusão.
Parei e me sentei à sobra rala de uma lobeira que projetava sua silhueta sobre a via por onde eu caminhava.
Com um galhinho de uma pitangueira que crescia ali por perto, varri o chão ao meu redor tentando afastar algumas formigas e outros insetos rasteiros que também disputavam a tênue e preciosa sombra.
Após um breve descanso, apurando bem os ouvidos fazendo uma concha com a mão delineei o rumo e o provável local de onde vinha aquela música da natureza que soava como um sutil lamento, como um canto convidando à vida.
Seria uma nascente? Uma pequena mina até então desconhecida para mim? Talvez fosse apenas uma ilusão que acabaria por prolongar meu tempo de jornada.
Andei por entre arbustos e ervas rasteiras, sem caminhos, em direção àquela música, ao som que não só me animava, como também me encantava pelo seu próprio timbre e sonoridade.
Com algum tempo de caminhada cheguei a um conjunto de grandes e sólidas pedras, uns restos de montanhas talvez.
O som era mais nítido ali. Busquei, busquei e cheguei a uma enorme pedra ferro, pedra que se batermos um objeto metálico contra ela produzimos faísca de fogo sem que a pedra dê qualquer sinal de corrosão.
Ali, bem ao pé da pedra, como se fosse um milagre; mais como um esguicho que um jorro, brotava a mais límpida água da natureza: água de rocha. Escorria uma fina camada líquida que se juntava em um pocinho minúsculo de fundo arenoso e, logo acima da lâmina de água projetava-se como obra de Deus, um perene filete de água, tão límpido e brilhante que encantava os nossos olhos antes de o percebermos como sendo capaz de aplacar-nos a sede.
Projetava-se, percorria o espaço de um a um e meio palmo, ia um pouco para cima, em seguida se curvava, perdia um pouco a forma de fio e caia sobre o pocinho formado pela lâmina d’água que deslizava pela pedra e se empoçava á espera dele.
Dessa queda, desse choque contra a poça d’água, nascia o som que era música, lamento e choro a um só tempo, a pedra mãe e mais duas ou três pedras em redor, se posicionavam de forma tal que ampliavam o som de modo a ser ouvido de muito longe.
Um canto irresistível.
Ao redor, como um pequeno oásis, a vegetação exuberava exalando vida em seu verde, em flores de modestos lírios, mas de porte rasteiro, talvez para não atrair muito as atenções.
Detive-me por breve instante a admirar. Depois curvei-me e colhendo aquele jorro que contrastava com a rudeza de minhas mãos em concha, sorvi daquela água fresca, límpida e pura. Saciada a sede, refrescada a alma, ainda me detive encantado com aquele milagre de limpidez e de sonoridade. Cerrava os olhos para ouvir melhor em seguida procurava olhar de vários ângulos para fixar na mente a beleza tanta daquele minúsculo e perene milagre capaz de enlevar as almas. Almas de todos os matizes.
Afastei-me, a princípio lentamente, mas logo retomei a marcha, passei pela lobeira cuja sombra agora já se esgueirava mais longamente em direção ao meu caminho.
Não conseguiria chegar antes do pôr do sol, mas tinha o que contar e detalhar quando chegasse em casa.
Aí, bateu uma saudade forte e então apressei o passo me afastando dali.
12/06/2020 - rilmar
Passava eu nesse dia por uma via tortuosa, estreita, carcomida pelo tempo, o sol e, talvez, as chuvas. Mais que um trieiro, pouco mais que um caminho, mas longe, muito longe de ser uma estrada por onde algum veículo pudesse passar; talvez uma carroça puxada por um cavalo acostumado com as irregularidades conseguisse por ela trafegar vagarosamente, escolhendo caminhos e ainda assim, com dificuldades e solavancos.
A tarde ia pelo meio. O sol escaldava impiedoso, mas desenhava sombras ocasionais dos arbustos que aqui e ali ladeavam a estradinha, ou ficavam uns tantos metros distantes de suas bordas.
A sede e o calor me acossavam. O cansaço não era tanto. Tinha alguma pressa, mas sabia que caminharia ainda a tarde toda e só quase ao cair da noite chegaria ao meu destino. Meu abrigo, meu lar humilde e aconchegante.
No silêncio daquela solidão fui percebendo lentamente um longínquo e agradável som. Um choro, um chororó, um barulhinho de água caindo, mas tão sutil, tão leve, tão belo e oportuno que temi ser uma ilusão.
Parei e me sentei à sobra rala de uma lobeira que projetava sua silhueta sobre a via por onde eu caminhava.
Com um galhinho de uma pitangueira que crescia ali por perto, varri o chão ao meu redor tentando afastar algumas formigas e outros insetos rasteiros que também disputavam a tênue e preciosa sombra.
Após um breve descanso, apurando bem os ouvidos fazendo uma concha com a mão delineei o rumo e o provável local de onde vinha aquela música da natureza que soava como um sutil lamento, como um canto convidando à vida.
Seria uma nascente? Uma pequena mina até então desconhecida para mim? Talvez fosse apenas uma ilusão que acabaria por prolongar meu tempo de jornada.
Andei por entre arbustos e ervas rasteiras, sem caminhos, em direção àquela música, ao som que não só me animava, como também me encantava pelo seu próprio timbre e sonoridade.
Com algum tempo de caminhada cheguei a um conjunto de grandes e sólidas pedras, uns restos de montanhas talvez.
O som era mais nítido ali. Busquei, busquei e cheguei a uma enorme pedra ferro, pedra que se batermos um objeto metálico contra ela produzimos faísca de fogo sem que a pedra dê qualquer sinal de corrosão.
Ali, bem ao pé da pedra, como se fosse um milagre; mais como um esguicho que um jorro, brotava a mais límpida água da natureza: água de rocha. Escorria uma fina camada líquida que se juntava em um pocinho minúsculo de fundo arenoso e, logo acima da lâmina de água projetava-se como obra de Deus, um perene filete de água, tão límpido e brilhante que encantava os nossos olhos antes de o percebermos como sendo capaz de aplacar-nos a sede.
Projetava-se, percorria o espaço de um a um e meio palmo, ia um pouco para cima, em seguida se curvava, perdia um pouco a forma de fio e caia sobre o pocinho formado pela lâmina d’água que deslizava pela pedra e se empoçava á espera dele.
Dessa queda, desse choque contra a poça d’água, nascia o som que era música, lamento e choro a um só tempo, a pedra mãe e mais duas ou três pedras em redor, se posicionavam de forma tal que ampliavam o som de modo a ser ouvido de muito longe.
Um canto irresistível.
Ao redor, como um pequeno oásis, a vegetação exuberava exalando vida em seu verde, em flores de modestos lírios, mas de porte rasteiro, talvez para não atrair muito as atenções.
Detive-me por breve instante a admirar. Depois curvei-me e colhendo aquele jorro que contrastava com a rudeza de minhas mãos em concha, sorvi daquela água fresca, límpida e pura. Saciada a sede, refrescada a alma, ainda me detive encantado com aquele milagre de limpidez e de sonoridade. Cerrava os olhos para ouvir melhor em seguida procurava olhar de vários ângulos para fixar na mente a beleza tanta daquele minúsculo e perene milagre capaz de enlevar as almas. Almas de todos os matizes.
Afastei-me, a princípio lentamente, mas logo retomei a marcha, passei pela lobeira cuja sombra agora já se esgueirava mais longamente em direção ao meu caminho.
Não conseguiria chegar antes do pôr do sol, mas tinha o que contar e detalhar quando chegasse em casa.
Aí, bateu uma saudade forte e então apressei o passo me afastando dali.
12/06/2020 - rilmar
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