Sem o SUS é a barbárie

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Com a saúde não se brinca. Mostrar o SUS apenas como um amontoado de gente a espera de atendimento é uma forma quase irresponsável de retrat...

Com a saúde não se brinca. Mostrar o SUS apenas como um amontoado de gente a espera de atendimento é uma forma quase irresponsável de retratá-lo. É um dever cívico de todo brasileiro defendê-lo (e brigar por melhorá-lo). Saiba o porquê.

Sim. Não sou da área da saúde para falar do Sistema Único de Saúde. Sou apenas um mestre em administração recém formado, blogueiro e cidadão brasiliero. Mas com vários amigos médicos e pacientes que defendem, usaram ou que trabalharam no SUS. Aliás, seu idealizador, o ex-ministro José Serra, também não era médico.

Todavia, trago aqui em destaque a entrevista do médico oncologista Dr. Drauzio Varella para qualificar essa defesa. Mas antes quero falar de uma experiência que tive com um outro sistema de saúde bem melhor afamado, o NHS (Sistema Nacional de Saúde) inglês do qual tive oportunidade de tirar um "instantâneo" há alguns anos.



Estava eu estudando em um curso rápido de inglês em Londres, desses do tipo imersão para estrangeiros, quando, ao regressar da aula, vi de soslaio na calçada uma moça parada, que me pareceu surtada, com o braço ensanguentado enquanto todos pareciam passar para lá e para cá apressados, encapotados e indiferentes. Para resumir, perguntei se ela queria que eu chamasse ajuda. Por sorte estávamos em frente a uma garagem de ambulâncias do NHS. Toquei várias vezes na campainha, sem resposta. Liguei para a emergência e atendeu alguém que começou a me fazer várias perguntas sobre a pessoa a ser atendida (se parecia usar drogas, se eu me sentia seguro perto dela, etc). Por fim, eu o convenci que urgia mandar uma viatura.

Porém, talvez pelo causa do meu sotaque, ele não estava entendendo o endereço de onde eu estava falando – por alguma razão, eu achei que só de dizer que estava em uma garagem de ambulâncias do NHS em Kenton, um distrito londrino, já seria mais que suficiente.

O atendente então perguntou qual era meu país de origem e me passou para uma atendente que falava PORTUGUÊS DO BRASIL. 

Não sei se falar com estrangeiros lusófonos era a função principal da outra atendente brasileira (eu perguntei sua nacionalidade). Mas me passou uma ÓTIMA impressão do sistema NHS. Depois eu digo como acabou essa história. Vamos ver outra faceta do sistema.

Tenho uma amiga brasileira que atualmente é cidadã britânica que veio dar a luz a seu filho no Brasil, mesmo morando na Inglaterra, pois o NHS praticamente não autorizava cesarianas, só parto normal, a não ser em caso especiais.

Ainda que o Reino Unido tenha um índice de cesarianas considerado alto para os padrões europeus, são 27,8% contra os 15% recomendados pela OMS.

Mas como não era o desejo dessa amiga se submeter às intempéries do parto natural, acostumada com esse hábito das parturientes nacionais – aqui, mais da metade (55%) dos partos são cirúrgicos, 40% dos partos realizados pelo SUS são cesarianas chegando 84% na rede privada –, ela preferiu fazer essa espécie de turismo de saúde (esse artigo, discute sobre a diferença entre natural X cesariana). Corta de volta para o NHS.
No seu lançamento, em 1948, o NHS possuía três princípios fundamentais: atender às necessidades de todos, ser gratuito no ponto de atendimento e basear-se na necessidade clínica, não na capacidade de pagamento. 
E por ser praticamente gratuito – ainda que existam as chamadas taxas de prescrição, embora com várias isenções – também passa por constante dificuldade de financiamento. Muito embora seus recursos sejam muito mais bem geridos do que por aqui, não é essa “festa” que é no Brasil. Para se ter um exemplo, aqui, se a paciente bater o pé que quer cesariana – não estamos fazendo qualquer juízo de valores morais, apenas financeiros, já que também é uma forma bem mais cara (do ponto de vista do sistema de saúde como um todo, ainda que tenha muitos fatores a serem considerados nessa conta) – logo arrumará um médico, que muitas vezes gosta desse tipo de parto já que terá muito mais controle da situação caso surja uma complicação, que vai indicar essa forma.

Estou falando do NHS pois esse sistema é apontado como um modelo de eficiência de primeiro mundo em saúde pública. Afinal, embora o NHS seja referência a muitos outros países, há um apelo constante de alguns que defendem a privatização do SUS em dizer que ele não será eficiente enquanto for estatal. O NHS possui ainda uma enorme capacidade de pressionar o preço dos medicamentos para baixo, devido ao seu poder de grande comprador. Aqui o mesmo José Serra conseguiu emplacar a ideia do medicamento genérico. O que derrubou o preço dos remédios baseados no mesmo princípio ativo de um mais caro de marca, aumentando a concorrência e as opções dos pacientes.

No período anterior à constituição de 1988, o sistema público de saúde prestava assistência apenas aos trabalhadores vinculados à Previdência Social, aproximadamente 30 milhões de pessoas com acesso aos serviços hospitalares, cabendo o atendimento aos demais cidadãos às entidades filantrópicas.

E o que aconteceu com a garota que precisava de atendimento de urgência? Enquanto tentava me explicar ao telefone, uma paramédica que estava de plantão – era uma noite fria na capital inglesa – na tal garagem de ambulâncias finalmente abriu a porta. Explicou que ali não era local de atendimento mas acabou pegando meu celular e terminando de se entender com a atendente do NHS e por fim, acolheu a moça. Depois de pegar meus dados de contato para uma eventual futura consulta, me liberou e continuou o atendimento – espero que a garota tenha ficado bem. Se você quiser saber mais sobre uma comparação entre sistemas de saúde, recomendo o documentário Sicko - SOS Saúde, do premiado diretor Michael Moore. Embora ele seja de uma época pré-Obamacare. Essa é a ideia de um sistema público que funciona bem, e que pude presenciar um pouco da sua eficiência, embora o nosso também tenha suas vantagens, especialmente para os mais necessitados, como veremos adiante. A seguir, a defesa do SUS pelo doutor Drauzio Varela (com transcrição abaixo):



Um sanitarista muito respeitado, Gonzalo Vecina, que diz assim:


“Ou o SUS ou a barbárie”.

E ele tem razão. O que é o SUS. Os brasileiros não sabem o que é o SUS. Quando a Inglaterra sediou os jogos olímpicos, eles colocaram NHS no meio do campo ali, não é. Que é o sistema nacional de saúde deles, que eles têm um orgulho grande e com razão.

Nós tínhamos que ter colocado SUS [na abertura dos nossos jogos olímpicos] porque o sistema de saúde deles, um país rico, alto nível educacional, com boas condições de organização geral, até eu organizo o sistema de saúde.

Quero ver aqui, 210 milhões de pessoas, tremenda desigualdade social, desigualdade geográfica até, um país continental, você oferecer saúde gratuita para todo mundo... E a população pensa o quê. A população fala:


“O SUS é uma vergonha. O SUS, você olha lá, o pronto-socorro, as pessoas jogadas no chão, o outro na maca reclamando que não atende e tal”.

Vai para aquela fila do pronto-socorro ali, se você encontrar 10% daquelas pessoas que precisam realmente estar naquele lugar, é muito.

Por quê? Porque o resto não funciona, o sistema não funcionou lá atrás. Não funcionou o Estratégia da Família, não funcionou a Unidade Básica de Saúde. não funcionou a UPA do local, e aí ele está com dor de garganta, ele chega, marcam consulta para daí a 5 dias, ele vai para a porta do pronto-socorro. Mas na verdade, olha, até 1988, quando surgiu o SUS... eu pratiquei medicina antes e depois. Então vou dizer como era a medicina ali:


As pessoas que tinham carteira profissional assinada, tinham direito ao antigo INPS, Instituto Nacional da Previdência Social. Os outros não tinham direito a nada.

Os outros... vinha carimbado no prontuário: “Indigente”. Isso significava que todos que não tinham carteira assinada, e trabalhavam nas cidades, toda a população brasileira do campo, e não era a população de hoje, era a população daquele tempo, ninguém tinha direito a absolutamente nada. Aí, em 1988, um bando de visionários falou:

“Não, nós vamos oferecer saúde gratuita para todos”.

Aí o pessoal fala:

“Mas eles não disseram de onde vinha o dinheiro”.

Lógico que não podiam dizer, não tinha o dinheiro. Eles primeiro criaram o SUS e depois começou a briga para financiar o SUS. Essa é a história.


Quero terminar esse post pinçando outro caso que presenciei. Uma parente estadunidense veio nos visitar no Brasil, recentemente, e teve um problema bem sério de saúde. Uma médica aposentada amiga dela que prestou um atendimento inicial, em casa, garantiu que só conseguiríamos atendimento para o problema dela àquela horas, mais de 22h, no Hospital de Base de Brasília (pelo SUS, é claro). Eu confirmei isso ligando para alguns dos grandes hospitais da capital federal – ninguém tinha emergência pronta para sua necessidade. Então tocamos para o Hospital de Base.

Chegando lá, vimos pedintes sendo expulsos da porta com uma certa violência pela equipe de segurança do hospital. Vimos paredes descascadas, um paciente sendo alimentado pelo nariz em uma cama no que seria um corredor onde esperávamos (estávamos revesando o acompanhamento do atendimento) sem muito conforto – quando comparado com hospitais particulares.

Resumindo, após algumas horas de espera, uma linda e jovem médica muito bem vestida e produzida – talvez uma plantonista fazendo residência –, destoando completamente do resto do cenário geral veio com o resultado da tomografia computadorizada, não havia nenhum problema fisiológico. Deu algumas orientações e receitou algum medicamento. Um primo estadunidense disse que:

Nos EUA não teriam um atendimento e um exame como aquele sem ter plano de saúde.

Ainda mais para estrangeiro, né primo? Isso me deu a certeza de que não tratamos nosso SUS com o respeito que ele merece. Talvez falte organização. Talvez falte gestão. Talvez falte recursos financeiros. Talvez há até quem interesse em desacreditá-lo por interesses de poderosos lobbies de empresas privadas. Mas estou do lado daqueles que apostam em um sistema universal que atenda a todos os brasileiros de forma digna e que acredita que isso seja possível. Basta investir mais esforços nesse sistema que já está montado. E você?

A seguir, a entrevista completa do Dr. Drauzio ao Roda Viva.



Fonte: Roda Viva, Wikipedia, G1, Ministério da Saúde
[Visto no Brasil Acadêmico]

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Sem o SUS é a barbárie
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