O canal Extra Credits alerta como a gamificação social pode representar a mão amiga de regimes totalitários. Seria essa a face lúdica do Big...
O canal Extra Credits alerta como a gamificação social pode representar a mão amiga de regimes totalitários. Seria essa a face lúdica do Big Brother? Você está preparado?
O vídeo possui legendas em português, que devem aparecer automaticamente. Caso não apareçam é só clicar na roda dentada para configurar o idioma. A transcrição das legendas (adaptadas e com informações e destaques adicionais) seguem abaixo.
Então, um de vocês recentemente trouxe isto à nossa atenção. E quando começamos a investigar nem podíamos acreditar.
Mesmo agora, olhando para isto, continuo a pensar que "deve haver algo que eu não compreendo; do tipo, eu devo estar a ler isto mal".
É algo tão claramente retirado de uma ficção-científica distópica mas aqui está, no nosso mundo, com pessoas a adotá-lo mesmo.
Pelos vistos, a China gamificou a obediência dos cidadãos.[00:00:15 ##film##]
Com o inócuo nome de Sesame Credit, a China criou uma pontuação que mede o quão bom cidadão se é... e isso é uma das coisas mais assustadoras que ouvi há já um tempo.
É gerida em conjunto pela Tencent - sim, a mesma Tencent que possui a Riot Games e uma percentagem considerável na Epic e na Activision-Blizzard - e pela concorrente chinesa da Amazon, Alibaba (daí o nome Sesame).
Portanto os donos das maiores redes sociais na China juntaram-se ao governo para criar algo semelhante ao credit score americano; mas em vez de medir a regularidade com que pagam as contas, mede o quão obedientes são ao seguir a linha do partido.Pelos vistos, a China gamificou a obediência dos cidadãos.
[00:00:57 ##film##]
Eles vasculham dados da rede social - assim se colocarem fotos da Praça Tiannamen ou partilharam um link sobre o recente colapso do mercado de ações, a vossa pontuação desce.
Partilhem algo do canal de notícias patrocinado pelo governo sobre o quão bem anda a economia e a pontuação sobe.
Mas a Alibaba e a Tencent também são os maiores varejistas online na China, pelo que o Sesame Credit também consegue retirar dados das vossas compras.
Se comprarem algo que o estado considere valioso, tipo calçado de trabalho ou produtos agrícolas locais, a pontuação vai subir.
Se importarem anime do Japão, lá vai a pontuação abaixo.
E esta tem consequências no mundo real.
Como muitos jogos, o Sesame Credit tem categorias e níveis, e obter uma pontuação mais alta dará benefícios especiais como facilitar a papelada necessária para viajar ou obter um empréstimo.
No momento não existem consequências para uma pontuação baixa mas tem-se falado de implementar penalidades assim que o sistema se tornar obrigatório em 2020. Coisas como internet mais lenta ou até restringir o emprego que seja permitido alguém manter.
Mas há mais uma camada no Sesame Credit, e é aqui que isto passa de repugnante a realmente traiçoeiro.
[00:02:01 ##film##]
Como isto é tudo parte de uma rede social, também analisa os vossos amigos.
Por isso, perdem pontos por terem amigos com pontuações baixas. E diz-vos isso.
A qualquer altura, qualquer pessoa pode ver a pontuação de outra e quando vêem a vossa própria pontuação, o Sesame Credit mostra um mapa de amigos para verem quem está a diminuir a vossa pontuação.
Já aconteceu com você de estar jogando com alguém que não jogava tão bem e tentaram mudar o comportamento para se saírem melhor? Ou talvez, após um tempo apenas pararam de jogar com pessoas que atrasavam vocês? Isso é o núcleo do funcionamento deste sistema.
E é também o que o torna uma das mais terríveis ferramentes de opressão autoritária que já li.
Porque a censura em massa, tempo de prisão, assassinatos, são todos acessórios grandes e complicados para se manter uma população "na linha".
Essa complicação e severidade fomentam o ressentimento e eventualmente a rebelião. São custosas, difíceis de manejar... acabam por serem impossíveis de manter.
Mas a pressão social? A ostracização? Essas são de graça.
Ocorrem por si só. E enquanto ferramentas do governo não há o mesmo potencial de acabarem embaraçosamente e desastrosamente mal.
Com um sistema assim um governo nem terá de dizer às pessoas para espiar os seus vizinhos, para os denunciar.
Porque isso está tudo incluído num sistema de jogo aparentemente inócuo. O governo não precisa de se intrometer.
A reeducação será, em vez deles, tratada por amigos, colegas e familiares que queiram manter uma pontuação elevada.
E se isso não funcionar, então ideias potencialmente perigosas acabam na mesma quarentena devido ao isolamento social causado por este sistema.
Expressem, ou ajudem a espalhar, demasiadas ideias radicais e as pessoas deixarão de se associar convosco.
E não será porque um rufia lhes apareceu à porta com ameaças, mas simplesmente porque estar associado a alguém com essas ideias lhes retira todos os privilégios que tanto lhes custou a obter.
Dá um outro contexto a obediência a um regime autoritário.
No passado, obedecia-se a poderes assim pelo medo. Era o que motivava.
Mas o medo é negativo, fomenta ressentimento.
O mundo no qual estamos a entrar usa antes o reforço positivo para promover a subserviência à vontade do regime.
E o que torna isto assustador é que já vimos a eficácia disto demasiado bem em jogos.
Vocês até podem não saber mas quado o WoW estava nos seus estágios iniciais, tinha uma "penalidade de cansaço" que começava a limitar o ganho de experiência para jogadores que tivessem jogado demais; os jogadores odiaram isso, ressentiam-no e queixavam-se todos os dias.
Assim, depois de algum brainstorming, a Blizzard teve a ideia de apenas alterar a forma como o mecanismo era apresentado.
Sem mudar números e sistemas existentes, eles começaram-se a referir ao estado de penalidade de cansaço como "normal" e tornaram-no no predefinido.
E começaram a chamar ao estado de ganho original "descansado".
Foi só isso que mudaram. E toda mundo adorou.
A malta começou a entrar todos os dias só para receber esse "bônus".
Mas ao contrário do WoW, que construiu um sistema apenas para as pessoas abraçarem o grind sem significado, o Sesame Credit construiu algo para que as pessoas gostem de estar na linha.
E aqui está o terrível brilhantismo da introdução faseada.
Os mais precoces serão pessoas empolgadas com este sistema, que já são patriotas e com vontade de qualquer coisa que ajude a evidenciá-lo ao mundo.
E, sendo os primeiros a adotar, vão promovê-lo, vão falar como sendo algo positivo e divertido.
Depois será imposto à sociedade no geral.
Mais do que isso, os adotantes iniciais vão competir.
Já se vêem centenas de milhares de tweets com as pontuações das pessoas ou a mostrar as novas metas atingidas.
Atribuir números concretos ao patriotismo e dar o direito de se gabar por se ser o mais patriota, o que mais pensa "direito." E é isso que marcará o passo para o modo como se pretende que o Sesame Credit seja usado: como competição para ver quem consegue concordar mais com o governo.
Já falamos sobre jogos de propaganda neste canal, mas com todo o tempo que gastamos a examinar e a descontruir jogos terríveis que comungam do ódio, e com todos as pesquisas que o James fez sobre o assunto, é este uso de sistemas de jogos que me assusta mais.
Porque para a maioria das pessoas, o Sesame Credit parecerá benigno, divertido até.
Sistemas construídos para moldar hábitos de jogo e para fazer com que as pessoas voltem.
Como disse, ainda estou numa espécie de estado de incredulidade ao olhar para isto.
Se algum vocês estiver assistindo na China, por favor, diga-me se não estou entendendo pois eu adoraria estar errado quanto a isto.
Se não, bem, espero que este episódio possa fazer um pouco por ajudar na luta para impedir que o sistema se torne obrigatório.
Para o resto do mundo, que isto nos ajude a recordar o quão importante é ter noção e atenção.
Todas estas técnicas de ludificação que aprendemos ao fazer jogos oferecem oportunidades incríveis para melhorar este mundo e torná-lo mais envolvente.
Mas cada ferramenta carrega o potencial para ser abusada e cabe-nos a nós, enquanto comunidade que compreende este impressionante novo meio, fazer o possível para pará-lo.
Até a próxima.
Saiba mais.
Fonte: Extra Credits
[Visto no Brasil Acadêmico]
O vídeo possui legendas em português, que devem aparecer automaticamente. Caso não apareçam é só clicar na roda dentada para configurar o idioma. A transcrição das legendas (adaptadas e com informações e destaques adicionais) seguem abaixo.
Clique Retroceder Avançar Espaço / / F
Então, um de vocês recentemente trouxe isto à nossa atenção. E quando começamos a investigar nem podíamos acreditar.
Mesmo agora, olhando para isto, continuo a pensar que "deve haver algo que eu não compreendo; do tipo, eu devo estar a ler isto mal".
É algo tão claramente retirado de uma ficção-científica distópica mas aqui está, no nosso mundo, com pessoas a adotá-lo mesmo.
Pelos vistos, a China gamificou a obediência dos cidadãos.[00:00:15 ##film##]
Com o inócuo nome de Sesame Credit, a China criou uma pontuação que mede o quão bom cidadão se é... e isso é uma das coisas mais assustadoras que ouvi há já um tempo.
É gerida em conjunto pela Tencent - sim, a mesma Tencent que possui a Riot Games e uma percentagem considerável na Epic e na Activision-Blizzard - e pela concorrente chinesa da Amazon, Alibaba (daí o nome Sesame).
Portanto os donos das maiores redes sociais na China juntaram-se ao governo para criar algo semelhante ao credit score americano; mas em vez de medir a regularidade com que pagam as contas, mede o quão obedientes são ao seguir a linha do partido.Pelos vistos, a China gamificou a obediência dos cidadãos.
[00:00:57 ##film##]
Eles vasculham dados da rede social - assim se colocarem fotos da Praça Tiannamen ou partilharam um link sobre o recente colapso do mercado de ações, a vossa pontuação desce.
Partilhem algo do canal de notícias patrocinado pelo governo sobre o quão bem anda a economia e a pontuação sobe.
Mas a Alibaba e a Tencent também são os maiores varejistas online na China, pelo que o Sesame Credit também consegue retirar dados das vossas compras.
Se comprarem algo que o estado considere valioso, tipo calçado de trabalho ou produtos agrícolas locais, a pontuação vai subir.
Se importarem anime do Japão, lá vai a pontuação abaixo.
E esta tem consequências no mundo real.
Como muitos jogos, o Sesame Credit tem categorias e níveis, e obter uma pontuação mais alta dará benefícios especiais como facilitar a papelada necessária para viajar ou obter um empréstimo.
No momento não existem consequências para uma pontuação baixa mas tem-se falado de implementar penalidades assim que o sistema se tornar obrigatório em 2020. Coisas como internet mais lenta ou até restringir o emprego que seja permitido alguém manter.
Mas há mais uma camada no Sesame Credit, e é aqui que isto passa de repugnante a realmente traiçoeiro.
[00:02:01 ##film##]
Como isto é tudo parte de uma rede social, também analisa os vossos amigos.
Por isso, perdem pontos por terem amigos com pontuações baixas. E diz-vos isso.
A qualquer altura, qualquer pessoa pode ver a pontuação de outra e quando vêem a vossa própria pontuação, o Sesame Credit mostra um mapa de amigos para verem quem está a diminuir a vossa pontuação.
Já aconteceu com você de estar jogando com alguém que não jogava tão bem e tentaram mudar o comportamento para se saírem melhor? Ou talvez, após um tempo apenas pararam de jogar com pessoas que atrasavam vocês? Isso é o núcleo do funcionamento deste sistema.
E é também o que o torna uma das mais terríveis ferramentes de opressão autoritária que já li.
Porque a censura em massa, tempo de prisão, assassinatos, são todos acessórios grandes e complicados para se manter uma população "na linha".
Essa complicação e severidade fomentam o ressentimento e eventualmente a rebelião. São custosas, difíceis de manejar... acabam por serem impossíveis de manter.
Mas a pressão social? A ostracização? Essas são de graça.
Ocorrem por si só. E enquanto ferramentas do governo não há o mesmo potencial de acabarem embaraçosamente e desastrosamente mal.
Com um sistema assim um governo nem terá de dizer às pessoas para espiar os seus vizinhos, para os denunciar.
Porque isso está tudo incluído num sistema de jogo aparentemente inócuo. O governo não precisa de se intrometer.
A reeducação será, em vez deles, tratada por amigos, colegas e familiares que queiram manter uma pontuação elevada.
E se isso não funcionar, então ideias potencialmente perigosas acabam na mesma quarentena devido ao isolamento social causado por este sistema.
Expressem, ou ajudem a espalhar, demasiadas ideias radicais e as pessoas deixarão de se associar convosco.
E não será porque um rufia lhes apareceu à porta com ameaças, mas simplesmente porque estar associado a alguém com essas ideias lhes retira todos os privilégios que tanto lhes custou a obter.
Dá um outro contexto a obediência a um regime autoritário.
No passado, obedecia-se a poderes assim pelo medo. Era o que motivava.
Mas o medo é negativo, fomenta ressentimento.
O mundo no qual estamos a entrar usa antes o reforço positivo para promover a subserviência à vontade do regime.
É a mão mais gentil do grande irmão.
E o que torna isto assustador é que já vimos a eficácia disto demasiado bem em jogos.
Vocês até podem não saber mas quado o WoW estava nos seus estágios iniciais, tinha uma "penalidade de cansaço" que começava a limitar o ganho de experiência para jogadores que tivessem jogado demais; os jogadores odiaram isso, ressentiam-no e queixavam-se todos os dias.
Assim, depois de algum brainstorming, a Blizzard teve a ideia de apenas alterar a forma como o mecanismo era apresentado.
Sem mudar números e sistemas existentes, eles começaram-se a referir ao estado de penalidade de cansaço como "normal" e tornaram-no no predefinido.
E começaram a chamar ao estado de ganho original "descansado".
Foi só isso que mudaram. E toda mundo adorou.
A malta começou a entrar todos os dias só para receber esse "bônus".
Reforço positivo faz maravilhas.
Mas ao contrário do WoW, que construiu um sistema apenas para as pessoas abraçarem o grind sem significado, o Sesame Credit construiu algo para que as pessoas gostem de estar na linha.
Agora, este sistema ainda não é obrigatório, é opcional. Mas será em 2020.
E aqui está o terrível brilhantismo da introdução faseada.
Os mais precoces serão pessoas empolgadas com este sistema, que já são patriotas e com vontade de qualquer coisa que ajude a evidenciá-lo ao mundo.
E, sendo os primeiros a adotar, vão promovê-lo, vão falar como sendo algo positivo e divertido.
Depois será imposto à sociedade no geral.
Mais do que isso, os adotantes iniciais vão competir.
Já se vêem centenas de milhares de tweets com as pontuações das pessoas ou a mostrar as novas metas atingidas.
Atribuir números concretos ao patriotismo e dar o direito de se gabar por se ser o mais patriota, o que mais pensa "direito." E é isso que marcará o passo para o modo como se pretende que o Sesame Credit seja usado: como competição para ver quem consegue concordar mais com o governo.
Já falamos sobre jogos de propaganda neste canal, mas com todo o tempo que gastamos a examinar e a descontruir jogos terríveis que comungam do ódio, e com todos as pesquisas que o James fez sobre o assunto, é este uso de sistemas de jogos que me assusta mais.
Porque para a maioria das pessoas, o Sesame Credit parecerá benigno, divertido até.
É forma de incitar conversas, para se partilhar com amigos. Mas faz uso de todos os motivadores psicológicos que nós criadores de jogos usamos: sistemas de pontuação, escadas e níveis.[00:06:10 ##film##]
Sistemas construídos para moldar hábitos de jogo e para fazer com que as pessoas voltem.
Como disse, ainda estou numa espécie de estado de incredulidade ao olhar para isto.
Se algum vocês estiver assistindo na China, por favor, diga-me se não estou entendendo pois eu adoraria estar errado quanto a isto.
Se não, bem, espero que este episódio possa fazer um pouco por ajudar na luta para impedir que o sistema se torne obrigatório.
Para o resto do mundo, que isto nos ajude a recordar o quão importante é ter noção e atenção.
Todas estas técnicas de ludificação que aprendemos ao fazer jogos oferecem oportunidades incríveis para melhorar este mundo e torná-lo mais envolvente.
Mas cada ferramenta carrega o potencial para ser abusada e cabe-nos a nós, enquanto comunidade que compreende este impressionante novo meio, fazer o possível para pará-lo.
Até a próxima.
Saiba mais.
Fonte: Extra Credits
[Visto no Brasil Acadêmico]
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