Em uma palestra imperdível em 2019, a premiada jornalista Carole Cadwalladr mergulha em um dos acontecimentos mais desconcertantes dos últim...
Em uma palestra imperdível em 2019, a premiada jornalista Carole Cadwalladr mergulha em um dos acontecimentos mais desconcertantes dos últimos tempos: a votação de 2016 para a saída do Reino Unido da União Europeia. Do acompanhamento do resultado até uma enxurrada de anúncios enganosos no Facebook direcionados a eleitores vulneráveis do Brexit - e com a associação desses mesmos participantes e táticas à eleição presidencial dos EUA em 2016 - Cadwalladr acusa os "deuses do Vale do Silício" de estarem do lado errado da história e pergunta: "As eleições livres e justas são uma coisa do passado?"
No dia seguinte à votação do Brexit, em junho de 2016, quando a Grã-Bretanha acordou em choque ao descobrir que deixaríamos a União Europeia, o editor do Observer, jornal para o qual trabalho no Reino Unido, pediu que eu voltasse a Gales do Sul, onde cresci, para escrever uma reportagem. Fui então a uma cidade chamada Ebbw Vale.
Aqui está ela. Fica nos Vales de Gales do Sul, um lugar muito especial. Tem uma espécie de cultura de classe trabalhadora muito rica e é famosa por seus coros galeses masculinos, rúgbi e carvão. Mas, quando eu era adolescente, as minas de carvão e as siderúrgicas fecharam, e toda a área foi devastada.
Ao chegar lá, fiquei um pouco desconcertada, porque, na última vez que fui a Ebbw Vale, era assim. E agora, está assim. Esta é uma nova faculdade de ensino complementar de 33 milhões de libras, financiada em grande parte pela União Europeia. Este é o novo centro esportivo, no meio de um projeto de recuperação de 350 milhões de libras, financiado pela União Europeia. Este é o novo projeto de melhoria de estradas de 77 milhões de libras, e há uma nova linha de trem e uma nova estação, todas financiadas pela União Europeia. Nada disso é exatamente um segredo, porque há placas grandes como esta em todo lugar.
[Financiado pela UE: Investimento no País de Gales]
(Risos)
Tive uma sensação estranha de irrealidade ao andar pela cidade, que piorou quando encontrei um jovem, na frente do centro esportivo. Ele me disse que havia votado para sair, porque a União Europeia não havia feito nada por ele.
Ele estava farto disso. Por toda a cidade, as pessoas me diziam a mesma coisa: queriam retomar o controle, que era um dos slogans da campanha.
O que era estranho pois, andando por lá, não encontrei imigrantes nem refugiados. Conheci uma polonesa que me disse ser praticamente a única estrangeira da cidade. Quando verifiquei os números, descobri que Ebbw Vale tem realmente um dos índices mais baixos de imigração no país. Fiquei um pouco perplexa, porque não conseguia entender de onde obtinham essas informações. Os tabloides de direita imprimiam as histórias sobre a imigração, e essa é uma posição defendida pela esquerda trabalhista.
Ela disse que eram coisas assustadoras sobre a imigração, especialmente sobre a Turquia. Tentei encontrá-las, mas não havia nada lá, porque não há arquivo de anúncios que as pessoas tenham visto ou que tenham sido publicados na página delas do Facebook.
O referendo terá uma consequência profunda e eterna na Grã-Bretanha, que aliás já teve: as montadoras japonesas, que vieram à região para substituir os empregos na mineração, já estão indo embora por causa do Brexit.
É impossível pesquisar qualquer coisa. Não temos ideia de quem viu quais anúncios, qual foi o impacto deles, ou quais dados foram usados para escolher o público-alvo. Nem mesmo quem colocou os anúncios, quanto dinheiro foi gasto, nem de qual nacionalidade eram.
Mas o Facebook sabe. Eles têm as respostas e se recusaram a fornecê-las a nós. Nosso parlamento pediu a Mark Zuckerberg várias vezes para vir à Grã-Bretanha e nos dar essas respostas. Todas as vezes ele recusou. Temos que nos perguntar o motivo. Porque eu e outros jornalistas descobrimos que vários crimes aconteceram durante o referendo e ocorreram no Facebook.
Na Grã-Bretanha, limitamos a quantia de dinheiro que pode ser gasta em uma eleição porque, no século 19, as pessoas andavam, literalmente, com carrinhos de mão cheios de dinheiro para a compra de votos. Então, aprovamos leis rígidas para impedir que isso aconteça. Mas essas leis não funcionam mais. Esse referendo ocorreu quase inteiramente on-line. Pode-se gastar qualquer quantia em dinheiro nos anúncios no Facebook, Google ou YouTube, e ninguém saberá, porque são caixas pretas. E foi isso o que aconteceu.
Na verdade, não temos ideia da extensão total disso. Mas sabemos que, nos últimos dias antes da votação do Brexit, a campanha para “sair” fez a lavagem de dinheiro de quase 750 mil libras por meio de outra entidade de campanha que nossa comissão eleitoral considerou ilegal, e foi encaminhada à polícia.
Com esse dinheiro ilegal, a campanha para o voto “sair” liberou uma enxurrada de informações falsas.
Não há sequer discussões sobre a adesão deles à União Europeia. A maioria de nós nunca viu esses anúncios, porque não éramos o alvo deles.
Talvez vocês pensem: “Foram apenas alguns gastos excessivos e algumas mentiras”. Mas essa foi a maior fraude eleitoral na Grã-Bretanha em 100 anos, em uma votação única para uma geração, que dependia apenas de 1% do eleitorado. Esse foi apenas um dos crimes ocorridos no referendo.
Havia outro grupo, liderado por este homem, Nigel Farage, à direita de Trump. O grupo dele, “Leave.EU”, também violou a lei. Violou as leis eleitorais britânicas e as leis de dados britânicas, e também está sendo encaminhado à polícia. Este homem, Arron Banks, financiou essa campanha. Em um caso totalmente separado, ele está sendo encaminhado à National Crime Agency, nosso equivalente ao FBI, porque a comissão eleitoral concluiu que não se sabe a origem do dinheiro dele ou, até mesmo, se era britânico.
Nem vou falar das mentiras que Arron Banks contou sobre a relação secreta dele com o governo russo ou das reuniões estranhas entre Nigel Farage, Julian Assange e o amigo de Trump, Roger Stone, agora indiciado, imediatamente antes de dois vazamentos enormes do WikiLeaks, ambos para beneficiar Donald Trump. Mas vou lhes dizer que Brexit e Trump estavam intimamente relacionados. Esse homem me disse que o Brexit serviu como uma experiência para Trump. Sabemos que são as mesmas pessoas e empresas, os mesmos dados, as mesmas técnicas, o mesmo uso de ódio e medo.
Publicaram isto no Facebook. Nem quero chamar isso de mentira, [Imigração sem assimilação é invasão] porque parece mais um crime de ódio para mim.
Sabemos que há uma onda sombria que nos conecta de modo global e se propaga por meio das plataformas de tecnologia. Mas vemos apenas uma pequena parte do que se passa na superfície.
Só descobri alguma coisa a respeito porque comecei a investigar a relação entre Trump e Farage dentro de uma empresa chamada Cambridge Analytica. Passei meses à procura de um ex-funcionário, Christopher Wiley. Ele me contou como essa empresa, que trabalhava para Trump e o Brexit, havia traçado um perfil político das pessoas para entender os medos individuais delas e melhor direcioná-las a anúncios no Facebook.
Isso foi feito por meio da coleta ilícita de dados dos perfis de 87 milhões de usuários do Facebook. Foi preciso um ano inteiro de trabalho para conseguir falar com Christopher. Tive que passar de redatora a repórter investigativa para fazer isso. Ele foi bastante corajoso, porque a empresa pertence a Robert Mercer, o bilionário que financiou Trump, e ele ameaçou nos processar várias vezes, para impedir a publicação.
Mas finalmente chegamos lá, faltando um dia para a publicação. Recebemos outra ameaça legal, não da Cambridge Analytica dessa vez, mas do Facebook. Nos disseram que se publicássemos, eles iriam nos processar. Publicamos mesmo assim.
(Aplausos)
O Facebook estava do lado errado da história naquilo e está do lado errado nisso, recusando-se a nos dar as respostas de que precisamos. É por isso que estou aqui: para me dirigir diretamente a vocês, os deuses do Vale do Silício:
(Aplausos)
Mark Zuckerberg,
(Aplausos)
Sheryl Sandberg, Larry Page, Sergey Brin, Jack Dorsey, seus funcionários e investidores também, porque, há 100 anos, o maior perigo das minas de carvão de Gales do Sul era o gás, silencioso, mortal e invisível. Por isso, mandaram primeiro os canários para verificar o ar. Nesse experimento on-line enorme e global que estamos vivendo, nós, na Grã-Bretanha, somos os canários. Somos o que acontece com uma democracia ocidental quando 100 anos de leis eleitorais são perturbados pela tecnologia.
Nossa democracia está falida, nossas leis não funcionam mais. Não sou eu que estou dizendo isso, é o nosso parlamento, que publicou um relatório dizendo isso.
Não basta dizer que farão melhor no futuro, porque, para termos alguma esperança de impedir que isso aconteça novamente, temos que saber a verdade.
Talvez vocês pensem: “Foram apenas alguns anúncios, e as pessoas são mais inteligentes do que isso, não é?” Ao que eu responderia: “Só vocês acham isso”. Porque a votação do Brexit mostra que a democracia liberal está falida. Vocês acabaram com ela.
(Aplausos)
Nosso parlamento foi o primeiro do mundo a tentar responsabilizá-los, mas fracassou. Vocês estão literalmente fora do alcance da lei britânica, não apenas dela. Há nove parlamentos, nove países representados aqui, aos quais Mark Zuckerberg se recusou a falar e fornecer provas.
Vocês parecem não entender que isso é maior do que vocês. É maior do que qualquer um de nós. Não se trata de esquerda ou direita, “sair” ou “ficar”, Trump ou não. Trata-se de se é, na verdade, possível voltarmos a ter eleições livres e justas, pois, como está, não acredito que seja.
Então, minha pergunta para vocês é: “É isso o que vocês querem? É assim que querem ser lembrados pela história: como subordinados do autoritarismo que está em ascensão em todo o mundo? Vocês começaram a conectar pessoas e estão se recusando a reconhecer que essa mesma tecnologia está agora nos afastando.”
Minha pergunta para todos os demais é: “É isso o que queremos? Deixar que eles saiam impunes e voltemos a brincar com nosso celular, enquanto caímos na obscuridade?”
A história dos Vales de Gales do Sul é de uma luta por direitos. Isso não é um treinamento, é um ponto de inflexão. A democracia não está garantida, nem é inevitável. Temos que lutar e vencer. Não podemos deixar que essas empresas de tecnologia tenham poder irrestrito. Cabe a nós: você, eu e todos nós. Somos nós que temos que retomar o controle.
(Aplausos) (Vivas)
Saiba bem mais:
Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]
No dia seguinte à votação do Brexit, em junho de 2016, quando a Grã-Bretanha acordou em choque ao descobrir que deixaríamos a União Europeia, o editor do Observer, jornal para o qual trabalho no Reino Unido, pediu que eu voltasse a Gales do Sul, onde cresci, para escrever uma reportagem. Fui então a uma cidade chamada Ebbw Vale.
Aqui está ela. Fica nos Vales de Gales do Sul, um lugar muito especial. Tem uma espécie de cultura de classe trabalhadora muito rica e é famosa por seus coros galeses masculinos, rúgbi e carvão. Mas, quando eu era adolescente, as minas de carvão e as siderúrgicas fecharam, e toda a área foi devastada.
Fui até lá porque havia uma das maiores votações do país para “sair”. Lá, 62% das pessoas votaram para sair da União Europeia, e eu queria saber o motivo.
Ao chegar lá, fiquei um pouco desconcertada, porque, na última vez que fui a Ebbw Vale, era assim. E agora, está assim. Esta é uma nova faculdade de ensino complementar de 33 milhões de libras, financiada em grande parte pela União Europeia. Este é o novo centro esportivo, no meio de um projeto de recuperação de 350 milhões de libras, financiado pela União Europeia. Este é o novo projeto de melhoria de estradas de 77 milhões de libras, e há uma nova linha de trem e uma nova estação, todas financiadas pela União Europeia. Nada disso é exatamente um segredo, porque há placas grandes como esta em todo lugar.
[Financiado pela UE: Investimento no País de Gales]
(Risos)
Tive uma sensação estranha de irrealidade ao andar pela cidade, que piorou quando encontrei um jovem, na frente do centro esportivo. Ele me disse que havia votado para sair, porque a União Europeia não havia feito nada por ele.
Ele estava farto disso. Por toda a cidade, as pessoas me diziam a mesma coisa: queriam retomar o controle, que era um dos slogans da campanha.
Elas me diziam que o que as deixavam mais fartas eram os imigrantes e os refugiados. Já bastava para elas.
O que era estranho pois, andando por lá, não encontrei imigrantes nem refugiados. Conheci uma polonesa que me disse ser praticamente a única estrangeira da cidade. Quando verifiquei os números, descobri que Ebbw Vale tem realmente um dos índices mais baixos de imigração no país. Fiquei um pouco perplexa, porque não conseguia entender de onde obtinham essas informações. Os tabloides de direita imprimiam as histórias sobre a imigração, e essa é uma posição defendida pela esquerda trabalhista.
Mas, depois que o artigo saiu, uma mulher entrou em contato comigo. Ela era de Ebbw Vale e me contou sobre as coisas que tinha visto no Facebook. Perguntei: “Que coisas?”
Ela disse que eram coisas assustadoras sobre a imigração, especialmente sobre a Turquia. Tentei encontrá-las, mas não havia nada lá, porque não há arquivo de anúncios que as pessoas tenham visto ou que tenham sido publicados na página delas do Facebook.
Não há vestígio de nada, tudo desaparece por completo.
O referendo terá uma consequência profunda e eterna na Grã-Bretanha, que aliás já teve: as montadoras japonesas, que vieram à região para substituir os empregos na mineração, já estão indo embora por causa do Brexit.
Todo esse referendo ocorreu às escuras, porque ele aconteceu no Facebook. E o que acontece no Facebook fica no Facebook, porque só nós vemos o conteúdo de nossa página, que depois desaparece.
É impossível pesquisar qualquer coisa. Não temos ideia de quem viu quais anúncios, qual foi o impacto deles, ou quais dados foram usados para escolher o público-alvo. Nem mesmo quem colocou os anúncios, quanto dinheiro foi gasto, nem de qual nacionalidade eram.
Mas o Facebook sabe. Eles têm as respostas e se recusaram a fornecê-las a nós. Nosso parlamento pediu a Mark Zuckerberg várias vezes para vir à Grã-Bretanha e nos dar essas respostas. Todas as vezes ele recusou. Temos que nos perguntar o motivo. Porque eu e outros jornalistas descobrimos que vários crimes aconteceram durante o referendo e ocorreram no Facebook.
Na Grã-Bretanha, limitamos a quantia de dinheiro que pode ser gasta em uma eleição porque, no século 19, as pessoas andavam, literalmente, com carrinhos de mão cheios de dinheiro para a compra de votos. Então, aprovamos leis rígidas para impedir que isso aconteça. Mas essas leis não funcionam mais. Esse referendo ocorreu quase inteiramente on-line. Pode-se gastar qualquer quantia em dinheiro nos anúncios no Facebook, Google ou YouTube, e ninguém saberá, porque são caixas pretas. E foi isso o que aconteceu.
Na verdade, não temos ideia da extensão total disso. Mas sabemos que, nos últimos dias antes da votação do Brexit, a campanha para “sair” fez a lavagem de dinheiro de quase 750 mil libras por meio de outra entidade de campanha que nossa comissão eleitoral considerou ilegal, e foi encaminhada à polícia.
Com esse dinheiro ilegal, a campanha para o voto “sair” liberou uma enxurrada de informações falsas.
Anúncios como este. [76 milhões de turcos entram para a UE] É tudo mentira. A Turquia não vai entrar para a União Europeia.
Não há sequer discussões sobre a adesão deles à União Europeia. A maioria de nós nunca viu esses anúncios, porque não éramos o alvo deles.
A campanha para “sair” identificou uma minúscula faixa de pessoas que poderiam ser persuadidas, e elas viram esses anúncios. E só estamos vendo os anúncios agora porque o parlamento forçou o Facebook a entregá-los.
Talvez vocês pensem: “Foram apenas alguns gastos excessivos e algumas mentiras”. Mas essa foi a maior fraude eleitoral na Grã-Bretanha em 100 anos, em uma votação única para uma geração, que dependia apenas de 1% do eleitorado. Esse foi apenas um dos crimes ocorridos no referendo.
Havia outro grupo, liderado por este homem, Nigel Farage, à direita de Trump. O grupo dele, “Leave.EU”, também violou a lei. Violou as leis eleitorais britânicas e as leis de dados britânicas, e também está sendo encaminhado à polícia. Este homem, Arron Banks, financiou essa campanha. Em um caso totalmente separado, ele está sendo encaminhado à National Crime Agency, nosso equivalente ao FBI, porque a comissão eleitoral concluiu que não se sabe a origem do dinheiro dele ou, até mesmo, se era britânico.
Nem vou falar das mentiras que Arron Banks contou sobre a relação secreta dele com o governo russo ou das reuniões estranhas entre Nigel Farage, Julian Assange e o amigo de Trump, Roger Stone, agora indiciado, imediatamente antes de dois vazamentos enormes do WikiLeaks, ambos para beneficiar Donald Trump. Mas vou lhes dizer que Brexit e Trump estavam intimamente relacionados. Esse homem me disse que o Brexit serviu como uma experiência para Trump. Sabemos que são as mesmas pessoas e empresas, os mesmos dados, as mesmas técnicas, o mesmo uso de ódio e medo.
Publicaram isto no Facebook. Nem quero chamar isso de mentira, [Imigração sem assimilação é invasão] porque parece mais um crime de ódio para mim.
Não preciso dizer a vocês que ódio e medo estão sendo semeados on-line em todo o mundo. Não apenas na Grã-Bretanha e nos EUA, mas na França, na Hungria, no Brasil, na Birmânia e na Nova Zelândia.
Sabemos que há uma onda sombria que nos conecta de modo global e se propaga por meio das plataformas de tecnologia. Mas vemos apenas uma pequena parte do que se passa na superfície.
Só descobri alguma coisa a respeito porque comecei a investigar a relação entre Trump e Farage dentro de uma empresa chamada Cambridge Analytica. Passei meses à procura de um ex-funcionário, Christopher Wiley. Ele me contou como essa empresa, que trabalhava para Trump e o Brexit, havia traçado um perfil político das pessoas para entender os medos individuais delas e melhor direcioná-las a anúncios no Facebook.
Isso foi feito por meio da coleta ilícita de dados dos perfis de 87 milhões de usuários do Facebook. Foi preciso um ano inteiro de trabalho para conseguir falar com Christopher. Tive que passar de redatora a repórter investigativa para fazer isso. Ele foi bastante corajoso, porque a empresa pertence a Robert Mercer, o bilionário que financiou Trump, e ele ameaçou nos processar várias vezes, para impedir a publicação.
Mas finalmente chegamos lá, faltando um dia para a publicação. Recebemos outra ameaça legal, não da Cambridge Analytica dessa vez, mas do Facebook. Nos disseram que se publicássemos, eles iriam nos processar. Publicamos mesmo assim.
(Aplausos)
O Facebook estava do lado errado da história naquilo e está do lado errado nisso, recusando-se a nos dar as respostas de que precisamos. É por isso que estou aqui: para me dirigir diretamente a vocês, os deuses do Vale do Silício:
(Aplausos)
Mark Zuckerberg,
(Aplausos)
Sheryl Sandberg, Larry Page, Sergey Brin, Jack Dorsey, seus funcionários e investidores também, porque, há 100 anos, o maior perigo das minas de carvão de Gales do Sul era o gás, silencioso, mortal e invisível. Por isso, mandaram primeiro os canários para verificar o ar. Nesse experimento on-line enorme e global que estamos vivendo, nós, na Grã-Bretanha, somos os canários. Somos o que acontece com uma democracia ocidental quando 100 anos de leis eleitorais são perturbados pela tecnologia.
Nossa democracia está falida, nossas leis não funcionam mais. Não sou eu que estou dizendo isso, é o nosso parlamento, que publicou um relatório dizendo isso.
A tecnologia que vocês inventaram tem sido incrível, mas agora é a cena de um crime. E vocês têm as provas.
Não basta dizer que farão melhor no futuro, porque, para termos alguma esperança de impedir que isso aconteça novamente, temos que saber a verdade.
Talvez vocês pensem: “Foram apenas alguns anúncios, e as pessoas são mais inteligentes do que isso, não é?” Ao que eu responderia: “Só vocês acham isso”. Porque a votação do Brexit mostra que a democracia liberal está falida. Vocês acabaram com ela.
Democracia não é isto: espalhar mentiras às escuras, pagas com dinheiro ilegal, sabe Deus de onde. Isso é subversão, e vocês são cúmplices disso.
(Aplausos)
Nosso parlamento foi o primeiro do mundo a tentar responsabilizá-los, mas fracassou. Vocês estão literalmente fora do alcance da lei britânica, não apenas dela. Há nove parlamentos, nove países representados aqui, aos quais Mark Zuckerberg se recusou a falar e fornecer provas.
Vocês parecem não entender que isso é maior do que vocês. É maior do que qualquer um de nós. Não se trata de esquerda ou direita, “sair” ou “ficar”, Trump ou não. Trata-se de se é, na verdade, possível voltarmos a ter eleições livres e justas, pois, como está, não acredito que seja.
Então, minha pergunta para vocês é: “É isso o que vocês querem? É assim que querem ser lembrados pela história: como subordinados do autoritarismo que está em ascensão em todo o mundo? Vocês começaram a conectar pessoas e estão se recusando a reconhecer que essa mesma tecnologia está agora nos afastando.”
Minha pergunta para todos os demais é: “É isso o que queremos? Deixar que eles saiam impunes e voltemos a brincar com nosso celular, enquanto caímos na obscuridade?”
A história dos Vales de Gales do Sul é de uma luta por direitos. Isso não é um treinamento, é um ponto de inflexão. A democracia não está garantida, nem é inevitável. Temos que lutar e vencer. Não podemos deixar que essas empresas de tecnologia tenham poder irrestrito. Cabe a nós: você, eu e todos nós. Somos nós que temos que retomar o controle.
(Aplausos) (Vivas)
Saiba bem mais:
Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]
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