A História da Ciência - Parte VI

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Neste último episódio da série é levantada a questão mais íntima de todas: Quem somos nós?

Neste último episódio da série é levantada a questão mais íntima de todas: Quem somos nós?


Há algumas grandes questões que nos intrigam e perseguem desde o surgimento da humanidade.
O que há lá fora?
Como chegamos até aqui?
Do que o mundo é feito?



A história de nossa busca para responder tais questões é a história da ciência.
De todos os empreendimentos humanos, a ciência teve o maior impacto em nossas vidas, sobre como vemos o mundo, sobre como vemos nós mesmos.
Suas ideias, feitos e resultados estão ao nosso redor.
Como chegamos ao mundo moderno?
A resposta é mais surpreendente e humana do que possam imaginar.
É uma história de poder...
prova...
...e paixão.

A HISTÓRIA DA CIÊNCIA Episódio 6

Desta vez, uma das questões mais íntimas que fazemos.
O que nos faz humanos?
QUEM SOMOS NÓS?
A questão do que é a natureza humana, o que define nossos pensamentos, sentimentos e desejos, já foi enfrentada por filósofos, escritores e líderes religiosos.
Estou interessado em como a ciência lidou com tal questão, e não é apenas porque ela atinge o cerne de quem nós somos, mas também porque alcança o cerne da própria ciência.
Quero começar por uma das maiores civilizações do mundo antigo.
O Egito.
Os antigos egípcios estavam entre os primeiros povos conhecidos a lidar com a questão do que nos faz humanos.
Nós, seres humanos, temos plena consciência de nós mesmos, da noção de estarmos vivos, de vivermos em nossa própria pele.
Mas onde reside esse "eu"?
Onde fica o centro de controle?
Onde está a essência do que eu realmente sou?
As crenças egípcias do que nos fez humanos são reveladas em suas atitudes para com a vida após a morte.
Certos órgãos, como estômago, pulmões e fígado, eram tidos como tão importantes que geralmente eram removidos, embalsamados, e colocados de volta no corpo para o enterro.
Os egípcios acreditavam que o coração era a chave para a vida após morte, que quando se morria ele testemunharia seus bons e maus atos.
Neste papiro podemos ver um coração sendo pesado contra uma pluma.
Se ele fosse mais pesado que a pluma, este demônio aqui iria comê-lo e tudo estaria acabado.
A ideia de ter coração leve ou pesado vem dos egípcios.
De certa forma podemos entender por que eles achavam que as emoções residiam no coração.
Certamente quando tive meu coração partido senti no meu intestino e peito.
Os egípcios tratavam o coração com grande reverência.
Mas e aquele outro órgão que hoje consideramos mais essencial à nossa humanidade?
Na Universidade de Manchester, uma equipe de egiptólogos estuda uma múmia de 2.500 anos.
Um endoscópio será inserido pelo nariz para me mostrar como os egípcios tratavam o cérebro.
Cuidado.
Conforme adentramos o nariz pelo septo nasal...
Extraordinário.
- É como entrar numa caverna oculta. - Não é mesmo?
É mesmo um mundo secreto.
Normalmente não passaríamos por ali devido ao osso que separaria o cérebro da cavidade nasal.
- Que estaria aqui. - Claro, devia estar aí.
- Agora adentram o crânio? - Isso.
Aquilo parece uma sutura no topo da cabeça, não?
Parece que falta algo.
Sim, falta o cérebro.
Extraordinário.
Eles não achavam o cérebro importante?
Sabiam que o cérebro controlava alguns atos corporais, mas certamente não achavam que a personalidade individual estivesse localizada no cérebro.
Por isso, eles o removiam e descartavam.
Tiravam e jogavam fora.
Mostra um certo desprezo pelo que hoje consideramos - um dos mais importantes órgãos. - É verdade.
O conceito egípcio do que nos faz quem somos era uma junção mística entre o corpo físico e um espírito eterno.

Uma das ideias recorrentes a surgir das primeiras civilizações, como a egípcia, foi a crença de que somos mais do que simplesmente carne e osso.
Há algo a mais, algo especial que nos faz humanos.
Esta convicção é uma das mais poderosas e duradouras da história humana.
Esta crença definiu o pensamento durante milênios.
Mas conforme a Europa saía da Idade Média, as pessoas começaram a abordar a questão de forma diferente.
As fronteiras física e intelectual europeias estavam mudando, e isso incentivaria uma visão bem diferente acerca de quem somos.
Essa nova visão pode ser vista aqui, no grandioso palácio real francês.
No meio deste grande esplendor, há uma tecnologia intrigante...
...que para mim reflete a grande mudança na forma de nos vermos, esboçada numa sala magnífica.
Aqui está.
O grande Salão dos Espelhos de Versalhes.
É fantástico.
O salão inteiro é dominado por esta parede de espelhos que se estende por quase 100 metros.
Nunca vi espelhos deste tamanho.
Isto é tecnologia de ponta.
Não é completamente perfeito, a superfície não é totalmente plana, dá para ver pequenas bolhas no vidro.
Não é perfeito, não se parece a um espelho moderno.
Mas o tamanho e a escala diferiam de tudo que fora feito antes, e comparado aos objetos curvilíneos que a maioria conhecia há séculos, isto era algo diferente.
Porque nada parecido a isto havia sido criado.
Permitiu que as pessoas se posicionassem aqui, se olhassem e pensassem, "Quem sou?" "Este sou eu."
Estes espelhos representam o ápice de uma ideia que surgiu na Europa desde o Renascimento.
A noção de que todos somos seres individuais.
Não membros de uma classe, ou corporação, mas definidos por nossos próprios desejos, ambições e destinos.
Junto com essa consciência crescente de si mesmo surgiram questões diferentes.
O que me faz quem eu sou?
Por que tenho essas esperanças, medos, talentos e expectativas?
E, principalmente, o que é este "eu" afinal?
Ao longo da história, a tecnologia da época estimulou novas formas de ver o mundo.
Vejo algo que parece um pouco...
Não sei o que é, parece um ser marinho, talvez um lagostim.
As novas invenções criaram metáforas para nos ajudar a pensar no que nos faz humanos.
Esse crânio me faz rir.
Na França do século XVII, o filósofo René Descartes debatia-se com a questão da natureza humana.
Para se inspirar, ele recorreu a uma maravilha tecnológica da época.
Estátuas mecânicas movidas a água.
Segundo a história, Descartes andava pelos jardins reais e viu uma fonte, no meio dela havia uma enorme estátua de Netuno, que jorrava água, como aquilo ali.
Esse Netuno, quando alguém se aproximava, começava a espetá-lo com o tridente.
Descartes ficou obcecado com isso, e começou a pensar, a pensar que os animais fossem apenas uma espécie de autômatos, que talvez um lagostim tivesse algumas engrenagens dentro dele com um monte de pedaços conectados.
Então ele começou a ponderar que talvez nosso corpo fosse apenas uma máquina sofisticada.
Para a época, essa era uma ideia ousada, sugerir que somos máquinas, mas isso suscitou a questão, que característica especial nos faz humanos?
Descartes era um homem desesperado por certeza, mas não era o momento de encontrá-la.
A Europa do século XVII estava dividida por conflitos religiosos e políticos.
As antigas certezas da Igreja e do Estado ruíam.
Em que, pensou Descartes, poderia ele confiar?
O que ele poderia realmente saber?
Descartes estava assolado por dúvidas, e queria descobrir algo em que ele pudesse acreditar.
Imagine, disse Descartes, uma torre, ela é redonda, mas você a vê quadrada.
Ou, por exemplo, isto aqui. A distância parece quadrado mas quando o segura, percebe que é redondo.
Sua visão foi enganada.
Descartes questionou se todos os seus sentidos o estavam enganando.
Ele podia sentir o calor do fogo, ver a sua luz, ouvir seu barulho, mas ele vivenciava as mesmas sensações num sonho.
Assim, talvez o mundo no qual ele vivia fosse apenas uma ilusão.
Descartes agora começava a questionar tudo.
A lua, o céu, as estrelas.
Talvez todos fossem fruto de sua imaginação.
Mas e a matemática?
Dois mais três é sempre igual a cinco, não é?
Talvez um demônio estivesse dominando o cérebro dele.
Descartes realmente começava a duvidar de tudo, até o ponto de saber se ele mesmo existia.
E então, finalmente, ele conseguiu.
Ele notou que o ato de duvidar implicava um questionador.
Há única coisa da qual ele podia ter certeza era da existência de sua própria mente pensante e questionadora.
Ele resumiu isso numa genial frase filosófica.
"Penso, logo existo".
Pode ser uma frase familiar, mas ela contém uma ideia profunda.
A alegação de que a essência da nossa humanidade está em nossos pensamentos, nossa capacidade de raciocinar.
E a razão iria formar a base de uma nova ciência experimental.
Do outro lado do Canal da Mancha, uma abordagem bem mais sangrenta à questão de quem somos iria surgir de um grande conflito político.
A Guerra Civil Inglesa.
Oxford foi um importante reduto monarquista.
Para alguns envolvidos no embate, o tumulto representou oportunidade.
Em Oxford, um jovem chamado Thomas Willis estava na metade do curso de medicina, que à época durava incríveis 14 anos.
A Guerra Civil interrompeu seus estudos, o que, em muitos aspectos, foi algo muito bom.
Estudar medicina não necessariamente tornava você um bom médico, por uma razão muito boa.
O ensino médico ainda era largamente baseado nas ideias da antiguidade.
A interrupção dos estudos deu a Willis a chance de investigar o corpo por si só.
Nessa altura, as pessoas exploravam a anatomia do cérebro.
Conduto, ninguém sabia o que ele fazia.
Em meados do século XVII, Willis iniciou uma série inovadora de dissecações.
Estou prestes a vislumbrar o que ele teria visto.
- Aqui está. - O cérebro humano.
- Não é maravilhoso? - É.
É absolutamente inacreditável quando imaginamos que este cérebro outrora pensou, raciocinou.
É uma característica única do universo.
Quando o cérebro está fresco, tem consistência bem diferente.
Tem sim. Digo aos alunos que parece gelatina mal formada.
Se você fosse cortá-lo, teria grandes dificuldades.
Sim, ele se esfacelaria.
Willis foi um dos primeiros a usar uma nova técnica.
A preservação do cérebro em álcool.
Isso o deixava firme o bastante para dissecar com grande precisão.
- Está pronta para cortá-lo? - Sim, estou.
Não é estranho?
O curioso é que quase não há estrutura ou definição para ele, há?
O que chama a atenção são os ventrículos no centro, que era com que todos se preocupavam antes de Thomas Willis.
A ideia era de que esta parte do cérebro agia como uma bomba, e que importantes atividades ocorriam no líquido que se movia em torno dos ventrículos.
De certa forma, tudo isto é só músculo, todo o pensar e coisas importantes ocorrem nestes orifícios aqui?
Sim, foi Thomas Willis quem notou que a estrutura do cérebro era o que era extremamente importante.
Quando Willis observou o cérebro de animais, concluiu que nosso intelecto e pensamentos estariam nas partes que os cérebros dos animais não possuíam.
Thomas Willis ficou impressionado com a superfície enrugada do cérebro humano quando comparada à superfície lisa do da ovelha.
Isso permite que um enorme volume de córtex cerebral seja abrigado no interior do volume relativamente pequeno do crânio.
É aí que ele achava que estava a natureza humana?
Pode ver que há uma faixa de córtex cruzando a superfície dos hemisférios cerebrais.
- Bem aqui. - Isso mesmo.
Ele notou que era no córtex onde provavelmente as pessoas tinham seus pensamentos.
Willis estabeleceu o elo entre o estado do cérebro e o da mente.
Ele escreveu seu primeiro livro especificamente sobre o cérebro.
A partir de agora, os estudos anatômicos tornar-se-iam uma das maiores bases para uma explicação científica de quem nós somos.
A razão agora era vista como o ápice da natureza humana.
Ela foi moldada pela dúvida filosófica e dissecações detalhadas do cérebro.
A Europa entrou numa nova era.
A celebração da mente racional.
A fé na razão iria apoiar o crescimento comercial e a construção de impérios.
Em 1837, algo causava estardalhaço no Zoo de Londres.
Sua primeira orangotango, Jenny, era apresentada a um público atônito.
Animais exóticos eram trazidos à Grã-Bretanha de todo o império.
Até a rainha Vitória veio visitá-la.
A chegada de Jenny desafiaria suposições sobre o que nos faz humanos.
Venha por aqui, Michael, irei apresentá-lo a Batu, que deve estar esperando. Aí está ele.
Aí está ele. Olá.
- Este é Batu. - Nossa! Ele é grande.
- Oi. - Batu é muito grande.
- Que rosto lindo. - Muito grande e forte.
- Posso fazer isto? - Pode, só cuidado com a laranja.
Certo. Bem delicadamente!
Ele não quer soltá-la.
Ele é bem mais rude que meus filhos!
Que grosseria, pare com isto.
Dá para ver uma expressão carrancuda no rosto dele.
Típica de quem não está gostando.
É uma expressão bem humana.
Péssima atitude. Não, isso foi terrível!
Maravilha! Isto é uma grande sensação de independência.
Pare com isso agora.
Você cuspiu em mim. Já fez o que quis.
O que ainda irá fazer?
Que fedor!
Um dos visitantes do zoo foi o jovem Charles Darwin.
Mas esta não é a conhecida história sobre a evolução.
A sua visita ao zoo foi parte de sua pesquisa menos conhecida.
O fascínio pela emoção animal.
Certo dia, Darwin viu algo que o surpreendeu.
Jenny brincava com o tratador. Ele tinha uma maçã.
O tratador provocava Jenny, agitando a maçã na frente dela, não deixando que ela a pegasse.
E, nas palavras de Darwin:
"A macaca jogou-se de costas e chorou como uma criança."
Darwin convenceu-se que as expressões de emoção que viu em Jenny e no homem eram idênticas.
Sua pesquisa desenvolveu-se por 30 anos.
Ternura, vergonha, alegria.
Ele viu todas elas nos animais.
O trabalho meticuloso de Darwin levou a um dos seus livros mais importantes, "A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais".
Foi recebido com alarde e fascinação.
Este é um livro incrível, em parte em razão das ilustrações, este foi um dos primeiros livros a incluir fotografias.
Elas mostravam pessoas em vários estados emocionais.
Desconsolada, de aparência muito triste.
Ele as examina em detalhe quase microscópico.
Há uma imagem bem interessante da testa de uma mulher, ele notou estas duas linhas surgindo aqui, posteriormente chamado "músculo do sofrimento de Darwin".
Darwin enfraquecia nesta obra uma crença fundamental.
A crença na singularidade humana.
Ao sugerir um parentesco mais próximo com os animais, ele abriu espaço para a mente racional, alcançando o mundo subterrâneo e obscuro dos instintos, desejos e emoções.
A fera interior.
Eis a ironia para a ciência vitoriana.
O poder da razão, que nos fez únicos, virou-se contra nós e nos revelou menos engrandecidos e racionais do que se pensava.
Um novo lado nosso estava sendo descoberto, mais sombrio e perigoso.
Em Paris, médicos começaram a explorar esse lado indomável, em La Salpêtrière.
Este prédio imponente foi usado para armazenar pólvora, mas decidiram que poderiam usá-lo para algo melhor, prender milhares de pessoas que eram consideradas instáveis e perigosas. As pobres e loucas.
Foi o hospício feminino mais famoso da Europa, sem oferecer nada além de um encarceramento cruel.
Estas são as celas nas quais as mulheres eram mantidas, estas são as grades atrás das quais elas estavam detidas.
Há algo terrivelmente pungente na ideia de milhares de mulheres presas, em péssimas condições, sem qualquer perspectiva de liberação ou nenhuma esperança.
Mas as atitudes estavam mudando.
Após anos de revolução, o hospício virou um lugar de tratamento ao invés de mero encarceramento.
Um dos seus médicos mais famosos foi Jean-Martin Charcot.
Geralmente o melhor meio de entender o normal é estudar o anormal.
E aqui havia 5 mil mentes perturbadas para estudar.
Charcot foi um dos primeiros a tentar separar e categorizar as diferentes formas de doenças mentais e neurológicas.
Ele fez anotações detalhadas e tirou muitas fotografias.
Um distúrbio em particular intrigava os médicos.
Eles a chamavam de histeria.
As pacientes sofriam paralisia, ataques, cegueiras e convulsões violentas.
Charcot supôs que tais sintomas eram causados por uma doença física.
Então ele começou a usar uma abordagem nova e extraordinária.
Cinco, seis...
Hipnose.
Sete...
Charcot descobriu que podia induzir e aliviar os sintomas da histeria usando hipnose.
Sinta sensação de leveza, subindo.
Ela podia produzir efeitos extraordinários no corpo.
Subindo, o balão começa a subir e balançado de um lado ao outro.
- Certo. Pode ver o balão? - Sim, um grande balão azul.
É um balão azul do Ursinho Pooh.
Bem, sinta uma sensação de...
Já tentei hipnose antes, mas esta é a primeira vez que ela funciona.
Só observe o que está ocorrendo.
Durante uma hora, perdi a coordenação da minha mão.
Está mais perceptível que está ficando trêmula.
Minhas mãos ficaram grudadas.
As articulações estão travadas.
Estão bem travadas.
E o mais estranho de tudo, um lado do meu campo visual ficou quase inutilizado.
- Parece um pouco apagada. - Certo.
Tenho a sensação de que há algo ali, mas não...
- Não são objetos. - Tudo bem.
Um, dois...
Isso foi muito estranho.
Foi como se eu estivesse ali, mas eu estava ausente, ele falava com alguma outra parte de mim, e tal parte estivesse respondendo.
Mais alto.
A ideia de que pode fazer isso só com o poder das palavras...
é muito estranho.
As observações de Charcot acerca da histeria o levou a uma conclusão radical.
Se os sintomas podiam ser induzidos ou aliviados pela hipnose, talvez eles não fossem sinais de alguma doença patológica.
Talvez fossem causados pelas emoções, mas os próprios pacientes não tinham consciência do que sentiam.
Charcot nunca entendeu totalmente com o que lidava, o que hoje chamamos de inconsciente.
No meio da plateia de uma das famosas demonstrações de Charcot estava um jovem austríaco, Sigmund Freud, homem que ficaria famoso pelo estudo das emoções ocultas e dos desejos reprimidos para criar este conceito extraordinário do inconsciente.
As ideias de Freud tornar-se-iam uma influência cultural significativa no século XX.
Elas se juntariam a uma maré crescente de outras ideias que formariam uma abordagem totalmente nova para quem nós somos.
A psicologia.
Um "eu" pouco racional foi revelado.
Por animais trazidos de terras distantes, pela mudança de atitude em relação à doença mental e um novo acesso ao inconsciente.
Não podíamos mais nos ver apenas como seres racionais.
No final do século XIX, a Europa entrava numa nova e ousada era da comunicação.
Milhares de km de ferrovias ligavam as maiores cidades do continente.
Os cabos de telégrafo conectavam as pessoas ao redor do mundo.
Este mundo interconectado levou a uma nova forma de ver o funcionamento do cérebro.
Esta nova tecnologia, naturalmente, inspirou novas metáforas para descrever o sistema nervoso.
Por exemplo, se eu beliscar meu dedo, feixes de dor transmitirão a informação até minha coluna e de lá para o cérebro. O problema é o que vem a seguir.
Todos sabiam que havia sinalizadores e ligações complicadas aqui, mas ninguém sabia como eles funcionavam.
Interior da Espanha.
Lar de um cientista que eu admiro muito.
A sua paixão pela arte iria definir sua futura carreira como neurocientista.
Ele se chamava Santiago Ramón y Cajal.
Quando jovem, Cajal era obcecado pela arte.
Como ele escreveu, "Fui dominado por uma mania irresistível.
"Eu pintava tudo que atraía minha visão.
"Terra, folhagem, plantas, a forma humana."
Ele era muito bom em pôr no papel o que via.
A paixão de Cajal pela arte foi acompanhada por um fascínio por uma nova tecnologia.
A fotografia.
Esta é o tipo de câmera que Cajal teria usado.
Eu a alinhei com as montanhas.
Pus uma chapa fotográfica aqui dentro, um pedaço de vidro com algumas substâncias fotossensíveis.
E então levantamos isto.
E acionamos o obturador.
Deve levar cerca de 20 segundos.
Quando tiver terminado, baixamos isto e levamos a placa de vidro para os mistérios do quarto escuro.
Foram suas paixões, a arte e a fotografia, que definiram sua descoberta mais importante, o que faz o cérebro funcionar.
Ver, observar e tornar as coisas visíveis foi um dos maiores desafios da ciência.
O desafio para os neurocientistas era revelar a delicada estrutura do cérebro.
A tarefa a que Cajal se propôs foi revelar as redes de comunicação que existem dentro de nossa cabeça.
Vim ao Instituto Cajal para ver como ele fez isso.
Sempre acho que voltarei à cirurgia.
Perfeito.
- De um rato? - Sim, pegue o cérebro.
Meu primeiro trabalho é cortar o escorregadio cérebro de um rato.
É muito pequeno.
É mais complicado do que parece.
Aqui vamos nós.
- É como cortar cebolas. - É, mais ou menos!
Sou bom em cortar cebolas.
Estava aberta a busca por um corante que tornasse a misteriosa estrutura do cérebro visível sob o microscópio.
Cajal mostrou uma técnica usando substâncias do quarto escuro, que faziam o tecido cerebral escurecer.
Podem ver que é um processo muito complicado, há vários estágios distintos.
Cajal passou quase 20 anos pesquisando, fazendo pequenos ajustes, procurando a perfeição.
A grande discussão era se o cérebro era apenas uma rede de fibras, ou composto de unidades individuais distintas.
Ao pôr tecido tingido no microscópio, Cajal constatou que havia elementos estruturais individuais no cérebro.
Os neurônios.
É belíssimo.
Isto é um neurônio.
Era isso que eles procuravam.
O sinal entra aqui no corpo celular, depois de alguma forma é distribuído por milhares de axônios e dendritos, que estão ligados a todos os demais neurônios do cérebro.
Cerca de 1 em cada 40 neurônios consegue ser tingido e exibido, isso pode parecer ruim, mas é algo muito bom pois se todos os neurônios estivessem tingidos, seria uma massa confusa.
Não conseguiríamos compreender.
Mas por ser apenas 1 em cada 40, podemos identificá-los.
Aqui podemos observar a influência artística de Cajal, em belos desenhos dos neurônios.
Ele mapeou grupo de neurônios e teorizou acerca do seu funcionamento, que os impulsos nervosos os percorrem em determinada direção, passando de uma célula a outra.
Muitos anos depois, suas teorias seriam confirmadas.
Cajal percebeu que os neurônios são as unidades básicas do cérebro humano.
Hoje sabemos que há ao menos 100 bilhões deles, e todas essas ramificações... Bem, existem trilhões de conexões.
Em algum lugar aqui, nascem a emoção e o pensamento.
Em algum lugar aqui está a resposta ao que nos faz humanos.
50 anos depois, o mundo mergulhava no caos.
Do tumulto da II Guerra Mundial surgiu uma invenção secreta, construída aqui, em Bletchley Park, interior da Inglaterra.
Colosso...
...a máquina mais complexa já construída até então.
Projetada para decifrar códigos inimigos, ela também ajudaria a esclarecer a questão de quem somos.
O impressionante acerca de Colosso era a rapidez com que trabalhava.
Mensagens inimigas que equipes de decifradores humanos levavam 6 semanas para decifrar eram feitas pela máquina em 6 horas.
Isso devia parecer sobre-humano.
Uma máquina fazendo algo que até então apenas a mente humana inteligente podia fazer, mas mais rápido.
Outra vez, a tecnologia da época oferecia um modelo para o funcionamento do cérebro.
Ao pensarmos nele, parece um cérebro primitivo, com as válvulas representando os neurônios e a fiação representando as ligações de axônios e dendritos.
Começavam a teorizar que os neurônios de Cajal funcionavam como interruptores eletrônicos.
Se a inteligência podia ser reproduzida pelo ligar e desligar de interruptores de uma máquina, talvez a mente racional não fosse exclusivamente humana, como pensávamos.
Um dos maiores cérebros humanos em Bletchley era Alan Turing, geralmente chamado de o pai da computação moderna.
Em 1950, ele pensou num meio de analisar se os computadores apresentavam alguma forma de inteligência, criando um teste.
O teste de Turing é na verdade mais uma questão turingiana.
A indagação que ele se fazia era se seria possível construir um computador tão inteligente e tão bom em conversar com o homem que pudéssemos conversar com a máquina e não notar que não estávamos conversando com outra pessoa.
Ele sugeriu que até o ano 2000, teríamos resolvido o problema.
Estamos bem além desse ponto. Vejamos.
Bem, "qual é o seu nome?"
- "Você não lembra?" - Não, não lembro.
Estou usando um dos programas mais sofisticados, criados para para responder ao desafio de Turing.
Certo, vamos tentar conhecimento geral.
Computadores devem ter algum conhecimento geral.
Nem sempre ele parece responder à pergunta.
Enfim, que tolice.
Vamos tentar algo diferente. Filmes favoritos.
"Transformers 2."
Talvez seja alguma piada de computador.
Não creio que alguém goste de Transformers 2.
"Quais filmes te fazem chorar?"
"Ficção-científica e comédia. Você gosta de quê?"
Não é tão impressionante. Não estou curtindo.
Não estou tendo uma boa conversa.
Creio que aprendemos com isto que computadores são bons em cálculos, analisar números e coisas assemelhadas.
Falta a eles a coisa que proporcione qualquer interação humana, qualquer valor, sentimentos como humor, ternura, amor, afeição, qualquer uma das coisas que valorizamos.
Talvez seja esperar demais de uma máquina.
Tchau, tchau.
Adeus. Tchau.
Durante séculos, a tecnologia forneceu metáforas para explicar quem somos.
O computador é apenas a mais recente que exploramos.
Mas as suas falhas revelam que o que nos faz humanos está em algo que a máquina não pode fazer.
Somos seres passionais e irracionais, muitas vezes compelidos por forças que não compreendemos.
Na virada do século XX, um grande país amadurecia.
Os Estados Unidos.
A terra da liberdade, dos direitos e das liberdades individuais.
Este era o lugar perfeito para a florescente disciplina que se concentrava em nós como indivíduos.
A psicologia.
A psicologia, como o nome sugere, começou inicialmente como o estudo da psiquê, ou mente.
A ideia era que podíamos nos analisar, fazer introspecção, e assim aprender sobre a natureza humana.
Porém, nos EUA, um pequeno grupo de psicólogos logo decidiu que isso não era rigoroso ou vigoroso o bastante.
Queriam transformar a psicologia numa ciência, assim decidiram se concentrar em algo que podiam avaliar e manipular.
O comportamento.
Esta abordagem, chamada behaviorismo, foi transformada em uma ciência sistemática por um dos mais controversos pioneiros do século XX.
Chamava-se B.F. Skinner.
Skinner estava convencido de que o nosso comportamento é produto do nosso meio, adquirido de nossas experiências.
Como Skinner achava o meio tão importante, pensei que seria interessante olhar onde ele trabalhava.
Este é o escritório dele. Não é maravilhoso?
Está inalterado desde que ele morreu, há mais de 20 anos.
Ele gostava de música, assim adaptou isto para que quando puxasse, sua música fosse tocada.
Era um homem que gostava de consertar e ajustar coisas.
Esta é a cama na qual ele dormia.
Está completamente cheia de sua parafernália.
Foi a sua paixão por engenhocas, por coisas que pudesse adaptar e mudar, que o levou à sua maior invenção, um aparelho icônico para os behavioristas como o telescópio é para os astrônomos, a câmara de condicionamento operante, ou a caixa de Skinner.
As experiências de Skinner revelariam algo surpreendente e perturbador sobre a condição humana.
Esta é uma câmara operante.
Também conhecida como caixa de Skinner.
Muitos em minha área...
Dr. Robert Allan usa métodos similares aos de Skinner.
Aqui é a área onde fica o pombo.
Seus botões de resposta...
O pombo tem de bicar esses botões.
Se os bicar na ordem certa, receberá uma recompensa.
O que você vai fazer para me impressionar com o pombo?
Eu lhe mostrarei. Vamos pegar um pombo.
- Quem é este? - Este é o G21.
G21? Confesso que não acho os pombos inteligentes.
- Eles são muito inteligentes. - Ele vai mostrar o quanto?
- Isso. - Certo. Entrando, G21.
- Ele está com fome? - É o que parece!
O pombo tem de notar se a luz central fica vermelha ou verde por mais tempo.
Se for verde, ele tem de bicar o botão à direita.
Ele é esperto.
Um verde demorado significa direita.
- Certo. Ele irá para a direita? - Ele irá.
Tem confiança no seu pássaro, não?
- Tenho muita confiança. - Muito bom.
Se for a vermelha a mais demorada, ele tem de ir para o outro lado.
Ele tem de ir para a esquerda. Observe.
Ele conseguiu. Confesso que ele é muito bom.
Sou bom em prever o comportamento.
Muito bem, G21. Vamos, garoto, vamos.
Essas experiências mostravam que o comportamento pode ser facilmente aprendido, até manipulado.
BICADAS CERTAS CORREÇÃO
Eu estava prestes a ver como isso pode ocorrer rapidamente.
Vamos definir a resposta cíclica reforçando seu comportamento aproximado.
Vai fazê-lo andar em círculo?
Isso mesmo. Bem exposto!
Toda vez que o pombo vai para a esquerda, Dr. Allan o alimenta para reforçar esse comportamento, até que após 20 minutos, o pombo está andando em círculos.
Pombos e alpiste podem não parecer algo polêmico, mas o chocante à época foi que Skinner aplicou suas ideias ao comportamento humano.
Skinner disse que em muitos aspectos somos como os pombos, que somos o produto das inúmeras interações que temos com nosso meio, seja amar, trabalhar, os amigos que faz, tudo isso que parece ser decisões, é na verdade produto do que nos aconteceu no passado.
Nosso livre arbítrio pouco difere do deste pombo, que decide onde bicar, ou andar em círculo.
Skinner estava certo que sua descoberta podia beneficiar a humanidade.
Podíamos mudar o comportamento das pessoas para melhor ao alterar o seu meio.
Mas, no contexto da Guerra Fria, a habilidade de controlar o comportamento deixou alguns com medo que pudesse ser mal utilizada, pois, na visão de Skinner, o livre arbítrio era apenas uma ilusão.
A maioria de nós acredita que poder decidir é uma parte importante de ser humano, mas ali estava Skinner dizendo que isso era uma ilusão, que ele era uma parte do absurdo pré-científico, semelhante a acreditar numa Terra plana ou em possessão demoníaca.
Podem imaginar como essa mensagem foi popular na terra dos homens livres e indivíduos austeros.
O behaviorismo logo foi seguido por outras abordagens, nos anos 60 e seguintes.
Havia novas drogas, terapias, testes de personalidade, novos meios de avaliar nossos pensamentos, memórias e emoções.
A psicologia se tornou uma ciência ampla, tão diversificada e multifacetada como nós.
Então, quem somos nós?
Bem. Somos o produto dos nossos genes e meio.
Bilhões de reações neuroquímicas ocorrendo a cada segundo de nossas vidas.
Dentro de nós, a razão e a emoção frequentemente estão em guerra.
Pensamentos, paixões, memórias e comportamento surgem espontaneamente das profundezas.
Tomografias revelam que muitas partes do cérebro funcionam fora da nossa percepção consciente.
Somos o produto de inúmeras interações diárias, e a busca para entender a essência do que somos mostrou que algo fascinante ocorre dentro de nossa cabeça, algo do qual nenhum de nós nem sempre tem ciência.
Posso lhes mostrar o que quero dizer com uma famosa ilusão visual.
Conhecida como "O quarto de Ames".
Isso é tão estranho!
Estou vendo uma pessoa muito alta ali e uma baixa do outro lado, e quando trocam de lugar, há um momento em que meu cérebro se confunde.
Sei que isto é uma ilusão, mas meu cérebro não me deixa ver além dela.
Como ela é feita?
Se vierem por aqui, fica óbvio.
Olá.
Obrigado.
Basicamente, o quarto se inclina.
Há muito espaço acima da minha cabeça.
O piso é fortemente inclinado.
Conforme ando, o quarto começa a estreitar até eu ficar comprimido no canto.
Há pouco espaço entre o chão e o teto aqui, é assim que a ilusão é criada.
Basicamente, o quarto é trapeziforme.
O quarto de Ames nos mostra algo muito importante sobre o funcionamento do cérebro.
Parte do meu cérebro conhece os padrões de um quarto.
Com hipóteses, modelos construídos, e ela sabe, baseada na experiência, que, normalmente, num quarto o teto e o piso são paralelos, e que as paredes estão em ângulo reto.
De determinado ângulo, o quarto parece se adequar a esse modelo mental, o cérebro tem tamanha certeza que este quarto de formato estranho é normal, que as pessoas aparentam ter mudado de tamanho.
Essa ilusão revela algo fundamental sobre o funcionamento do cérebro.
Nossa percepção da realidade não se baseia apenas naquilo que existe, mas ela também é parcialmente construída.
Temos esses modelos sendo executados em nossa cabeça, e eles são constantemente testados contra a evidência de nossos sentidos.
Esse processo de construção de modelos em nossa cabeça ocorre desde o instante em que nascemos.
Este bebê usa os sentidos para descobrir o mundo.
"Essa pessoa no espelho é outro bebê, ou sou eu?"
"Por que esta coisa faz barulho quando a agito?"
Ela está em constante aprendizado ao testar tudo ao seu redor.
Milhares de pequenas experiências como essas criarão suas hipóteses inconscientes.
Elas irão construir os modelos que definirão sua visão do mundo.
Assim, ela será capaz de desenvolver e viver.
É encantador pensar que, de certa forma, o que ela está fazendo agora é agir como um mini cientista.
Ela está investigando o mundo, está formando suas teorias, hipóteses e testando-as contra a realidade.
E isso, de certa forma, é o que é a ciência e ela acontece dentro de cada um de nós a partir do instante em que nascemos.
Não é, Chloe? Não é mesmo?
É.
Neste programa, vimos que o homem é um ser de pensamento racional e agitação emocional.
Nesta série, mostrei como a ciência também foi definida pela razão e pela emoção, bem como pelo tumulto do mundo no qual ela age.
Seus feitos intelectuais transformaram nossas vidas.
Mas não foi algo simples.
A história da ciência é complicada, envolta em política, crença, dinheiro e rivalidade, a prova sempre definida pelo poder e paixão.
A ciência é uma atividade muito humana, algo que inconscientemente fazemos todos os dias, observando o mundo, construindo modelos mentais e testando-os.
Mas foi quando intencionalmente começamos a usar o método científico que fomos além de nossas capacidades individuais.
Acho que a ciência é o maior empreendimento coletivo que a humanidade já realizou.
Ao longo dos últimos milhares de anos, o cérebro humano não mudou.
A evolução não é assim tão rápida.
O que mudou foi nossa compreensão do mundo.
Não dependemos apenas da sabedoria do nosso próprio cérebro.
Temos linguagem, literatura, hoje, computadores, e isso une todos nós.
Que nos dá, por assim dizer, a sabedoria de todos que nos precederam.

[Via BBA]

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Brasil Acadêmico: A História da Ciência - Parte VI
A História da Ciência - Parte VI
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