Três formas de detectar uma má estatística

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As sondagens que preveem as hipóteses de candidatos políticos com décimas, são um problema. Mas não podemos excluir totalmente as estatístic...

As sondagens que preveem as hipóteses de candidatos políticos com décimas, são um problema. Mas não podemos excluir totalmente as estatísticas... em vez disso, devemos aprender a olhar por detrás delas. Nesta palestra agradável e divertida, a jornalista Mona Chalabi partilha connosco pistas para ajudar a questionar, a interpretar e a compreender verdadeiramente o que os números nos dizem.


Hoje vou falar de estatísticas. Se isso faz você se sentir desconfiados, tudo bem, isso não quer dizer que sejam um louco conspirador. mas apenas que são céticos. Quando se trata de números, sobretudo agora, devemos ser céticos. Mas também temos que poder dizer quais são os números confiáveis e quais os que não são. Hoje vou tentar dar a vocês ferramentas para o poderem fazer. Mas, antes disso, quero esclarecer quais os números de que estou a falar.


Não estou falando de afirmações como: “Nove em dez mulheres recomendam este creme antirrugas”. Penso que muita gente revira os olhos a números destes. Mas a diferença, é que as pessoas questionam estatísticas como: "A taxa de desemprego nos EUA é de 5%". Esta afirmação é diferente porque não provém de uma empresa privada, provém do governo.

Cerca de quatro em dez americanos não confiam nos dados económicos que são publicados pelo governo. Para os apoiantes do Presidente Trump ainda são mais altos: sete em cada dez. Não preciso de dizer a ninguém aqui que há muitas linhas de divisão, neste momento, na nossa sociedade e começam a fazer sentido, quando percebemos as relações das pessoas com estes números do governo. Por um lado, há quem diga que estas estatísticas são fundamentais, para apreciar a nossa sociedade, no seu todo, para ultrapassar as historietas emotivas e medir o progresso duma forma objetiva. Depois, há os outros, que dizem que estas estatísticas são elitistas, até talvez manipuladas; não fazem sentido e não refletem necessariamente o que acontece na vida quotidiana das pessoas.

Parece que este segundo grupo está neste momento a ganhar terreno. Vivemos num mundo de fatos alternativos, em que as estatísticas não são uma base de entendimento, um ponto de partida para debate. Isso é um problema. Há hoje um movimento de direita dos EUA para nos livrarmos das estatísticas do governo. Há um projeto de lei no Congresso para medir a desigualdade racial. Esse projeto diz que o dinheiro do governo não deve ser usado para reunir dados sobre este tema. Isto é um desastre total. Se não tivermos esses dados, como podemos observar a discriminação, e sobretudo corrigi-la? Por outras palavras, como criar políticas justas, se não se puder medir os atuais níveis de injustiça? Não se trata apenas de discriminação, trata-se de tudo — pensem nisso. Como legislar sobre a saúde, se não houver bons dados sobre a saúde e a pobreza? Como fazer um debate público sobre imigração sem saber, pelo menos, quantas pessoas entram e saem do país? “Estatísticas” provêm de “estado”, é daí que vem o seu nome. O objetivo era medir melhor a população a fim de melhor a servir. Precisamos destes números do governo, mas também temos que deixar de os aceitar cegamente ou de os rejeitar cegamente, Temos que aprender a detectar as más estatísticas.

Comecei a aprender algumas delas ao trabalhar num serviço de estatística que faz parte das Nações Unidas. Tínhamos que saber quantos iraquianos tinham sido forçados a sair de casa por causa da guerra e de que precisavam. Era um trabalho muito importante, mas também muito difícil. Todos os dias, estavamos tomando decisões que afetavam o rigor dos nossos números — decisões como, quais as partes do país onde devíamos ir, com quem devíamos falar, que perguntas devíamos fazer. Comecei a ficar desiludida com o nosso trabalho, porque estavamos a fazer um trabalho muito bom, mas o grupo de pessoas que nos podia dizer eram os iraquianos. Mas eles raramente viam a nossa análise, quanto mais questioná-la. Sentia-me deveras convencida de que os números só podiam ser mais rigorosos, se houvesse o maior número possível de pessoas a questioná-los.

Passei a ser jornalista de investigação. O meu trabalho é encontrar esses dados e partilhá-los com o público. Qualquer um pode fazer isto, não é preciso ser “geek” ou “nerd”. Ignorem estas palavras, são usadas por pessoas que tentam passar por espertas, embora finjam ser humildes. Toda a gente pode fazer isto.

Vou fazer a vocês três perguntas que ajudarão vocês a conseguir detectar más estatísticas. Pergunta número um: Conseguem ver incerteza? Uma das coisas que mudou a relação das pessoas com os números, e a sua confiança nos “media”, tem sido o uso das sondagens políticas, Eu tenho muitos problemas com as sondagens políticas porque acho que o papel dos jornalistas é relatar os fatos e não tentar prevê-los, sobretudo quando essas previsões podem prejudicar a democracia dizendo às pessoas: não votem neste tipo, ele não tem a mínima hipótese. Mas deixemos isto de lado, por agora, e falemos o rigor desta atividade.

Com base nas eleições nacionais, no Reino Unido, na Itália, em Israel e, claro, nas eleições presidenciais mais recentes nos EUA, as sondagens para prever os resultados eleitorais são tão rigorosas como usar a lua para prever as hospitalizações. A sério, eu usei dados atuais de um estudo académico para traçar isto. Há muitas razões por que as sondagens se tornaram tão pouco rigorosas. As nossas sociedades tornaram-se muito diversas, o que torna difícil aos pesquisadores conseguir uma boa amostra representativa da população para as sondagens. As pessoas têm relutância em responder por telefone, e, por chocante que pareça, também podem mentir. Mas não saberiam isso, forçosamente, seguindo os “media”. Por um lado, a probabilidade de Hillary Clinton ganhar foi apresentada com décimas. Não usamos décimas para descrever a temperatura. Como é que o comportamento de 230 milhões de votantes neste país, podia ser previsto de modo tão rigoroso? Depois, havia aqueles gráficos elegantes. Uma data de visualizações de dados vai reforçar a certeza, e funciona — estes gráficos podem nublar o nosso cérebro quanto à crítica. Ao ouvir uma estatística, podemos sentir-nos céticos. Mas, quando aparece num gráfico, fica com o aspeto de uma ciência objetiva mas não é.

Por isso, tentei encontrar modos de comunicar isto às pessoas, para mostrar às pessoas a incerteza dos nossos números. Comecei a arranjar grupos de dados reais e transformá-los em visualizações, traçadas à mão para as pessoas verem como os dados são imprecisos, para verem que foi um ser humano que fez isto, um homem que encontrou os dados e os visualizou. Por exemplo, em vez de encontrar a probabilidade de apanhar uma gripe num determinado mês. podemos ver a distribuição grosseira da estação da gripe. É assim... (Risos)

Uma imagem má para fevereiro. Mas é uma visualização de dados mais responsável porque, se a vocês mostrarmos as reais possibilidades, talvez isso encoraje as pessoas a apanhar a vacina da gripe na altura errada.

O objetivo destas linhas imprecisas é para as pessoas se lembrarem destas imprecisões, mas também não contêm necessariamente um número específico, mas podem relembrar fatos importantes. Fatos como a injustiça e a desigualdade deixam uma marca enorme na nossa vida. Os americanos negros ou os nativos têm uma expetativa de vida mais curta do que os de outras etnias e isso não vai mudar dentro em pouco Fatos como os presos nos EUA podem estar em celas de isolamento que são mais pequenas que o tamanho de um espaço vulgar para estacionamento.

O objetivo destas visualizações também serve para recordar às pessoas alguns conceitos estatísticos deveras importantes, conceitos como médias. Digamos que ouvem uma afirmação como: "A piscina média nos EUA contém 6,23 acidentes fecais". Isto não significa que todas as piscinas no país contenham exatamente 6,23 de fezes. Para mostrar isso, fui aos dados originais que provêm do CDC que analisou 47 piscinas. Só gastei uma tarde redistribuindo os cocós. Estão vendo como estas médias podem ser enganadoras.

(Risos)

Ok, agora a segunda pergunta que devem fazer a vocês mesmos, para detectar números maus, é: “Revejo-me nestes dados?” Esta pergunta, de certo modo, também tem a ver com médias. Parte da razão para as pessoas se sentirem frustradas com estas estatísticas nacionais, é porque elas não contam a história de quem está ganhando ou perdendo com a política nacional. Percebe-se porque é as pessoas se sentem frustradas com médias globais quando não se adequam às suas experiências pessoais. Eu queria mostrar como os dados se relacionam com a sua vida diária. Comecei a coluna de conselhos “Querida Mona”, em que as pessoas podem fazer perguntas e eu tento responder-lhes com dados. As pessoas perguntam-me tudo: “É normal dormir numa cama separada da minha mulher?” “As pessoas arrependem-se das suas tatuagens?” “O que significa morrer de causas naturais?”

Todas estas perguntas são ótimas, porque nos fazem pensar na maneira de encontrar e comunicar esses números. Se alguém perguntar: “Que quantidade de urina é muita urina?” — foi uma pergunta que me fizeram — queremos ter a certeza de que a visualização faça sentido para o maior número de pessoas possível. Estes números não estão indisponíveis. Por vezes, estão enterrados no apêndice de um estudo académico. E, certamente, não são impenetráveis; se realmente quiserem testar os números do volume da urina, podem agarrar numa garrafa e tentarem.

A questão aqui não é necessariamente que cada conjunto de dados se relacione especificamente convosco. Quero saber quantas mulheres foram multadas, em França, por usar o véu na cara, o “niqab”, mesmo que não viva em França nem tape a cara com um véu. Perguntei se a vocês encaixavam para encontrar o contexto, se possível Trata-se de ampliar a partir de um dado, como a taxa de desemprego ser de 5% e ver como ela muda com o tempo ou ver como ela muda consoante o grau de instrução — por isso os vossos pais queriam que fossem para a faculdade — ou ver como ela varia, consoante os sexos. Hoje, a taxa de desemprego masculina é mais alta do que a feminina. Até ao início dos anos 80, era o contrário. Esta é a história de uma das maiores mudanças na sociedade norte-americana e está aqui tudo neste gráfico, se olharmos para além das médias. Os eixos são tudo. Se mudarmos a escala, podemos mudar a história.

A terceira e última pergunta que eu queria que vocês pensassem quando olharem para as estatísticas, é: “Como foram recolhidos os dados?” Até aqui, só falei da forma como os dados são comunicados mas a forma como são recolhidos também é importante. Sei que isto é difícil, porque as metodologias podem ser opacas e bastante aborrecidas, mas há uns passos simples para poderem verificar isso.

Vou usar um último exemplo. Uma sondagem concluiu que 41% de muçulmanos neste país apoiam a “jihad”, o que é obviamente assustador. Isto foi relatado em toda a parte, em 2015. Quando eu quero verificar um número como este, começo por procurar o questionário original. Acontece que os jornalistas que relataram esta estatística ignoraram uma questão mais abaixo, no estudo, que pedia aos inquiridos que definissem “jihad”. A maior parte deles definiu-o assim: “Luta pacífica, pessoal, dos muçulmanos, para serem mais religiosos”. Só 16% o definiram como “guerra santa violenta contra os infiéis”. Esta é a questão realmente importante: com base nestes números, é totalmente possível que quem a definiu como guerra santa violenta também tenha dito que não a apoiava. Estes dois grupos podiam nem sequer se sobrepor.

Também vale a pena perguntar como foi efetuado o estudo. Esta sondagem era voluntária, qualquer pessoa podia encontrá-la na Internet e preenchê-la. Não se pode saber se essas pessoas se identificavam sequer como muçulmanas Por fim, houve 600 respostas a essa sondagem. Há cerca de três milhões de muçulmanos neste país, segudo o Centro de Pesquisas Pew. Ou seja, o inquérito contatou um em cada 5000 muçulmanos neste país.

É por isso que as estatísticas governamentais são quase sempre melhores do que as estatísticas privadas. Uma sondagem pode falar com centenas ou milhares de pessoas ou, se for a L'Oreal, tentando vender produtos para a pele em 2005, fala com 48 mulheres que afirmam que eles funcionam.

(Risos)

As empresas privadas não têm grande interesse em ter um número correto, só precisam do número bom. Os estatísticos governamentais não são assim. Em teoria, pelo menos, são totalmente imparciais, o trabalho é realizado, seja quem for que esteja no poder. São funcionários públicos. O trabalho é feito conscienciosamente, não se falam apenas com umas centenas de pessoas. Os números do desemprego que tenho referido provêm do Gabinete de Estatística do Trabalho. Para fazer as suas estimativas, falam com mais de 140.000 empresas.

Eu sei, é frustrante. Se quiserem testar uma estatística, duma empresa privada, compram o creme para a pele com um grupo de amigas, e testam-no. Se não funcionar, os números estão errados. Mas como questionar as estatísticas do governo? Continuem verificando tudo. Vejam como recolheram os números. Vejam se estão vendo no gráfico tudo o que precisam de ver. Mas não desistam dos números porque, se o fizerem, contribuem para que as decisões públicas sejam tomadas no escuro, usando apenas os interesses privados para nos guiar.

Obrigada.

(Aplausos)

Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]

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Brasil Acadêmico: Três formas de detectar uma má estatística
Três formas de detectar uma má estatística
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