Como os EUA deveriam usar seu status de superpotência

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Americanização e globalização são basicamente a mesma coisa há muitas gerações. Mas a visão dos EUA sobre o mundo — e a visão do mundo sobre...

Americanização e globalização são basicamente a mesma coisa há muitas gerações. Mas a visão dos EUA sobre o mundo — e a visão do mundo sobre os EUA — está mudando. Em um rápido tour pelo estado atual da política internacional, Ian Bremmer discute os desafios de um mundo onde nenhum país ou aliança enfrenta os desafios da liderança mundial e questiona se os EUA estão prontos para liderar pelo exemplo, não pela força.

Quando vimos ao TEDx, sempre pensamos em tecnologia, no mundo mudando, tornando-se mais inovador. Pensamos na ausência de condutores. Todos estão falando sobre carros sem condutor e eu amo o conceito de um carro sem condutor, mas quando entro em um, sabe, quero que ande bem devagar, quero ter acesso ao volante e ao freio, só por precaução, certo? Não sei vocês, mas não estou preparado para um ônibus sem condutor. Não estou preparado para um avião sem condutor.



Que tal um mundo sem condutor? E faço essa pergunta porque estamos cada vez mais em um.

Não é para ser assim. Somos o número um, os Estados Unidos são o todo poderoso. Americanização e globalização, há várias gerações, são praticamente a mesma coisa. Seja com a Organização Mundial do Comércio, com o FMI, o Banco Mundial, os Acordos de Bretton Woods sobre a moeda; essas eram instituições americanas, nossos valores, nossos amigos, nossos aliados, nosso dinheiro, nossos padrões. Era assim que o mundo funcionava.

Então, é um tanto interessante. Se querem ver a cara dos EUA, aqui está. Essa é nossa visão de como o mundo é governado. O presidente Obama no tapete vermelho, descendo do Air Force One, é uma imagem bem agradável, muito confortável. Não sei quantos de vocês viram a viagem para a China na semana passada e o G20. Meu Deus! Não é? Foi assim que aterrisamos para a mais importante reunião dos líderes mundiais na China. A Conselheira de Segurança Nacional estava na pista, sendo prolixa, não havia tapete vermelho, deixaram a traseira do avião de fora, juntamente com a mídia e todas as outras pessoas.

Mais tarde, no G20, bem, aí está Obama.

(Risos)

Oi, George. Oi, Norman. Estão com cara de quem vai entrar em uma luta, não é? E entraram: durante 90 minutos, falaram sobre a Síria. Era sobre isso que Putin queria falar. Cada vez mais ele dita as regras. É ele quem quer fazer algo aqui. Não há muita admiração ou confiança mútua, mas os americanos não estão dando ordens.

E quando todos os 20 se juntarem? Claro, quando os líderes estiverem no palco, os americanos vão fazer sua parte. Opa!

(Risos)

Xi Jinping parece estar bem. Angela Merkel tem — sempre tem — aquela expressão, ela sempre faz isso. Mas Putin está dizendo ao presidente turco Erdogan o que fazer e Obama está pensando:

"O que está acontecendo ali?"

Entendem? E o problema é que não é um G20, o problema é que é o mundo onde vivemos é G-Zero, uma ordem mundial em que não há um só país ou aliança que enfrente os desafios da liderança global. O G20 não funciona, o G7 e todos os nossos amigos já eram. E a globalização continua. Bens, serviços, pessoas e capital estão se movendo além das fronteiras mais rapidamente do que nunca, mas a americanização não.

Então, se os convenci disso, quero fazer duas coisas ainda nesta palestra. Quero falar sobre as consequências disso, para o mundo todo. Vou dar a volta nele. E depois quero falar sobre o que pensamos aqui nos Estados Unidos e em Nova York.

Quais são as consequências? Por que estamos aqui? Bem, estamos aqui porque os Estados Unidos gastaram US$ 2 trilhões com guerras no Iraque e no Afeganistão que fracassaram; não queremos mais fazer isso. Temos altos números das classes média e trabalhadora que acham que não se beneficiaram com as promessas da globalização, e não querem que ela aconteça. E temos uma revolução na energia: não precisamos da OPEP e do Oriente Médio como antes. Produzimos tudo bem aqui nos Estados Unidos. Os americanos não querem ser o agente mundial da segurança, nem o arquiteto do comércio global. Os americanos não querem nem ser entusiastas de valores globais.

Aí, temos a Europa, e a aliança mais importante do mundo é a relação transatlântica. Mas agora está mais fraca do que jamais esteve desde a Segunda Guerra Mundial. Todas as crises, os diálogos sobre Brexit, a cobertura financeira entre os franceses e os russos, ou entre os alemães e os turcos, ou entre os britânicos e os chineses.

A China quer exercer mais liderança. Eles querem, mas apenas na esfera econômica, e querem seus próprios valores, padrões e moeda concorrendo com os dos EUA. Os russos também querem. Podemos ver isso na Ucrânia, nos Países Bálticos, no Oriente Médio. Mas não com os americanos. Querem suas próprias opções e imposições. É por isso que estamos onde estamos.

Então, o que acontece daqui para a frente? Comecemos pelo mais fácil: Oriente Médio.

(Risos)

Sabem, deixei um pouco de fora, mas dá para ter uma ideia. Há três razões pelas quais o Oriente Médio tem tamanha estabilidade. A primeira é porque havia uma disposição para proporcionar certo nível de segurança militar vinda dos EUA e aliados. A segunda é que era simples tirar muito dinheiro fácil do solo porque o petróleo era caro. E a terceira: não importa quão ruim eram os líderes, as populações estavam adormecidas. Elas não tinham a capacidade, e muitas não tinham o desejo, de se rebelar.

Bem, posso dizer que, em um mundo G-Zero, essas três razões são cada vez menos reais, bem como estados fracassados, terrorismo, refugiados e o resto. O Oriente Médio todo desmorona? Não, os curdos vão se dar melhor e, com o tempo, Iraque, Israel e Irã. Mas, de uma forma geral, não é um bom cenário.

Tudo bem, e esse cara? Está se virando muito bem, apesar das dificuldades. Não há dúvidas de que ele está superando as expectativas. Mas, em longo prazo — não quis dizer isso. Mas, em longo prazo, em longo prazo, se acham que os russos foram contrariados quando EUA e Europa expandiram a OTAN até suas fronteiras quando disseram que não o fariam, e com a UE intrometendo-se, esperem só até os chineses colocarem centenas de bilhões de dólares em cada país ao redor da Rússia onde ela pensava ter influência. Os chineses vão dominar tudo. Os russos vão catar as migalhas. Em um mundo G-Zero, serão dez anos bem tensos para o Sr. Putin.

Isso não é tão ruim, certo? A Ásia está bem melhor. Há verdadeiros líderes pela Ásia, eles têm grande estabilidade política, já estão lá há algum tempo. Sr. Modi na Índia, Sr. Abe, que provavelmente assumirá um terceiro mandato pelo Partido Liberal Democrata no Japão, também Xi Jinping, que está se consolidando no poder, o líder mais poderoso da China desde Mao. Essas são as três principais economias da Ásia. Mas, veja, há problemas na Ásia. Vemos o combate no Mar da China Meridional. Vemos que Kim Jong Un, nos últimos dias, testou mais uma arma nuclear. Mas os líderes da Ásia não sentem necessidade de erguerem bandeiras, de serem xenófobos, de permitirem o aumento das tensões geopolíticas transfronteiriças. Eles querem focar estabilidade e crescimento econômicos em longo prazo. E é isso mesmo que estão fazendo.

Vejamos a Europa. A Europa parece um pouco assustada nesse ambiente. Muito do que vem acontecendo no Oriente Médio está sendo, de fato, levado para as margens da Europa. Vemos Brexit e as questões do populismo por todos os países da Europa.

Vou dizer que, em longo prazo, em um mundo G-Zero, a expansão europeia já terá ido longe demais. A Europa foi à Rússia, foi ao Oriente Médio, e, se o mundo estivesse, mesmo, ficando mais plano e mais americanizado, seria menos preocupante, mas, em um mundo G-Zero, os países mais próximos à Rússia e ao Oriente Médio, na verdade, têm diferentes capacidades econômicas, diferentes estabilidades sociais e preferências e sistemas políticos diferentes da Europa Central. A Europa conseguiu realmente expandir por meio do G7, mas, com o G-Zero, a Europa ficará menor. A Europa Central, países como Alemanha, França e outros, ainda funcionará, será operante, estável, rica e integrada. Mas a periférica, países como Grécia, Turquia e outros, não vai ficar tão bem assim.

América Latina: muito populismo fez as economias não irem tão bem. Foram mais contrários aos EUA por décadas. Cada vez mais estão voltando. Vemos isso na Argentina, vemos com a abertura de Cuba, veremos na Venezuela, quando Maduro cair. Veremos no Brasil, após o impeachment, e quando, finalmente, um novo e legítimo presidente for eleito. O único país que vemos caminhar em outra direção é o México, com a impopularidade de seu presidente Peña Nieto. Poderemos ver um afastamento dos EUA nos próximos anos. A eleição nos EUA terá grande influência nisso, também.

(Risos)

África, certo? Muitas pessoas disseram que essa finalmente será a década da África. Em um mundo G-Zero, é um momento ótimo para alguns países africanos. Para os bem governados, com muita urbanização, muitas pessoas inteligentes, mulheres entrando para o mercado, empreendedorismo decolando. Mas, para a maioria dos países da África, será muito mais incerta: condições climáticas extremas, radicalismo, tanto do islamismo quanto do cristianismo, governança fraca, fronteiras desprotegidas, alta migração forçada. Esses países podem sair do mapa. Veremos uma segregação extrema ocorrer entre vencedores e derrotados por toda a África.

Enfim, de volta aos Estados Unidos. O que eu penso sobre nós? Porque há muitas pessoas irritadas, não aqui no TEDx, eu sei, mas nos Estados Unidos, meu Deus, após 15 meses de campanha, nada mais justo. Entendo isso. Muitos estão irritados porque dizem:

"Washington não funciona, não confiamos no sistema, odiamos a mídia".

Puxa, até globalistas como eu estamos dando a cara a tapas.

Vejam, eu acho que temos que reconhecer, meus colegas campistas, é que, quando somos perseguidos por um urso, no contexto global, não precisamos correr mais do que o urso, apenas temos que correr mais que os outros campistas.

(Risos)

Acabei de falar com vocês sobre nossos colegas campistas. Certo? E, dessa perspectiva, estamos bem. Muitas pessoas nesse contexto dizem:

"Vamos investir no dólar, em imóveis em Nova York. Vamos mandar nossos filhos para universidades americanas".

Sabem, nossos vizinhos são fantásticos: Canadá, México e dois grandes conjuntos de água. Sabem quanto a Turquia adoraria ter vizinhos assim? Esses vizinhos são fantásticos.

O terrorismo é um problema nos Estados Unidos. Sabemos bem disso aqui em Nova York. Mas é um problema muito maior na Europa do que aqui. É um problema muito maior no Oriente Médio do que na Europa. Esses são fatores de grande importância. Aceitamos 10 mil refugiados sírios e estamos reclamando amargamente disso. Sabem por quê? Porque eles não podem nadar até aqui. Certo? Os turcos adorariam ter apenas 10 mil refugiados sírios. Os jordanianos, os alemães, os britânicos. Não é? A situação não é essa. Essa é a realidade dos Estados Unidos.

Parecer ser muito boa. Aqui está o desafio: em um mundo G-Zero, deve-se liderar pelo exemplo. Se sabemos que não queremos mais ser os agentes do mundo, que não seremos os arquitetos do comércio global, não seremos os entusiastas dos valores globais, não vamos mais agir como antes, o século 21 está mudando, devemos liderar pelo exemplo, ser tão convincentes que todos os outros ainda vão dizer:

"Eles não são apenas os campistas mais rápidos. Mesmo quando o urso não está nos perseguindo, é bom estar aqui. Queremos imitá-los".

O processo eleitoral desse ano não está dando boas opções de liderança pelo exemplo. Hillary Clinton diz que vai ser como nos anos 90. Ainda podemos ser os entusiastas dos valores. Ainda podemos ser os arquitetos do comércio global. Ainda podemos ser o agente mundial. E Donald Trump quer nos levar de volta aos anos 30.

(Risos)

Ele diz:

"É do nosso jeito ou rua. Se não gosta, o problema é seu".

Nenhum dos dois reconhece uma verdade fundamental do G-Zero: mesmo que os EUA não estejam em declínio, está ficando objetivamente mais difícil para os americanos imporem sua vontade, ou até terem grande influência na ordem global.

Estamos realmente preparados para liderar pelo exemplo? O que teríamos que fazer para resolver isso após novembro, após a chegada do novo presidente? Ou teremos que ter uma nova crise que nos force a reagir. Uma depressão faria isso. Ou outra crise financeira mundial. Ou, Deus nos livre, outro 11 de setembro. Ou, na ausência de uma crise, precisamos perceber que o vazio, a desigualdade, os desafios, que crescem cada vez mais nos EUA, já são urgentes o bastante para obrigar nossos líderes a mudarem e que temos voz para isso. Com nossos celulares, individualmente, temos a voz para exigir que mudem.

Há, claro, uma terceira alternativa, talvez a mais provável, que é não fazermos nenhuma dessa coisas e, em quatro anos, vocês convidam-me novamente, e eu farei esse discurso mais uma vez.

Muito, muito obrigado.

(Aplausos)

Fonte: TED
[Visto no Brasil Acadêmico]

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Como os EUA deveriam usar seu status de superpotência
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