Moyo examina o atual panorama económico e sugere que comecemos a pensar no capitalismo como um espectro, de modo a que possamos misturar o melhor de diferentes modelos para promover o crescimento.
A nossa capacidade para criar e sustentar o crescimento económico é o grande desafio da nossa época.
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É claro que há outros desafios — os serviços de saúde, os encargos com as doenças e as pandemias, desafios ambientais e, naturalmente, o terrorismo radicalizado. No entanto, na medida em que podemos de facto resolver o desafio do crescimento econômico, vai demorar muito para resolver os desafios que acabo de elucidar.
Ainda mais importante, a menos que, e até que resolvamos o crescimento econômico e criemos um crescimento econômico sustentável a longo termo, seremos incapazes de tratar os desafios aparentemente insolúveis que continuam a prevalecer hoje, no globo, sejam os serviços de saúde, a educação ou o desenvolvimento econômico.
A questão fundamental é a seguinte: Como é que vamos criar crescimento econômico em economias avançadas e desenvolvidas, como os EUA e a Europa, numa altura em que continuam a ter dificuldades para criar crescimento econômico depois da crise financeira?
Eles continuam a ter um desempenho negativo e a ver uma falha nos três fatores determinantes do crescimento econômico: capital, trabalho e produtividade. Em particular, estas economias desenvolvidas continuam a ver dívidas e défices, o declínio e a falha tanto da qualidade como da quantidade de trabalho e também veem estagnação da produtividade.
De igual modo, como é que vamos criar crescimento econômico nos mercados emergentes, onde 90% da população do mundo vive e onde, em média, 70% da população tem menos de 25 anos? Nestes países, é essencial que eles cresçam num mínimo de 7% por ano de modo a pôr um fim na pobreza e a duplicar os salários "per capita" numa geração. Ainda assim, hoje, as maiores economias emergentes — países com, pelo menos, 50 milhões de pessoas, continuam a ter dificuldades para alcançar a marca mágica de 7%. Pior do que isso, países como a Índia, Rússia, África do Sul, Brasil e até a China estão a cair abaixo dos tais 7% e, em muitos dos casos, a regredir.
O crescimento econômico tem importância. Com o crescimento econômico, países e sociedades entram num ciclo virtuoso de mobilidade ascendente, oportunidade e níveis de vida melhorados. Sem crescimento, os países contraem e atrofiam, não só nos anais das estatísticas econômicas mas também no significado da vida e como as vidas são vividas. O crescimento econômico tem uma importância tremenda para o indivíduo. Se o crescimento diminuir, o risco para o progresso humano e o risco de instabilidade político-social aumenta, e as sociedades tornam-se mais fracas, brutais e mesquinhas.
O contexto importa. E países em mercados emergentes não precisam de crescer na mesma proporção que os países desenvolvidos.
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Eu sei que alguns de vocês nesta sala acham que é uma proposta arriscada. Há algumas pessoas aqui que vão virar costas, bastante desiludidas com o que tem acontecido no mundo inteiro, atribuindo isso, basicamente, ao crescimento econômico. Vocês preocupam-se com a sobrepopulação do planeta. E ao olharem para as estatísticas e projeções recentes da ONU, em que o mundo terá 11 milhões de pessoas no planeta antes de chegar ao limite, em 2100, estão preocupados com o que isso faz aos recursos naturais — terra arável, água potável, energia e minerais. Vocês também estão preocupados com a degradação do ambiente. E preocupam-se sobre como é que o Homem, consubstanciado na empresa globalista, se tornou ganancioso e corrupto.
Mas estou aqui para vos dizer hoje que o crescimento econômico tem sido o pilar das mudanças nos níveis de vida de milhões de pessoas em todo o mundo. E, mais importante, não é só o crescimento econômico que tem sido orientado pelo capitalismo.
A definição de capitalismo, muito simplesmente, é que os fatores de produção, tais como o comércio e a indústria, o capital e o trabalho, são deixados nas mãos do setor privado e não do estado.
É mesmo essencial aqui que compreendamos que, fundamentalmente, a crítica não é para o crescimento econômico "per se" mas para o que aconteceu ao capitalismo. E na medida em que precisamos de criar crescimento econômico a longo prazo, teremos de persegui-lo com uma melhor postura econômica.
O crescimento econômico precisa de capitalismo, mas precisa que funcione bem. Como mencionei há pouco, o essencial do sistema capitalista foi definido por atores privados. E até isto, no entanto, é uma dicotomia muito simplista. Capitalismo: bom; não-capitalismo: mau. Quando na prática, o capitalismo é muito mais um espectro. E temos países como a China, que praticaram mais um capitalismo de estado, e temos países como os EUA, que são mais capitalistas de mercado.
Os nossos esforços para criticar o sistema capitalista, no entanto, têm mantido um foco em países como a China que, na verdade, são um capitalismo de mercado não ostensivo.
Contudo, existe uma razão verdadeira e uma preocupação real para darmos toda a nossa atenção para formas de capitalismo mais puras, particularmente as consagradas pelos EUA. Isto é muito importante, porque este tipo de capitalismo cada vez mais tem sido alvo da crítica de estar agora a fomentar corrupção e, ainda pior, está a aumentar cada vez mais a desigualdade — a ideia de que poucos estão a beneficiar à custa dos muitos.
As duas questões verdadeiramente críticas que temos de abordar é como é que podemos corrigir o capitalismo para que possa ajudar a criar crescimento econômico e, ao mesmo tempo, ajudar a tratar de males sociais.
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De maneira a pensar nesse enquadramento, temos que nos perguntar, como é que funciona hoje o capitalismo? De um modo simplista, o capitalismo é definido com base na utilidade maximizadora de um indivíduo, um individuo egoísta que vai atrás do que ele ou ela quer. E apenas depois de terem maximizado a sua utilidade é que então decidem que é importante fornecer apoio a outros contratos sociais. É claro, que neste sistema, os governos cobram impostos, e usam parte dos seus rendimentos para financiar programas sociais, reconhecendo que o papel do governo não é só a regulamentação mas também ser árbitro de bens sociais. Mas, apesar disso, este quadro — este quadro em duas fases — é a base pela qual temos agora de começar a pensar como é que podemos aprimorar o modelo capitalista.
Eu diria que existem dois lados para este desafio. Primeiro de tudo, podemos retirar das políticas de direita o que poderia ser benéfico para nós para pensar em como é que podemos melhorar o capitalismo.
Em particular, as políticas de direita tendem a focar-se em coisas tal como transferências condicionais, onde pagamos às pessoas e as recompensamos por fazerem as coisas que consideramos que podem ajudar a reforçar o crescimento econômico. Por exemplo, ao mandar os filhos para a escola, os pais podem ganhar dinheiro por isso, ou vacinando ou imunizando os seus filhos, os pais poderiam ser pagos por o fazerem.
Agora, bem distante do debate sobre se devíamos ou não pagar às pessoas para fazerem o que achamos que deviam fazer de qualquer das formas, a verdade é que pagar pelo desempenho gerou alguns resultados positivos em lugares como o México, no Brasil, e também em programas-piloto em Nova Iorque.
Mas também há benefícios e mudanças significativas em andamento em políticas de esquerda. Argumentos de que o governo devia alargar o seu papel e responsabilidade para não ser definido tão estritamente e de que o governo devia ser muito mais árbitro dos fatores de produção, tornaram-se vulgares com o sucesso da China. Mas também começamos a ter debates sobre como é que o papel do setor privado devia afastar-se de ser apenas um motivo de lucro e estar mais comprometido na concretização de programas sociais. Coisas como programas de responsabilidade social das empresas, ainda que em pequena escala, estão a ir na direção certa. É claro, as políticas de esquerda têm tendido a obscurecer as linhas entre o governo, ONGs e o setor privado.
Dois muito bons exemplos disto são os EUA do século XIX, quando a implementação da infraestrutura era realmente sobre parcerias publico-privadas. Mais recentemente, claro, a chegada da Internet também provou ao mundo que o público e o privado podem trabalhar juntos para a melhoria da sociedade.
A minha mensagem fundamental para vocês é esta: Não podemos continuar a tentar resolver os desafios do crescimento econômico do mundo sendo dogmáticos e desnecessariamente ideológicos. De maneira a criar crescimento econômico sustentável a longo prazo, e resolver os desafios e males sociais que continuam a atormentar o mundo hoje, vamos ter de ser mais tolerantes sobre o que poderá funcionar.
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Por fim, temos de reconhecer que a ideologia é o inimigo do crescimento.
Obrigada.
(Aplausos)
Bruno Giussani: Eu quero fazer algumas perguntas, Dambisa, porque alguém poderia reagir à sua última frase dizendo que o crescimento é também uma ideologia, é possivelmente a ideologia dominante da nossa época. O que é que diz àqueles que reagem assim?
DM: Bom, eu acho que isso é completamente legítimo, e eu acho que já estamos a falar sobre isso. Há muito trabalho a ser feito em torno da felicidade e outras métricas a serem usadas para medir o sucesso das pessoas e as melhorias no nível de vida. E então eu acho que devíamos estar abertos ao que poderia trazer melhorias ao nível de vida das pessoas e continuar a reduzir a pobreza no mundo.
BG: Portanto, você está a defender a reabilitação do crescimento, mas a única forma disso acontecer sem comprometer a capacidade da Terra, para nos levar numa longa viagem, o crescimento econômico de alguma forma tem de se dissociar do uso subjacente de recursos. A Dambisa acha que vai acontecer?
DM: Bom, eu acho que sou mais otimista sobre a capacidade e engenho humanos. Eu acho que se começássemos a limitar-nos ao uso dos recursos finitos, escassos e esgotados que conhecemos hoje, poder-nos-íamos tornar bastante negativos e bastante preocupados com a forma como o mundo está.
No entanto, vimos o Clube de Roma, vimos queixas anteriores de que o mundo estaria a esgotar os seus recursos e não é preciso argumentar que essas coisas não são válidas. Mas eu acho que com engenho poderíamos ver a dessalinização. Eu acho que poderíamos reinvestir na energia para que possamos obter melhores resultados. E então nesse sentido, sou muito mais otimista sobre o que os humanos conseguem fazer.
BG: O que me impressiona nas suas propostas para a reabilitação do crescimento e para um novo rumo é que está mais ou menos a sugerir ajustar o capitalismo com mais capitalismo determinando um preço no bom comportamento — como incentivo — ou desenvolvendo um papel maior para o negócio nos problemas sociais. É isso que você está a sugerir?
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DM: Eu estou a sugerir que temos de ter uma mente aberta. Eu acho que é absolutamente o caso: os modelos tradicionais de crescimento econômico não estão a funcionar da forma que nós gostaríamos que estivessem. E acho que não é por acaso que hoje, a maior economia do mundo, os EUA, tem uma democracia, uma democracia liberal, como a sua posição política principal e tem capitalismo de mercado livre — até onde é livre — um capitalismo de mercado como a sua posição econômica. A segunda maior economia é a China. Tem uma democracia sem prioridade e tem capitalismo de estado, o que é um modelo completamente diferente. Estes dois países, modelos políticos completamente diferentes e modelos econômicos completamente diferentes, e ainda assim têm o mesmo número de desigualdade de rendimento medido como um coeficiente de Gini.
Eu acho que esses são os debates que devíamos ter, porque não é de todo claro qual o modelo que deveríamos estar a usar, e penso que deve haver muito mais diálogo e muito mais humildade sobre o que sabemos e o que não sabemos.
BG: Uma última pergunta. O COP21 está a acontecer em Paris. Se a Dambisa pudesse enviar um "tweet" a todos os Chefes de Estado e Chefes de Delegação lá, o que é que diria?
DM: Mais uma vez, seria principalmente sobre ter uma mente aberta. Como deve ter consciência, os problemas em torno dos problemas ambientais têm estado agora muitas vezes na agenda — em Copenhaga, o '72 em Estocolmo — e continuamos a reanalisar estes problemas em parte, porque não há um acordo fundamental. Na verdade, há uma divisão entre o que os países desenvolvidos acreditam e o que querem e o que os países de mercado emergente querem. Os países de mercado emergente precisam de continuar a criar crescimento econômico para que não tenhamos uma incerteza política nesses países. Os países desenvolvidos reconhecem que têm uma responsabilidade real e importante não só para controlar as suas emissões de CO2 e alguma da degradação que estão a contribuir para o mundo, mas também como lançadores de tendência em I&D. E então eles também têm de se sentar à mesa. Mas, em suma, não pode ser a situação onde começamos a atribuir políticas aos mercados emergentes sem os próprios países desenvolvidos também a dar um golpe no que estão a fazer, tanto na oferta como na procura, nos mercados desenvolvidos.
BG: Dambisa, obrigada por vir ao TED.
DM: Muito obrigada.
(Aplausos)
Fonte:
[Visto no Brasil Acadêmico]
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