O que os médicos não sabem sobre as drogas que prescrevem

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Quando uma nova droga é testada, os resultados dos testes deveriam ser publicados para o resto do mundo acadêmico -- mas, na maioria das vez...

Quando uma nova droga é testada, os resultados dos testes deveriam ser publicados para o resto do mundo acadêmico -- mas, na maioria das vezes, resultados negativos ou inconclusivos não são relatados, deixando médicos e pesquisadores no escuro. Nessa palestra apaixonante, Ben Goldacre explica porque esse casos não relatados de informação negativa são particularmente enganosos e perigosos.

Ben Michael Goldacre é um escritor e psiquiatra britânico. É autor da coluna "Bad Science" do jornal The Guardian e de um livro com o mesmo título.[Wikipedia]
Oi, então, esse cara aqui, acha que pode prever o futuro Seu nome é Nostradamos, apesar do sol ter feito ele parecer com o Sean Connery . (Risos)


E como a maioria de vocês, suspeito, não acredito realmente que pessoas podem prever o futuro. Não acredito em premonição e de vez em quando ouvimos que alguém foi capaz de prever algo que aconteceria no futuro e provalvelmente foi puro acaso e apenas ouvimos sobre acasos e sobre os loucos. Não sabemos de todas as vezes que as pessoas erraram. Esperamos que isso aconteça com histórias bobas sobre premonição, mas o problema é temos o mesmo problema na academia e na medicina, e nesse meio isso custa vidas.

Primeiro, pensando apenas na premonição, parece que no ano passado um pesquisador chamado Daryl Bem conduziu uma pesquisa em que achou evidências de poderes precognitivos em estudantes de graduação e isso foi publicado em uma revista acadêmica revisada pelos pares e muitos dos que leram isso disseram: " ok, bem, justo, mas acho que é acaso, isso é uma loucura, porque eu sei que se fissesse um estudo em que não achasse evidência que estudantes de graduação tinham poderes precognitivos provavelmente não seria publicado numa revista. E de fato, sabemos que é verdade, porque vários grupos diferentes de cientistas pesquisadores tentaram reproduzir os achados desse estudo precognitivo e quando o submeteram a mesmíssima revista, a revista disse: "Não, não estamos interessados em publicar cópias. Não estamos interessados nos seus dados negativos." Então, isso é evidência de como, na literatura acadêmica veremos uma amostra parcial do real cenário de todos estudos científicos que foram realizados.

Mas isso não acontece só no árido campo acadêmico da psicologia. Também acontece, por exemplo, com a pesquisa de câncer Assim, em março de 2012, há apenas um mês, alguns pesquisadores relataram na revista Nature como eles tentaram reproduzir 53 diferentes estudos cientificos básicos observando potenciais alvos para o tratamento de câncer, e dos 53 estudos, eles foram capazes apenas de reproduzir seis com sucesso. 47 dos 53 não conseguiram reproduzir. E na discussão deles, eles dizem que provavelmente é porque os loucos são publicados. As pessoas farão diferentes estudos, e no caso de funcionar serão publicados, e aqueles que não funcionarem, não serão. A primeira recomendação sobre como consertar esse problema, pois é um problema que nos coloca a todos em beco sem saída, a primeira recomendação deles para consertar esse problema é tornar mais fácil a publicação de resultados negativos na ciência e mudar os incentivos, para que os cientistas sejam encorajados a postar mais seus resultados negativos.

Mas isso não acontece apenas no árido terreno da pesquisa cientifica, básica e préclinica, do câncer. Também acontece na medicina acadêmica verdadeira, de carne e osso. Assim, em 1980 alguns pesquisadores fizeram um estudo sobre uma droga uma chamada lorcainida, essa era uma droga contra arritimia, uma droga que suprime ritmos cardiacos anormais, e a ideia era, depois que as pessoas tivessem um ataque cardíaco, elas provavelmente teriam arritmia cardíaca, assim se dermos a elas uma droga que os suprime isso irá aumentar a chances delas sobreviverem. Logo no começo do desenvolvimento, eles fizeram um pequeno teste, com apenas 100 pacientes. 50 usaram lorcainida e desses 10 morreram. Os outros 50 tomaram um placebo de açucar com nenhum ingrediente ativo, e apenas 1 morreu. Assim, eles entenderam que a droga era um fracasso, e seu desenvolvimento comercial foi interrompido, e por isso o teste nunca foi publicado.

Infelizmente, ao longo dos próximos 5, 10 anos outras empresas tiveram a mesma ideia que drogas podem prevenir arritimias naqueles que já tiveram um ataque cardíaco. Essas drogas foram comercializadas. Prescritas amplamente já que ataques cardíacos são muito comuns, e levamos muito tempo para descobrir que essas drogas também aumentavam a taxa de mortalidade e antes de detectarmos esse sinal de segurança, mais de 100.000 pessoas morreram desnecessariamente nos Estados Unidos da prescrição de drogas contra arritimia.

Bom, na verdade, em 1993, os pesquisadores que fizeram o estudo em 1980, o primeiro deles publicaram uma mea culpa, uma descupa à comunidade científica, na qual diziam: "Quando fizemos nosso estudos nos anos 80 pensávamos que a taxa crescente de mortalidade que ocorreu no grupo da lorcainida era um efeito do acaso." O desenvolvimento da lorcainida foi abandonado por motivos comerciais, e esse estudo nunca foi publicado; agora é um bom exemplo de uma publicação tendenciosa. Esse é o termo técnico para o fenômeno em que informação desagradável se perde, não é publicada, é deixada pra trás, eles dizem que os resultados descritos aqui "podiam ter dado um alerta incial dos problemas por vir"

Estas são histórias da ciência básica. São histórias de 20, 30 anos atrás. O meio de publicação acadêmica está muito diferente, hoje. Há revistas acadêmicas como "Testes" a revista de acesso livre, que publica qualquer teste conduzido em humanos independente se o resultado foi positivo ou negativo. Mas este problema de resultados negativos que são abandonados ainda é muito presente. Na verdade é tão presente que ele vai ao centro da medicina baseada em evidências. Essa é uma droga chamada reboxetina, uma dessas que eu mesmo já prescrevi. É um antidepressivo. E eu sou um médico muito nerd, então já li todos os estudos que pude sobre essa droga. Li o único que foi publicado que mostrava que reboxetina era melhor que placebo, e li outros três que foram publicados que diziam que reboxetina era boa como qualquer outro antidepressivo, e porque esse paciente não tinha se dado bem com outros antidepressivos, Pensei, bom, reboxetina é bom como os outros. Vamos tentar. Acontece que eu estava enganado. Na verdade, vários testes foram conduzidos comparando reboxetina com um placebo de açucar. Um deles foi positivo e publicado, mas seis outros foram negativos e nunca publicados. Três testes publicados comparando reboxetina a outros antidepressivos, nos quais ela era tão boa quanto outros foram publicados, mas outras três vezes o número de pacientes cuja informação foi positiva, mostrou que a reboxetina era pior que qualquer desses outros tratamentos, e tais testes não foram publicados. Eu me senti enganado.

Agora, vocês podem pensar, bem, esse é um exemplo muito incomum, e eu não gostaria de ser culpado por esse mesmo tipo de referenciação seletiva e falaciosa da qual estou acusando outras pessoas. Mas acontece que esse fenômeno de publicações tendenciosas tem sido, na verdade, muito bem estudado. Bom, eis um bom exemplo de como abordá-lo. O modelo clássico é, você pega um monte de estudos em que você sabe que eles foram realizados e completados depois você verifica se eles foram publicados em algum lugar na literatura acadêmica. Assim se pegou todos os testes que foram conduzidos sobre antidepressivos que foram aprovados num período de 15 anos pela FDA. Pegaram todos os testes que foram submetidos à FDA como parte do pacote aprovado. Assim, esses não são todos os testes que foram conduzidos sobre essas drogas, porque nunca saberemos se os temos, mas são aqueles que foram realizados pra que se conseguisse a autorização de marketing. Depois fomos ver se esses testes foram publicados na literatura acadêmica revisada pelos pares. E isso foi o que eles acharam. Era mais ou menos 50-50. Metade desses testes foram positivos, metade negativos, na verdade. Mas quando olharam esses testes na literatura acadêmica revista pelos pares, o que eles acharam foi um quadro diferente. Apenas três dos testes negativos foram publicados, mas todos menos um dos positivos foi publicado. Agora, se apenas reanalizarmos esses dois podemos ver uma espantosa diferença entre a realidade e o que os médicos, pacientes, membros da comissão do serviço de saúde, e acadêmicos foram capazes de ver na literatura acadêmica revisada pelos pares. Fomos enganados,essa é uma falha sistemática no centro da medicina.

Na verdade, houve tantos estudos realizados sobre publicações tendenciosas, mais de cem, que eles foram recolhidos em uma revisão sistêmica, publicada em 2010, que analisou cada um dos estudos sobre publicações tendênciosas que puderam achar. Publicações tendenciosas afetam cada área da medicina. Cerca de metade desses testes, em média, se perdem em combate e sabemos que é duplamente mais provável que achados positivos sejam publciados que os negativos.

Esse é um câncer no centro da medicina baseada em evidências. Se eu jogasse uma moeda 100 vezes depois escondesse de vocês os resultados de metade das vezes Poderia fazer parecer que eu tinha um moeda que sempre dá cara. Mas isso não significaria que eu tenho uma moeda com duas caras. Isso significaria que eu era um espertinho e você um idiota por me deixar sair com esta. (Risos) Mas isso é exatamente o que cegamente toleramos em toda a medicina baseada em evidências. E pra mim, esse é um erro da pesquisa. Se eu realizasse um estudo e escondesse metade da informação desse estudo, vocês acusariam-me, corretamente, essencialmente de pesquisa fraudulenta. E ainda, por algum motivo, se alguém realizar 10 estudos, mas só publicarem os 5 que possuem o resultado esperado, não consideramos que isso é erro de pesquisa. E quando essa responsabilidade é difundida por toda uma rede de pesquisdores, acadêmicos, patrocinadores industriais, editores de revistas, por algum motivo achamos que é mais aceitável, mas o efeito nos pacientes é devastador.

E isso está acontecendo agora mesmo, hoje. Essa é uma droga chamada Tamiflu. Tamiflu é a droga na qual os governos de todo o mundo gastaram bilhões e bilhões de dólares no armazenamento, e estocamos pílulas de Tamiflu em pânico, na crença de que iria reduzir a taxa de complicações da influenza. Complicações é um eufemismo médico para pneumonia e morte. (Risos) Agora, quando os revisores sistêmicos de Cochrane tentavam juntar toda a informação sobre os testes que foram realizados acerca do fato do Tamiflu fazer isso ou não, eles acharam que muitos destes testes não foram publicados. Os resultados não estavam disponíveis para eles. E eles começaram a obter as descrições destes testes por diversos meios, por meio de solicitações ao Ato de Informação Livre, incomodando diferentes organizações, o que eles acharam foi inconsistente. E quando tentaram compreender os relatórios dos estudos clínicos, o documento de 10.000 páginas que tem a melhor interpretação possível da informação, lhes foi dito que não lhes era permitido tê-lo. E se quiserem ler a correspondência completa e as desculpas e explicações dadas pela indústria farmaceutica, podem vê-la escrita na edição dessa semana da PLOS Medicina.

A coisa mais surpreendente de tudo isso, pra mim, é que isso não só é um problema, não apenas reconhecemos que é um problema, mas temos que aguentar as falsas soluções. Temos pessoas que fingem que esse problema foi resolvido. Primeiro de tudo, temos registros de testes, e todos disseram, ah, certo. Faremos todos registrarem seus testes, eles postaram o protocolo, diram o que farão antes de fazer, e depois seremos capazes de checar e verificar se os testes que foram realizados e completados foram publicados. Mas as pessoas não se incomodaram em usar tais registros. Daí, o Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas veio dizer ah, certo, nós faremos o filtro. Não publicaremos em nenhuma revista, nenhum teste a não ser que ele tenha sido registrado antes de começar. Mas eles não o fizeram. Em 2008, um estudo foi realizado que mostrava que metade dos estudos publicados pelas revistas editados pelos membros da ICMJE não foram devidamente registrados e um quarto deles não foram registrados de forma alguma. E finalmente, a Emenda da FDA foi aprovada há alguns anos, dizendo que todos que realizarem um teste devem postar os resultados dentro de um ano. E a primeira edição de Janeiro da BMJ em 2012, vocês podem ver um caso que verifica se as pessoas cumpriram essa regra, e acabou que apenas 1 de cada 5 o fizeram.

Isso é um desastre. Não podemos saber o verdadeiro efeito dos medicamentos que prescrevemos se não tivermos acesso à toda informação.

E isso não é um problema difícil de resolver. Precisamos forçar as pessoas a publicar todos os testes realizados em humanos, incluindo outros testes, porque a Emenda da FDA apenas obriga a publicação dos testes realizados depois de 2008, e eu não sei que mundo é esse em que nós estamos praticando a medicina com base apenas em testes completados nos últimos 2 anos. Precisamos publicar todos os testes em humanos, incluindo testes mais antigos para todas as drogas em uso e vocês precisam dizer a todos que conhecem que isso é um problema que ainda não foi resolvido. Muito obrigado.
(Aplausos)

[Via BBA]

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Brasil Acadêmico: O que os médicos não sabem sobre as drogas que prescrevem
O que os médicos não sabem sobre as drogas que prescrevem
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