A ciência é um processo de aprendizagem que envolve experimentação, falha e revisão - e a ciência da medicina não é exceção. O pesquisador d...
A ciência é um processo de aprendizagem que envolve experimentação, falha e revisão - e a ciência da medicina não é exceção. O pesquisador de câncer Kevin B. Jones enfrenta as incógnitas profundas sobre cirurgia e cuidados médicos com uma resposta simples: honestidade. Numa conversa profunda sobre a natureza do conhecimento, Jones mostra como a ciência está no seu melhor quando os cientistas humildemente admitem o que ainda não entendem.
Ciência. A palavra em si para muitos de vocês evoca lembranças infelizes de tédio na aula de biologia ou física do ensino médio. Mas deixem-me assegurar a vocês de que o que fizeram lá tinha muito pouco a ver com a ciência. Aquilo era, na verdade, o "quê" da ciência. Era a história sobre o que outros haviam descoberto. O que mais me interessa como cientista é o "como" da ciência, pois ciência é conhecimento em processo. Fazemos uma observação, supomos uma explicação para ela, e depois fazemos uma previsão a qual poderemos testar com uma experiência ou outra observação.
Alguns exemplos. Primeiramente, as pessoas notaram que a Terra estava abaixo, o céu acima, e tanto o Sol quanto a Lua pareciam girar em torno deles. A suposta explicação era a de que a Terra devia ser o centro do Universo. A previsão: tudo deve girar em torno da Terra. Isso foi testado pela primeira vez quando Galileu teve às mãos um dos primeiros telescópios, e, enquanto observava o céu noturno, ele encontrou um planeta, Júpiter, com quatro luas que o circundavam. Ele então usou essas luas para seguir o caminho de Júpiter e descobriu que o planeta não girava ao redor da Terra, mas ao redor do Sol. Assim, o teste de previsão fracassou. E isso levou à rejeição da teoria de que a Terra era o centro do Universo.
Outro exemplo: Isaac Newton percebeu que as coisas caem na Terra. A suposta explicação era a gravidade a previsão era a de que tudo deve cair na Terra. Mas é claro que nem tudo cai na Terra. Então, nós rejeitamos a gravidade? Não! Revisamos a teoria e dissemos: a gravidade atrai as coisas para a Terra a menos que haja uma força oposta na outra direção. Isso nos conduziu a um novo aprendizado. Começamos a prestar mais atenção no pássaro e em suas asas, e pensem em todas as descobertas que voaram dessa linha de raciocínio.
Às vezes, na mídia, e ainda mais raramente, mas, às vezes, até os cientistas dirão que uma coisa ou outra foi cientificamente comprovada. Mas eu espero que entendam que a ciência nunca prova nada definitivamente para sempre. Espera-se que a ciência permaneça curiosa o suficiente para buscar e humilde o suficiente para reconhecer quando tivermos encontrado o próximo valor atípico, a próxima exceção, que, como as luas de Júpiter, nos ensinem o que realmente não sabemos.
Vamos mudar um pouco de direção. O caduceu, ou símbolo da medicina, tem significados diferentes para pessoas diferentes, mas boa parte do nosso discurso público sobre medicina a transforma num problema de engenharia. Temos os corredores do Congresso, e as salas de reuniões das companhias de seguros que tentam descobrir como pagar por isso. Os eticistas e epidemiologistas tentam descobrir como distribuir melhor a medicina, os hospitais e médicos são absolutamente obcecados com seus protocolos e checklists, tentando descobrir como administrar o medicamento de forma segura. Todas são coisas boas. No entanto, eles também assumem, em algum nível, que o livro da medicina está concluído.
Não me surpreende que neste clima, muitas das nossas instituições de prestação de serviços à saúde comecem a se parecer com uma oficina mecânica.
(Risos)
O único problema é que quando me formei na faculdade de medicina, não recebi uma daquelas bugigangas que seu mecânico tem para conectar ao carro e descobrir o que está errado com ele, porque o livro de medicina não está concluído. Medicina é ciência. A medicina é o conhecimento em processo. Fazemos uma observação, supomos uma explicação dela, e então fazemos uma previsão que podemos testar.
E podem se lembrar daqueles dias tediosos na aula de biologia que as populações tendem a se distribuir em torno de uma média, como uma curva gaussiana ou normal. Portanto, em medicina, depois de fazermos uma previsão de uma suposta explicação, nós a testamos numa população. Isso significa que o que sabemos em medicina, nosso conhecimento e experiência, vêm de populações, mas estende-se apenas até o próximo valor atípico, a próxima exceção, que, como as luas de Júpiter, nos ensinarão o que realmente não sabemos.
Sou um cirurgião que cuida de pacientes com sarcoma. Sarcoma é uma forma muito rara de câncer. É o câncer do tecido e dos ossos. E eu diria que cada um dos meus pacientes é um valor atípico, é uma exceção. Não há nenhuma cirurgia que eu tenha executado num paciente com sarcoma, que já tenha sido guiada por um ensaio clínico randomizado controlado, considerado o melhor tipo de evidência baseada em população na medicina.
O que temos ao mergulharmos na incerteza, desconhecimentos, exceções e valores atípicos que nos cercam no sarcoma é o fácil acesso ao que acredito ser os dois valores mais importantes para qualquer ciência: humildade e curiosidade. Pois se sou humilde e curioso, quando um paciente me pergunta algo e não sei a resposta, vou perguntar a um colega que pode ter um caso similar com outro paciente com sarcoma. Podemos até estabelecer colaborações internacionais. Esses pacientes começarão a conversar entre eles em salas de bate-papo e grupos de apoio. É através desse tipo de comunicação humilde e curiosa que começamos a tentar e a aprender coisas novas.
Como exemplo, este é um paciente meu que teve câncer próximo ao joelho.
Ele pode usar uma prótese, correr, pular e jogar. Esta oportunidade ficou à disposição dele devido a colaborações internacionais. Ele desejava isso, pois havia contatado outros pacientes que a haviam experimentado. E assim, exceções e valores atípicos em medicina nos ensinam o que não sabemos, mas também nos levam a um novo raciocínio.
Agora, muito importante: o novo raciocínio ao qual valores atípicos e exceções nos conduzem em medicina não se aplica apenas a valores atípicos e exceções. Não significa que, com pacientes com sarcoma, aprendemos apenas a tratar pacientes com sarcoma. Às vezes, valores atípicos e exceções nos ensinam coisas que importam muito para a população em geral. Como uma árvore fora de uma floresta: os valores atípicos e as exceções chamam a nossa atenção e nos conduzem a um sentido muito maior do que o significado de uma árvore.
Mas a árvore que se destaca por si só torna essas relações que definem uma árvore, as relações entre o tronco, as raízes e os galhos, muito mais aparentes. Mesmo que essa árvore seja torta ou tenha relacionamentos muito incomuns entre o tronco, as raízes e os galhos, ela, todavia, chama a nossa atenção e nos permite fazer observações que podemos então testar na população geral.
Eu disse que os sarcomas são raros. Eles constituem cerca de 1% de todos os cânceres. É provável que saibam que o câncer é considerado uma doença genética, o que significa que ele é causado por oncogenes, que são ativados no câncer, e genes supressores de tumores, que são desligados para causar o câncer. Podem achar que aprendemos sobre oncogenes e genes supressores de tumores de cânceres comuns, como o câncer de mama, de próstata ou de pulmão, mas estariam errados.
Em 1966, Peyton Rous recebeu o Prêmio Nobel por perceber que galinhas tinham uma forma transmissível de sarcoma. Trinta anos depois, Harold Varmus e Mike Bishop descobriram qual era o elemento transmissível. Era um vírus portando um gene: o oncogene src. Eu não diria que o src é o oncogene mais importante. Nem diria que é o oncogene mais frequentemente ativado em todo câncer. Mas foi o primeiro oncogene. A exceção, o valor atípico chamou nossa atenção e nos levou a algo que nos ensinou coisas muito importantes sobre o restante da biologia.
TP53 é o mais importante gene supressor de tumor. É o gene supressor de tumor mais frequentemente desligado em quase todos os tipos de câncer. Mas não aprendemos isso com cânceres comuns. Aprendemos quando os médicos Li e Fraumeni estavam observando famílias, e perceberam que elas tinham muitos sarcomas. Eu disse que o sarcoma é raro. Lembrem-se de que um em um milhão de diagnósticos, se ele se repetir numa família, será comum demais nessa família. O fato de serem raros chama a nossa atenção e nos leva a novos tipos de raciocínio.
Muitos de vocês podem dizer, e com razão:
E tudo o que posso dizer é que sei disso muito bem. Converso com esses pacientes portadores de doenças raras e fatais. Escrevo sobre essas conversas, que são terrivelmente graves. Conversas repletas de frases horríveis como: "Tenho más notícias", ou "Não há nada mais que possamos fazer." Às vezes, essas conversas despertam uma única palavra: "Terminal".
O silêncio também pode ser bastante desconfortável. Os espaços em branco na medicina podem ser tão importantes quanto as palavras usadas nessas conversas. Quais são as incógnitas? Que experiências estão sendo feitas?
Façam esse pequeno exercício comigo. Lá em cima na tela, veem esta frase: "no where", lugar nenhum. Observem onde está o espaço em branco. Se deslocarmos aquele espaço em branco "lugar nenhum" torna-se "now here", agora aqui, o significado oposto exato, apenas deslocando o espaço em branco.
Eu nunca vou me esquecer da noite em que entrei no quarto de um de meus pacientes. Eu havia operado aquele dia todo, mas ainda assim queria vê-lo. Era um garoto que eu havia diagnosticado com câncer ósseo alguns dias antes. Ele e a mãe haviam falado com os médicos da quimioterapia antes, naquele dia, e ele tinha sido internado para iniciar a quimioterapia. Era quase meia-noite quando cheguei ao quarto dele. Ele estava dormindo, mas encontrei a mãe dele lendo com uma lanterna ao lado da cama dele. Ela saiu no corredor para conversar comigo por alguns minutos. Ela estava lendo o protocolo que os médicos da quimioterapia haviam dado a ela naquele dia. Ela o havia memorizado. Ela disse:
"Dr. Jones, você me disse que nem sempre vencemos este tipo de câncer, mas tenho estudado este protocolo, e acho que posso fazer isso. Acho que posso seguir estes tratamentos difíceis. Vou pedir demissão, morar com os meus pais; vou manter meu garoto a salvo".
Eu não disse a ela. Não parei para corrigir o raciocínio dela. Ela estava confiando num protocolo que, mesmo que fosse seguido, não necessariamente salvaria o filho dela. Eu não disse a ela. Não preenchi o espaço em branco. Mas um ano e meio depois, o filho dela morreu de câncer. Eu deveria ter dito a ela?
Muitos de vocês podem dizer: "E daí? Eu não tenho sarcoma. Ninguém na minha família tem sarcoma. E está tudo bem, mas, provavelmente, não importa na minha vida". E vocês devem estar certos. O sarcoma pode não importar muito na sua vida. Mas a posição dos espaços em branco na medicina importa na sua vida.
Não contei um segredinho a vocês. Eu disse que na medicina testamos as previsões em populações, mas eu não disse, e muitas vezes a medicina nunca diz, que cada vez que um indivíduo recorre à medicina, mesmo que ele esteja firmemente inserido na população geral, nem o indivíduo nem o médico sabe onde aquele indivíduo se encontra nessa população. Portanto, cada encontro com a medicina é um experimento. Você será um sujeito num experimento. E o resultado será melhor ou pior para você. Contanto que a medicina funcione bem, estaremos bem com serviço rápido, e com conversas desafiadoras e confiantes. Mas quando as coisas não funcionam bem, às vezes queremos algo diferente.
Um colega meu removeu um tumor de um dos membros de uma paciente. Ele estava preocupado com esse tumor. Em nossas reuniões médicas, ele falou sobre sua preocupação, dizendo que era um tipo de tumor com alto risco de voltar no mesmo membro. Mas suas conversas com a paciente eram exatamente o que um paciente pode querer: repletas de confiança. Ele disse: "Eu retirei tudo e você está liberada". Ela e o marido ficaram felizes. Eles saíram, comemoraram: jantar chique, abriram uma garrafa de champanhe. O único problema foi que algumas semanas depois, ela começou a notar outro nódulo na mesma área. Ele não havia retirado tudo, e ela não estava liberada. Mas o que aconteceu nesta conjuntura me fascina muito. Meu colega veio até mim e disse: "Kevin, se importaria de cuidar desta paciente pra mim?" Eu perguntei: "Por quê? Você sabe o que fazer tanto quanto eu. Você não fez nada de errado". Ele disse: "Por favor, apenas cuide dessa paciente pra mim". Ele se sentia envergonhado, não pelo que tinha feito, mas pela conversa que eles tinham tido, pelo excesso de confiança.
Então fiz uma cirurgia muito mais invasiva e depois tive uma conversa muito diferente com a paciente. Eu disse: "É bem provável que eu tenha retirado tudo e é provável que você esteja liberada, mas este é o experimento que estamos fazendo. Isto é o que você vai observar. Isto é o que eu vou observar. E vamos trabalhar juntos para saber se esta cirurgia vai funcionar para que se livre do seu câncer".
Por isso, encorajo vocês a buscar humildade e curiosidade em seus médicos. Quase 20 bilhões de vezes ao ano, uma pessoa entra num consultório médico, e essa pessoa se torna um paciente. Vocês, ou alguém que vocês amam, serão esse paciente algum dia muito em breve. Como vão falar com seus médicos? O que vão dizer a eles? O que eles dirão a vocês? Eles não podem dizer o que não sabem, mas podem dizer quando não sabem, se vocês simplesmente perguntarem. Então, por favor, juntem-se à conversa.
Obrigado.
(Aplausos)
Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]
Ciência. A palavra em si para muitos de vocês evoca lembranças infelizes de tédio na aula de biologia ou física do ensino médio. Mas deixem-me assegurar a vocês de que o que fizeram lá tinha muito pouco a ver com a ciência. Aquilo era, na verdade, o "quê" da ciência. Era a história sobre o que outros haviam descoberto. O que mais me interessa como cientista é o "como" da ciência, pois ciência é conhecimento em processo. Fazemos uma observação, supomos uma explicação para ela, e depois fazemos uma previsão a qual poderemos testar com uma experiência ou outra observação.
Alguns exemplos. Primeiramente, as pessoas notaram que a Terra estava abaixo, o céu acima, e tanto o Sol quanto a Lua pareciam girar em torno deles. A suposta explicação era a de que a Terra devia ser o centro do Universo. A previsão: tudo deve girar em torno da Terra. Isso foi testado pela primeira vez quando Galileu teve às mãos um dos primeiros telescópios, e, enquanto observava o céu noturno, ele encontrou um planeta, Júpiter, com quatro luas que o circundavam. Ele então usou essas luas para seguir o caminho de Júpiter e descobriu que o planeta não girava ao redor da Terra, mas ao redor do Sol. Assim, o teste de previsão fracassou. E isso levou à rejeição da teoria de que a Terra era o centro do Universo.
Outro exemplo: Isaac Newton percebeu que as coisas caem na Terra. A suposta explicação era a gravidade a previsão era a de que tudo deve cair na Terra. Mas é claro que nem tudo cai na Terra. Então, nós rejeitamos a gravidade? Não! Revisamos a teoria e dissemos: a gravidade atrai as coisas para a Terra a menos que haja uma força oposta na outra direção. Isso nos conduziu a um novo aprendizado. Começamos a prestar mais atenção no pássaro e em suas asas, e pensem em todas as descobertas que voaram dessa linha de raciocínio.
Assim, os fracassos dos testes, as exceções, e os valores atípicos nos ensinam o que não sabemos e nos conduzem a algo novo. É assim que a ciência avança e aprende.
Às vezes, na mídia, e ainda mais raramente, mas, às vezes, até os cientistas dirão que uma coisa ou outra foi cientificamente comprovada. Mas eu espero que entendam que a ciência nunca prova nada definitivamente para sempre. Espera-se que a ciência permaneça curiosa o suficiente para buscar e humilde o suficiente para reconhecer quando tivermos encontrado o próximo valor atípico, a próxima exceção, que, como as luas de Júpiter, nos ensinem o que realmente não sabemos.
Vamos mudar um pouco de direção. O caduceu, ou símbolo da medicina, tem significados diferentes para pessoas diferentes, mas boa parte do nosso discurso público sobre medicina a transforma num problema de engenharia. Temos os corredores do Congresso, e as salas de reuniões das companhias de seguros que tentam descobrir como pagar por isso. Os eticistas e epidemiologistas tentam descobrir como distribuir melhor a medicina, os hospitais e médicos são absolutamente obcecados com seus protocolos e checklists, tentando descobrir como administrar o medicamento de forma segura. Todas são coisas boas. No entanto, eles também assumem, em algum nível, que o livro da medicina está concluído.
Começamos a medir a qualidade dos nossos serviços à saúde pela rapidez com que podemos acessá-los.
Não me surpreende que neste clima, muitas das nossas instituições de prestação de serviços à saúde comecem a se parecer com uma oficina mecânica.
(Risos)
O único problema é que quando me formei na faculdade de medicina, não recebi uma daquelas bugigangas que seu mecânico tem para conectar ao carro e descobrir o que está errado com ele, porque o livro de medicina não está concluído. Medicina é ciência. A medicina é o conhecimento em processo. Fazemos uma observação, supomos uma explicação dela, e então fazemos uma previsão que podemos testar.
A base de teste da maioria das previsões em medicina é populações.
E podem se lembrar daqueles dias tediosos na aula de biologia que as populações tendem a se distribuir em torno de uma média, como uma curva gaussiana ou normal. Portanto, em medicina, depois de fazermos uma previsão de uma suposta explicação, nós a testamos numa população. Isso significa que o que sabemos em medicina, nosso conhecimento e experiência, vêm de populações, mas estende-se apenas até o próximo valor atípico, a próxima exceção, que, como as luas de Júpiter, nos ensinarão o que realmente não sabemos.
Sou um cirurgião que cuida de pacientes com sarcoma. Sarcoma é uma forma muito rara de câncer. É o câncer do tecido e dos ossos. E eu diria que cada um dos meus pacientes é um valor atípico, é uma exceção. Não há nenhuma cirurgia que eu tenha executado num paciente com sarcoma, que já tenha sido guiada por um ensaio clínico randomizado controlado, considerado o melhor tipo de evidência baseada em população na medicina.
Falam sobre “pensar fora da caixa”, mas nem sequer temos uma “caixa para o sarcoma”.
O que temos ao mergulharmos na incerteza, desconhecimentos, exceções e valores atípicos que nos cercam no sarcoma é o fácil acesso ao que acredito ser os dois valores mais importantes para qualquer ciência: humildade e curiosidade. Pois se sou humilde e curioso, quando um paciente me pergunta algo e não sei a resposta, vou perguntar a um colega que pode ter um caso similar com outro paciente com sarcoma. Podemos até estabelecer colaborações internacionais. Esses pacientes começarão a conversar entre eles em salas de bate-papo e grupos de apoio. É através desse tipo de comunicação humilde e curiosa que começamos a tentar e a aprender coisas novas.
Como exemplo, este é um paciente meu que teve câncer próximo ao joelho.
Por causa da comunicação humilde e curiosa em colaborações internacionais, soubemos que podemos reorientar o tornozelo para servir como joelho quando tivermos que remover o joelho com câncer.
Ele pode usar uma prótese, correr, pular e jogar. Esta oportunidade ficou à disposição dele devido a colaborações internacionais. Ele desejava isso, pois havia contatado outros pacientes que a haviam experimentado. E assim, exceções e valores atípicos em medicina nos ensinam o que não sabemos, mas também nos levam a um novo raciocínio.
Agora, muito importante: o novo raciocínio ao qual valores atípicos e exceções nos conduzem em medicina não se aplica apenas a valores atípicos e exceções. Não significa que, com pacientes com sarcoma, aprendemos apenas a tratar pacientes com sarcoma. Às vezes, valores atípicos e exceções nos ensinam coisas que importam muito para a população em geral. Como uma árvore fora de uma floresta: os valores atípicos e as exceções chamam a nossa atenção e nos conduzem a um sentido muito maior do que o significado de uma árvore.
É comum falarmos em perder as florestas para as árvores, mas também se perde uma árvore dentro de uma floresta.
Mas a árvore que se destaca por si só torna essas relações que definem uma árvore, as relações entre o tronco, as raízes e os galhos, muito mais aparentes. Mesmo que essa árvore seja torta ou tenha relacionamentos muito incomuns entre o tronco, as raízes e os galhos, ela, todavia, chama a nossa atenção e nos permite fazer observações que podemos então testar na população geral.
Eu disse que os sarcomas são raros. Eles constituem cerca de 1% de todos os cânceres. É provável que saibam que o câncer é considerado uma doença genética, o que significa que ele é causado por oncogenes, que são ativados no câncer, e genes supressores de tumores, que são desligados para causar o câncer. Podem achar que aprendemos sobre oncogenes e genes supressores de tumores de cânceres comuns, como o câncer de mama, de próstata ou de pulmão, mas estariam errados.
Aprendemos sobre oncogenes e genes supressores de tumores pela primeira vez naquele mínimo de 1% dos cânceres chamados sarcoma.
Em 1966, Peyton Rous recebeu o Prêmio Nobel por perceber que galinhas tinham uma forma transmissível de sarcoma. Trinta anos depois, Harold Varmus e Mike Bishop descobriram qual era o elemento transmissível. Era um vírus portando um gene: o oncogene src. Eu não diria que o src é o oncogene mais importante. Nem diria que é o oncogene mais frequentemente ativado em todo câncer. Mas foi o primeiro oncogene. A exceção, o valor atípico chamou nossa atenção e nos levou a algo que nos ensinou coisas muito importantes sobre o restante da biologia.
TP53 é o mais importante gene supressor de tumor. É o gene supressor de tumor mais frequentemente desligado em quase todos os tipos de câncer. Mas não aprendemos isso com cânceres comuns. Aprendemos quando os médicos Li e Fraumeni estavam observando famílias, e perceberam que elas tinham muitos sarcomas. Eu disse que o sarcoma é raro. Lembrem-se de que um em um milhão de diagnósticos, se ele se repetir numa família, será comum demais nessa família. O fato de serem raros chama a nossa atenção e nos leva a novos tipos de raciocínio.
Muitos de vocês podem dizer, e com razão:
“Sim, Kevin, isso é ótimo, mas você não está falando sobre as asas de um pássaro, nem sobre luas flutuando ao redor do planeta Júpiter. Esta é uma pessoa. Este valor atípico, esta exceção, pode levar ao avanço da ciência, mas é uma pessoa”.
E tudo o que posso dizer é que sei disso muito bem. Converso com esses pacientes portadores de doenças raras e fatais. Escrevo sobre essas conversas, que são terrivelmente graves. Conversas repletas de frases horríveis como: "Tenho más notícias", ou "Não há nada mais que possamos fazer." Às vezes, essas conversas despertam uma única palavra: "Terminal".
O silêncio também pode ser bastante desconfortável. Os espaços em branco na medicina podem ser tão importantes quanto as palavras usadas nessas conversas. Quais são as incógnitas? Que experiências estão sendo feitas?
Façam esse pequeno exercício comigo. Lá em cima na tela, veem esta frase: "no where", lugar nenhum. Observem onde está o espaço em branco. Se deslocarmos aquele espaço em branco "lugar nenhum" torna-se "now here", agora aqui, o significado oposto exato, apenas deslocando o espaço em branco.
Eu nunca vou me esquecer da noite em que entrei no quarto de um de meus pacientes. Eu havia operado aquele dia todo, mas ainda assim queria vê-lo. Era um garoto que eu havia diagnosticado com câncer ósseo alguns dias antes. Ele e a mãe haviam falado com os médicos da quimioterapia antes, naquele dia, e ele tinha sido internado para iniciar a quimioterapia. Era quase meia-noite quando cheguei ao quarto dele. Ele estava dormindo, mas encontrei a mãe dele lendo com uma lanterna ao lado da cama dele. Ela saiu no corredor para conversar comigo por alguns minutos. Ela estava lendo o protocolo que os médicos da quimioterapia haviam dado a ela naquele dia. Ela o havia memorizado. Ela disse:
"Dr. Jones, você me disse que nem sempre vencemos este tipo de câncer, mas tenho estudado este protocolo, e acho que posso fazer isso. Acho que posso seguir estes tratamentos difíceis. Vou pedir demissão, morar com os meus pais; vou manter meu garoto a salvo".
Eu não disse a ela. Não parei para corrigir o raciocínio dela. Ela estava confiando num protocolo que, mesmo que fosse seguido, não necessariamente salvaria o filho dela. Eu não disse a ela. Não preenchi o espaço em branco. Mas um ano e meio depois, o filho dela morreu de câncer. Eu deveria ter dito a ela?
Muitos de vocês podem dizer: "E daí? Eu não tenho sarcoma. Ninguém na minha família tem sarcoma. E está tudo bem, mas, provavelmente, não importa na minha vida". E vocês devem estar certos. O sarcoma pode não importar muito na sua vida. Mas a posição dos espaços em branco na medicina importa na sua vida.
Não contei um segredinho a vocês. Eu disse que na medicina testamos as previsões em populações, mas eu não disse, e muitas vezes a medicina nunca diz, que cada vez que um indivíduo recorre à medicina, mesmo que ele esteja firmemente inserido na população geral, nem o indivíduo nem o médico sabe onde aquele indivíduo se encontra nessa população. Portanto, cada encontro com a medicina é um experimento. Você será um sujeito num experimento. E o resultado será melhor ou pior para você. Contanto que a medicina funcione bem, estaremos bem com serviço rápido, e com conversas desafiadoras e confiantes. Mas quando as coisas não funcionam bem, às vezes queremos algo diferente.
Um colega meu removeu um tumor de um dos membros de uma paciente. Ele estava preocupado com esse tumor. Em nossas reuniões médicas, ele falou sobre sua preocupação, dizendo que era um tipo de tumor com alto risco de voltar no mesmo membro. Mas suas conversas com a paciente eram exatamente o que um paciente pode querer: repletas de confiança. Ele disse: "Eu retirei tudo e você está liberada". Ela e o marido ficaram felizes. Eles saíram, comemoraram: jantar chique, abriram uma garrafa de champanhe. O único problema foi que algumas semanas depois, ela começou a notar outro nódulo na mesma área. Ele não havia retirado tudo, e ela não estava liberada. Mas o que aconteceu nesta conjuntura me fascina muito. Meu colega veio até mim e disse: "Kevin, se importaria de cuidar desta paciente pra mim?" Eu perguntei: "Por quê? Você sabe o que fazer tanto quanto eu. Você não fez nada de errado". Ele disse: "Por favor, apenas cuide dessa paciente pra mim". Ele se sentia envergonhado, não pelo que tinha feito, mas pela conversa que eles tinham tido, pelo excesso de confiança.
Então fiz uma cirurgia muito mais invasiva e depois tive uma conversa muito diferente com a paciente. Eu disse: "É bem provável que eu tenha retirado tudo e é provável que você esteja liberada, mas este é o experimento que estamos fazendo. Isto é o que você vai observar. Isto é o que eu vou observar. E vamos trabalhar juntos para saber se esta cirurgia vai funcionar para que se livre do seu câncer".
Posso garantir que ela e o marido não abriram outra garrafa de champanhe depois de terem falado comigo. Mas agora ela era uma cientista, não apenas um sujeito no experimento dela.
Por isso, encorajo vocês a buscar humildade e curiosidade em seus médicos. Quase 20 bilhões de vezes ao ano, uma pessoa entra num consultório médico, e essa pessoa se torna um paciente. Vocês, ou alguém que vocês amam, serão esse paciente algum dia muito em breve. Como vão falar com seus médicos? O que vão dizer a eles? O que eles dirão a vocês? Eles não podem dizer o que não sabem, mas podem dizer quando não sabem, se vocês simplesmente perguntarem. Então, por favor, juntem-se à conversa.
Obrigado.
(Aplausos)
Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]
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