Reveja o programa Roda Viva, da TV Cultura, que entrevistou o arquiteto Oscar Niemeyer em 1997.
Reveja o programa Roda Viva, da TV Cultura, que entrevistou o arquiteto Oscar Niemeyer em 1997.
Matinas Suzuki: Boa noite! No centro do Roda Viva especial de hoje está o arquiteto Oscar Niemeyer.
Comentarista: Carioca nascido em 1907, Oscar Niemeyer ensaiava o sonho de ser arquiteto ainda na infância, traçando com o dedo formas soltas no espaço. Entrou para a Escola de Belas Artes com 20 anos e, ao dividir um atelier com seu amigo, o arquiteto Lúcio Costa, surgiu o primeiro trabalho da dupla o projeto do antigo ministério da educação no Rio de Janeiro. Em 1940 conheceu Juscelino Kubitschek, então prefeito de Belo Horizonte, que lhe encomendou da noite para o dia o projeto do conjunto da Pampulha. Numa época em que a fantasia não saía dos conceitos Niemeyer mergulhou num mundo de novas formas lirismo e liberdade criadora abrindo caminho para a arquitetura moderna no Brasil. Os anos 50 ainda não tinham chegado e Niemeyer já participava do planejamento da sede das Nações Unidas, em Nova York, e projetava o parque Ibirapuera e o edifício Copam, em São Paulo. Em 56, um novo encontro com Kubitschek e mais uma encomenda, os palácios de Brasília, a nova capital federal. Morou por três anos na nova capital onde concebeu uma de suas principais marcas – as colunas do Palácio da Alvorada e os arcos do Palácio do Itamaraty. O nome Niemeyer já corria o mundo, em 63 recebe o prêmio Lênin da paz, e no ano seguinte estava na Europa quando soube do golpe militar no Brasil. Foi então para Israel onde elaborou diversos projetos. De volta ao Brasil, projetou o Memorial da América Latina, em São Paulo, é homenageado como grande oficial da Ordem do Rio Branco. Em 88, nos Estados Unidos, recebe o prêmio Pulitzer de arquitetura. Nos anos 90 espalha ainda mais sua marca pelo Brasil. No ano passado [1998] Niemeyer recebeu o prêmio Leão de Ouro da Bienal de Veneza e projetou o monumento Eldorado Memória, oferecido ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Monumentos, torres, prédios, o mundo de Niemeyer criou uma marca única de cúpulas e arcos, um desenho próprio e inconfundível, que por linhas retas e tortas conta por inteiro a história da moderna arquitetura brasileira.
Matinas Suzuki: Para entrevistar o arquiteto Oscar Niemeyer nós convidamos, esta noite, o jornalista e escritor Fernando Morais; o poeta e jornalista Ferreira Gullar; o embaixador José Aparecido de Oliveira, presidente da Fundação Oscar Niemeyer; o engenheiro José Carlos Sussekind; o jornalista Sílvio Cioffi, editor de Turismo da Folha de S. Paulo; Benedito Lima de Toledo, professor de história da arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP; e o arquiteto Paulo Mendes da Rocha. O Roda Viva é transmitido em rede nacional (...).O programa, ao vivo permite perguntas dos telespectadores, por telefone, fax e e-mail. Boa noite, Oscar Niemeyer!
Oscar Niemeyer: Boa noite.
Matinas Suzuki: Há 10 anos que esse programa espera por esse momento de entrevistá-lo e nós agradecemos muito a sua presença.
Oscar Niemeyer: Eu agradeço. Entrevista muito seguida a gente começa a repetir as coisas, porque a história não muda, a conversa é sempre a mesma. Mas eu estou aqui com prazer, esse programa com você é muito bom.
Matinas Suzuki: Muito obrigado. Como é que foi a viagem do Rio de Janeiro, de carro, como sempre?
Oscar Niemeyer: De carro. Mais prático, mais rápido.
Matinas Suzuki: Uma coisa que me perguntaram muito, me disseram: "olha, pergunte ao Niemeyer". E eu notei que há uma certa curiosidade, meio geral, é a respeito da sua avaliação de Brasília hoje. O que você vê, o que na sua opinião foi desvirtuado do projeto, se é que foi desvirtuado, o que modificou?
Oscar Niemeyer: Eu prefiro falar de Brasília como ela começou. Prefiro falar da minha arquitetura, também como é que eu comecei meu trabalho de arquiteto. Depois a gente fala disso. Brasília é preciso saber o trabalho que ela deu para poder avaliar, porque hoje ela corresponde ao desejo do Juscelino e de todos que trabalharam com ele. Mas, o meu trabalho começou, o meu trabalho de arquiteto começou em Pampulha. E, por coincidência, foi a primeira obra que o Juscelino realizou. Foi a primeira obra que o Marco Paulo Rabelo, que acompanhou Juscelino o tempo todo, também acompanhou. E foi meu primeiro trabalho de arquiteto. De modo que nessa obra de Pampulha nós nos conhecemos melhor, assumimos um clima de amizade, de confiança, que por isso depois ele me chamou, a mim e ao Marco Paulo, para trabalharmos em Brasília. Mas, Pampulha foi muito importante para mim. Foi importante por se constituir no início da arquitetura que eu faço até hoje, sem muita modificação. O espírito é sempre o mesmo, é fazer uma arquitetura mais ligada ao país, um pouco ligada às velhas igrejas de Minas Gerais. Criativa como deve ser a arquitetura e, como sempre, procurando a beleza dentro das nossas possibilidades. De modo que a minha arquitetura começou realmente com a palavra invenção. No dia que eu compreendi que o propósito do Corbusier, que foi um grande arquiteto, era fazer uma arquitetura nova, inventiva, que criasse espanto, aí eu ingressei nesse caminho. Em Pampulha eu, por exemplo, achava que a arquitetura que se fazia naquela época era uma arquitetura um pouco fora da escala do concreto armado. Porque a arquitetura evoluiu muito e o concreto armado mudou tudo e ofereceu para os arquitetos um novo campo de invenção e fantasia. Então, a arquitetura não seguia esse caminho. Era uma arquitetura repetida, monótona, que não tinha grande interesse. Eu queria fazer uma arquitetura nova. Eu tinha saído da escola. Quando eu olho para trás, que eu vejo o começo do meu trabalho, me agrada sentir que eu tinha coragem de fazer as coisas. Eu, por exemplo, quando fui falar com Juscelino, eu fui com o Rodrigo Melo Franco de Andrade, que era meu amigo, para ele me dar o programa de Pampulha. E ele me disse: “olha Oscar, você vai fazer uma igreja, um cassino, um clube, um restaurante, mas você vai fazer um bairro novo para Belo Horizonte e quero o projeto do cassino para amanhã”. Eu disse: “está bem”. Fui para o hotel, trabalhei a noite inteira, fiz o projeto do cassino, entreguei a ele no dia seguinte e o cassino foi construído. De modo que eu tive a coragem, eu mal saíra da escola, de ingressar num tipo de arquitetura que era diferente. Eu estava começando a fazer essa arquitetura. Eu tive coragem de aceitar o desafio e fazer de corrida isso. Então, foi o primeiro contato que nós tivemos e ele sentiu, com certeza, que eu era um homem que podia trabalhar com ele, com aquela pressa que o caracterizava. De modo que, daí de Pampulha eu fui trabalhar, surgiu Brasília. E Pampulha foi um assunto novo para a arquitetura. Eu me lembro que quando surgiu Pampulha, que os que faziam aquela arquitetura antiga, racionalista, não é? Eles tiveram um susto, sentiram que qualquer coisa diferente estava surgindo.
Então, houve de início uma campanha um pouco contra Pampulha, contra a liberdade de formas que a gente tentava, não é, e nós resistimos. Eu sabia que estava certo. Eu estava com aquela ideia. Arquitetura é invenção, tem que ser uma coisa nova, tem que criar surpresa. Depois, eu lendo um pouco, inclusive, eu me lembro às vezes, eu cito, eu não gosto de estar citando toda hora, mas a frase que me agradou, eu lendo um poeta francês, Baudelaire, ele disse que:
Quando o sujeito olha uma coisa e não sente o sabor de novidade, é que é uma coisa repetida e não tem maior interesse. De modo que Pampulha foi muito importante para mim, eu sentia que ela correspondia ao nosso clima. Ela era mais leve, era vazada, não podia ser em outros países e tinha um certo sabor, assim, de ficar contra as coisas antigas do Brasil. Eu não dou muita importância a nossa arquitetura antiga não, porque pouco adicionamos. Os prédios mais importantes, os palácios, ficaram na matriz. Mas, é uma arquitetura que nos habituamos com ela. É uma arquitetura que eu vejo, por exemplo, quando andei pela Europa, e vi a arquitetura antiga daqueles países, não senti o mesmo entusiasmo quando eu vou a Ouro Preto, por exemplo, Minas Gerais. De modo que se vocês andarem por Brasília, você vai ver que no Palácio da Alvorada há uma influência de arquitetura colonial. A varanda circundando o prédio, servindo de ampliação da sala e aquela arquitetura horizontal, a pequena capela, tudo isso. De modo que eu vejo, por exemplo, eu estou mudando um pouco as coisas, mas vai assim mesmo. Eu estou falando da arquitetura colonial, porque ela é importante. O que nós fazemos é diferente. Você não pode pensar em arquitetura colonial quando você vai projetar um prédio de 20 andares. Tudo mudou com o concreto armado, mas a lição ficou. De modo que a Pampulha foi o início do meu trabalho. Para mim, foi a obra mais importante. Eu fiz com muito empenho o tempo todo, com meus companheiros, Juscelino também tendo problemas, já naquele tempo ele tinha problemas de verbas, essa coisa toda, mas ele tinha aquele entusiasmo que se repetiu, e aumentou, em Brasília, muitos anos depois. De modo que isso é que me levou para Brasília. E como eu já estava me sentindo seguro da arquitetura que fazia, eu cheguei em Brasília completamente à vontade, pronto a fazer o que eu bem entendia. Ele foi à minha casa, das Canoas, me buscar, me trouxe para a cidade, no caminho disse:
Fernando Morais: Você, logo no começo da entrevista, quando o Matinas te fez a primeira pergunta, você disse que gostaria, ao invés de falar da Brasília de agora, falar do começo de Brasília e um pouco do começo do seu trabalho como arquiteto. Eu queria te perguntar de um outro começo que você está tendo agora. Eu tive o prazer de ler, semanas atrás, os originais de um romance que você acabou de escrever.
Oscar Niemeyer: Não é um romance, é um livrinho.
Fernando Morais: É um romance...
Oscar Niemeyer: ... Me agrada só por ser um arquiteto que se interessa pelas coisas.
Fernando Morais: Pois é, eu queria saber...
Oscar Niemeyer: Eu gosto de escrever, tenho que defender minha arquitetura. Quando eu faço um projeto, ele é aceito mais pela explicação do que pela arquitetura, porque ninguém entende a arquitetura. É tudo conversa fiada. A arquitetura é cheia de nuances, de coisas. O sujeito acredita no arquiteto, “ah, está ótimo, muito bom!” Mas, a arquitetura, se você explica, explica bem, numa linguagem despretensiosa, corrida, fácil de ler, você defende melhor o seu trabalho.
Fernando Morais: Pois é, mas essa é sua primeira experiência como romancista?
Oscar Niemeyer: Não. Nada disso. É uma brincadeira, como outra qualquer. Mas eu gosto de escrever. Quando eu saí da escola... hoje, por exemplo, os arquitetos, quando saem da escola, eu recomendo sempre, não basta ser um bom profissional. Tem que conhecer o mundo, o seu país, os problemas de seu país, saber se comportar, contente consigo mesmo. De modo que as coisas se entrelaçam. Eu me lembro que quando fui para Brasília, eu não levei só arquitetos, não. Levei um grupo de arquitetos, levei um jornalista, um médico, que era um companheiro meu de brincadeira...
Fernando Morais: Levou um goleiro, não levou?
Oscar Niemeyer: Levei o goleiro do Flamengo. De modo que eu não queria, justamente em Brasília, essa conversa chata de arquitetura. Eu queria conversar outras coisas. Aquilo era o fim do mundo, a gente tinha que se distrair. De modo que eu sempre defendi essa história, dentro do possível, o sujeito se informar. Eu me lembro com Joaquim Cardoso, como eu gostava de conversar com ele, depois com o Bira, sobre o cosmos, essa coisa fantástica do cosmos. Você tem que saber, tem que ter uma noção das coisas, mesmo para você sentir a vida como ela é. Eu me lembro que quando comentava com o Cardoso sobre o céu, as estrelas, estrelas vermelhas, tudo, nós íamos ficando pequenininho, porque o universo não foi feito para nós, nós fazemos parte do universo. Nós somos como os bichos da terra e os bichos do mar. Mais nada que isso.
Ferreira Gullar: Oscar, eu vou entregar você. Além desse texto aí do "quase romance", você uma vez me mandou um poema. 1962...1963, para publicar no Violão de Rua, lembra?
Oscar Niemeyer: Era uma brincadeira [risos].
Ferreira Gullar: Não, não. Era um poema participante, falava em Cuba. Você sabe que eu procurei esse Violão de Rua, mas eu (...) Chegou a ser publicado? Eu não me lembro?
Oscar Niemeyer: Publicaram sim.
Ferreira Gullar: Foi publicado no primeiro Violão de Rua, o número 1. Você vê que estava lá, poeta publicado.
Fernando Morais: Eu já ia perguntar para ele qual era a emoção de estrear como ficcionista aos 90 anos. Pelo jeito a estréia foi há muito tempo.
Oscar Niemeyer: Eu ficava curioso. Eu achava que a posição do escritor é muito mais fácil que a do arquiteto. O arquiteto faz o projeto, ele tem que lidar com a prefeitura, o proprietário, a construção, é uma coisa mais complexa. Eu lembrava sempre do Jorge Amado, como ele devia se vestir bem, é um amigo que eu prezo muito, é um grande escritor. Eu ficava imaginando ele, toda manhã, ele imaginava os personagens, criava aqueles casos todos, quer dizer, ele trabalhava se divertindo, então eu fiquei com vontade de contar uma historinha.
Fernando Morais: Mas você não tem essa alegria também quando você desenha? Eu acho que sim, quando cria?
Oscar Niemeyer: Sim, eu acho fantástico, ver a coisa no papel e depois realizada. Sentir que foi bem imaginado.
Paulo Mendes da Rocha: Pampulha, tudo isso, não é também uma narrativa? Não tem um sentido de narrativa? Essa obra nesse tempo todo?
Oscar Niemeyer: É, uma espécie. É uma coisa que a gente vai fazendo, vai melhorando, estudando coisas novas. Porque o arquiteto, depois de 50 anos de trabalho, ele criou já um sistema de trabalho dele, uma série de normas que ele acha que deve atender. De modo que é formidável fazer no papel e depois ver a coisa pronta. Agora, por exemplo, eu fiz o museu de Niterói. É um museu assim [começa a desenhar]. É um museu que está dentro da água, cercado de água, uma natureza fantástica que passa pelo museu, tem a vista do Rio – o museu é bem estruturado, ele é circular, para a pessoa poder olhar a vista. Ele tem a forma mais adequada para um museu. Depois fiz uma rampa que vem, dá uma volta, passa por cima da água, tudo isso a gente faz, criação dá muito entusiasmo em fazer. E quando a gente vê que ficou pronto e ficou bom, aí realmente é um sonho realizado. De modo que a arquitetura também dá muito prazer, é lógico.
Paulo Mendes da Rocha: É uma história contada também...
Silvio Cioffi: Dr. Oscar, o arquiteto franco-suíço Le Corbusier disse que o senhor tinha as montanhas do Rio nos olhos. Quão importantes foram as observações dele para que a sua arquitetura se transformasse nessa arquitetura de projeção mundial..
Oscar Niemeyer: O importante, que ele dizia, é que foi ele que me deu essa idéia que arquitetura é invenção. Quando ele chegou aqui, nós estávamos na periferia da arquitetura. O que eu aprendi, não foi nos livros dele que a gente lia, foi na conversa com ele. Senti que a preocupação era a preocupação da beleza, que um prédio, para ser uma obra de arquitetura, assim exemplar, não basta funcionar bem, tem que ser bonito, tem que ser diferente, ele tem que criar surpresa. De modo que isso foi muito importante para mim. Agora, foi engraçado com o Corbusier, é que nós recebemos uma grande influência dele, mas, depois, ele nunca desprezou a nossa arquitetura, ele sempre se surpreendeu. E um dia ele disse para mim, em Nova York, “Oscar, você faz o barroco muito bem”. Não era uma crítica não, porque 20 anos depois, no seu escritório de Paris, ele disse: “está vendo aquela marquise no prédio Chandigarh do Congresso?” Dizem que eu faço barroco, mas não é qualquer um que faz aquilo. Então, a gente sofreu um pouco a influência dele. Então, se a nossa arquitetura, que fomos discípulos dele, teve o valor de influenciar um pouco o mestre, isso quer dizer que não é uma bobagem, é uma arquitetura que representa um pensamento, uma ideia de arquiteto. De modo que eu estou muito satisfeito com a minha profissão, vejo pelo que se passa na Europa, eles consideram a arquitetura muito boa.
Eu me lembro que quando fui para a Europa, saí daqui porque não podia trabalhar no tempo da ditadura. Tinha um general, até cito o nome dele, estou pouco ligando para ele, Amâncio Neto, não é? Ele mandou fazer um desenho do Palácio do Alvorada, com as colunas do Alvorada, mandou tirar cópias, não sei quem que ele arranjou para desenhar isso, dizendo que eu tinha copiado Corbusier. E ele dava aquilo em todos os ministérios. De modo que a campanha contra mim era a mais sórdida. Eu fui para a Europa, com as minhas malas, a minha arquitetura, mas eles, que queriam me calar, me deram a oportunidade de mostrar o meu trabalho no exterior. Eu, quando cheguei no exterior, eu não queria apenas mostrar minha arquitetura, eu queria mostrar o valor da nossa engenharia. Não sei quem que está aí, mas deve estar ouvindo. [aponta para Sussekind] [risos].
De modo que cheguei lá querendo espantar eles. Não com o meu trabalho, o meu trabalho também, não sou idiota, mas também com o valor da engenharia brasileira. E o primeiro prédio que eu fiz era um prédio de 300 metros, eu fiz com as colunas espaçadas de 50 em 50 metros e um balanço de 25. E o escritório francês que aprovava, aprovou o projeto, disse que achava muito bom, mas lembrava que essas paredes, em cima das colunas, constituía feito uma viga Vierendeel e ia pedir 1,5m de profundidade, de espessura. E nós fizemos com 30cm. Então, nós passamos pela Europa, era minha preocupação, mostrar que nós não somos índios não, a gente sabe das coisas. Não temos nada que aprender lá, não. Até se há uma coisa que os engenheiros brasileiros estão mais familiarizados é com uma arquitetura de grandes vãos. Eles fazem. Por exemplo, eu fiz um projeto lá, feito, discutido, mas fiz o projeto. Mas aqui o Sussekind não discute nada não. Se eu der um projeto com um vão de mil metros ele faz [risos].
Benedito Lima de Toledo: Eu queria pegar esse tema da influência da arquitetura francesa, porque na época do Le Grand travo, que tantos eles falavam da era Mitterrand [François Mitterrand: 1916-1996, primeiro presidente socialista francês, governou por 14 anos, em dois mandatos, entre 1981 e 1995] a revista Conexion Citè de les Arts, publicou um trabalho do Pierre Verger, que ele era presidente dos teatros e tal, e ele usa a seguinte expressão, que ele acha a “arquitetura moderna uma coisa admirável, mas o que se vê em Paris é uma coisa horrível. Pensemos nas torres do 15º Arrondissement [bairro francês], na Maison da Radio France, sem falar na Torre de Montparnasse e nessa coisa horrorosa que se passou nos Halles.” E ele conclui: “essas coisas são assim, mas é necessário ir ao partido comunista, na Saint Dennis, a nova sede da humanidade, para descobrir Niemeyer ... e ver o que é arquitetura digna desse nome”. Então...
Oscar Niemeyer: O Malreaux [Edgar Mourin Malreaux, escritor: 1901-1976] quando esteve em Brasília, ele disse que as colunas de Brasília eram as mais bonitas depois da coluna grega. Eu achei simpático, mas não levei muito a sério, o negócio da boa vizinhança [risos], o fato é que tem isso...
José Carlos Sussekind: O curador da exposição Monet disse agora que o museu de Niterói é o mais bonito que ele viu no mundo.
Oscar Niemeyer: Isso me agradou, porque ele é um sujeito que conhece todos os museus do mundo, de modo que ele gostou. Exagerou, mas ele gostou.
Silvio Cioffi: E das 500 obras que o senhor fez, qual a que mais lhe agrada?
Oscar Niemeyer: São projetos variados, de modo que é difícil comparar. Por exemplo, as obras de Brasília do que eu gosto lá é que me permitem, quando alguém vai a Brasília dizer:
Isso é que é o principal. O sujeito não pode. Chega lá, vê o palácio do Congresso, por exemplo [começa a desenhar]. Ele nunca viu um palácio assim. Ele pode não gostar. Agora, se ele for inteligente ou for interessado no assunto, e ele vai procurar saber porquê ele é assim, ele vai ver que foi uma coisa muito pensada.
Teria que explicar também que o palácio está em cima de uma placa, porque eu queria que a vista de quem chega, passasse entre as curvas, até a praça dos Três Poderes. De modo que a arquitetura precisa sempre de uma explicação e como é fácil criticar, o sujeito sai criticando sem saber nada. Por exemplo, eu me lembro ... então ... como a imprensa é fogo. Eu me lembro que há pouco tempo, em São Paulo mesmo, uma moça veio falar comigo, fazer uma entrevista, “Dr. Oscar, o senhor fala muito em forma nova, como é que na praça dos Três Poderes, as colunas do Palácio do Planalto parecem com as do corpo do Supremo?” [Risos]
Se entendesse um pouco de arquitetura, iria ver que foi uma coisa proposital, que eu quis manter a mesma unidade na arquitetura da praça. E também, uma coisa que tem aí um exemplo muito bom, é quando ele chegou para mim e disse: “Oscar, você não podia colocar umas árvores lá no Memorial da América Latina ou então na praça dos Três Poderes?”. É gente pouco inteligente, pouco sensível e que nunca viajou, porque senão tinha visto na Europa as praças livres. Imagine você a praça de Veneza, a praça de São Marcos cheia de árvores? É que nessas praças o importante é ressaltar o edifício. A função delas é dar mais importância, e você poder ver dois edifícios ao mesmo tempo, sentir se há harmonia na praça. Se você separar muito... mas isso é tão claro que me dá pouca vontade de discutir.
Mas ele fez um exemplo bom. Fez um museu formidável aqui em São Paulo não é? E a praça é limpa, a praça completa o museu. O Mário Chamber dizia uma coisa que eu acho bom, que o importante é a intuição. Sem intuição, o sujeito não faz nada. Sujeito pode ter muito conhecimento das coisas e tudo, mas tem que saber ler; tem que saber ver as coisas, ter bom gosto. Eu fiz uma vez uma casa para um amigo meu. E a casa ficou pronta, a casa deu trabalho, uma casa bem estudada, agradável, tinha uma rampa. E ele um dia me chamou para almoçar na casa. E disse: “eu quero te mostrar a casa pronta”. E eu fui. E a senhora dele estava lá me esperando, que ele demorou. Ela me disse: “Dr. Oscar, nossa vida mudou com essa casa. Mudou tanto que eu resolvi eu mesmo fazer a decoração.”
[risos]
Oscar Niemeyer: De modo que não dá. Quando eu faço o projeto, a gente pensa que a decoração é uma coisa qualquer, que não tem grande importância para a arquitetura, mas ela é suficiente para destruir a arquitetura. Os que fazem decoração não compreenderam até hoje que o importante na decoração são os espaços vazios, os espaços entre um grupo e outro. Então, enchem de móveis e fica uma merda.
Matinas Suzuki: Dr. Oscar, o arquiteto Roberto Fialho, aqui de São Paulo, imagina, pergunta o seguinte: “O senhor acha que os arquitetos da atualidade estão se afastando cada vez mais do desenho como sua principal forma de expressão? E como isso se reflete na atual produção da arquitetura brasileira?”
Oscar Niemeyer: Eu sempre digo que o desenho é a base da arquitetura. A base não, a base é a cabeça do arquiteto, mas em todo caso é fundamental. Eu fiz um estudo para a Universidade de Auger e a primeira coisa é desenhar. Aprender a desenhar figurativa, desenhar uma figura não é para fazer uma figura, não é pra desembaraçar não. É feito um pintor que não freqüentou um ateliê, que não fez desenho figurativo, ele cai nesses quadradinhos e coisa e tal. Ele não sabe fazer uma figura. De modo que essa parte do desenho, quando eu fiz uma exposição, e agora eu vou fazer, estou pensando em fazer uma sala só mostrando o problema do desenho. Porque o desenho é mais importante. O sujeito tem que saber desenhar, o arquiteto. E compreender, o desenho é uma coisa fundamental para a arquitetura.
Matinas Suzuki: Sr. José Aparecido, o senhor quer fazer alguma pergunta. Está quietinho aí....
José Aparecido Oliveira: Eu quero sair um pouquinho da arquitetura, porque a arquitetura não é o mais importante...
Matinas Suzuki: tá certo...
José Aparecido Oliveira: ... o mais importante é a miséria que campeia pelo mundo. Então, eu queria perguntar ao Oscar, que tem toda uma vivência política, na resistência, ao longo de anos e anos, o que ele está achando dessa realidade hoje do Brasil? Venda da Vale do Rio Doce, partidos políticos que não se afirmam...
Oscar Niemeyer: Vocês sabem que quando houve a revolução espanhola, os republicanos lutaram contra Franco. Mas, quem estava por trás de Franco já era o nazismo. De modo que depois houve vitória da revolução, agora o museu de Paris me pediu para fazer um baixo relevo numa parede mostrando os vencedores da grande guerra, olham os espanhóis que lutaram na resistência como as primeiras vítimas do nazismo. Porque o nazismo já estava lá, ao lado de Franco não é? De modo que isso é uma coisa que quando eu penso nisso, eu penso um pouco no Brasil. Se venderam a Vale, as primeiras vítimas da Vale vão ser o que gritaram o "Petróleo é nosso". Eles não queriam só o petróleo não, eles queriam as nossas riquezas. De modo que eu não gosto de discutir os problemas técnicos da Vale, porque isso, de venda ou não venda, porque isso não é a minha função. É uma coisa toda sentimental comigo. Quando houve, por exemplo, o "Petróleo é nosso", um colega meu de escritório ficou 2 anos preso. Quando anos depois, veio o golpe de 64, ele se suicidou. Ele pensou que podia voltar essa luta de "petróleo é nosso" e ele ser preso outra vez.
De modo que as vítimas da Vale vão ser todos ... Se venderem vão ser alguns de nós com certeza porque não vamos sair para a rua, ou então, vão ser esses que já foram vítimas, vão gritando "o petróleo é nosso". E não adianta discutir esse negócio de Vale, a gente é contra isso, não é? É muito difícil a questão da política, porque tem os que estão satisfeitos. E tem uns que estão satisfeitos com os pequenos favores de superfície que o governo dá, melhorando um pouco, uma coisa ou outra, mas os que querem um mundo sem classes, esses só podem pensar, é meio chato a gente falar isso, mas pensar logo na revolução.
E isso não vai ser os que trabalham no governo, os que representam o Congresso, essa coisa toda, que vão concordar com uma coisa dessas. De modo que é sempre uma migalha, uma coisa pequena, que eles dão assim, como favor, e a coisa continua na mesma.
José Aparecido Oliveira: Então, vamos lá para Brasília. O senhor sabe que Brasília continua ameaçada pela especulação imobiliária. Nós que conhecemos Belo Horizonte e conhecemos Goiânia, que foram também duas cidades planejadas para capitais e, hoje, basta ver; elas estão inteiramente desfiguradas. Tanto uma, quanto outra. E eu acho que Brasília, apesar de ter o tombamento da Unesco, apesar do tombamento do próprio governo do Distrito Federal, do tombamento federal, ela continua gravemente ameaçada.
Oscar Niemeyer: Pois é, mas você, quando conseguiu o tombamento na Unesco e tudo, você deu a defesa que Brasília precisava. Agora, é mais difícil mexer. Tem tombamento, cidade tombada, monumento universal, essa coisa toda, de modo que é uma questão de reagir não é? Mas cidades é difícil manter. A cidade cresce, degrada, não é? Qualquer cidade que cresceu, na América Latina, não funciona mais bem, não tem solução, como é que vai fazer?
Matinas Suzuki: Que avaliação o senhor faz de um projeto de uma cidade? O senhor acha que ainda é possível fazer o projeto de uma cidade? Essa utopia da criação de uma cidade, ela ainda existe, ela é presente?
Oscar Niemeyer: Eu acho que a cidade como a gente pensa, uma sociedade, vamos dizer, no regime socialista, vai ser uma cidade diferente, porque os programas serão diferentes. Tem programas visando o povo, a coletividade, não interesses particulares. Mas não existe nenhuma cidade que você possa dizer que é a cidade do futuro. Tem inúmeros projetos de cidade, cidade vertical, cidade horizontal, cidade...
Ferreira Gullar: Oscar, eu gostaria de fazer uma pergunta sobre Brasília ainda. Eu me lembro que quando o projeto do plano piloto foi feito, quando houve o concurso e ganhou o plano piloto, o projeto do Lúcio Costa, não é? Que era feito num pedaço de papel, quase que rabiscado, uma coisa de uma singeleza extraordinária, mas o texto que apresentou falava coisas utópicas, com relação à maneira como a população dessa cidade iria viver nela e tal. As pessoas criticam muito até o certo idealismo que havia nesse projeto. Agora, nós sabemos que é impossível alguém projetar uma cidade que não seja a cidade ideal, porque ninguém vai projetar uma cidade para ser injusta. Não é verdade?
Oscar Niemeyer: Se a vida não for ideal ... é claro que a cidade....
Ferreira Gullar: Quando você projeta, você projeta a cidade justa. A não ser que seja um cretino completo, o que não é o caso evidentemente. Mas eu pergunto o seguinte: com toda a diferença que se tem, que há do projeto à realidade, Brasília, hoje, como é que você vê? Quer dizer, ela apresenta muita diferença com relação, não ao texto escrito, mas ao que você queria que fosse?
Oscar Niemeyer: Eu não faço crítica de colega...
Ferreira Gullar: Eu não estou falando da arquitetura, eu falo da cidade, da vida da cidade.
Oscar Niemeyer: Pois é, pois é, é complicado pensar Brasília. Mas acho que a cidade tem coisas muito boas, aquela parte da habitação, a parte monumental, não é? É um plano inteligente, acho que foi feito com certo carinho, com muito boa intenção. Mas a vida muda muito, não sei.
Paulo Mendes da Rocha: Mas o desenho original, porque a idéia tem que ser ideal. Cidades, você fez Negev, por exemplo, Grassi ... Eu estava pensando nisso por que...
Oscar Niemeyer: Negev, por exemplo, era uma cidade no deserto, uma cidade pequena, compacta, com prédios muito altos. Era a ideia ao contrário, era uma cidade que o homem dominava. O homem podia passear a pé pela cidade, atravessá-la de um ponto ao outro. Os automóveis estariam sempre na periferia. Era uma cidade multiplicável, uma cidade que não ia crescer. Quando chegasse em determinado ponto, criava um outro elemento. O difícil é que depois da coisa feita, a cidade é uma coisa muito complexa. Tem a diferença de classes, zona de pobre, zona de rico, isso tudo, é difícil você chegar numa cidade ideal. Mas para fazer a ideal tem que fazer a revolução.
Paulo Mendes da Rocha: Por que sabe onde eu queria chegar desculpe, mas é porque, até uma cidade submarina, eu vi uma vez um croqui que você fez, são fantasias. Mas, você desenhou, você lembra disso, eu vi pouco, uma vez só, um plano para Copacabana depois de crescido o aterro, com as torres na areia.
Oscar Niemeyer: Pois é...pois é
Paulo Mendes da Rocha: Aquilo era tão bonito. São idéias, idealizações sobre a cidade. Você lembra desse projeto de Copacabana?
Oscar Niemeyer: Você sabe, o meu pai, quando eu era rapazinho, ele morava em Laranjeiras, mas no verão ele alugava uma casa em Copacabana.
Paulo Mendes da Rocha: Só para tomar banho de mar....
Oscar Niemeyer: Em Copacabana quando eu tinha 12, 14 anos, então defronte ao meu escritório agora, não tinha aqueles 20m de areia não, era uns 100m de areia.
Paulo Mendes da Rocha: Com pitangueiras....
Oscar Niemeyer: A areia era branca, você andava, riscava no pé, a arrebentação era lá fora. Você afundava na arrebentação e vinha na onda até a praia. Isso tudo acabou. Hoje não é mais areia propriamente, é uma mistura de areia e terra.
Ferreira Gullar: Como seria a cidade ideal... [interrompido]
Paulo Mendes da Rocha: Oscar fez um desenho excelente [interrompido]
Ferreira Gullar: Oscar, o problema da integração das artes na arquitetura. Quer dizer, a arquitetura no passado, tinha escultura, tinha a pintura. Quando a arquitetura moderna nasceu, se falava muito nessa integração. Mas foram poucos os arquitetos modernos que, de fato, tentaram ou puseram nas suas obras, previram o mural, a escultura. Como é que você vê isso na tua obra?
Oscar Niemeyer: Bom, eu acho que a integração é indispensável, não é? Não quero uma coisa ideal, o tempo glorioso da Renascença, que eles pintavam o teto, as paredes, tudo. Eu me lembro que o Seu Juscelino, que tinha um ar assim de príncipe da renascença quando ele falava o que queria fazer, ele teria feito isso. E eu teria colaborado, pintado os tetos, fazia tudo. É fantástico não é? Mas não havia tempo e não havia dinheiro para certa especulação. Eu só acho que essa modificação surgiu foi pouco a pouco, quando começaram a falar em cidade maquinista compreende? E falar que a arquitetura tinha que ser mais simples, e o Bauhaus, então foram querendo dar a arquitetura um sentido mais funcional. Então, qualquer coisa fora disso já era uma excrescência.
Ferreira Gullar: E eliminou a escultura e eliminou a pintura.
Oscar Niemeyer: Porque quando é um prédio grande eles não põem uma pintura, mas põem um material mais caro que a pintura. De modo que eu, dentro das minhas possibilidades, quando eu fiz Pampulha, eu chamei o Portinari, chamei o Ceschiatti, chamei o Paulo Werneck [pintor: 1907-1987]. Eu, quando fiz agora o Museu Memorial da América Latina, nós chamamos tantos artistas, que fizemos um livro sobre os artistas. De modo que essa integração eu acho uma coisa tão humana, tão natural, entre arquitetos e artistas, acho que é uma coisa que devia prevalecer, devia ser obrigatório. Existe, parece uma lei, que prevê aí uma porcentagem para a obra de arte.
Paulo Mendes da Rocha: É. Parece que existe.
Oscar Niemeyer: Mas não funciona.
Benedito Lima de Toledo: Mas, Oscar, lá em 1940, na verdade passando a pergunta que um estudante me fez outro dia, com aquele entusiasmo de estudante, me perguntou se o Oscar deixou a sua marca em São Paulo. E eu respondi como o professor Vila Nova Artigas respondia, eu falei: “você, o que acha?” Ele tem que desenvolver a sua capacidade crítica também. E ele pensou um pouco e falou no Copam. Eu lembrei que era um terreno extremamente difícil, uma poligonal, da mesma forma como o Limanité [?] também um terreno bastante difícil. E parece que quanto mais difícil o terreno, melhor sai o projeto. Mas depois ele passou para o Ibirapuera. E eu falei para ele que havia duas fases, a de 54, que foi realizada parcialmente e, em 93, você foi convocado a dar uma nova contribuição. O que me deixou muito contente, porque, por exemplo, na marquise adotaram um pouquinho aquela solução que o sem teto adota no viaduto, quer dizer, fecha uma marquise e coloca uma instituição dentro. Quer dizer, aproveita uma cobertura e fecha do lado. Agora, eu queria saber uma coisa. Do outro lado, ali da avenida Pedro Álvares Cabral, tem aquele prédio do Detran, que foi muito sacrificado, mexeram de todas as formas e tal, mas como volume ele se mantém. E atrás tem um imenso terreno vazio, que serve para coisas de lacração de automóveis, essa coisa, e lá no fundo tem um prédio art-déco bem interessante. Bom, eu queria saber no seu projeto, quando você propõe a liberação de toda a área envoltória, você nunca pensou num tratamento naquilo, integração naquela faixa?
Oscar Niemeyer: É difícil, porque as cidades modernas se degradaram sozinhas. A cidade antiga, por exemplo, Paris, que eles conseguiram conservar um pouco, mantêm os mesmos pés, os mesmos gabaritos, pavimentos, mesmo tipo de janelas, e tudo isso dá uma unidade que nas cidades modernas desapareceu. Lá, eles são muito espertos. Você vê, por exemplo, você falar em cidade vertical. O único exemplo que eu vejo de cidade vertical, sob o ponto de vista de ser uma coisa bonita, é na De France, em Paris, que eles fazem prédios grandes, mas o horizontal conta não é? E o tal negócio do espaço vazio. Então, horizontal bonito, os pés estão soltos, não é um perto do outro, é numa disposição lógica e tudo. Se a gente pensar o que a gente conhece disso, pés próximos e sem nenhum jogo de composição decente, a gente fica contra, mas se for lá no De France, você vê que é bonito.
Benedito Lima de Toledo: Perfeitamente.
Oscar Niemeyer: É monumental.....
Benedito Lima de Toledo: Eu talvez não tenha feito a pergunta direito, é que a sua proposta de liberação do parque, que é muito bonita, realmente desafoga o parque.... E o novo...
Oscar Niemeyer: Não, eu acho que o parque, o principal de um parque assim é o sujeito chegar no parque e se sentir fora da cidade. É descansar, ficar à vontade. Ele não pode estar lá no Parque do Ibirapuera passando automóvel perto dele. Isso é o princípio que eu acho. Depois, o negócio da marquise, eu tento explicar que a marquise tinha que ter um ponto de acesso único que justificasse a proporção dela, a largura, a estrutura, que disciplinasse o conjunto. Mas criaram diversos pontos de acesso. Então, a marquise ficou quase fora da proporção natural. Mas se eles forem atender como eu propus agora, fazer a entrada pela marquise, vai assumir a escala que ela devia ter, está certo?
Matinas Suzuki: Falamos um pouco de Brasília, falamos um pouco do Rio de Janeiro, começamos a falar um pouco do Parque do Ibirapuera e também de São Paulo, mas o Rogério Abreu, aqui de Vila Congonha, pergunta se o senhor vê alguma maneira de melhorar a urbanização e a arquitetura de São Paulo?
Oscar Niemeyer: Os arquitetos de São Paulo é que podem responder. Eu conheço pouco a cidade para isso. São Paulo tem arquitetos muito bons. A eles é que cabe isso, de examinar a cidade. É difícil. Você faz, por exemplo, um viaduto, não é? Viaduto bonito, para resolver o problema de circulação, mas a cicatriz ficou. Ele está entre blocos, entre prédios. De modo que é muito difícil melhorar uma cidade. Pode, aos pouquinhos, fazer uma praça, derrubar meia dúzia de quadras, fazer uma grande praça, embaixo fazer estacionamento, tudo isso é possível, mas são operações...
Paulo Mendes da Rocha: Muito pontuais....
Oscar Niemeyer: É.
José Carlos Sussekind: Na época do prefeito Jânio Quadros, você estudou uma interferência até forte na cidade, Oscar, que era o Parque do Tietê. Você se lembra? Que era uma mexida forte na cidade.
Oscar Niemeyer: Eu propus para ele o Teatro do Ibirapuera. Mas ele era inteligente. Eu não posso me queixar das pessoas com quem eu trabalhei.
Oscar Niemeyer: Eu trabalhei com Juscelino e éramos amigos e ele acreditava na minha arquitetura, de modo que eu fazia o que bem entendia. Depois, eu trabalhei com o Aparecido, o governador, foi uma continuação do Juscelino. Mesmo com o problema que ele tinha de verbas, nós fizemos o Parthenon, fizemos muita coisa. Ele tinha sensibilidade de sabe o que convinha. Fez a Casa dos Cantadores, uma coisa que ninguém tinha pensado. Depois trabalhei com o Quércia, não é. E também foi bom, foi muito bom, me deu toda a liberdade. Quando eu senti que a coluna no meio da ponte era uma coisa que não combinava com o resto, que os vãos eram grandes. E aí todo mundo achou graça que eu queria tirar a coluna e ele disse: “não você tira”. E eu tirei a coluna, botei a coluna por fora, pendurei e ficou melhor. O problema do arquiteto, quando ele propõe uma coisa radical e fora de tempo, é que prova que a ideia está certa. Eu acho a minha relação com esse pessoal nunca teve problema absolutamente nenhum.
(?): Mas São Paulo é absolutamente marcado pela coluna.
Oscar Niemeyer: Eu sei, com Juscelino, com os outros, era o meu trabalho. O que interessava a eles era a minha arquitetura. Eu me lembro quando Juscelino começou Brasília eu fui chamado na polícia política. E eu falei com ele: “presidente, estão me chamando na polícia”. E ele falou: “você não pode ir, tiram o seu retrato”. Mas depois ele telefonou para o Kruel na minha frente e disse: “olha, eu preciso do Oscar, ele é meu elemento chave em Brasília. Ele não pode ir lá para a polícia”. E eu não fui. De modo que ele sabia que eu era comunista. Todos os outros sabem também. Nós não discutíamos política, porque o ponto de vista era muito diferente. Nem interessava discutir. Não vou discutir comunismo lá com o cardeal lá do Rio de Janeiro.
Matinas Suzuki: Dr. Oscar, nós vamos fazer um rápido intervalinho e a gente volta daqui a pouquinho com a segunda parte da entrevista com o arquiteto Oscar Niemeyer. Até já.
[intervalo]
Matinas Suzuki: Nós voltamos com o Roda Viva especial que, esta noite, entrevista o arquiteto Oscar Niemeyer (...). Eu peço desculpas, não vou conseguir dar vazão à quantidade de perguntas que estão chegando pelos três canais que eu recebo aqui, mas eu prometo encaminhar todas as perguntas, que porventura eu não consiga fazer, ao arquiteto Oscar Niemeyer. Por falar em perguntas que estão chegando, Dr. Niemeyer, há uma pergunta de São Paulo, aqui no nosso e-mail, perguntando o que o senhor acha do Cingapura, esse projeto de habitação popular que a prefeitura de São Paulo desenvolveu?
Oscar Niemeyer: Eu acho que aquele programa ali é mais simples do que no Rio, que é um terreno plano. E acho uma ideia lógica, não acho ruim não. Porque não desaloja as pessoas, desaloja temporariamente e eles voltam para ocupar o mesmo lugar. É muito melhor do que chutar para longe. Por exemplo, lá em Brasília, quiseram acabar com algumas favelas. Então, criaram algumas áreas proletárias, as piores possíveis, muito piores que as favelas e longe do lugar do trabalho. De modo que eu acho que [o Cingapura] está bem.
Fernando Morais: Oscar, você falou há pouco, no bloco anterior, sobre perseguição da polícia, aborrecimento com a polícia, em Brasília. Há uma das muitas lendas que correm a seu respeito, que quando você foi interrogado por um PM no Rio de Janeiro...
Oscar Niemeyer: Ah, isso é besteira....
Fernando Morais: É bobagem?
Oscar Niemeyer: É, eu nem gosto de ficar falando.
Fernando Morais: Você respondeu com um deboche ao coronel, que desmanchou.
Oscar Niemeyer: Eu me lembro uma vez que eu fui chamado e que eu fiquei falando e o sujeito perguntou:
Então, nós estávamos numa sala fechada, com sistema de som e ele disse para o sujeito que batia na máquina, escreve aí "mudar a sociedade" e o sujeito virou para mim, um crioulinho, e disse assim: “vai ser difícil, hein!” [risos]. Eu achei graça. Se mudasse era para melhorar a situação dele. De modo que não.
Sílvio Cioffi: O senhor nasceu numa família católica e militou no Partido Comunista de 45 a 91. Depois desse furacão, como é que o senhor se define ideologicamente? Segunda pergunta: o que o senhor acha da arquitetura feito no período da União Soviética, na União Soviética?
Oscar Niemeyer: Bom, eu morava em Laranjeiras, não é? Minha família era católica, eu estive no colégio dos padres barnabitas, mas quando eu saí para a vida, eu achei tão injusta. E fiquei ajudando o Socorro Vermelho e um dia entrei para o partido. Foi um dia que saíram da prisão os comunistas. Um amigo meu telefonou e disse: “Oscar, você tem condições de atender alguém no seu escritório?” Eu podia. Então, alojei no escritório uns 15. Foi aí que eu conheci o Prestes. E senti o contato com eles, que eles eram importantes, que eram honestos, que eram pobres, que eles brigavam, que tinham uma vida voltada para a justiça social...
José Aparecido Oliveira: Aliás, tem uma pergunta do filho do Prestes, que eu acho importante, que ele me entregou e pediu que fosse lida a pergunta dele.
Matinas Suzuki: Ele diz o seguinte, o Luiz Carlos Prestes Filho: “Caro Oscar Niemeyer, em dezembro do ano passado, na cidade de Santana, no Rio Grande do Sul, foi inaugurado um marco de 15 metros de altura e de 30 toneladas que o senhor projetou, em homenagem a Coluna Prestes. E a prefeitura daquela cidade, que fica a 400km de Porto Alegre, com certeza não teria recursos para elaborar essa obra sem a sua colaboração. Esse seu desprendimento vem da amizade cultivada ao longo de anos com o Cavaleiro da Esperança ou vem da identificação ideológica comunista e revolucionária que tem com Luiz Carlos Prestes?”
Oscar Niemeyer: É lógico que a figura do Prestes sempre entusiasmou não é? Eu era jovem, vi aquele homem dedicado assim à luta política, não é? Pobre, sem outra preocupação se não de lutar pela igualdade das pessoas. Eu fiz esse monumento.
É um monumento que é engraçado, porque ele é muito fácil de fazer. Eu fiz no chão, de modo que não precisou de forma, nem nada. E pronto, o monumento [...] nós içamos o monumento. Eu agora fiz um monumento para a luta dos Sem Terra e vai ser assim também, no chão, porque daí eu posso fazer um monumento de 30 metros. Não custa nada, concreta no chão, depois suspende. Então, eu fiz até um estandarte para a luta dos sem terra, que era um negócio assim...
[Começa a desenhar o monumento]
Eles estão segurando o elemento de trabalho, uma foice, não é? É assim não é? E aqui tem escrito: “a terra também é nossa”. Essa é uma luta fantástica, a gente nem pode se queixar muito porque o governo, de certo modo, está apoiando. A gente queria mais pressa, só. Mas é uma luta horrível, porque todos os países já fizeram a reforma agrária, por que ainda não fizeram no Brasil? Um continente fantástico desses, por que o homem mais pobre não pode ter um pedaço de terra? Eu acho que essa luta vai crescer.
José Aparecido Oliveira: Você tem uns monumentos seus, hoje, que o Memorial da América Latina mesmo tem aquela mão sangrando...
Oscar Niemeyer: Eu fiz a mão, que é o protesto, é América Latina, com o sangue escorrendo pela mão não é? Ofendida, invadida.
José Aparecido Oliveira: Tem em Volta Redonda...
Oscar Niemeyer: Esse negócio da América Latina é uma coisa horrível. Ainda a gente aceita a conversa de Departamentos de Estado. Só fizeram intervir na nossa cultura, na nossa terra não é? É um negócio fantástico.
José Aparecido Oliveira: Tem também o monumento de Volta Redonda.
Oscar Niemeyer: Eu, os monumentos que eu fiz, são todos monumentos de protesto. Primeiro que eu fiz foi um monumento assim. [Começa desenhar o monumento Tortura Nunca Mais]
É uma forma assim, com uns 30 metros, uns 30 metros não é? Com a figura humana transpassada aqui, pela força do mal. O outro que eu fiz....
(?..): Esse era o monumento contra a tortura?
Oscar Niemeyer: Contra a tortura, o Tortura nunca mais. Depois eu fiz o monumento para Volta Redonda. Eram os 3 operários que foram assassinados pelos militares.
(?..): O monumento foi explodido....
Oscar Niemeyer: Explodiram. Então, voltei lá e combinamos de fazer de novo, fazer de novo o monumento, aproveitar, deixando as cicatrizes dessa violência. E ele está lá, durante 3 dias os operários ficaram fazendo o monumento, não houve mais nada. Agora, fiz esse dos Sem Terra. E faço com muito prazer. Agora, fiz um lá para o Museu de Paris. Um mostrando que a guerra, que a grande guerra começou na Espanha, com a luta dos republicanos contra Franco, que já naquele momento tinha o apoio dos nazistas.
Fernando Morais: Deixa eu lhe perguntar uma coisa, Oscar, de quem escreve cotidianamente, em geral, a maioria dos autores escreve e joga fora, escreve e joga fora, reescreve 200 vezes. Você falou aqui no comecinho do programa que quando Juscelino te pediu o projeto do cassino, você foi para o hotel, ficou durante a noite trabalhando e no dia seguinte você levou o projeto do cassino. Eu testemunhei...
Oscar Niemeyer: Eu queria fazer o projeto, eu tinha que fazer, era uma imposição dele e eu fiz.
Fernando Morais: Quando o Quércia chamou você para fazer o Parlamento Latino-Americano, eu me lembro, eu estava do lado, ele explicou o que queria, qual era a concepção que ele tinha e você pegou uma folha de papel grande, uma folha como essa, enorme, e fez assim olha, “eu estava imaginando uma coisa desse jeito,” projetou. E, aquilo ali você deixou a folha, que eu tomei o cuidado de catar e guardar... [risos] Já era o projeto do Parlatino. Quem pegar aquilo, está na parede da minha casa e trouxer aqui e olhar o Parlamento Latino-Americano, vê que ele foi concebido naquela hora.
Oscar Niemeyer: É isso que eu ia falar, com ele eu já tinha pensado.
Fernando Morais: É isso que eu queria saber, como é esse processo, que santo baixa na sua cabeça, é Deus ou o diabo?
Oscar Niemeyer: Bom, tem que fazer um projeto, não é? Você primeiro procura saber o terreno, as condições, possibilidades econômicas, fazer uma coisa mais ambiciosa ou não. Você começa a estudar, fazer os croquis, sempre pensando na utilização, não é? E quando chega uma solução, aí eu começo a desenhar. Se eu tenho um estudo preliminar feito, eu aí faço o texto, porque se me faltam argumentos no texto, eu devo voltar à prancheta. E depois faz a maquete. E a maquete...
Silvio Cioffi: E no seu processo de criação, a noite é boa conselheira? O senhor sonha com formas, o senhor acorda de manhã com uma solução para alguma coisa que o senhor não tinha...
Oscar Niemeyer: Acontece.
Uma vez eu me lembro que eu estava sonhando que estava fazendo um hospital. Então, eu comecei a pensar o hospital e achei uma ideia que servisse ao hospital no interior, o corredor interno, os visitantes, a volta, e depois comecei a pensar que elevador, aquela ideia que sala de operação tem que ser rotativa, não é? Em hospital pequeno ela deve ser fácil de manobrar, de entrar gente e sair e a parte de segurança também. De modo que eu pensei numa espécie de um elevador que tinha umas três salas de operação. E elas caminhavam assim, paravam num andar, tinha a parte toda de limpeza da sala, subia no outro estava operando.
Paulo Mendes da Rocha: A sala que era móvel?
Oscar Niemeyer: É, a sala que era.
Paulo Mendes da Rocha: Era uma beleza de ideia.
Oscar Niemeyer: É coisa impossível...
Paulo Mendes da Rocha: O raciocínio é como escritura, como escritor, você pode raciocinar, não exatamente como, mas na velha... Porque a imaginação humana, antes de mais nada, é confinada no humano, não é assim como se imagina. Então, escrever ou projetar são formas de linguagem, mas o discurso é um discurso humano, de desejos, e etc. No hospital, a sala que vai para a limpeza ou desce para a não sei o quê, é uma maravilha.
José Carlos Sussekind: Oscar, que projetos novos você está estudando agora?
Oscar Niemeyer: Pois é, eu fiz o projeto lá para o museu de Niterói. O museu, não sei porque, o lugar é bonito, é fabuloso, de modo que teve muito sucesso. Nunca tive um projeto que tivesse tanta gente. Gente que vai ver e de lá mesmo me telefona para me abraçar. De modo que o prefeito ficou muito satisfeito, muito contente, para ele foi muito importante. E agora ele voltou a ser prefeito novamente, então ele está querendo fazer uma espécie do caminho da arquitetura de Oscar Niemeyer, em Niterói. Então, tem o porto das barcas, um negócio assim, tem o porto das barcas, [começa a desenhar o projeto] a costa continua, a praia, não é? Tem um terreno aqui que seria uma praça que eu ia estudar, uma praça com teatro, diversas coisas, restaurantes, e depois continuava o caminho, tinha um outro lugar, com um outro projeto meu, até o museu. De modo que ele chamava o caminho da arquitetura. E ele foi lá no escritório, fiz a maquete dos 4 lugares e ele ficou muito entusiasmado.
José Carlos Sussekind: Era o Jorge Roberto da Silveira
Oscar Niemeyer: E era interessante mesmo. Porque era assim, você está vendo? Está vendo? [Começa a desenhar o projeto Caminho Niemeyer, de Niterói] Tinha aqui o negócio das barcas, o caminho vinha, aqui eu tinha uma praça, que era uma praça assim, tinha um teatro assim, depois tinha aqui um restaurante, depois tinha uma igrejinha que saía aqui dentro da água.
Paulo Mendes da Rocha: Outra Pampulhinha...
Oscar Niemeyer: ...e depois tinha o centro de convenções. Era uma coisa assim. Depois vinha uma parte aqui, essa parte aqui era uma grande estação de barcos, que tinha três prédios altos, de 20 andares, para facilitar o empreendimento. E tinha garagem embaixo. E ele está muito animado em fazer esse programa. Me interessa muito que essa praça aqui, o Sussekind viu, essa praça é fácil de realizar não é?
José Carlos Sussekind: É claro.
Oscar Niemeyer: Porque os elementos não são muito grandes.
José Carlos Sussekind: E é uma coisa interessante, quer dizer, a arquitetura do Oscar, que as pessoas pensam sempre na monumentalidade, ele conseguiu fazer jóias de arquitetura com áreas, por exemplo, o restaurante tem 300 metros quadrados e coisas muito pequenas, que são jóias. Então, a capelinha que você fez dentro da água, Oscar eu me lembro. É uma capela de quatro por três. Então, é uma obra maravilhosa, e que o custo é quase nenhum.
Oscar Niemeyer: Mas a vista é assim [mostra o desenho]. Estão vendo? Tem aqui um teatro, que é um teatro meio aberto, o teatro grego protegido, com palco, de modo que se possa prestar espetáculos na praça. Depois tem o restaurante, solto no ar. Depois tem a igrejinha que aparece dentro da água, igrejinha pequenina. De modo que é um projeto que me interessa muito, que eu tenho certeza que vai ficar muito bonito. Tem os espaços livres também. O negócio é monumental e os prédios são pequenos não é? Difícil de fazer...
Agora, eu estou fazendo um projeto, que eu não quero deixar de falar, que é um projeto lá para Brasília, que o Sussekind justamente está incluído do cálculo, não é? É um projeto, eu posso dizer isso, que não é trabalho meu, eu dei a sugestão. Mas ele diz que ele vai fazer o cálculo mais importante que se pode fazer no mundo hoje. E nada de concreto armado pode ser mais avançado que isso. É um vão de 80m compreende? [desenha] Eu comecei a fazer isso na Europa, eu fiz o projeto e me interessei pelo projeto. Mas sabia, que se mandasse para o Rio, iam sacanear: “tem 80m, um monte de coisa” [risos], então, eu fui no Nero. Peguei o avião, fui lá falar com ele. Mas ele já estava muito velho, fui falar com o Nero. Ele disse: “Oscar, você devia ter vindo 10 anos antes”. Depois ele deu o esquema, propôs que os tirantes fossem metálicos para aliviar a estrutura. Bom, não foi possível fazer. Agora, o projeto voltou à tona. Mas voltou ainda mais complicado, porque eu dei para o Sussekind fazer, ele não discutiu nada, em 15 dias tinha pronta a ideia. Mas agora ele que tinha a solução era assim...[desenha]
Ele que tinha os dois apoios não é? E chegando em cima ele tinha esse chapéu de sol assim, o prédio antes era grudado nisso, então agora eu soltei o prédio. De modo que o prédio vai ficar funcionando como antes, mas pendurado nuns tirantes aqui. Porque aqui eu previ um jardim. Agora, como obra de engenharia eu gostaria até que ele falasse, porque é difícil fazer uma coisa tão...
José Carlos Sussekind: Você pensou, no fundo, em alguma coisa que simbolizasse, quer dizer, no museu de Brasília, na cidade, quer dizer mais nova do país um testemunho do avanço tecnológico nesse momento. Eu acho que só tem igual no próprio Memorial da América Latina. Aquele prédio da biblioteca é hoje o recorde mundial vigente e vai ser transferido para Brasília se essa obra for feita. De uma certa maneira, isso ilustra, com muita clareza, a preocupação do Oscar de integrar, de fazer que a arquitetura seja a expressão da evolução da nossa engenharia. Em cada momento, em cada obra, em cada curva, isso está sendo feito.
Oscar Niemeyer: Você sabe que antigamente o trabalho do arquiteto era muito reduzido. Eram coisas pequenas, vazias, a gente discutia vigas, discutia uma coisa. Mas o nosso trabalho deu até outra importância à engenharia. Então, por exemplo, em Brasília, a arquitetura e engenharia nascem juntas. Os pequenos detalhes desapareceram. Você vê o projeto feito do Congresso, por exemplo, não é? Acabou a estrutura e a arquitetura está presente. Isso deu muito mais importância e unificou a coisa. De modo que esses projetos que nós fazemos agora é tudo neste sentido, quando o tema permite é lógico não é? É fazer que a estrutura acabou...
Matinas Suzuki: Dr. Niemeyer
Oscar Niemeyer: Eu me lembro quando eu fiz o Palácio do Planalto, o Palácio do Alvorada, uma noite eu estava com os amigos conversando, vamos ver a estrutura que estava pronta. E fomos lá. Quando eu cheguei lá, a estrutura parecia uma escultura. Era uma coisa enorme, solta naquele planalto.
Paulo Mendes da Rocha: O Palácio da Alvorada?
Oscar Niemeyer: Eu disse para eles: “vocês estão vendo, parece uma escultura”. Mas daqui a pouco vêm as proteções, os vidros, para virar um edifício. Mas esse é o momento importante da arquitetura. No momento que surge a ideia. É aí que o arquiteto chega, que nasce a arquitetura não é?
Paulo Mendes da Rocha: É como se para nós o Renascimento fosse agora. Porque quando se descobriu a América, nós estávamos em pleno Renascimento e aqui foi editada a miséria do colonialismo. Agora, nós vamos começar de novo a fazer a América que devia ser feita. Eu acho que as suas obras representam isso.
Matinas Suzuki: Dr. Niemeyer, a Olívia Fernandes de Oliveira, arquiteta da Universidade Federal de Brasília, pergunta o seguinte: “Na sua opinião, qual o papel do Estado frente à arquitetura, sobretudo hoje no Brasil, onde a arquitetura, cada vez mais, se privatiza?”
Oscar Niemeyer: Não sei. A arquitetura, bom, não sei bem o que ela quer dizer com isso. O Estado até hoje, o Estado é que tem feito as grandes obras. Eu, por exemplo, muito pouca obra fiz de particular. Apartamento, essas coisas, nunca fiz. Nem me convocam muito, porque isso são obras assim repetidas, não dá grande vulto, de modo que as obras maiores são os governos que fazem, mesmo na França você vê isso. Quer dizer, eles compreendem muito bem que a cidade precisa ser enriquecida. Às vezes é uma obra que você pode dizer: "não, a obra podia ser feita outra coisa, ter feito escolas, mas quando a beleza existe, ela é importante para o povo também”.
De modo que o importante é isso, é o caminho da beleza, que aí o povo sente, o povo gosta de ver uma coisa bonita, o povo gosta de ver um Palácio em Brasília, ele acha diferente. E isso é feito na pintura abstrata, coisa que Gullar pode explicar muito melhor que eu. Tem esse negócio, o sujeito que não tem uma formação errada, ele gosta das coisas bonitas, geralmente. Agora, quando a formação foi errada. Você veja criança, pequenina, faz um mural fantástico, depois entra na escola, com oito anos, já não faz mais a mesma coisa.
Ferreira Gullar: A educação tem que botar o cara para desaprender. Agora, eu gostaria de lhe falar uma coisa aqui. Às vezes, as pessoas dizem: “ah, porque tem outros arquitetos, o Oscar faz todo mundo dar os projetos para o Oscar”, eu compreendo as queixas, é natural, todo mundo quer fazer. Mas eu acho o seguinte, eu vou dizer a você, é chato falar essas coisas, mas eu vou dizer. Eu acho que cada estado do Brasil deveria ter uma obra sua. [Risos do Oscar Niemeyer] É verdade! É verdade! Você imaginou se na Itália, tudo quanto é cidade da Itália tivesse uma obra do Leonardo da Vinci ou do Michelangelo. Sinceramente. É uma coisa que enriquece o país. Então, essa coisa não é concurso, não é para esculhambar, me desculpe. Não pode querer reclamar que não tem concurso, porque se trata de uma outra coisa.
Oscar Niemeyer: Eu trabalho muito em Brasília, mas eu vejo um sentido de eu continuar trabalhando lá. Eu fui para lá quando aquilo não tinha nada, eu não fiquei no Rio não. Eu fui para lá e me meti no meio daquela poeirada, era um desconforto nos tempos de chuva, ou do sol, ou da poeira, eram os prédios marcados, a gente mal acomodado, e fazendo aquilo correndo, com o maior entusiasmo. Você sabe que apesar da pressa a gente tinha muito interesse em chegar a uma solução melhor. Eu me lembro, por exemplo, das colunas do Alvorada. Eu fiz as colunas do Alvorada, mas a construção foi feita no chão. Primeiro se cava bem, para ver se o mármore coincidia bem com os desníveis. Quer dizer, a gente tinha uma preocupação de apuro que a pressa não devia permitir. Compreende? A gente fazia isso. De modo que agora, por exemplo, tem o eixo monumental que, felizmente, o Aparecido preservou. Nós fizemos estudos preliminares do eixo monumental. O eixo monumental é importante para Brasília. Ele não pode ter ali um prédio diferente, não digo que seja pior ou melhor, mas manter as características da arquitetura. Ainda falta fazer o museu, falta fazer a biblioteca, falta fazer alguns edifícios que finalizam o texto, mas é importante na nova capital que tenham o mesmo espírito e ali, pelo menos, a arquitetura seja conduzida com o mesmo ponto de vista.
Ferreira Gullar: Tá certo.
Fernando Morais: Oscar, que notícia você dá para os paulistas do Teatro Rubinstein e do Memorial Jânio Quadros, projetado lá para o parque, o Ibirapuera. Em que pé estão?
Oscar Niemeyer: Pois é, você sabe que foi um trabalho que nós fizemos, eu fiz com outros colegas aqui de São Paulo, mas é uma obra engraçada, porque você tem a marquise, uma cúpula que tem lá e aqui vem o teatro.[Começa a desenhar o projeto] Então, o teatro tem uma forma assim, que quando os espetáculos são exteriores, essa parte aqui caminha para trás. Então, um vão de 60m e metade da cúpula metálica se encaixa na outra, é uma coisa nova para espetáculo, vai servir para 30, 40 mil pessoas. Ou então, dentro, para 2 mil pessoas. De modo que é uma obra importante, é uma obra assim que pede para o cálculo, por exemplo, da parte de funcionamento, é uma coisa caprichada. Como deve ser. Eu sempre reclamo isso. Acho que quando é uma obra pública, a gente deve exprimir o que se pode fazer.
Fernando Morais: Agora, em que pé está?
Oscar Niemeyer: O projeto está pronto. Ainda não entregamos. Mas, não sei, agora depende do Pitta, eu não conheço o Pitta, mas o Maluf, ele foi muito compreensivo com o trabalho.
Fernando Morais: E o Memorial Jânio Quadros?
Oscar Niemeyer: É, deve fazer, o desenho está feito.
Fernando Morais: Ah, o projeto já está pronto?
Oscar Niemeyer: O memorial, eu estou ficando especialista em Memorial. Fiz para ele, para o Prestes agora um memorial que tem uma rampa e que chega num andar onde tem as salas de estar, de exposição, embaixo tem...
Fernando Morais: O memorial para o Prestes onde vai ser construído? Tocantins? [pergunta olhando para o entrevistado e para os colegas?]
José Aparecido de Oliveira: Mudou, é Rio Grande do Sul.
Fernando Morais: Rio Grande do Sul!?
Matinas Suzuki: Dr. Niemeyer, o senhor já tocou um pouco nessa questão sobre a necessidade da presença da beleza na arquitetura, para que ela se mostre, mas eu tenho aqui 3 perguntas, mais ou menos na mesma direção, de pessoas que moram em São Paulo, Fernando Alcoraje, estudante da FAAP; Luiz Henrique, advogado; Aldo Roger, do Tatuapé; todos eles acham que o Memorial da América Latina é um pouco árido, que eles acham, é uma crítica que o senhor já respondeu, será que o senhor poderia responder...
Oscar Niemeyer: Ele [aponta para Paulo Mendes da Rocha] pode responder muito bem. Lá no museu que ele fez, que é muito bonito, ele deixou a coisa árida. É uma praça cívica, é uma praça que ele quer valorizar a arquitetura, de modo que tem ser assim. Esse pessoal, é pena sabe?! Fala porque nunca saiu daqui. Se eles fossem à Europa, veriam praças enormes. Eu, às vezes, fico chateado, digo: “vá para o Jardim Botânico”. [risos] Assim, quando era função dela [da praça], receber o povo, em certos dias, não é? Ou então valorizar os edifícios que estão contidos na praça. Mas essas perguntas é que cansam. Tem que contradizer logo, dizer que não tem sentido.
Silvio Cioffi: E no Rio de Janeiro, o que falta? Esse projeto da Praça XV?
Oscar Niemeyer: Eu gostava muito da Praça XV, mas não tem condição não.
Silvio Cioffi: Por que não tem condição?
Oscar Niemeyer: Não, porque a Praça XV é uma praça que tem um prédio antigo, o palácio, não é? E ao lado dele não tem mais nada. Então defronte do palácio, tem uma ruazinha com uns prédios horríveis. [Começa a desenhar o projeto da praça] Então, a idéia era criar aqui um prédio de quatro pavimentos, um hotelzinho feito o que tem na França, uma arquitetura aproximada do palácio, sem copiar, mas criar um ambiente e aparar com a praça aqui. Porque a escala da praça era essa. Fechava o viaduto e o resto era outra solução. Essa solução que se seguia eu propunha criar um espaço mais utilizável pelo povo. Então, eu fazia três edifícios dentro da água. Ai já começam a reclamar, “mas dentro da água?”, eu tenho que explicar dentro da água, no Japão querem fazer uma cidade dentro da água, que não tem nenhum problema, o nosso amigo está aí para dizer que não tem importância...[aponta para José Carlos Sussekind]
[risos]
Paulo Mendes da Rocha: Mas depois ali as fundações. Dá no mesmo, fazer dentro da água ou fora, porque faz loucuras no Rio de Janeiro, tubulão pneumático [tubo de concreto feitos para serem passados por baixa da água] nos dois casos ali não é?
Oscar Niemeyer: De modo que a gente cansa é perder tempo explicando essas coisas. Mas já foi uma questão, já pensaram diferente, não tenho nada contra o governo, a administração do.. do.. Como é que é o nome dele? do Conde, não é? Até na administração dele, ele fez uma coisa muito boa, ele convocou os escritórios de arquitetura a colaborarem com ele. De modo que, como tudo mais, cada um tem o seu pensamento, o seu modo de ver as coisas, cada um faz um pouco diferente, faz o que bem gosta. Quando chegam e falam: “qual é a sua escola?” Não, nada disso, faço a arquitetura que me atrai. O outro faz o que gosta. Às vezes, uma coisa simplezinha eu acho tão bonito. É feito você ver um quadro de Matisse [Henri Émile Benoît Matisse, pintor francês: 1869-1954] ou de Picasso [Pablo Picasso, pintor espanhol: 1881-1873], não vou dizer que um é melhor que o outro, para mim são fantásticos. Então, as coisas antigas também são bonitas. A coisa abstrata? Também é importante. É importante eu olhar para um papel e não saber o que vai fazer, ter que inventar. Na pintura antiga, o sujeito fazia uma mulher, fazia uma coisa, depois fazia aquilo fantástico, fazia feito esse que está na exposição ...
Ferreira Gullar: Morandi com as garrafinhas, é uma beleza!
Oscar Niemeyer: A coisa abstrata também tem o seu lado positivo. Não uma coisa sem sentido, vocês sabem muito bem, você tem explicado, que é uma coisa horrível, feito para escandalizar. Essa coisa toda, ele tem explicado muito bem [aponta para Ferreira Gullar] O Kandinsky [Wassily Kandinsky, pintor russo:1866-1944] uma coisa assim. É um estudo O que você acha?
Ferreira Gullar: É claro, é a expressão sincera do artista. Eu acho que arte é problema... é a personalidade. A coisa decisiva na arte é a personalidade. Sem a personalidade não existe arte alguma. Agora, a personalidade sintetiza, de acordo com as suas características, as coisas da época, desse ou daquele aspecto. Então, você tem um Oscar Niemeyer, você tem uma Lina Bo Bardi [Achillina Bo, arquiteta italiana que viveu boa parte na vida no Brasil, projetou o MASP, em São Paulo: 1914-1982] você tem... então cada um da mesma época, expressa da sua maneira, a partir da sua personalidade.
Oscar Niemeyer: Isso em tudo não é? Quando o sujeito escreve, em geral, a gente sente como ele é. E é bom quando isso acontece. Por exemplo, quando eu me informei mais do Malraux sujeito fantástico, um escritor, aventureiro, um sujeito que com 21 anos quis ir não sei para onde para fundar o jornal, participou de guerra. O Sartre [Jean-Paul Sartre, filósofo e escritor francês, criador do existencialismo: 1905-1980], também, sujeito interessado, foi a Cuba, escreveu sobre Cuba, acha que a vida é um fracasso, mas se interessando por tudo e não era niilista, não era nada disso. Isso é importante. A sua irmã tem um livro assim, Tal e qual, não é?
Ferreira Gullar: É.
Oscar Niemeyer: Ela fala coisas assim. Por exemplo, do livro do Gorki [Máximo Gorki, escritor soviético: 1868-1936] quando eu conheci a história dele, era um sujeito progressista e que lutou.
Silvio Cioffi: Dr. Oscar, em 1970, o senhor foi convidado para fazer parte do Colégio de França. Por que o senhor não aceitou? E a segunda parte da pergunta: o senhor aceitaria ir para a Academia Brasileira de Letras?
Oscar Niemeyer: Não, lógico que não, eu sou desenhista, não sou babaca não. [muitos risos] Agora, o Colégio de França, tinha um escritor que brigou com o Sartre, que eu não consigo me lembrar do nome.
Silvio Cioffi: Aron...
Oscar Niemeyer O Aron que me procurou, queria que eu entrasse para o Colégio de França. E ele, muito interessado, na última vez me disse “olha, você agora, já falei, você procura lá o secretário, ele vai te dar o endereço, vai conversar com os outros professores” e aí eu não fui mais. Tanto que ele me escreveu uma carta: “puxa, você esqueceu, não quis mais ir”. Não dava não é?
Ferreira Gullar: Eu não sei se eu vou fazer uma pergunta inconveniente. Se for, tudo bem você me desculpe.
[Oscar Niemeyer ri ]
Ferreira Gullar: Aí você pode dizer, não, vou me embora... que é o seguinte: a arquitetura moderna, essa arquitetura da qual você é um dos representantes mais significativos, tem um longo percurso, um desenvolvimento, uma evolução, foi transformada, em parte também, com a sua contribuição, mas hoje surge no mundo, já há alguns anos, uma outra arquitetura, que se chama arquitetura pós-moderna. É claro, é um engano querer que a arquitetura seja a mesma, mas a pergunta é a seguinte: o pós-moderno pressupõe que o que era moderno, que caracterizava aquela fase que nós conhecemos, acabou, terminou. Qual é a perspectiva que você vê para a arquitetura hoje, a partir desse mundo de hoje, com essas características que ele tem?
Oscar Niemeyer: Eu não gosto de criticar, mas eu nunca que faria isso. Arquitetura é invenção nos mínimos detalhes. Eles começam copiando coisas antigas, estabelecendo certas regras, não tem nada de sério, acho que isso não vai para frente. Já está passando. E presta-se a um mau gosto horrível.
Benedito Lima de Toledo: É uma colagem, uma montagem, uma justaposição. Agora, com relação a essa forma de expressão e a pergunta da Academia, na sua última visita à FAU, estudantes de outras faculdades ficaram sabendo, chegaram de ônibus e nós tivemos aquele espetáculo muito bonito, de 800 a 900 estudantes lá no salão Caramelo e durante uma hora você produziu 21 desenhos, o que deu uma média de um desenho a cada três minutos. Estou falando isso porque eles participam agora do acervo da nossa biblioteca da FAU. Então, em primeiro lugar, esse aspecto da criação, da forma de expressão livre, no sentimento que sai, que brota de um, diria assim, quase de uma transpiração da idéia, agora eu estou vendo que tem uma coleção de desenhos, então, entre parênteses, eu queria consultá-lo se podem juntar-se aos demais que estão lá na biblioteca da FAU?
Oscar Niemeyer: Mas aqui eu não fiz desenho nenhum, nem dá jeito para desenhar, mas eu gosto de desenhar, porque acho que desenho é importante, a pessoa gosta de ver um desenho bem feito, simplificado, não é um desenho realista, mas um croqui bonito.
Benedito Lima de Toledo: Até naquela ocasião, alguns alunos perguntaram sobre o problema da plasticidade. Se você acha a questão do primado da forma sobre os demais valores?
Oscar Niemeyer: Não, eu acho que tudo nasce junto. Antigamente, vou fazer um desenhozinho.
[começa a desenhar]
Antigamente, quando você acabava uma estrutura, você via apenas viga, lajes e apoios. E a arquitetura vinha depois, você não sabia como. Às vezes era boa, às vezes era ruim. Agora não, quando fica pronta uma estrutura, o concreto armado atingiu uma importância tão grande que arquitetura e estrutura é uma coisa só. Já está pronta. O resto é um pequeno detalhe e tal, mas a coisa mudou. O trabalho do engenheiro cresceu, a forma ficou mais unificada, o concreto armado permite soluções mais homogêneas.
Paulo Mendes da Rocha: Você sabe o que andam dizendo por aí? Eu vou te contar, em vez de te perguntar. É que a força da tua arquitetura vem do fato de ser eminentemente popular. Popular no sentido de força da cultura popular.
Oscar Niemeyer: Não, mas eu acho que compreende mais fácil a beleza do que uma pessoa que for mal informada.
Silvio Cioffi: Por que tem menos preconceito?
Oscar Niemeyer: Lógico, tem menos preconceito. Eu me lembro quando eu fui à Moscou, vocês perguntaram, eu não respondi. Eu fui lá. Estive lá uma semana, eles me chamaram na universidade. Então, eram dois velhinhos, como eu hoje, estavam lá: “Seu Niemeyer, o que o senhor achou da arquitetura soviética?” E eu disse:” olha, em matéria de política, de luta de classes, eu estou com vocês, mas na arquitetura não encontro nem argumento para defender”. Mas ele não gostou não. E disse: “então apresente os seus argumentos”. Eu disse: “olha, eu não estou aqui para criticar. Mas se vocês insistem. Esse prédio é muito mal feito. As colunas são muito próximas, são grossas demais, o sistema de circulação é mal feito, o prédio é feio, não representa o concreto armado”. Eles disseram, eram chatinhos, disseram: “por que você não diz isso ao arquiteto que fez?” “Porque ele não está aqui. Eu talvez não dissesse para não ser indelicado com ele.” Engraçado que o arquiteto tinha ido lá no meu hotel e me deu um quadro que ele fez, horrível [risos], de muito mau gosto.
Matinas Suzuki: Dr. Niemeyer, Ana Luisa Nobre, que é arquiteta também, no Rio de Janeiro, pergunta o seguinte: “O senhor falou de vários projetos que o senhor fez, mas fez também intervenções importantes em cidades históricas, como Ouro Preto e Diamantina. Como o senhor vê a intervenção em centros históricos hoje e de que forma o senhor acha que as cidades históricas devem ser incorporadas à vida contemporânea?”
Oscar Niemeyer: Eu, quando saí da escola, eu fui trabalhar no Patrimônio com o Rodrigo, ele me chamou. Eu fiquei sempre com o maior respeito pelo Patrimônio. E o Rodrigo fez da vida dele a defesa do patrimônio. Ele era um escritor, escreveu um livro até muito bom, dos velórios, era um sujeito que tinha muito boa posição no meio dos amigos dele, intelectuais, mas ele deixou tudo de lado para ir para o Patrimônio. Juntou-se lá com o Mário de Andrade, com outros e foi a vida dele. De modo que o Patrimônio está sendo até hoje, teve esse início tão bom, que até hoje está sendo muito bem cumprido. Os que estão no Patrimônio, o Glauco Campelo, esse pessoal, eles compreendem a coisa, eles procuram defender o patrimônio. Mas o patrimônio não tem dinheiro. Eu me lembro que antigamente o Rodrigo ficava desesperado porque tinha medo que as casas de Ouro Preto pudessem derrubar feito um baralho de cartas, de modo que as dificuldades, o patrimônio é muito grande, o acervo é muito grande, de modo que não há verba para atender a tudo que é preciso. Mas é um serviço exemplar.
Matinas Suzuki: Como é que o senhor vê essa questão da intervenção, com obras modernas, essa coisa toda, nas cidades?
Oscar Niemeyer: Eu, quando fiz o hotel de Ouro Preto, tinham duas soluções: uma do Carlos Leão, que era um meio termo, um prédio um pouco moderno, mas com as janelas antigas, as portas antigas, essas coisas e a minha era uma coisa mais radical. E o Lúcio, inclusive, o pessoal lá escolheu o meu projeto, porque achavam que tem que criar o contraste. Por exemplo, lá em Ouro Preto tem um prédio que é meio engraçado, porque ele parece um edifício, todo em de cobogó, mas é uma caixa d'água. Mas, botando de lado isso, a função com a forma do edifício, ele é um prisma assim tão certo, tão bem feito, que ele faz um contraste fantástico com a igreja que tem defronte. De modo que até hoje, não sei se vai mudar, há a idéia de criar o contraste e não copiar. Se tem um prédio, uma obra antiga, com obra moderna a ser feita perto, é procurar fazer a coisa normal, como deve ser hoje.
Matinas Suzuki: O prefeito municipal de Itabira manda um fax perguntando para o senhor: “A comunidade da cidade de Itabira aguarda com expectativa a construção em nossa cidade do memorial Carlos Drummond de Andrade”.
Oscar Niemeyer: É, eu estou estudando, eu vou estudar. Estou cansado de fazer memorial [risos]. Mas do Drummond eu quero fazer, que era um amigo da maior importância.
José Aparecido Oliveira: Aliás, nós temos tempo até de dar uma notícia aqui, que eu acho que é importante, o Ferreira Gullar, que é do Maranhão e o Fernando Pedreira, que é o representante do Brasil na Unesco, me falou esta semana passada que já foi aprovado, na Unesco, o tombamento de São Luis do Maranhão....
Oscar Niemeyer: Isso é ótimo...
José Aparecido Oliveira: ...como patrimônio cultural da humanidade. A primeira etapa, já se cumpriu. De fato que agora é apenas a formalização disso no plenário da Unesco.
Ferreira Gullar: Eu fico contente de ouvir esta notícia aqui, por duas razões: primeiro é que São Luis é a minha cidade e merece e necessita disso, e segundo que quem fez isso foi um amigo meu, que é o Pedrera, então quero mandar o meu abraço ao Pedrera, porque é o homem que está salvando a minha cidade.
José Aparecido Oliveira: No seu caso, você tem aqui também o Fernando Morais, que é de Mariana e o primeiro bispo da sede de Mariana foi Dom Manoel da Cruz, levou três anos e meio para chegar de São Luis a Mariana [risos].
Fernando Morais: Já que isto está virando conversa de compadre, gostaria de dizer que só votarei no José Aparecido para governador de Minas se ele levar o Oscar para fazer uma obra em Mariana [risos].
Ferreira Gullar: Bom, está dentro da minha tese de que toda cidade brasileira tem que ter uma obra do Oscar.
Matinas Suzuki: Nosso tempo, infelizmente, está se esgotando, e eu gostaria de fazer uma última pergunta, uma curiosidade pessoal, o senhor fique à vontade. O senhor vai completar 90 anos esse ano...
Oscar Niemeyer: Não fala em idade [risos].
Matinas Suzuki: O senhor tem alguma fórmula para estar tão bem assim, produzindo, trabalhando?
Oscar Niemeyer: Se você me pergunta sobre o meu trabalho, a minha vida, o que ficou, assim, que me agrada, não foi a arquitetura. Foi eu ter olhado a vida de uma maneira mais humana, ter ficado ao lado dos mais pobres, ter entrado para o partido, estar pronto a protestar quando é preciso, ter me situado, ter me sentido bem comigo mesmo. Isso é o que eu falo aos estudantes, quando falo com eles, dizendo que a arquitetura não é o mais importante, o mais importante é a vida, são os amigos, a família e a gente tem que tentar ser cordial com todo mundo, porque a vida não tem muito significativo, não há razão para a gente estar brigando. É isso.
Matinas Suzuki: Eu agradeço muito a sua presença aqui essa noite, neste Roda Viva especial, agradeço também bastante a nossa bancada de entrevistadores, pessoas bastante ilustres, que se deslocaram, inclusive, de outras cidades para poder participar deste programa, agradeço a sua atenção e a sua participação. A gente recebeu fax, telefonemas e e-mails demais, eu vou encaminhá-los todos ao Oscar, que não sei o que pode fazer, vou atribular mais a vida dele, mas nós vamos encaminhar todas as perguntas que aqui chegaram para o Dr. Oscar Niemeyer. Gostaria, então, de agradecer mais uma vez a sua atenção e lembrar que o Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite. Até lá, uma boa semana a todos e uma boa noite!
[Via BBA]
Matinas Suzuki: Boa noite! No centro do Roda Viva especial de hoje está o arquiteto Oscar Niemeyer.
Comentarista: Carioca nascido em 1907, Oscar Niemeyer ensaiava o sonho de ser arquiteto ainda na infância, traçando com o dedo formas soltas no espaço. Entrou para a Escola de Belas Artes com 20 anos e, ao dividir um atelier com seu amigo, o arquiteto Lúcio Costa, surgiu o primeiro trabalho da dupla o projeto do antigo ministério da educação no Rio de Janeiro. Em 1940 conheceu Juscelino Kubitschek, então prefeito de Belo Horizonte, que lhe encomendou da noite para o dia o projeto do conjunto da Pampulha. Numa época em que a fantasia não saía dos conceitos Niemeyer mergulhou num mundo de novas formas lirismo e liberdade criadora abrindo caminho para a arquitetura moderna no Brasil. Os anos 50 ainda não tinham chegado e Niemeyer já participava do planejamento da sede das Nações Unidas, em Nova York, e projetava o parque Ibirapuera e o edifício Copam, em São Paulo. Em 56, um novo encontro com Kubitschek e mais uma encomenda, os palácios de Brasília, a nova capital federal. Morou por três anos na nova capital onde concebeu uma de suas principais marcas – as colunas do Palácio da Alvorada e os arcos do Palácio do Itamaraty. O nome Niemeyer já corria o mundo, em 63 recebe o prêmio Lênin da paz, e no ano seguinte estava na Europa quando soube do golpe militar no Brasil. Foi então para Israel onde elaborou diversos projetos. De volta ao Brasil, projetou o Memorial da América Latina, em São Paulo, é homenageado como grande oficial da Ordem do Rio Branco. Em 88, nos Estados Unidos, recebe o prêmio Pulitzer de arquitetura. Nos anos 90 espalha ainda mais sua marca pelo Brasil. No ano passado [1998] Niemeyer recebeu o prêmio Leão de Ouro da Bienal de Veneza e projetou o monumento Eldorado Memória, oferecido ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Monumentos, torres, prédios, o mundo de Niemeyer criou uma marca única de cúpulas e arcos, um desenho próprio e inconfundível, que por linhas retas e tortas conta por inteiro a história da moderna arquitetura brasileira.
Matinas Suzuki: Para entrevistar o arquiteto Oscar Niemeyer nós convidamos, esta noite, o jornalista e escritor Fernando Morais; o poeta e jornalista Ferreira Gullar; o embaixador José Aparecido de Oliveira, presidente da Fundação Oscar Niemeyer; o engenheiro José Carlos Sussekind; o jornalista Sílvio Cioffi, editor de Turismo da Folha de S. Paulo; Benedito Lima de Toledo, professor de história da arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP; e o arquiteto Paulo Mendes da Rocha. O Roda Viva é transmitido em rede nacional (...).O programa, ao vivo permite perguntas dos telespectadores, por telefone, fax e e-mail. Boa noite, Oscar Niemeyer!
Oscar Niemeyer: Boa noite.
Matinas Suzuki: Há 10 anos que esse programa espera por esse momento de entrevistá-lo e nós agradecemos muito a sua presença.
Oscar Niemeyer: Eu agradeço. Entrevista muito seguida a gente começa a repetir as coisas, porque a história não muda, a conversa é sempre a mesma. Mas eu estou aqui com prazer, esse programa com você é muito bom.
Matinas Suzuki: Muito obrigado. Como é que foi a viagem do Rio de Janeiro, de carro, como sempre?
Oscar Niemeyer: De carro. Mais prático, mais rápido.
Matinas Suzuki: Uma coisa que me perguntaram muito, me disseram: "olha, pergunte ao Niemeyer". E eu notei que há uma certa curiosidade, meio geral, é a respeito da sua avaliação de Brasília hoje. O que você vê, o que na sua opinião foi desvirtuado do projeto, se é que foi desvirtuado, o que modificou?
Oscar Niemeyer: Eu prefiro falar de Brasília como ela começou. Prefiro falar da minha arquitetura, também como é que eu comecei meu trabalho de arquiteto. Depois a gente fala disso. Brasília é preciso saber o trabalho que ela deu para poder avaliar, porque hoje ela corresponde ao desejo do Juscelino e de todos que trabalharam com ele. Mas, o meu trabalho começou, o meu trabalho de arquiteto começou em Pampulha. E, por coincidência, foi a primeira obra que o Juscelino realizou. Foi a primeira obra que o Marco Paulo Rabelo, que acompanhou Juscelino o tempo todo, também acompanhou. E foi meu primeiro trabalho de arquiteto. De modo que nessa obra de Pampulha nós nos conhecemos melhor, assumimos um clima de amizade, de confiança, que por isso depois ele me chamou, a mim e ao Marco Paulo, para trabalharmos em Brasília. Mas, Pampulha foi muito importante para mim. Foi importante por se constituir no início da arquitetura que eu faço até hoje, sem muita modificação. O espírito é sempre o mesmo, é fazer uma arquitetura mais ligada ao país, um pouco ligada às velhas igrejas de Minas Gerais. Criativa como deve ser a arquitetura e, como sempre, procurando a beleza dentro das nossas possibilidades. De modo que a minha arquitetura começou realmente com a palavra invenção. No dia que eu compreendi que o propósito do Corbusier, que foi um grande arquiteto, era fazer uma arquitetura nova, inventiva, que criasse espanto, aí eu ingressei nesse caminho. Em Pampulha eu, por exemplo, achava que a arquitetura que se fazia naquela época era uma arquitetura um pouco fora da escala do concreto armado. Porque a arquitetura evoluiu muito e o concreto armado mudou tudo e ofereceu para os arquitetos um novo campo de invenção e fantasia. Então, a arquitetura não seguia esse caminho. Era uma arquitetura repetida, monótona, que não tinha grande interesse. Eu queria fazer uma arquitetura nova. Eu tinha saído da escola. Quando eu olho para trás, que eu vejo o começo do meu trabalho, me agrada sentir que eu tinha coragem de fazer as coisas. Eu, por exemplo, quando fui falar com Juscelino, eu fui com o Rodrigo Melo Franco de Andrade, que era meu amigo, para ele me dar o programa de Pampulha. E ele me disse: “olha Oscar, você vai fazer uma igreja, um cassino, um clube, um restaurante, mas você vai fazer um bairro novo para Belo Horizonte e quero o projeto do cassino para amanhã”. Eu disse: “está bem”. Fui para o hotel, trabalhei a noite inteira, fiz o projeto do cassino, entreguei a ele no dia seguinte e o cassino foi construído. De modo que eu tive a coragem, eu mal saíra da escola, de ingressar num tipo de arquitetura que era diferente. Eu estava começando a fazer essa arquitetura. Eu tive coragem de aceitar o desafio e fazer de corrida isso. Então, foi o primeiro contato que nós tivemos e ele sentiu, com certeza, que eu era um homem que podia trabalhar com ele, com aquela pressa que o caracterizava. De modo que, daí de Pampulha eu fui trabalhar, surgiu Brasília. E Pampulha foi um assunto novo para a arquitetura. Eu me lembro que quando surgiu Pampulha, que os que faziam aquela arquitetura antiga, racionalista, não é? Eles tiveram um susto, sentiram que qualquer coisa diferente estava surgindo.
Então, houve de início uma campanha um pouco contra Pampulha, contra a liberdade de formas que a gente tentava, não é, e nós resistimos. Eu sabia que estava certo. Eu estava com aquela ideia. Arquitetura é invenção, tem que ser uma coisa nova, tem que criar surpresa. Depois, eu lendo um pouco, inclusive, eu me lembro às vezes, eu cito, eu não gosto de estar citando toda hora, mas a frase que me agradou, eu lendo um poeta francês, Baudelaire, ele disse que:
O que caracteriza a beleza é o espanto, é a coisa nova.
Quando o sujeito olha uma coisa e não sente o sabor de novidade, é que é uma coisa repetida e não tem maior interesse. De modo que Pampulha foi muito importante para mim, eu sentia que ela correspondia ao nosso clima. Ela era mais leve, era vazada, não podia ser em outros países e tinha um certo sabor, assim, de ficar contra as coisas antigas do Brasil. Eu não dou muita importância a nossa arquitetura antiga não, porque pouco adicionamos. Os prédios mais importantes, os palácios, ficaram na matriz. Mas, é uma arquitetura que nos habituamos com ela. É uma arquitetura que eu vejo, por exemplo, quando andei pela Europa, e vi a arquitetura antiga daqueles países, não senti o mesmo entusiasmo quando eu vou a Ouro Preto, por exemplo, Minas Gerais. De modo que se vocês andarem por Brasília, você vai ver que no Palácio da Alvorada há uma influência de arquitetura colonial. A varanda circundando o prédio, servindo de ampliação da sala e aquela arquitetura horizontal, a pequena capela, tudo isso. De modo que eu vejo, por exemplo, eu estou mudando um pouco as coisas, mas vai assim mesmo. Eu estou falando da arquitetura colonial, porque ela é importante. O que nós fazemos é diferente. Você não pode pensar em arquitetura colonial quando você vai projetar um prédio de 20 andares. Tudo mudou com o concreto armado, mas a lição ficou. De modo que a Pampulha foi o início do meu trabalho. Para mim, foi a obra mais importante. Eu fiz com muito empenho o tempo todo, com meus companheiros, Juscelino também tendo problemas, já naquele tempo ele tinha problemas de verbas, essa coisa toda, mas ele tinha aquele entusiasmo que se repetiu, e aumentou, em Brasília, muitos anos depois. De modo que isso é que me levou para Brasília. E como eu já estava me sentindo seguro da arquitetura que fazia, eu cheguei em Brasília completamente à vontade, pronto a fazer o que eu bem entendia. Ele foi à minha casa, das Canoas, me buscar, me trouxe para a cidade, no caminho disse:
Olha, eu preciso de você, nós vamos construir a nova capital.
Fernando Morais: Você, logo no começo da entrevista, quando o Matinas te fez a primeira pergunta, você disse que gostaria, ao invés de falar da Brasília de agora, falar do começo de Brasília e um pouco do começo do seu trabalho como arquiteto. Eu queria te perguntar de um outro começo que você está tendo agora. Eu tive o prazer de ler, semanas atrás, os originais de um romance que você acabou de escrever.
Oscar Niemeyer: Não é um romance, é um livrinho.
Fernando Morais: É um romance...
Oscar Niemeyer: ... Me agrada só por ser um arquiteto que se interessa pelas coisas.
Fernando Morais: Pois é, eu queria saber...
Oscar Niemeyer: Eu gosto de escrever, tenho que defender minha arquitetura. Quando eu faço um projeto, ele é aceito mais pela explicação do que pela arquitetura, porque ninguém entende a arquitetura. É tudo conversa fiada. A arquitetura é cheia de nuances, de coisas. O sujeito acredita no arquiteto, “ah, está ótimo, muito bom!” Mas, a arquitetura, se você explica, explica bem, numa linguagem despretensiosa, corrida, fácil de ler, você defende melhor o seu trabalho.
Fernando Morais: Pois é, mas essa é sua primeira experiência como romancista?
Oscar Niemeyer: Não. Nada disso. É uma brincadeira, como outra qualquer. Mas eu gosto de escrever. Quando eu saí da escola... hoje, por exemplo, os arquitetos, quando saem da escola, eu recomendo sempre, não basta ser um bom profissional. Tem que conhecer o mundo, o seu país, os problemas de seu país, saber se comportar, contente consigo mesmo. De modo que as coisas se entrelaçam. Eu me lembro que quando fui para Brasília, eu não levei só arquitetos, não. Levei um grupo de arquitetos, levei um jornalista, um médico, que era um companheiro meu de brincadeira...
Fernando Morais: Levou um goleiro, não levou?
Oscar Niemeyer: Levei o goleiro do Flamengo. De modo que eu não queria, justamente em Brasília, essa conversa chata de arquitetura. Eu queria conversar outras coisas. Aquilo era o fim do mundo, a gente tinha que se distrair. De modo que eu sempre defendi essa história, dentro do possível, o sujeito se informar. Eu me lembro com Joaquim Cardoso, como eu gostava de conversar com ele, depois com o Bira, sobre o cosmos, essa coisa fantástica do cosmos. Você tem que saber, tem que ter uma noção das coisas, mesmo para você sentir a vida como ela é. Eu me lembro que quando comentava com o Cardoso sobre o céu, as estrelas, estrelas vermelhas, tudo, nós íamos ficando pequenininho, porque o universo não foi feito para nós, nós fazemos parte do universo. Nós somos como os bichos da terra e os bichos do mar. Mais nada que isso.
Ferreira Gullar: Oscar, eu vou entregar você. Além desse texto aí do "quase romance", você uma vez me mandou um poema. 1962...1963, para publicar no Violão de Rua, lembra?
Oscar Niemeyer: Era uma brincadeira [risos].
Ferreira Gullar: Não, não. Era um poema participante, falava em Cuba. Você sabe que eu procurei esse Violão de Rua, mas eu (...) Chegou a ser publicado? Eu não me lembro?
Oscar Niemeyer: Publicaram sim.
Ferreira Gullar: Foi publicado no primeiro Violão de Rua, o número 1. Você vê que estava lá, poeta publicado.
Fernando Morais: Eu já ia perguntar para ele qual era a emoção de estrear como ficcionista aos 90 anos. Pelo jeito a estréia foi há muito tempo.
Oscar Niemeyer: Eu ficava curioso. Eu achava que a posição do escritor é muito mais fácil que a do arquiteto. O arquiteto faz o projeto, ele tem que lidar com a prefeitura, o proprietário, a construção, é uma coisa mais complexa. Eu lembrava sempre do Jorge Amado, como ele devia se vestir bem, é um amigo que eu prezo muito, é um grande escritor. Eu ficava imaginando ele, toda manhã, ele imaginava os personagens, criava aqueles casos todos, quer dizer, ele trabalhava se divertindo, então eu fiquei com vontade de contar uma historinha.
Fernando Morais: Mas você não tem essa alegria também quando você desenha? Eu acho que sim, quando cria?
Oscar Niemeyer: Sim, eu acho fantástico, ver a coisa no papel e depois realizada. Sentir que foi bem imaginado.
Paulo Mendes da Rocha: Pampulha, tudo isso, não é também uma narrativa? Não tem um sentido de narrativa? Essa obra nesse tempo todo?
Oscar Niemeyer: É, uma espécie. É uma coisa que a gente vai fazendo, vai melhorando, estudando coisas novas. Porque o arquiteto, depois de 50 anos de trabalho, ele criou já um sistema de trabalho dele, uma série de normas que ele acha que deve atender. De modo que é formidável fazer no papel e depois ver a coisa pronta. Agora, por exemplo, eu fiz o museu de Niterói. É um museu assim [começa a desenhar]. É um museu que está dentro da água, cercado de água, uma natureza fantástica que passa pelo museu, tem a vista do Rio – o museu é bem estruturado, ele é circular, para a pessoa poder olhar a vista. Ele tem a forma mais adequada para um museu. Depois fiz uma rampa que vem, dá uma volta, passa por cima da água, tudo isso a gente faz, criação dá muito entusiasmo em fazer. E quando a gente vê que ficou pronto e ficou bom, aí realmente é um sonho realizado. De modo que a arquitetura também dá muito prazer, é lógico.
Paulo Mendes da Rocha: É uma história contada também...
Silvio Cioffi: Dr. Oscar, o arquiteto franco-suíço Le Corbusier disse que o senhor tinha as montanhas do Rio nos olhos. Quão importantes foram as observações dele para que a sua arquitetura se transformasse nessa arquitetura de projeção mundial..
Oscar Niemeyer: O importante, que ele dizia, é que foi ele que me deu essa idéia que arquitetura é invenção. Quando ele chegou aqui, nós estávamos na periferia da arquitetura. O que eu aprendi, não foi nos livros dele que a gente lia, foi na conversa com ele. Senti que a preocupação era a preocupação da beleza, que um prédio, para ser uma obra de arquitetura, assim exemplar, não basta funcionar bem, tem que ser bonito, tem que ser diferente, ele tem que criar surpresa. De modo que isso foi muito importante para mim. Agora, foi engraçado com o Corbusier, é que nós recebemos uma grande influência dele, mas, depois, ele nunca desprezou a nossa arquitetura, ele sempre se surpreendeu. E um dia ele disse para mim, em Nova York, “Oscar, você faz o barroco muito bem”. Não era uma crítica não, porque 20 anos depois, no seu escritório de Paris, ele disse: “está vendo aquela marquise no prédio Chandigarh do Congresso?” Dizem que eu faço barroco, mas não é qualquer um que faz aquilo. Então, a gente sofreu um pouco a influência dele. Então, se a nossa arquitetura, que fomos discípulos dele, teve o valor de influenciar um pouco o mestre, isso quer dizer que não é uma bobagem, é uma arquitetura que representa um pensamento, uma ideia de arquiteto. De modo que eu estou muito satisfeito com a minha profissão, vejo pelo que se passa na Europa, eles consideram a arquitetura muito boa.
Eu me lembro que quando fui para a Europa, saí daqui porque não podia trabalhar no tempo da ditadura. Tinha um general, até cito o nome dele, estou pouco ligando para ele, Amâncio Neto, não é? Ele mandou fazer um desenho do Palácio do Alvorada, com as colunas do Alvorada, mandou tirar cópias, não sei quem que ele arranjou para desenhar isso, dizendo que eu tinha copiado Corbusier. E ele dava aquilo em todos os ministérios. De modo que a campanha contra mim era a mais sórdida. Eu fui para a Europa, com as minhas malas, a minha arquitetura, mas eles, que queriam me calar, me deram a oportunidade de mostrar o meu trabalho no exterior. Eu, quando cheguei no exterior, eu não queria apenas mostrar minha arquitetura, eu queria mostrar o valor da nossa engenharia. Não sei quem que está aí, mas deve estar ouvindo. [aponta para Sussekind] [risos].
De modo que cheguei lá querendo espantar eles. Não com o meu trabalho, o meu trabalho também, não sou idiota, mas também com o valor da engenharia brasileira. E o primeiro prédio que eu fiz era um prédio de 300 metros, eu fiz com as colunas espaçadas de 50 em 50 metros e um balanço de 25. E o escritório francês que aprovava, aprovou o projeto, disse que achava muito bom, mas lembrava que essas paredes, em cima das colunas, constituía feito uma viga Vierendeel e ia pedir 1,5m de profundidade, de espessura. E nós fizemos com 30cm. Então, nós passamos pela Europa, era minha preocupação, mostrar que nós não somos índios não, a gente sabe das coisas. Não temos nada que aprender lá, não. Até se há uma coisa que os engenheiros brasileiros estão mais familiarizados é com uma arquitetura de grandes vãos. Eles fazem. Por exemplo, eu fiz um projeto lá, feito, discutido, mas fiz o projeto. Mas aqui o Sussekind não discute nada não. Se eu der um projeto com um vão de mil metros ele faz [risos].
Benedito Lima de Toledo: Eu queria pegar esse tema da influência da arquitetura francesa, porque na época do Le Grand travo, que tantos eles falavam da era Mitterrand [François Mitterrand: 1916-1996, primeiro presidente socialista francês, governou por 14 anos, em dois mandatos, entre 1981 e 1995] a revista Conexion Citè de les Arts, publicou um trabalho do Pierre Verger, que ele era presidente dos teatros e tal, e ele usa a seguinte expressão, que ele acha a “arquitetura moderna uma coisa admirável, mas o que se vê em Paris é uma coisa horrível. Pensemos nas torres do 15º Arrondissement [bairro francês], na Maison da Radio France, sem falar na Torre de Montparnasse e nessa coisa horrorosa que se passou nos Halles.” E ele conclui: “essas coisas são assim, mas é necessário ir ao partido comunista, na Saint Dennis, a nova sede da humanidade, para descobrir Niemeyer ... e ver o que é arquitetura digna desse nome”. Então...
Oscar Niemeyer: O Malreaux [Edgar Mourin Malreaux, escritor: 1901-1976] quando esteve em Brasília, ele disse que as colunas de Brasília eram as mais bonitas depois da coluna grega. Eu achei simpático, mas não levei muito a sério, o negócio da boa vizinhança [risos], o fato é que tem isso...
José Carlos Sussekind: O curador da exposição Monet disse agora que o museu de Niterói é o mais bonito que ele viu no mundo.
Oscar Niemeyer: Isso me agradou, porque ele é um sujeito que conhece todos os museus do mundo, de modo que ele gostou. Exagerou, mas ele gostou.
Silvio Cioffi: E das 500 obras que o senhor fez, qual a que mais lhe agrada?
Oscar Niemeyer: São projetos variados, de modo que é difícil comparar. Por exemplo, as obras de Brasília do que eu gosto lá é que me permitem, quando alguém vai a Brasília dizer:
Você vai a Brasília, você vai gostar ou não dos palácios, mas você não vai poder dizer que viu antes coisa parecida.
Isso é que é o principal. O sujeito não pode. Chega lá, vê o palácio do Congresso, por exemplo [começa a desenhar]. Ele nunca viu um palácio assim. Ele pode não gostar. Agora, se ele for inteligente ou for interessado no assunto, e ele vai procurar saber porquê ele é assim, ele vai ver que foi uma coisa muito pensada.
Eu me lembro que um dia o Cardoso, Joaquim Cardoso, que foi o calculista, ele telefonou para mim entusiasmado. Disse: “olha, Oscar, encontrei a tangente que vai permitir que a cúpula da Câmara pareça apenas pousada.” Isso não passa pela cabeça de ninguém.
Teria que explicar também que o palácio está em cima de uma placa, porque eu queria que a vista de quem chega, passasse entre as curvas, até a praça dos Três Poderes. De modo que a arquitetura precisa sempre de uma explicação e como é fácil criticar, o sujeito sai criticando sem saber nada. Por exemplo, eu me lembro ... então ... como a imprensa é fogo. Eu me lembro que há pouco tempo, em São Paulo mesmo, uma moça veio falar comigo, fazer uma entrevista, “Dr. Oscar, o senhor fala muito em forma nova, como é que na praça dos Três Poderes, as colunas do Palácio do Planalto parecem com as do corpo do Supremo?” [Risos]
Se entendesse um pouco de arquitetura, iria ver que foi uma coisa proposital, que eu quis manter a mesma unidade na arquitetura da praça. E também, uma coisa que tem aí um exemplo muito bom, é quando ele chegou para mim e disse: “Oscar, você não podia colocar umas árvores lá no Memorial da América Latina ou então na praça dos Três Poderes?”. É gente pouco inteligente, pouco sensível e que nunca viajou, porque senão tinha visto na Europa as praças livres. Imagine você a praça de Veneza, a praça de São Marcos cheia de árvores? É que nessas praças o importante é ressaltar o edifício. A função delas é dar mais importância, e você poder ver dois edifícios ao mesmo tempo, sentir se há harmonia na praça. Se você separar muito... mas isso é tão claro que me dá pouca vontade de discutir.
Mas ele fez um exemplo bom. Fez um museu formidável aqui em São Paulo não é? E a praça é limpa, a praça completa o museu. O Mário Chamber dizia uma coisa que eu acho bom, que o importante é a intuição. Sem intuição, o sujeito não faz nada. Sujeito pode ter muito conhecimento das coisas e tudo, mas tem que saber ler; tem que saber ver as coisas, ter bom gosto. Eu fiz uma vez uma casa para um amigo meu. E a casa ficou pronta, a casa deu trabalho, uma casa bem estudada, agradável, tinha uma rampa. E ele um dia me chamou para almoçar na casa. E disse: “eu quero te mostrar a casa pronta”. E eu fui. E a senhora dele estava lá me esperando, que ele demorou. Ela me disse: “Dr. Oscar, nossa vida mudou com essa casa. Mudou tanto que eu resolvi eu mesmo fazer a decoração.”
[risos]
Oscar Niemeyer: De modo que não dá. Quando eu faço o projeto, a gente pensa que a decoração é uma coisa qualquer, que não tem grande importância para a arquitetura, mas ela é suficiente para destruir a arquitetura. Os que fazem decoração não compreenderam até hoje que o importante na decoração são os espaços vazios, os espaços entre um grupo e outro. Então, enchem de móveis e fica uma merda.
Matinas Suzuki: Dr. Oscar, o arquiteto Roberto Fialho, aqui de São Paulo, imagina, pergunta o seguinte: “O senhor acha que os arquitetos da atualidade estão se afastando cada vez mais do desenho como sua principal forma de expressão? E como isso se reflete na atual produção da arquitetura brasileira?”
Oscar Niemeyer: Eu sempre digo que o desenho é a base da arquitetura. A base não, a base é a cabeça do arquiteto, mas em todo caso é fundamental. Eu fiz um estudo para a Universidade de Auger e a primeira coisa é desenhar. Aprender a desenhar figurativa, desenhar uma figura não é para fazer uma figura, não é pra desembaraçar não. É feito um pintor que não freqüentou um ateliê, que não fez desenho figurativo, ele cai nesses quadradinhos e coisa e tal. Ele não sabe fazer uma figura. De modo que essa parte do desenho, quando eu fiz uma exposição, e agora eu vou fazer, estou pensando em fazer uma sala só mostrando o problema do desenho. Porque o desenho é mais importante. O sujeito tem que saber desenhar, o arquiteto. E compreender, o desenho é uma coisa fundamental para a arquitetura.
Matinas Suzuki: Sr. José Aparecido, o senhor quer fazer alguma pergunta. Está quietinho aí....
José Aparecido Oliveira: Eu quero sair um pouquinho da arquitetura, porque a arquitetura não é o mais importante...
Matinas Suzuki: tá certo...
José Aparecido Oliveira: ... o mais importante é a miséria que campeia pelo mundo. Então, eu queria perguntar ao Oscar, que tem toda uma vivência política, na resistência, ao longo de anos e anos, o que ele está achando dessa realidade hoje do Brasil? Venda da Vale do Rio Doce, partidos políticos que não se afirmam...
Oscar Niemeyer: Vocês sabem que quando houve a revolução espanhola, os republicanos lutaram contra Franco. Mas, quem estava por trás de Franco já era o nazismo. De modo que depois houve vitória da revolução, agora o museu de Paris me pediu para fazer um baixo relevo numa parede mostrando os vencedores da grande guerra, olham os espanhóis que lutaram na resistência como as primeiras vítimas do nazismo. Porque o nazismo já estava lá, ao lado de Franco não é? De modo que isso é uma coisa que quando eu penso nisso, eu penso um pouco no Brasil. Se venderam a Vale, as primeiras vítimas da Vale vão ser o que gritaram o "Petróleo é nosso". Eles não queriam só o petróleo não, eles queriam as nossas riquezas. De modo que eu não gosto de discutir os problemas técnicos da Vale, porque isso, de venda ou não venda, porque isso não é a minha função. É uma coisa toda sentimental comigo. Quando houve, por exemplo, o "Petróleo é nosso", um colega meu de escritório ficou 2 anos preso. Quando anos depois, veio o golpe de 64, ele se suicidou. Ele pensou que podia voltar essa luta de "petróleo é nosso" e ele ser preso outra vez.
De modo que as vítimas da Vale vão ser todos ... Se venderem vão ser alguns de nós com certeza porque não vamos sair para a rua, ou então, vão ser esses que já foram vítimas, vão gritando "o petróleo é nosso". E não adianta discutir esse negócio de Vale, a gente é contra isso, não é? É muito difícil a questão da política, porque tem os que estão satisfeitos. E tem uns que estão satisfeitos com os pequenos favores de superfície que o governo dá, melhorando um pouco, uma coisa ou outra, mas os que querem um mundo sem classes, esses só podem pensar, é meio chato a gente falar isso, mas pensar logo na revolução.
Sem revolução não vai mudar nada disso. A revolução portuguesa foi feita sem sangue. Agora, falo na revolução que atinge a distribuição do dinheiro. A coisa de começar todos iguais, não é?
E isso não vai ser os que trabalham no governo, os que representam o Congresso, essa coisa toda, que vão concordar com uma coisa dessas. De modo que é sempre uma migalha, uma coisa pequena, que eles dão assim, como favor, e a coisa continua na mesma.
José Aparecido Oliveira: Então, vamos lá para Brasília. O senhor sabe que Brasília continua ameaçada pela especulação imobiliária. Nós que conhecemos Belo Horizonte e conhecemos Goiânia, que foram também duas cidades planejadas para capitais e, hoje, basta ver; elas estão inteiramente desfiguradas. Tanto uma, quanto outra. E eu acho que Brasília, apesar de ter o tombamento da Unesco, apesar do tombamento do próprio governo do Distrito Federal, do tombamento federal, ela continua gravemente ameaçada.
Oscar Niemeyer: Pois é, mas você, quando conseguiu o tombamento na Unesco e tudo, você deu a defesa que Brasília precisava. Agora, é mais difícil mexer. Tem tombamento, cidade tombada, monumento universal, essa coisa toda, de modo que é uma questão de reagir não é? Mas cidades é difícil manter. A cidade cresce, degrada, não é? Qualquer cidade que cresceu, na América Latina, não funciona mais bem, não tem solução, como é que vai fazer?
Matinas Suzuki: Que avaliação o senhor faz de um projeto de uma cidade? O senhor acha que ainda é possível fazer o projeto de uma cidade? Essa utopia da criação de uma cidade, ela ainda existe, ela é presente?
Oscar Niemeyer: Eu acho que a cidade como a gente pensa, uma sociedade, vamos dizer, no regime socialista, vai ser uma cidade diferente, porque os programas serão diferentes. Tem programas visando o povo, a coletividade, não interesses particulares. Mas não existe nenhuma cidade que você possa dizer que é a cidade do futuro. Tem inúmeros projetos de cidade, cidade vertical, cidade horizontal, cidade...
Ferreira Gullar: Oscar, eu gostaria de fazer uma pergunta sobre Brasília ainda. Eu me lembro que quando o projeto do plano piloto foi feito, quando houve o concurso e ganhou o plano piloto, o projeto do Lúcio Costa, não é? Que era feito num pedaço de papel, quase que rabiscado, uma coisa de uma singeleza extraordinária, mas o texto que apresentou falava coisas utópicas, com relação à maneira como a população dessa cidade iria viver nela e tal. As pessoas criticam muito até o certo idealismo que havia nesse projeto. Agora, nós sabemos que é impossível alguém projetar uma cidade que não seja a cidade ideal, porque ninguém vai projetar uma cidade para ser injusta. Não é verdade?
Oscar Niemeyer: Se a vida não for ideal ... é claro que a cidade....
Ferreira Gullar: Quando você projeta, você projeta a cidade justa. A não ser que seja um cretino completo, o que não é o caso evidentemente. Mas eu pergunto o seguinte: com toda a diferença que se tem, que há do projeto à realidade, Brasília, hoje, como é que você vê? Quer dizer, ela apresenta muita diferença com relação, não ao texto escrito, mas ao que você queria que fosse?
Oscar Niemeyer: Eu não faço crítica de colega...
Ferreira Gullar: Eu não estou falando da arquitetura, eu falo da cidade, da vida da cidade.
Oscar Niemeyer: Pois é, pois é, é complicado pensar Brasília. Mas acho que a cidade tem coisas muito boas, aquela parte da habitação, a parte monumental, não é? É um plano inteligente, acho que foi feito com certo carinho, com muito boa intenção. Mas a vida muda muito, não sei.
Paulo Mendes da Rocha: Mas o desenho original, porque a idéia tem que ser ideal. Cidades, você fez Negev, por exemplo, Grassi ... Eu estava pensando nisso por que...
Oscar Niemeyer: Negev, por exemplo, era uma cidade no deserto, uma cidade pequena, compacta, com prédios muito altos. Era a ideia ao contrário, era uma cidade que o homem dominava. O homem podia passear a pé pela cidade, atravessá-la de um ponto ao outro. Os automóveis estariam sempre na periferia. Era uma cidade multiplicável, uma cidade que não ia crescer. Quando chegasse em determinado ponto, criava um outro elemento. O difícil é que depois da coisa feita, a cidade é uma coisa muito complexa. Tem a diferença de classes, zona de pobre, zona de rico, isso tudo, é difícil você chegar numa cidade ideal. Mas para fazer a ideal tem que fazer a revolução.
Paulo Mendes da Rocha: Por que sabe onde eu queria chegar desculpe, mas é porque, até uma cidade submarina, eu vi uma vez um croqui que você fez, são fantasias. Mas, você desenhou, você lembra disso, eu vi pouco, uma vez só, um plano para Copacabana depois de crescido o aterro, com as torres na areia.
Oscar Niemeyer: Pois é...pois é
Paulo Mendes da Rocha: Aquilo era tão bonito. São idéias, idealizações sobre a cidade. Você lembra desse projeto de Copacabana?
Oscar Niemeyer: Você sabe, o meu pai, quando eu era rapazinho, ele morava em Laranjeiras, mas no verão ele alugava uma casa em Copacabana.
Paulo Mendes da Rocha: Só para tomar banho de mar....
Oscar Niemeyer: Em Copacabana quando eu tinha 12, 14 anos, então defronte ao meu escritório agora, não tinha aqueles 20m de areia não, era uns 100m de areia.
Paulo Mendes da Rocha: Com pitangueiras....
Oscar Niemeyer: A areia era branca, você andava, riscava no pé, a arrebentação era lá fora. Você afundava na arrebentação e vinha na onda até a praia. Isso tudo acabou. Hoje não é mais areia propriamente, é uma mistura de areia e terra.
Ferreira Gullar: Como seria a cidade ideal... [interrompido]
Paulo Mendes da Rocha: Oscar fez um desenho excelente [interrompido]
Ferreira Gullar: Oscar, o problema da integração das artes na arquitetura. Quer dizer, a arquitetura no passado, tinha escultura, tinha a pintura. Quando a arquitetura moderna nasceu, se falava muito nessa integração. Mas foram poucos os arquitetos modernos que, de fato, tentaram ou puseram nas suas obras, previram o mural, a escultura. Como é que você vê isso na tua obra?
Oscar Niemeyer: Bom, eu acho que a integração é indispensável, não é? Não quero uma coisa ideal, o tempo glorioso da Renascença, que eles pintavam o teto, as paredes, tudo. Eu me lembro que o Seu Juscelino, que tinha um ar assim de príncipe da renascença quando ele falava o que queria fazer, ele teria feito isso. E eu teria colaborado, pintado os tetos, fazia tudo. É fantástico não é? Mas não havia tempo e não havia dinheiro para certa especulação. Eu só acho que essa modificação surgiu foi pouco a pouco, quando começaram a falar em cidade maquinista compreende? E falar que a arquitetura tinha que ser mais simples, e o Bauhaus, então foram querendo dar a arquitetura um sentido mais funcional. Então, qualquer coisa fora disso já era uma excrescência.
Ferreira Gullar: E eliminou a escultura e eliminou a pintura.
Oscar Niemeyer: Porque quando é um prédio grande eles não põem uma pintura, mas põem um material mais caro que a pintura. De modo que eu, dentro das minhas possibilidades, quando eu fiz Pampulha, eu chamei o Portinari, chamei o Ceschiatti, chamei o Paulo Werneck [pintor: 1907-1987]. Eu, quando fiz agora o Museu Memorial da América Latina, nós chamamos tantos artistas, que fizemos um livro sobre os artistas. De modo que essa integração eu acho uma coisa tão humana, tão natural, entre arquitetos e artistas, acho que é uma coisa que devia prevalecer, devia ser obrigatório. Existe, parece uma lei, que prevê aí uma porcentagem para a obra de arte.
Paulo Mendes da Rocha: É. Parece que existe.
Oscar Niemeyer: Mas não funciona.
Benedito Lima de Toledo: Mas, Oscar, lá em 1940, na verdade passando a pergunta que um estudante me fez outro dia, com aquele entusiasmo de estudante, me perguntou se o Oscar deixou a sua marca em São Paulo. E eu respondi como o professor Vila Nova Artigas respondia, eu falei: “você, o que acha?” Ele tem que desenvolver a sua capacidade crítica também. E ele pensou um pouco e falou no Copam. Eu lembrei que era um terreno extremamente difícil, uma poligonal, da mesma forma como o Limanité [?] também um terreno bastante difícil. E parece que quanto mais difícil o terreno, melhor sai o projeto. Mas depois ele passou para o Ibirapuera. E eu falei para ele que havia duas fases, a de 54, que foi realizada parcialmente e, em 93, você foi convocado a dar uma nova contribuição. O que me deixou muito contente, porque, por exemplo, na marquise adotaram um pouquinho aquela solução que o sem teto adota no viaduto, quer dizer, fecha uma marquise e coloca uma instituição dentro. Quer dizer, aproveita uma cobertura e fecha do lado. Agora, eu queria saber uma coisa. Do outro lado, ali da avenida Pedro Álvares Cabral, tem aquele prédio do Detran, que foi muito sacrificado, mexeram de todas as formas e tal, mas como volume ele se mantém. E atrás tem um imenso terreno vazio, que serve para coisas de lacração de automóveis, essa coisa, e lá no fundo tem um prédio art-déco bem interessante. Bom, eu queria saber no seu projeto, quando você propõe a liberação de toda a área envoltória, você nunca pensou num tratamento naquilo, integração naquela faixa?
Oscar Niemeyer: É difícil, porque as cidades modernas se degradaram sozinhas. A cidade antiga, por exemplo, Paris, que eles conseguiram conservar um pouco, mantêm os mesmos pés, os mesmos gabaritos, pavimentos, mesmo tipo de janelas, e tudo isso dá uma unidade que nas cidades modernas desapareceu. Lá, eles são muito espertos. Você vê, por exemplo, você falar em cidade vertical. O único exemplo que eu vejo de cidade vertical, sob o ponto de vista de ser uma coisa bonita, é na De France, em Paris, que eles fazem prédios grandes, mas o horizontal conta não é? E o tal negócio do espaço vazio. Então, horizontal bonito, os pés estão soltos, não é um perto do outro, é numa disposição lógica e tudo. Se a gente pensar o que a gente conhece disso, pés próximos e sem nenhum jogo de composição decente, a gente fica contra, mas se for lá no De France, você vê que é bonito.
Benedito Lima de Toledo: Perfeitamente.
Oscar Niemeyer: É monumental.....
Benedito Lima de Toledo: Eu talvez não tenha feito a pergunta direito, é que a sua proposta de liberação do parque, que é muito bonita, realmente desafoga o parque.... E o novo...
Oscar Niemeyer: Não, eu acho que o parque, o principal de um parque assim é o sujeito chegar no parque e se sentir fora da cidade. É descansar, ficar à vontade. Ele não pode estar lá no Parque do Ibirapuera passando automóvel perto dele. Isso é o princípio que eu acho. Depois, o negócio da marquise, eu tento explicar que a marquise tinha que ter um ponto de acesso único que justificasse a proporção dela, a largura, a estrutura, que disciplinasse o conjunto. Mas criaram diversos pontos de acesso. Então, a marquise ficou quase fora da proporção natural. Mas se eles forem atender como eu propus agora, fazer a entrada pela marquise, vai assumir a escala que ela devia ter, está certo?
Matinas Suzuki: Falamos um pouco de Brasília, falamos um pouco do Rio de Janeiro, começamos a falar um pouco do Parque do Ibirapuera e também de São Paulo, mas o Rogério Abreu, aqui de Vila Congonha, pergunta se o senhor vê alguma maneira de melhorar a urbanização e a arquitetura de São Paulo?
Oscar Niemeyer: Os arquitetos de São Paulo é que podem responder. Eu conheço pouco a cidade para isso. São Paulo tem arquitetos muito bons. A eles é que cabe isso, de examinar a cidade. É difícil. Você faz, por exemplo, um viaduto, não é? Viaduto bonito, para resolver o problema de circulação, mas a cicatriz ficou. Ele está entre blocos, entre prédios. De modo que é muito difícil melhorar uma cidade. Pode, aos pouquinhos, fazer uma praça, derrubar meia dúzia de quadras, fazer uma grande praça, embaixo fazer estacionamento, tudo isso é possível, mas são operações...
Paulo Mendes da Rocha: Muito pontuais....
Oscar Niemeyer: É.
José Carlos Sussekind: Na época do prefeito Jânio Quadros, você estudou uma interferência até forte na cidade, Oscar, que era o Parque do Tietê. Você se lembra? Que era uma mexida forte na cidade.
Oscar Niemeyer: Eu propus para ele o Teatro do Ibirapuera. Mas ele era inteligente. Eu não posso me queixar das pessoas com quem eu trabalhei.
Oscar Niemeyer: Eu trabalhei com Juscelino e éramos amigos e ele acreditava na minha arquitetura, de modo que eu fazia o que bem entendia. Depois, eu trabalhei com o Aparecido, o governador, foi uma continuação do Juscelino. Mesmo com o problema que ele tinha de verbas, nós fizemos o Parthenon, fizemos muita coisa. Ele tinha sensibilidade de sabe o que convinha. Fez a Casa dos Cantadores, uma coisa que ninguém tinha pensado. Depois trabalhei com o Quércia, não é. E também foi bom, foi muito bom, me deu toda a liberdade. Quando eu senti que a coluna no meio da ponte era uma coisa que não combinava com o resto, que os vãos eram grandes. E aí todo mundo achou graça que eu queria tirar a coluna e ele disse: “não você tira”. E eu tirei a coluna, botei a coluna por fora, pendurei e ficou melhor. O problema do arquiteto, quando ele propõe uma coisa radical e fora de tempo, é que prova que a ideia está certa. Eu acho a minha relação com esse pessoal nunca teve problema absolutamente nenhum.
(?): Mas São Paulo é absolutamente marcado pela coluna.
Oscar Niemeyer: Eu sei, com Juscelino, com os outros, era o meu trabalho. O que interessava a eles era a minha arquitetura. Eu me lembro quando Juscelino começou Brasília eu fui chamado na polícia política. E eu falei com ele: “presidente, estão me chamando na polícia”. E ele falou: “você não pode ir, tiram o seu retrato”. Mas depois ele telefonou para o Kruel na minha frente e disse: “olha, eu preciso do Oscar, ele é meu elemento chave em Brasília. Ele não pode ir lá para a polícia”. E eu não fui. De modo que ele sabia que eu era comunista. Todos os outros sabem também. Nós não discutíamos política, porque o ponto de vista era muito diferente. Nem interessava discutir. Não vou discutir comunismo lá com o cardeal lá do Rio de Janeiro.
Matinas Suzuki: Dr. Oscar, nós vamos fazer um rápido intervalinho e a gente volta daqui a pouquinho com a segunda parte da entrevista com o arquiteto Oscar Niemeyer. Até já.
[intervalo]
Matinas Suzuki: Nós voltamos com o Roda Viva especial que, esta noite, entrevista o arquiteto Oscar Niemeyer (...). Eu peço desculpas, não vou conseguir dar vazão à quantidade de perguntas que estão chegando pelos três canais que eu recebo aqui, mas eu prometo encaminhar todas as perguntas, que porventura eu não consiga fazer, ao arquiteto Oscar Niemeyer. Por falar em perguntas que estão chegando, Dr. Niemeyer, há uma pergunta de São Paulo, aqui no nosso e-mail, perguntando o que o senhor acha do Cingapura, esse projeto de habitação popular que a prefeitura de São Paulo desenvolveu?
Oscar Niemeyer: Eu acho que aquele programa ali é mais simples do que no Rio, que é um terreno plano. E acho uma ideia lógica, não acho ruim não. Porque não desaloja as pessoas, desaloja temporariamente e eles voltam para ocupar o mesmo lugar. É muito melhor do que chutar para longe. Por exemplo, lá em Brasília, quiseram acabar com algumas favelas. Então, criaram algumas áreas proletárias, as piores possíveis, muito piores que as favelas e longe do lugar do trabalho. De modo que eu acho que [o Cingapura] está bem.
Fernando Morais: Oscar, você falou há pouco, no bloco anterior, sobre perseguição da polícia, aborrecimento com a polícia, em Brasília. Há uma das muitas lendas que correm a seu respeito, que quando você foi interrogado por um PM no Rio de Janeiro...
Oscar Niemeyer: Ah, isso é besteira....
Fernando Morais: É bobagem?
Oscar Niemeyer: É, eu nem gosto de ficar falando.
Fernando Morais: Você respondeu com um deboche ao coronel, que desmanchou.
Oscar Niemeyer: Eu me lembro uma vez que eu fui chamado e que eu fiquei falando e o sujeito perguntou:
Niemeyer, o que vocês comunistas pretendem?. Eu disse: Mudar a sociedade.
Então, nós estávamos numa sala fechada, com sistema de som e ele disse para o sujeito que batia na máquina, escreve aí "mudar a sociedade" e o sujeito virou para mim, um crioulinho, e disse assim: “vai ser difícil, hein!” [risos]. Eu achei graça. Se mudasse era para melhorar a situação dele. De modo que não.
Sílvio Cioffi: O senhor nasceu numa família católica e militou no Partido Comunista de 45 a 91. Depois desse furacão, como é que o senhor se define ideologicamente? Segunda pergunta: o que o senhor acha da arquitetura feito no período da União Soviética, na União Soviética?
Oscar Niemeyer: Bom, eu morava em Laranjeiras, não é? Minha família era católica, eu estive no colégio dos padres barnabitas, mas quando eu saí para a vida, eu achei tão injusta. E fiquei ajudando o Socorro Vermelho e um dia entrei para o partido. Foi um dia que saíram da prisão os comunistas. Um amigo meu telefonou e disse: “Oscar, você tem condições de atender alguém no seu escritório?” Eu podia. Então, alojei no escritório uns 15. Foi aí que eu conheci o Prestes. E senti o contato com eles, que eles eram importantes, que eram honestos, que eram pobres, que eles brigavam, que tinham uma vida voltada para a justiça social...
José Aparecido Oliveira: Aliás, tem uma pergunta do filho do Prestes, que eu acho importante, que ele me entregou e pediu que fosse lida a pergunta dele.
Matinas Suzuki: Ele diz o seguinte, o Luiz Carlos Prestes Filho: “Caro Oscar Niemeyer, em dezembro do ano passado, na cidade de Santana, no Rio Grande do Sul, foi inaugurado um marco de 15 metros de altura e de 30 toneladas que o senhor projetou, em homenagem a Coluna Prestes. E a prefeitura daquela cidade, que fica a 400km de Porto Alegre, com certeza não teria recursos para elaborar essa obra sem a sua colaboração. Esse seu desprendimento vem da amizade cultivada ao longo de anos com o Cavaleiro da Esperança ou vem da identificação ideológica comunista e revolucionária que tem com Luiz Carlos Prestes?”
Oscar Niemeyer: É lógico que a figura do Prestes sempre entusiasmou não é? Eu era jovem, vi aquele homem dedicado assim à luta política, não é? Pobre, sem outra preocupação se não de lutar pela igualdade das pessoas. Eu fiz esse monumento.
É um monumento que é engraçado, porque ele é muito fácil de fazer. Eu fiz no chão, de modo que não precisou de forma, nem nada. E pronto, o monumento [...] nós içamos o monumento. Eu agora fiz um monumento para a luta dos Sem Terra e vai ser assim também, no chão, porque daí eu posso fazer um monumento de 30 metros. Não custa nada, concreta no chão, depois suspende. Então, eu fiz até um estandarte para a luta dos sem terra, que era um negócio assim...
[Começa a desenhar o monumento]
Eles estão segurando o elemento de trabalho, uma foice, não é? É assim não é? E aqui tem escrito: “a terra também é nossa”. Essa é uma luta fantástica, a gente nem pode se queixar muito porque o governo, de certo modo, está apoiando. A gente queria mais pressa, só. Mas é uma luta horrível, porque todos os países já fizeram a reforma agrária, por que ainda não fizeram no Brasil? Um continente fantástico desses, por que o homem mais pobre não pode ter um pedaço de terra? Eu acho que essa luta vai crescer.
José Aparecido Oliveira: Você tem uns monumentos seus, hoje, que o Memorial da América Latina mesmo tem aquela mão sangrando...
Oscar Niemeyer: Eu fiz a mão, que é o protesto, é América Latina, com o sangue escorrendo pela mão não é? Ofendida, invadida.
José Aparecido Oliveira: Tem em Volta Redonda...
Oscar Niemeyer: Esse negócio da América Latina é uma coisa horrível. Ainda a gente aceita a conversa de Departamentos de Estado. Só fizeram intervir na nossa cultura, na nossa terra não é? É um negócio fantástico.
José Aparecido Oliveira: Tem também o monumento de Volta Redonda.
Oscar Niemeyer: Eu, os monumentos que eu fiz, são todos monumentos de protesto. Primeiro que eu fiz foi um monumento assim. [Começa desenhar o monumento Tortura Nunca Mais]
É uma forma assim, com uns 30 metros, uns 30 metros não é? Com a figura humana transpassada aqui, pela força do mal. O outro que eu fiz....
(?..): Esse era o monumento contra a tortura?
Oscar Niemeyer: Contra a tortura, o Tortura nunca mais. Depois eu fiz o monumento para Volta Redonda. Eram os 3 operários que foram assassinados pelos militares.
(?..): O monumento foi explodido....
Oscar Niemeyer: Explodiram. Então, voltei lá e combinamos de fazer de novo, fazer de novo o monumento, aproveitar, deixando as cicatrizes dessa violência. E ele está lá, durante 3 dias os operários ficaram fazendo o monumento, não houve mais nada. Agora, fiz esse dos Sem Terra. E faço com muito prazer. Agora, fiz um lá para o Museu de Paris. Um mostrando que a guerra, que a grande guerra começou na Espanha, com a luta dos republicanos contra Franco, que já naquele momento tinha o apoio dos nazistas.
Fernando Morais: Deixa eu lhe perguntar uma coisa, Oscar, de quem escreve cotidianamente, em geral, a maioria dos autores escreve e joga fora, escreve e joga fora, reescreve 200 vezes. Você falou aqui no comecinho do programa que quando Juscelino te pediu o projeto do cassino, você foi para o hotel, ficou durante a noite trabalhando e no dia seguinte você levou o projeto do cassino. Eu testemunhei...
Oscar Niemeyer: Eu queria fazer o projeto, eu tinha que fazer, era uma imposição dele e eu fiz.
Fernando Morais: Quando o Quércia chamou você para fazer o Parlamento Latino-Americano, eu me lembro, eu estava do lado, ele explicou o que queria, qual era a concepção que ele tinha e você pegou uma folha de papel grande, uma folha como essa, enorme, e fez assim olha, “eu estava imaginando uma coisa desse jeito,” projetou. E, aquilo ali você deixou a folha, que eu tomei o cuidado de catar e guardar... [risos] Já era o projeto do Parlatino. Quem pegar aquilo, está na parede da minha casa e trouxer aqui e olhar o Parlamento Latino-Americano, vê que ele foi concebido naquela hora.
Oscar Niemeyer: É isso que eu ia falar, com ele eu já tinha pensado.
Fernando Morais: É isso que eu queria saber, como é esse processo, que santo baixa na sua cabeça, é Deus ou o diabo?
Oscar Niemeyer: Bom, tem que fazer um projeto, não é? Você primeiro procura saber o terreno, as condições, possibilidades econômicas, fazer uma coisa mais ambiciosa ou não. Você começa a estudar, fazer os croquis, sempre pensando na utilização, não é? E quando chega uma solução, aí eu começo a desenhar. Se eu tenho um estudo preliminar feito, eu aí faço o texto, porque se me faltam argumentos no texto, eu devo voltar à prancheta. E depois faz a maquete. E a maquete...
Silvio Cioffi: E no seu processo de criação, a noite é boa conselheira? O senhor sonha com formas, o senhor acorda de manhã com uma solução para alguma coisa que o senhor não tinha...
Oscar Niemeyer: Acontece.
Quando eu fiz a mesquita de Israel eu estava deitado, não estava dormindo, não foi sonhando. Eu estava deitado, pensando na mesquita e fui pensando, achei uma solução, levantei e desenhei. Isso acontece.
Uma vez eu me lembro que eu estava sonhando que estava fazendo um hospital. Então, eu comecei a pensar o hospital e achei uma ideia que servisse ao hospital no interior, o corredor interno, os visitantes, a volta, e depois comecei a pensar que elevador, aquela ideia que sala de operação tem que ser rotativa, não é? Em hospital pequeno ela deve ser fácil de manobrar, de entrar gente e sair e a parte de segurança também. De modo que eu pensei numa espécie de um elevador que tinha umas três salas de operação. E elas caminhavam assim, paravam num andar, tinha a parte toda de limpeza da sala, subia no outro estava operando.
Paulo Mendes da Rocha: A sala que era móvel?
Oscar Niemeyer: É, a sala que era.
Paulo Mendes da Rocha: Era uma beleza de ideia.
Oscar Niemeyer: É coisa impossível...
Paulo Mendes da Rocha: O raciocínio é como escritura, como escritor, você pode raciocinar, não exatamente como, mas na velha... Porque a imaginação humana, antes de mais nada, é confinada no humano, não é assim como se imagina. Então, escrever ou projetar são formas de linguagem, mas o discurso é um discurso humano, de desejos, e etc. No hospital, a sala que vai para a limpeza ou desce para a não sei o quê, é uma maravilha.
José Carlos Sussekind: Oscar, que projetos novos você está estudando agora?
Oscar Niemeyer: Pois é, eu fiz o projeto lá para o museu de Niterói. O museu, não sei porque, o lugar é bonito, é fabuloso, de modo que teve muito sucesso. Nunca tive um projeto que tivesse tanta gente. Gente que vai ver e de lá mesmo me telefona para me abraçar. De modo que o prefeito ficou muito satisfeito, muito contente, para ele foi muito importante. E agora ele voltou a ser prefeito novamente, então ele está querendo fazer uma espécie do caminho da arquitetura de Oscar Niemeyer, em Niterói. Então, tem o porto das barcas, um negócio assim, tem o porto das barcas, [começa a desenhar o projeto] a costa continua, a praia, não é? Tem um terreno aqui que seria uma praça que eu ia estudar, uma praça com teatro, diversas coisas, restaurantes, e depois continuava o caminho, tinha um outro lugar, com um outro projeto meu, até o museu. De modo que ele chamava o caminho da arquitetura. E ele foi lá no escritório, fiz a maquete dos 4 lugares e ele ficou muito entusiasmado.
José Carlos Sussekind: Era o Jorge Roberto da Silveira
Oscar Niemeyer: E era interessante mesmo. Porque era assim, você está vendo? Está vendo? [Começa a desenhar o projeto Caminho Niemeyer, de Niterói] Tinha aqui o negócio das barcas, o caminho vinha, aqui eu tinha uma praça, que era uma praça assim, tinha um teatro assim, depois tinha aqui um restaurante, depois tinha uma igrejinha que saía aqui dentro da água.
Paulo Mendes da Rocha: Outra Pampulhinha...
Oscar Niemeyer: ...e depois tinha o centro de convenções. Era uma coisa assim. Depois vinha uma parte aqui, essa parte aqui era uma grande estação de barcos, que tinha três prédios altos, de 20 andares, para facilitar o empreendimento. E tinha garagem embaixo. E ele está muito animado em fazer esse programa. Me interessa muito que essa praça aqui, o Sussekind viu, essa praça é fácil de realizar não é?
José Carlos Sussekind: É claro.
Oscar Niemeyer: Porque os elementos não são muito grandes.
José Carlos Sussekind: E é uma coisa interessante, quer dizer, a arquitetura do Oscar, que as pessoas pensam sempre na monumentalidade, ele conseguiu fazer jóias de arquitetura com áreas, por exemplo, o restaurante tem 300 metros quadrados e coisas muito pequenas, que são jóias. Então, a capelinha que você fez dentro da água, Oscar eu me lembro. É uma capela de quatro por três. Então, é uma obra maravilhosa, e que o custo é quase nenhum.
Oscar Niemeyer: Mas a vista é assim [mostra o desenho]. Estão vendo? Tem aqui um teatro, que é um teatro meio aberto, o teatro grego protegido, com palco, de modo que se possa prestar espetáculos na praça. Depois tem o restaurante, solto no ar. Depois tem a igrejinha que aparece dentro da água, igrejinha pequenina. De modo que é um projeto que me interessa muito, que eu tenho certeza que vai ficar muito bonito. Tem os espaços livres também. O negócio é monumental e os prédios são pequenos não é? Difícil de fazer...
Agora, eu estou fazendo um projeto, que eu não quero deixar de falar, que é um projeto lá para Brasília, que o Sussekind justamente está incluído do cálculo, não é? É um projeto, eu posso dizer isso, que não é trabalho meu, eu dei a sugestão. Mas ele diz que ele vai fazer o cálculo mais importante que se pode fazer no mundo hoje. E nada de concreto armado pode ser mais avançado que isso. É um vão de 80m compreende? [desenha] Eu comecei a fazer isso na Europa, eu fiz o projeto e me interessei pelo projeto. Mas sabia, que se mandasse para o Rio, iam sacanear: “tem 80m, um monte de coisa” [risos], então, eu fui no Nero. Peguei o avião, fui lá falar com ele. Mas ele já estava muito velho, fui falar com o Nero. Ele disse: “Oscar, você devia ter vindo 10 anos antes”. Depois ele deu o esquema, propôs que os tirantes fossem metálicos para aliviar a estrutura. Bom, não foi possível fazer. Agora, o projeto voltou à tona. Mas voltou ainda mais complicado, porque eu dei para o Sussekind fazer, ele não discutiu nada, em 15 dias tinha pronta a ideia. Mas agora ele que tinha a solução era assim...[desenha]
Ele que tinha os dois apoios não é? E chegando em cima ele tinha esse chapéu de sol assim, o prédio antes era grudado nisso, então agora eu soltei o prédio. De modo que o prédio vai ficar funcionando como antes, mas pendurado nuns tirantes aqui. Porque aqui eu previ um jardim. Agora, como obra de engenharia eu gostaria até que ele falasse, porque é difícil fazer uma coisa tão...
José Carlos Sussekind: Você pensou, no fundo, em alguma coisa que simbolizasse, quer dizer, no museu de Brasília, na cidade, quer dizer mais nova do país um testemunho do avanço tecnológico nesse momento. Eu acho que só tem igual no próprio Memorial da América Latina. Aquele prédio da biblioteca é hoje o recorde mundial vigente e vai ser transferido para Brasília se essa obra for feita. De uma certa maneira, isso ilustra, com muita clareza, a preocupação do Oscar de integrar, de fazer que a arquitetura seja a expressão da evolução da nossa engenharia. Em cada momento, em cada obra, em cada curva, isso está sendo feito.
Oscar Niemeyer: Você sabe que antigamente o trabalho do arquiteto era muito reduzido. Eram coisas pequenas, vazias, a gente discutia vigas, discutia uma coisa. Mas o nosso trabalho deu até outra importância à engenharia. Então, por exemplo, em Brasília, a arquitetura e engenharia nascem juntas. Os pequenos detalhes desapareceram. Você vê o projeto feito do Congresso, por exemplo, não é? Acabou a estrutura e a arquitetura está presente. Isso deu muito mais importância e unificou a coisa. De modo que esses projetos que nós fazemos agora é tudo neste sentido, quando o tema permite é lógico não é? É fazer que a estrutura acabou...
Matinas Suzuki: Dr. Niemeyer
Oscar Niemeyer: Eu me lembro quando eu fiz o Palácio do Planalto, o Palácio do Alvorada, uma noite eu estava com os amigos conversando, vamos ver a estrutura que estava pronta. E fomos lá. Quando eu cheguei lá, a estrutura parecia uma escultura. Era uma coisa enorme, solta naquele planalto.
Paulo Mendes da Rocha: O Palácio da Alvorada?
Oscar Niemeyer: Eu disse para eles: “vocês estão vendo, parece uma escultura”. Mas daqui a pouco vêm as proteções, os vidros, para virar um edifício. Mas esse é o momento importante da arquitetura. No momento que surge a ideia. É aí que o arquiteto chega, que nasce a arquitetura não é?
Paulo Mendes da Rocha: É como se para nós o Renascimento fosse agora. Porque quando se descobriu a América, nós estávamos em pleno Renascimento e aqui foi editada a miséria do colonialismo. Agora, nós vamos começar de novo a fazer a América que devia ser feita. Eu acho que as suas obras representam isso.
Matinas Suzuki: Dr. Niemeyer, a Olívia Fernandes de Oliveira, arquiteta da Universidade Federal de Brasília, pergunta o seguinte: “Na sua opinião, qual o papel do Estado frente à arquitetura, sobretudo hoje no Brasil, onde a arquitetura, cada vez mais, se privatiza?”
Oscar Niemeyer: Não sei. A arquitetura, bom, não sei bem o que ela quer dizer com isso. O Estado até hoje, o Estado é que tem feito as grandes obras. Eu, por exemplo, muito pouca obra fiz de particular. Apartamento, essas coisas, nunca fiz. Nem me convocam muito, porque isso são obras assim repetidas, não dá grande vulto, de modo que as obras maiores são os governos que fazem, mesmo na França você vê isso. Quer dizer, eles compreendem muito bem que a cidade precisa ser enriquecida. Às vezes é uma obra que você pode dizer: "não, a obra podia ser feita outra coisa, ter feito escolas, mas quando a beleza existe, ela é importante para o povo também”.
Quando você vai lá, por exemplo, no Egito e vê as pirâmides, você esquece que aquilo foi um pretexto, uma coisa qualquer que não tinha sentido, foi trabalho escravo, você fica espantado é com a beleza.
De modo que o importante é isso, é o caminho da beleza, que aí o povo sente, o povo gosta de ver uma coisa bonita, o povo gosta de ver um Palácio em Brasília, ele acha diferente. E isso é feito na pintura abstrata, coisa que Gullar pode explicar muito melhor que eu. Tem esse negócio, o sujeito que não tem uma formação errada, ele gosta das coisas bonitas, geralmente. Agora, quando a formação foi errada. Você veja criança, pequenina, faz um mural fantástico, depois entra na escola, com oito anos, já não faz mais a mesma coisa.
Ferreira Gullar: A educação tem que botar o cara para desaprender. Agora, eu gostaria de lhe falar uma coisa aqui. Às vezes, as pessoas dizem: “ah, porque tem outros arquitetos, o Oscar faz todo mundo dar os projetos para o Oscar”, eu compreendo as queixas, é natural, todo mundo quer fazer. Mas eu acho o seguinte, eu vou dizer a você, é chato falar essas coisas, mas eu vou dizer. Eu acho que cada estado do Brasil deveria ter uma obra sua. [Risos do Oscar Niemeyer] É verdade! É verdade! Você imaginou se na Itália, tudo quanto é cidade da Itália tivesse uma obra do Leonardo da Vinci ou do Michelangelo. Sinceramente. É uma coisa que enriquece o país. Então, essa coisa não é concurso, não é para esculhambar, me desculpe. Não pode querer reclamar que não tem concurso, porque se trata de uma outra coisa.
Oscar Niemeyer: Eu trabalho muito em Brasília, mas eu vejo um sentido de eu continuar trabalhando lá. Eu fui para lá quando aquilo não tinha nada, eu não fiquei no Rio não. Eu fui para lá e me meti no meio daquela poeirada, era um desconforto nos tempos de chuva, ou do sol, ou da poeira, eram os prédios marcados, a gente mal acomodado, e fazendo aquilo correndo, com o maior entusiasmo. Você sabe que apesar da pressa a gente tinha muito interesse em chegar a uma solução melhor. Eu me lembro, por exemplo, das colunas do Alvorada. Eu fiz as colunas do Alvorada, mas a construção foi feita no chão. Primeiro se cava bem, para ver se o mármore coincidia bem com os desníveis. Quer dizer, a gente tinha uma preocupação de apuro que a pressa não devia permitir. Compreende? A gente fazia isso. De modo que agora, por exemplo, tem o eixo monumental que, felizmente, o Aparecido preservou. Nós fizemos estudos preliminares do eixo monumental. O eixo monumental é importante para Brasília. Ele não pode ter ali um prédio diferente, não digo que seja pior ou melhor, mas manter as características da arquitetura. Ainda falta fazer o museu, falta fazer a biblioteca, falta fazer alguns edifícios que finalizam o texto, mas é importante na nova capital que tenham o mesmo espírito e ali, pelo menos, a arquitetura seja conduzida com o mesmo ponto de vista.
Ferreira Gullar: Tá certo.
Fernando Morais: Oscar, que notícia você dá para os paulistas do Teatro Rubinstein e do Memorial Jânio Quadros, projetado lá para o parque, o Ibirapuera. Em que pé estão?
Oscar Niemeyer: Pois é, você sabe que foi um trabalho que nós fizemos, eu fiz com outros colegas aqui de São Paulo, mas é uma obra engraçada, porque você tem a marquise, uma cúpula que tem lá e aqui vem o teatro.[Começa a desenhar o projeto] Então, o teatro tem uma forma assim, que quando os espetáculos são exteriores, essa parte aqui caminha para trás. Então, um vão de 60m e metade da cúpula metálica se encaixa na outra, é uma coisa nova para espetáculo, vai servir para 30, 40 mil pessoas. Ou então, dentro, para 2 mil pessoas. De modo que é uma obra importante, é uma obra assim que pede para o cálculo, por exemplo, da parte de funcionamento, é uma coisa caprichada. Como deve ser. Eu sempre reclamo isso. Acho que quando é uma obra pública, a gente deve exprimir o que se pode fazer.
Fernando Morais: Agora, em que pé está?
Oscar Niemeyer: O projeto está pronto. Ainda não entregamos. Mas, não sei, agora depende do Pitta, eu não conheço o Pitta, mas o Maluf, ele foi muito compreensivo com o trabalho.
Fernando Morais: E o Memorial Jânio Quadros?
Oscar Niemeyer: É, deve fazer, o desenho está feito.
Fernando Morais: Ah, o projeto já está pronto?
Oscar Niemeyer: O memorial, eu estou ficando especialista em Memorial. Fiz para ele, para o Prestes agora um memorial que tem uma rampa e que chega num andar onde tem as salas de estar, de exposição, embaixo tem...
Fernando Morais: O memorial para o Prestes onde vai ser construído? Tocantins? [pergunta olhando para o entrevistado e para os colegas?]
José Aparecido de Oliveira: Mudou, é Rio Grande do Sul.
Fernando Morais: Rio Grande do Sul!?
Matinas Suzuki: Dr. Niemeyer, o senhor já tocou um pouco nessa questão sobre a necessidade da presença da beleza na arquitetura, para que ela se mostre, mas eu tenho aqui 3 perguntas, mais ou menos na mesma direção, de pessoas que moram em São Paulo, Fernando Alcoraje, estudante da FAAP; Luiz Henrique, advogado; Aldo Roger, do Tatuapé; todos eles acham que o Memorial da América Latina é um pouco árido, que eles acham, é uma crítica que o senhor já respondeu, será que o senhor poderia responder...
Oscar Niemeyer: Ele [aponta para Paulo Mendes da Rocha] pode responder muito bem. Lá no museu que ele fez, que é muito bonito, ele deixou a coisa árida. É uma praça cívica, é uma praça que ele quer valorizar a arquitetura, de modo que tem ser assim. Esse pessoal, é pena sabe?! Fala porque nunca saiu daqui. Se eles fossem à Europa, veriam praças enormes. Eu, às vezes, fico chateado, digo: “vá para o Jardim Botânico”. [risos] Assim, quando era função dela [da praça], receber o povo, em certos dias, não é? Ou então valorizar os edifícios que estão contidos na praça. Mas essas perguntas é que cansam. Tem que contradizer logo, dizer que não tem sentido.
Silvio Cioffi: E no Rio de Janeiro, o que falta? Esse projeto da Praça XV?
Oscar Niemeyer: Eu gostava muito da Praça XV, mas não tem condição não.
Silvio Cioffi: Por que não tem condição?
Oscar Niemeyer: Não, porque a Praça XV é uma praça que tem um prédio antigo, o palácio, não é? E ao lado dele não tem mais nada. Então defronte do palácio, tem uma ruazinha com uns prédios horríveis. [Começa a desenhar o projeto da praça] Então, a idéia era criar aqui um prédio de quatro pavimentos, um hotelzinho feito o que tem na França, uma arquitetura aproximada do palácio, sem copiar, mas criar um ambiente e aparar com a praça aqui. Porque a escala da praça era essa. Fechava o viaduto e o resto era outra solução. Essa solução que se seguia eu propunha criar um espaço mais utilizável pelo povo. Então, eu fazia três edifícios dentro da água. Ai já começam a reclamar, “mas dentro da água?”, eu tenho que explicar dentro da água, no Japão querem fazer uma cidade dentro da água, que não tem nenhum problema, o nosso amigo está aí para dizer que não tem importância...[aponta para José Carlos Sussekind]
[risos]
Paulo Mendes da Rocha: Mas depois ali as fundações. Dá no mesmo, fazer dentro da água ou fora, porque faz loucuras no Rio de Janeiro, tubulão pneumático [tubo de concreto feitos para serem passados por baixa da água] nos dois casos ali não é?
Oscar Niemeyer: De modo que a gente cansa é perder tempo explicando essas coisas. Mas já foi uma questão, já pensaram diferente, não tenho nada contra o governo, a administração do.. do.. Como é que é o nome dele? do Conde, não é? Até na administração dele, ele fez uma coisa muito boa, ele convocou os escritórios de arquitetura a colaborarem com ele. De modo que, como tudo mais, cada um tem o seu pensamento, o seu modo de ver as coisas, cada um faz um pouco diferente, faz o que bem gosta. Quando chegam e falam: “qual é a sua escola?” Não, nada disso, faço a arquitetura que me atrai. O outro faz o que gosta. Às vezes, uma coisa simplezinha eu acho tão bonito. É feito você ver um quadro de Matisse [Henri Émile Benoît Matisse, pintor francês: 1869-1954] ou de Picasso [Pablo Picasso, pintor espanhol: 1881-1873], não vou dizer que um é melhor que o outro, para mim são fantásticos. Então, as coisas antigas também são bonitas. A coisa abstrata? Também é importante. É importante eu olhar para um papel e não saber o que vai fazer, ter que inventar. Na pintura antiga, o sujeito fazia uma mulher, fazia uma coisa, depois fazia aquilo fantástico, fazia feito esse que está na exposição ...
Ferreira Gullar: Morandi com as garrafinhas, é uma beleza!
Oscar Niemeyer: A coisa abstrata também tem o seu lado positivo. Não uma coisa sem sentido, vocês sabem muito bem, você tem explicado, que é uma coisa horrível, feito para escandalizar. Essa coisa toda, ele tem explicado muito bem [aponta para Ferreira Gullar] O Kandinsky [Wassily Kandinsky, pintor russo:1866-1944] uma coisa assim. É um estudo O que você acha?
Ferreira Gullar: É claro, é a expressão sincera do artista. Eu acho que arte é problema... é a personalidade. A coisa decisiva na arte é a personalidade. Sem a personalidade não existe arte alguma. Agora, a personalidade sintetiza, de acordo com as suas características, as coisas da época, desse ou daquele aspecto. Então, você tem um Oscar Niemeyer, você tem uma Lina Bo Bardi [Achillina Bo, arquiteta italiana que viveu boa parte na vida no Brasil, projetou o MASP, em São Paulo: 1914-1982] você tem... então cada um da mesma época, expressa da sua maneira, a partir da sua personalidade.
Oscar Niemeyer: Isso em tudo não é? Quando o sujeito escreve, em geral, a gente sente como ele é. E é bom quando isso acontece. Por exemplo, quando eu me informei mais do Malraux sujeito fantástico, um escritor, aventureiro, um sujeito que com 21 anos quis ir não sei para onde para fundar o jornal, participou de guerra. O Sartre [Jean-Paul Sartre, filósofo e escritor francês, criador do existencialismo: 1905-1980], também, sujeito interessado, foi a Cuba, escreveu sobre Cuba, acha que a vida é um fracasso, mas se interessando por tudo e não era niilista, não era nada disso. Isso é importante. A sua irmã tem um livro assim, Tal e qual, não é?
Ferreira Gullar: É.
Oscar Niemeyer: Ela fala coisas assim. Por exemplo, do livro do Gorki [Máximo Gorki, escritor soviético: 1868-1936] quando eu conheci a história dele, era um sujeito progressista e que lutou.
Silvio Cioffi: Dr. Oscar, em 1970, o senhor foi convidado para fazer parte do Colégio de França. Por que o senhor não aceitou? E a segunda parte da pergunta: o senhor aceitaria ir para a Academia Brasileira de Letras?
Oscar Niemeyer: Não, lógico que não, eu sou desenhista, não sou babaca não. [muitos risos] Agora, o Colégio de França, tinha um escritor que brigou com o Sartre, que eu não consigo me lembrar do nome.
Silvio Cioffi: Aron...
Oscar Niemeyer O Aron que me procurou, queria que eu entrasse para o Colégio de França. E ele, muito interessado, na última vez me disse “olha, você agora, já falei, você procura lá o secretário, ele vai te dar o endereço, vai conversar com os outros professores” e aí eu não fui mais. Tanto que ele me escreveu uma carta: “puxa, você esqueceu, não quis mais ir”. Não dava não é?
Ferreira Gullar: Eu não sei se eu vou fazer uma pergunta inconveniente. Se for, tudo bem você me desculpe.
[Oscar Niemeyer ri ]
Ferreira Gullar: Aí você pode dizer, não, vou me embora... que é o seguinte: a arquitetura moderna, essa arquitetura da qual você é um dos representantes mais significativos, tem um longo percurso, um desenvolvimento, uma evolução, foi transformada, em parte também, com a sua contribuição, mas hoje surge no mundo, já há alguns anos, uma outra arquitetura, que se chama arquitetura pós-moderna. É claro, é um engano querer que a arquitetura seja a mesma, mas a pergunta é a seguinte: o pós-moderno pressupõe que o que era moderno, que caracterizava aquela fase que nós conhecemos, acabou, terminou. Qual é a perspectiva que você vê para a arquitetura hoje, a partir desse mundo de hoje, com essas características que ele tem?
Oscar Niemeyer: Eu não gosto de criticar, mas eu nunca que faria isso. Arquitetura é invenção nos mínimos detalhes. Eles começam copiando coisas antigas, estabelecendo certas regras, não tem nada de sério, acho que isso não vai para frente. Já está passando. E presta-se a um mau gosto horrível.
Benedito Lima de Toledo: É uma colagem, uma montagem, uma justaposição. Agora, com relação a essa forma de expressão e a pergunta da Academia, na sua última visita à FAU, estudantes de outras faculdades ficaram sabendo, chegaram de ônibus e nós tivemos aquele espetáculo muito bonito, de 800 a 900 estudantes lá no salão Caramelo e durante uma hora você produziu 21 desenhos, o que deu uma média de um desenho a cada três minutos. Estou falando isso porque eles participam agora do acervo da nossa biblioteca da FAU. Então, em primeiro lugar, esse aspecto da criação, da forma de expressão livre, no sentimento que sai, que brota de um, diria assim, quase de uma transpiração da idéia, agora eu estou vendo que tem uma coleção de desenhos, então, entre parênteses, eu queria consultá-lo se podem juntar-se aos demais que estão lá na biblioteca da FAU?
Oscar Niemeyer: Mas aqui eu não fiz desenho nenhum, nem dá jeito para desenhar, mas eu gosto de desenhar, porque acho que desenho é importante, a pessoa gosta de ver um desenho bem feito, simplificado, não é um desenho realista, mas um croqui bonito.
Benedito Lima de Toledo: Até naquela ocasião, alguns alunos perguntaram sobre o problema da plasticidade. Se você acha a questão do primado da forma sobre os demais valores?
Oscar Niemeyer: Não, eu acho que tudo nasce junto. Antigamente, vou fazer um desenhozinho.
[começa a desenhar]
Antigamente, quando você acabava uma estrutura, você via apenas viga, lajes e apoios. E a arquitetura vinha depois, você não sabia como. Às vezes era boa, às vezes era ruim. Agora não, quando fica pronta uma estrutura, o concreto armado atingiu uma importância tão grande que arquitetura e estrutura é uma coisa só. Já está pronta. O resto é um pequeno detalhe e tal, mas a coisa mudou. O trabalho do engenheiro cresceu, a forma ficou mais unificada, o concreto armado permite soluções mais homogêneas.
Paulo Mendes da Rocha: Você sabe o que andam dizendo por aí? Eu vou te contar, em vez de te perguntar. É que a força da tua arquitetura vem do fato de ser eminentemente popular. Popular no sentido de força da cultura popular.
Oscar Niemeyer: Não, mas eu acho que compreende mais fácil a beleza do que uma pessoa que for mal informada.
Silvio Cioffi: Por que tem menos preconceito?
Oscar Niemeyer: Lógico, tem menos preconceito. Eu me lembro quando eu fui à Moscou, vocês perguntaram, eu não respondi. Eu fui lá. Estive lá uma semana, eles me chamaram na universidade. Então, eram dois velhinhos, como eu hoje, estavam lá: “Seu Niemeyer, o que o senhor achou da arquitetura soviética?” E eu disse:” olha, em matéria de política, de luta de classes, eu estou com vocês, mas na arquitetura não encontro nem argumento para defender”. Mas ele não gostou não. E disse: “então apresente os seus argumentos”. Eu disse: “olha, eu não estou aqui para criticar. Mas se vocês insistem. Esse prédio é muito mal feito. As colunas são muito próximas, são grossas demais, o sistema de circulação é mal feito, o prédio é feio, não representa o concreto armado”. Eles disseram, eram chatinhos, disseram: “por que você não diz isso ao arquiteto que fez?” “Porque ele não está aqui. Eu talvez não dissesse para não ser indelicado com ele.” Engraçado que o arquiteto tinha ido lá no meu hotel e me deu um quadro que ele fez, horrível [risos], de muito mau gosto.
Às vezes o mau gosto comanda.
Matinas Suzuki: Dr. Niemeyer, Ana Luisa Nobre, que é arquiteta também, no Rio de Janeiro, pergunta o seguinte: “O senhor falou de vários projetos que o senhor fez, mas fez também intervenções importantes em cidades históricas, como Ouro Preto e Diamantina. Como o senhor vê a intervenção em centros históricos hoje e de que forma o senhor acha que as cidades históricas devem ser incorporadas à vida contemporânea?”
Oscar Niemeyer: Eu, quando saí da escola, eu fui trabalhar no Patrimônio com o Rodrigo, ele me chamou. Eu fiquei sempre com o maior respeito pelo Patrimônio. E o Rodrigo fez da vida dele a defesa do patrimônio. Ele era um escritor, escreveu um livro até muito bom, dos velórios, era um sujeito que tinha muito boa posição no meio dos amigos dele, intelectuais, mas ele deixou tudo de lado para ir para o Patrimônio. Juntou-se lá com o Mário de Andrade, com outros e foi a vida dele. De modo que o Patrimônio está sendo até hoje, teve esse início tão bom, que até hoje está sendo muito bem cumprido. Os que estão no Patrimônio, o Glauco Campelo, esse pessoal, eles compreendem a coisa, eles procuram defender o patrimônio. Mas o patrimônio não tem dinheiro. Eu me lembro que antigamente o Rodrigo ficava desesperado porque tinha medo que as casas de Ouro Preto pudessem derrubar feito um baralho de cartas, de modo que as dificuldades, o patrimônio é muito grande, o acervo é muito grande, de modo que não há verba para atender a tudo que é preciso. Mas é um serviço exemplar.
Matinas Suzuki: Como é que o senhor vê essa questão da intervenção, com obras modernas, essa coisa toda, nas cidades?
Oscar Niemeyer: Eu, quando fiz o hotel de Ouro Preto, tinham duas soluções: uma do Carlos Leão, que era um meio termo, um prédio um pouco moderno, mas com as janelas antigas, as portas antigas, essas coisas e a minha era uma coisa mais radical. E o Lúcio, inclusive, o pessoal lá escolheu o meu projeto, porque achavam que tem que criar o contraste. Por exemplo, lá em Ouro Preto tem um prédio que é meio engraçado, porque ele parece um edifício, todo em de cobogó, mas é uma caixa d'água. Mas, botando de lado isso, a função com a forma do edifício, ele é um prisma assim tão certo, tão bem feito, que ele faz um contraste fantástico com a igreja que tem defronte. De modo que até hoje, não sei se vai mudar, há a idéia de criar o contraste e não copiar. Se tem um prédio, uma obra antiga, com obra moderna a ser feita perto, é procurar fazer a coisa normal, como deve ser hoje.
Matinas Suzuki: O prefeito municipal de Itabira manda um fax perguntando para o senhor: “A comunidade da cidade de Itabira aguarda com expectativa a construção em nossa cidade do memorial Carlos Drummond de Andrade”.
Oscar Niemeyer: É, eu estou estudando, eu vou estudar. Estou cansado de fazer memorial [risos]. Mas do Drummond eu quero fazer, que era um amigo da maior importância.
José Aparecido Oliveira: Aliás, nós temos tempo até de dar uma notícia aqui, que eu acho que é importante, o Ferreira Gullar, que é do Maranhão e o Fernando Pedreira, que é o representante do Brasil na Unesco, me falou esta semana passada que já foi aprovado, na Unesco, o tombamento de São Luis do Maranhão....
Oscar Niemeyer: Isso é ótimo...
José Aparecido Oliveira: ...como patrimônio cultural da humanidade. A primeira etapa, já se cumpriu. De fato que agora é apenas a formalização disso no plenário da Unesco.
Ferreira Gullar: Eu fico contente de ouvir esta notícia aqui, por duas razões: primeiro é que São Luis é a minha cidade e merece e necessita disso, e segundo que quem fez isso foi um amigo meu, que é o Pedrera, então quero mandar o meu abraço ao Pedrera, porque é o homem que está salvando a minha cidade.
José Aparecido Oliveira: No seu caso, você tem aqui também o Fernando Morais, que é de Mariana e o primeiro bispo da sede de Mariana foi Dom Manoel da Cruz, levou três anos e meio para chegar de São Luis a Mariana [risos].
Fernando Morais: Já que isto está virando conversa de compadre, gostaria de dizer que só votarei no José Aparecido para governador de Minas se ele levar o Oscar para fazer uma obra em Mariana [risos].
Ferreira Gullar: Bom, está dentro da minha tese de que toda cidade brasileira tem que ter uma obra do Oscar.
Matinas Suzuki: Nosso tempo, infelizmente, está se esgotando, e eu gostaria de fazer uma última pergunta, uma curiosidade pessoal, o senhor fique à vontade. O senhor vai completar 90 anos esse ano...
Oscar Niemeyer: Não fala em idade [risos].
Matinas Suzuki: O senhor tem alguma fórmula para estar tão bem assim, produzindo, trabalhando?
Oscar Niemeyer: Se você me pergunta sobre o meu trabalho, a minha vida, o que ficou, assim, que me agrada, não foi a arquitetura. Foi eu ter olhado a vida de uma maneira mais humana, ter ficado ao lado dos mais pobres, ter entrado para o partido, estar pronto a protestar quando é preciso, ter me situado, ter me sentido bem comigo mesmo. Isso é o que eu falo aos estudantes, quando falo com eles, dizendo que a arquitetura não é o mais importante, o mais importante é a vida, são os amigos, a família e a gente tem que tentar ser cordial com todo mundo, porque a vida não tem muito significativo, não há razão para a gente estar brigando. É isso.
Matinas Suzuki: Eu agradeço muito a sua presença aqui essa noite, neste Roda Viva especial, agradeço também bastante a nossa bancada de entrevistadores, pessoas bastante ilustres, que se deslocaram, inclusive, de outras cidades para poder participar deste programa, agradeço a sua atenção e a sua participação. A gente recebeu fax, telefonemas e e-mails demais, eu vou encaminhá-los todos ao Oscar, que não sei o que pode fazer, vou atribular mais a vida dele, mas nós vamos encaminhar todas as perguntas que aqui chegaram para o Dr. Oscar Niemeyer. Gostaria, então, de agradecer mais uma vez a sua atenção e lembrar que o Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite. Até lá, uma boa semana a todos e uma boa noite!
[Via BBA]
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